“Peixe Homem” mostra não só o amadurecimento do grupo - formado por Sammliz (voz), Ed Guerreiro (guitarra e backing vocal), Ícaro Suzuki (baixo) e Ivan Vanzar (bateria) -, exposto em músicas de forte apelo pop. É também a afirmação de uma estética que lhe é própria e peculiar no mundo da música. Os vocais fortes e furiosos de Sammliz tratam de assuntos incomuns na música pesada e mesmo fora dela, ao mesmo tempo em que, musicalmente, os outros três músicos não ficam nada a dever ao que se sucede no heavy metal contemporâneo.
Agora é hora de seguir em frente, em busca de novos espaços no mercado brasileiro e – por que não? – uma carreira internacional. É o que a vocalista Sammliz (“é o meu nome mesmo”, ela garante) conta, nessa entrevista exclusiva e em primeira mão para o site Rock em geral. A gogó de ouro fala sobre as gravações de “Peixe Homem”; da evidente evolução do grupo; das dificuldades de gravar o videoclipe de “Respira” dentro de um rio poluído; de outro vídeo guardado na manga; e até do alardeado boom da música paraense. Divirta-se:
Rock em geral: Como você avalia a gravação de “Peixe Homem”, em relação ao primeiro disco?
Sammliz: Foi tudo muito diferente, quatro anos é muito tempo. Nós já fizemos esse disco em São Paulo, tivemos um pouco mais de tempo para fazer. O primeiro foi gravado em sete dias, num estúdio muito cru de um amigo. Aquele primeiro disco juntava músicas que já tínhamos feito há muito tempo, foi totalmente diferente. Nesse segundo disco nós já éramos pessoas diferentes. Eu não gosto de falar em evolução, mas é como eu sinto, é uma coisa mais madura mesmo, quatro anos é um tempo bom para isso, para pegar mais experiência.
REG: As músicas desse disco são mais recentes ou tem coisa antiga?
Sammliz: A primeira música desse disco que a gente fez em São Paulo é “Rio Vermelho”, feita há uns três anos. Mas todas foram feitas já aqui em São Paulo. Teve música que nós fizemos uma semana antes de entrar em estúdio. “Respira” saiu um mês antes.
REG: É diferente fazer música em São Paulo, uma cidade maior, e que não é a de vocês?
Sammliz: De qualquer maneira nós já iríamos fazer coisas diferentes porque já tinha passado muito tempo. Mas quando se muda de uma cidade para outra, se escreve sobre outras coisas, nós ficamos expostos a outro tipo de coisa, e isso influencia, sim. Mas não dá para apontar em detalhes especificamente, acontece no geral.
REG: E trabalhar com um produtor mais experiente? Onde está o dedo dele no disco?
Sammliz: O Paulo (Anhaia, produtor) é muito gente boa, alto nível, um cara muito experiente. Ele puxou coisas nossas. Gostamos de trabalhar com gente que sabe o que tá fazendo, sabe pressionar, sabe tirar o melhor. Tinha músicas em que ele dizia: “Preciso de mais uma parte, escreve aí agora!”. Músicas que tínhamos acabado de escrever, e era preciso fazer na hora e logo gravar. Foi bacana porque ele nos encontrou num momento em que queríamos soar exatamente desse jeito. É um produtor que puxou o que tínhamos de melhor. Ele me dirigiu na parte vocal, me exigiu bastante. Foi muito bom porque eu gosto de trabalhar com essa pressão. Foi um encontro de almas ali, precisávamos dele, eu não vejo outro cara para ter trabalhado conosco. Era o Paulo mesmo, pelo conjunto da obra. Por ele ter vindo de bandas pesadas, ele entendeu o que a nós queríamos. Estamos estacionando, nesse disco, completamente como nós imaginamos.
REG: Você disse que ele deu o jeito que vocês queriam. Que jeito é esse?
Sammliz: Nós não gostamos dessa coisa de muitos truques, gostamos de soar como somos ao vivo. No primeiro disco muita gente falou que nós não tínhamos conseguido colocar no CD o que somos ao vivo. E é verdade, por uma série de fatores. Então acho que conseguimos fazer com que esse disco soasse mais vigoroso, pesado, gostamos de soar assim. Ele conseguiu mostrar isso, sem trucagem. Tem a assinatura dele como produtor, mas nós somos é aquilo ali.
REG: Vocês se consideram uma banda de heavy metal?
Sammliz: Eu acho que nós fazemos música vigorosa, fazemos uma coisa densa. É metal? Certamente é um tipo de metal, mas eu não vou nem te dizer o que é, metal não sei o que, não sei o que lá. É som pesado, nós fazemos rock pesado.
REG: Vocês acompanham a cena do heavy metal, estão ligados nas bandas, lançamentos?
Sammliz: Somos voltados para a própria banda, mas estamos ligados no que está acontecendo. Gostamos de escutar as coisas novas, estamos sempre ligados no que acontece aqui em Belém, com as bandas daqui. Temos amigos que tocam em bandas pesadas, acompanhamos o que está acontecendo, sim.
REG: O som de vocês nesse disco é bem identificado com o que tá rolando no metal internacional…
Sammliz: Eu não descarto a hipótese de um dia tentar fazer uma coisa no exterior, até porque o mercado lá é bem legal para banda pesada. Mas o que temos para agora é esse disco. E uma das coisas que nós queremos esse disco é viajar bastante, tocar por aqui, mas queremos ir para fora, tentar fazer a coisa por lá. Essa oportunidade já surgiu, mas a achamos que não era a hora. Agora já estamos pronto para isso, para buscar outras coisas, sabe Deus o que.
REG: Os temas que você aborda nas letras são incomuns ao heavy metal, geralmente associado a fantasia, guerra, apocalipse. De onde vêm essas suas histórias?
Sammliz: Ontem me perguntaram sobre isso, porque tem a música “Sete Dias” que fala de religião. Eu adoro religião, não tenho nenhuma, mas adoro. Eu escrevo sobre as minhas coisas, as coisas que acontecem comigo, com a banda, sobre as coisas que eu vejo, sobre aspectos humanos, essas coisas que pertencem a qualquer um de nós, esses questionamentos humanos, simplórios, tão comuns a todos nós, só que da minha forma.
REG: E que forma é essa? Que referências apontam para esse jeito de escrever tão peculiar?
Sammliz: Eu não tenho como te falar de fontes, porque eu leio de tudo, converso muito, bato muito papo com todo o tipo de gente. Gosto de histórias fantásticas, meu pai foi professor de latim e essas coisas vêm à tona.
REG: Você falou em turnê pelo exterior. Era muito comum com as bandas pós Sepultura cantar em inglês, atrás desse reconhecimento fora. Vocês cogitaram isso?
Sammliz: Já teve gente que disse que se compuséssemos em inglês, teríamos espaço lá fora. Falando com o P. R. Brown (que dirigiu o clipe de “Respira”), ele disse que temos que ir pra lá e tal. E nós perguntamos: “Mas cantando em português?” E ele falou: “E o Rammstein?” É tudo tão doido que tudo pode acontecer, até as pessoas nos aceitarem cantando em português. Agora, só dá para fazer musica em inglês se tiver um domínio da parada, coisa que eu não tenho agora. Então não tô pensando nisso agora, não vou fazer uma coisa mentirosa, forçar uma barra.
REG: Vocês circulam muito bem no meio independente brasileiro, apesar de o metal não ser muito bem quisto por essa turma. Por que você acha que o pessoal curte o som de vocês?
Sammliz: Não há muitas bandas de rock pesado circulando nesse meio indie. Não sei te explicar, se as bandas vão mais para o nicho que eles acham que é o delas, não sei. Eu gosto de tocar em qualquer lugar que me aceitem, pode ser um festival com bandas extremas ou de banda indie. Eu vou onde abrem o espaço.
REG: E a aceitação sempre é boa?
Sammliz: Pior que é. Da última vez foi lá no Estúdio SP, lá é o maior “templão indie”. Eles nos chamaram, e eu disse: “Chamaram a gente pra tocar lá?”. Quando chegamos em São Paulo disseram que tínhamos que tocar lá, e mandamos material. Obviamente que ninguém quis, porque não tinha a ver com o perfil da casa. Chamaram agora e nós fomos. Foram as pessoas que foram para nos ver o público habitué da casa. No final ficou uma balbúrdia tão grande que até os habitués ficaram na onda, felizes. As pessoas podem até não gostar de som pesado, mas costuma funcionar com a gente em lugares onde as pessoas dizem que não vai rolar. Não sei te dizer por que, e também estamos pouco nos importando. Vamos lá, fazemos a onda e colhemos coisas boas, o público responde muito bem.
REG: Como rolou de trazer os caras lá de fora para fazer o clipe aqui?
Sammliz: Foi uma doidice. Adoramos fazer clipe e íamos chamar a Priscilla Brasil, que fez os nossos primeiros clipes, mas ela não podia. Começamos a procurar gente para fazer em São Paulo, e ninguém deu confiança, ninguém respondeu e-mail. Partimos para fazer nós mesmos. Pesquisando, chegamos ao P.R. Brown, no Facebook, e mandamos uma mensagem, pensando que íamos receber um “não”. E aí ele respondeu, nós explicamos quem éramos, mandamos duas músicas, da onde viemos e para onde queríamos ir. Ele respondeu que tinha amado e que queria vir ao Brasil. Ele veio, bancou a própria passagem e fez os dois clipes. Ficamos uma semana entupindo ele de comida, eles ficaram doidos. Eles adoram essa coisa da Amazônia, ele ficou encantado, com a chuva. É muito diferente, eles adoraram, ele disse que foi um dos trabalhos mais legais que ele já fez. E com nada, com material de mão, pouca coisa.
REG: Foi ele quem bolou o clipe todo?
Sammliz: Nós explicamos o conceito, eu escrevi tudinho, expliquei as letras para ele, eles começaram a pensar na situação da água e foram amarrando o roteiro. Quando ele chegou aqui já tinha exatamente na cabeça o que queria fazer. Foi tiro e queda, em dois dias de trabalho ele fez exatamente tudo o que tinha na cabeça.
REG: Foi difícil gravar dentro d’água?
Sammliz: Nós só fazemos clipe onde a gente se lasca. Nesse enfiaram a gente na água, e aquele braço do rio era uma situação completamente arriscada para banho, nada aconselhável. Nos machucamos, tinha toco, espinho, cachorro morto boiando, coisa desse nível. Ele chegou e rasgou as nossas roupas, rasgou meu vestido, foi pauleira mesmo. Mas a gente gosta…
REG: Você falou em dois clipes, qual foi o outro?
Sammliz: “Até o Fim”, que não sabemos quando vamos largar. Vamos curtir um pouco esse. Queremos fazer clipe de todo o disco, hoje em dia tá mais fácil. Esse foi gravado mais na Cidade Velha, nas ruínas de uma igreja antiquíssima, as Ruínas do Murucutu. Eu acho que gosto mais do segundo.
REG: Por que “Respira” foi escolhida como carro chefe do disco?
Sammliz: Geralmente a primeira música que escolhemos para mostrar é uma música que explica o disco ou que, pelo menos, dá o tom do que vem no disco. Eu achei que tínhamos que dar logo a cacetada, não tem negócio de arregar, não. Somos isso, dá logo um socão, não fica escondendo com balada. A quase balada do disco seria “A Foice”. Tinha que ser curto e grosso, se não gostar de “Respira” não vai gostar de nada do disco. Somos isso.
REG: A música paraense tem aparecido muito na mídia ultimamente. Como é que vocês se posicionam a respeito disso? Vocês vestem a camisa da região ou reconhecem que tem muita coisa ruim?
Sammliz: Eu visto a camisa do Pará, paraense é bairrista pra cacete. A gente se ama, mas é claro que em qualquer cena tem coisas boas e tem coisas ruins, tem bandas legais e bandas não tão legais. Mas eu gosto dessa onda, é uma miríade de coisas. É o tecnobrega, tem as bandas de rock, porque Belém é muito roqueira mesmo, tem as bandas que mexem com a guitarrada. Eu tô gostando agora mais das pessoas que fazem música popular aqui, a dita mpp (música popular paraense), que eu não gosto de falar isso, acho um termo besta. Eu acho que tá mais legal agora porque eles estão se permitindo flertar com outras coisas, com o pop, com o próprio brega. As pessoas não gostam das coisas daqui, mas estão se aceitando mais, essa coisa do tecnobrega, música de periferia. Eu gosto de muitos artistas de tecnobrega, acho a Gabi (Amarantos, conhecida como a Beyoncé do Pará) de uma capacidade… É uma pessoa muito bacana, nos conhecemos há muito tempo, ela fazendo a onda dela e eu a minha. Pode parecer horrível para muitas pessoas, mas é bom que não seja uma unanimidade, tem que provocar. Acho bacana fazer parte dessa leva de artistas.
REG: Vocês acabam como o patinho feio ou o patinho bonito da história…
Sammliz: Nós somos os excluídos, mas enchemos o saco. Temos um público aqui fantástico, eles nos impulsionam, adoramos as pessoas daqui, elas fazem a situação acontecer. É por isso que as pessoas acabaram tendo que nos engolir mesmo, porque nós não desistimos, somos enjoados pra caramba. Curtimos muito o que fazemos, trabalhamos pra cacete. E não estamos nem aí, procuramos nosso espaço e acabamos conseguindo, tudo na honestidade. As portas vão se abrindo sem nenhum esforço maligno.
REG: O disco foi gravado com verbas obtidas através de lei de incentivo a cultura. Como você vê a utilização dessas ferramentas?
Sammliz: Há varias formas de se fazer a coisa. Se tem o dinheiro para fazer o seu disco, vai e faz. Nós participamos do processo de seleção pelo “Conexão Vivo”, ganhamos um concurso que teve entre as bandas, há uns dois, três anos. Mas precisávamos de uma carta de incentivo para poder gravar o disco, e por isso fomos na Lei Semear. Era uma forma de conseguir fazer com uma qualidade melhor, coisa que nós não conseguimos antes por causa do preconceito com banda de rock. Mesmo com um bom projeto, não éramos aprovados. Quando pegamos essa proposta da Vivo, que queria patrocinar o nosso disco, corremos atrás da Semear e fizemos tudo como manda o figurino. Se você pode usar uma coisa, que é para todo mundo, use. Tente tudo, faça da maneira que você puder. Não tem só um jeito, há muitas moradas na casa do Pai.por Marcos Bragatto
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