sábado, 30 de agosto de 2014

NAPALM DEATH DE VOLTA AO BRASIL

                    Napalm Death é uma banda inglesa formada no vilarejo de Meriden, próximo à cidade de Birmingham, no ano de 1981, por Nicholas Bullen e Miles Ratledge. O grupo é conhecido como o inventor do estilo musical definido como grindcore, situado num meio termo entre o punk/Hard core e o metal e caracterizado principalmente pela rapidez e brutalidade na execução. Com o tempo e as mudanças de formação - não há nenhum integrante original tocando hoje em dia -, no entanto, eles acrescentaram à sua música influências do death metal e do metal industrial. Membros do Napalm Death montaram bandas como Carcass, Godflesh, Cathedral e Scorn, e projetos paralelos como Painkiller, Lock Up, Jesu e Venomous Concept. O álbum de estreia da banda, Scum, foi listado entre os "50 melhores álbuns britânicos da história" pela revista Kerrang! em 2005.

                   Apesar de serem considerados os pioneiros do estilo, algumas outras bandas também faziam um som similar na mesma época - é o caso do Siege, S.O.B., Larm, Heresye e Cryptic Slaughter. O Napalm, no entanto, semeou a fusão da agressão do punk, das batidas blast beat, da produção metálica e dos vocais extremamente guturais, sinônimo do grindcore até os dias de hoje, e influenciou bandas como Nasum e Pig Destroyer.

                  O Napam Death lançou até hoje 15 álbuns de estúdio e é citado por Nielsen SoundScan como a sétima banda de death metal que mais vendeu nos Estados Unidos. Atualmente estão em estúdio gravando as músicas que farão parte do novo disco. As gravações começaram pelas guitarras e a produção está à cargo de Russ Russel. Uma das músicas que devem fazer parte desse novo trabalho é “Dear Slum Landlord”, que já vem sendo tocada nos shows. A previsão é de que o sucessor “Utilitarian”, que saiu em 2012, seja lançado no início do ano que vem. A formação atual conta com Mark “Barney” Greenway (vocal), Mitch Harris (guitarra), Shane Embury (baixo) e Danny Herrera (bateria).

                 Em setembro, Napalm Death e Hatebreed fazem uma turnê pela América Latina, incluindo três datas no Brasil. Os shows acontecem no Rio de Janeiro, no dia 26, no Circo Voador; em São Paulo, no dia 27, no Carioca Club; e em Curitiba, no dia 28, no Music Hall. Os ingressos já estão à venda.

Fontes: Wikipedia e rock em geral

SERVIÇO:
Rio de Janeiro
Circo Voador: Rua dos Arcos, s/n - Lapa
Dia 26/9, sexta, 21h
Preços: 1o lote: R$ 180 (inteira) ou R$ 90 (meia-entrada para estudantes, menores de 21 anos e idosos; promocional válido com 1 kg de alimento ou e-flyer; ou Cliente Club Sou + Rio)
Informações e vendas: http://www.ingresso.com.br
Pontos de venda:
Bilheteria do Circo Voador (sem taxa de conveniência, pagamento apenas em dinheiro):
De terça a quinta, das 12h às 19h; sextas, das 12h às 24h; e sábados, das 14h às 24h
Posto BR Mirili
Avenida das Américas, 3757 - Barra da Tijuca
Posto BR Piraquê
Avenida Borges de Medeiros, s/nº - Lagoa (Em frente ao
Parque dos Patins)
São Paulo
Abertura: a confirmar
Carioca Club: Rua Cardeal Arcoverde, 2899
Dia 27/9, sábado, 17h
Preços: R$ 100 (pista - primeiro lote - estudante/meia entrada/promocional), R$ 120 (pista - segundo lote - estudante/meia entrada/promocional), R$ 150 (pista -terceiro lote - estudante/meia entrada/promocional) ou Camarote: entradas limitadas à venda apenas na Loja 255 ou no Carioca Club
Início das vendas: 1o de maio
Informações e vendas: www.clubedoingresso.com ou info@liberationmc.com
Vendas:
Loja 255
Galeria do Rock, Rua 24 de Maio, 62, primeiro andar, loja 255
São Paulo/SP, fone: 11 3361-6951
Carioca Club
Curitiba
Music Hall (antigo John Bull Music Hall): Rua Engenheiros Rebouças, 1645, Rebouças
Dia 28/9, domingo, 19h
Preços: R$ 100 (pista - primeiro lote - estudante/meia entrada/promocional) ou R$ 120 (pista - segundo lote - estudante/meia entrada/promocional). Camarote: entradas limitadas à venda apenas pela internet
Informações e vendas: www.liberationstore.net ou info@liberationmc.com
Início das vendas: 24/4

Postos de venda:

Dr Rock
Praça Rui Barbosa, 765 - Shopping Metropolitan - Loja 04
Curitiba
Tel: 41 3324-0669
Túnel do rock
Av. Marechal Floriano Peixoto, 34
Curitiba
Tel: 41 3322 9502


sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Os Mutantes, a caixa.

RIO — Em 1968, os Mutantes faziam uma temporada com Caetano e Gilberto Gil na boate Sucata — encontro que geraria o compacto duplo “Caetano Veloso e Os Mutantes ao vivo”, com “A voz do morto” e “Baby” no lado A, “Marcianita” e “Saudosismo” no lado B. O guitarrista Sérgio Dias lembra bem daquelas noites, sobretudo por dois motivos: sua versão do Hino Nacional teria sido um dos fatores a desencadear a reação do militares que culminou na prisão dos baianos; e foi em meio àquelas apresentações que ele perdeu a virgindade, “com uma loura linda, de uns 20 e poucos anos, que me seduziu lá mesmo” (ele tinha 17 na época).

Um ano antes, a Tropicália se anunciava pelas mãos de Mutantes e Gil no Festival de Música Popular Brasileira de 1967, com “Domingo no parque” — e com Caetano e “Alegria, alegria”. Arnaldo Baptista lembra que um amigo, ao ouvir a música crua, antes do arranjo revolucionário, disse: “Mas isso aí não é rock não”. Ele repete a resposta que deu: “Eu disse: ‘A gente dá um jeito’. E demos, né?”.

Arnaldo "subvertendo" com O A e o Z ...
A irreverência, a ousadia, o tesão juvenil, o desafio às regras marcados nessas memórias atravessam a música presente na caixa “Os Mutantes” (Universal), que reúne os discos da banda produzidos entre 1968 e 1972 — além de um CD de raridades, “Mande um abraço pra velha”, no qual estão as cinco gravações citadas (“A voz do morto”, “Baby”, “Marcianita”, “Saudosismo” e “Domingo no parque”) ao lado de outras oito, extraídas de compactos, compilações dos festivais e participações em álbuns de outros artistas. Oportunidades de ir um pouco mais fundo na obra do grupo que, nas palavras do pesquisador Rodrigo Faour (autor dos textos da caixa), levou o rock nacional à idade adulta.

TODOS OS SUCESSOS E ALGUMAS SURPRESAS

Os sucessos estão todos ali. A caixa cobre o período no qual o trio original — além dos irmãos Arnaldo e Sérgio, Rita Lee — esteve junto, portanto, a fase de ouro do grupo: “Os mutantes”, de 1968 (“Panis et circensis”, “A minha menina”, “Baby”, “Bat macumba”); “Mutantes”, de 1969 (“Não vá se perder por aí”, “2001”, “Qualquer bobagem”); “A divina comédia ou ando meio desligado”, de 1970 (“Ando meio desligado”, “Desculpe, babe”, “Chão de estrelas”); “Jardim elétrico”, de 1971 (“Top top”, “El justiciero”, “It’s very nice pra xuxu”); “Mutantes e seus cometas no país dos baurets”, de 1972 (“Posso perder minha mulher, minha mãe, desde que eu tenha o rock and roll”, “Vida de cachorro”, “Cantor de mambo”); e “Tecnicolor”, de 2000 (a partir de uma gravação feita na Europa em 1970).

— Esses discos estão aí, circulando, mas é muito legal que as pessoas tenham acesso a uma coisa física desse nível — comenta Sérgio. — Tive a sorte de pegar Beatles desde o primeiro álbum, depois ouvir o segundo, você entende as mudanças, o crescimento do grupo. Essa caixa permite isso à molecada de 17 anos, que é o público do Mutantes hoje.

Arnaldo toca indiretamente na ideia de crescimento ao apontar seu favorito, o último assinado pelo trio original (em 1970 e 1972, Rita Lee lançou dois discos solo que reuniam os outros dois colegas de banda):

— Meu preferido é “País dos baurets”. A gente estava mais animado. Ali passa a alegria, não só no sentido de sucesso, mas no de sangue.




terça-feira, 12 de agosto de 2014

Há 21 Anos, Zooropa ...

Estamos no amanhecer de um novo mundo - onde estaremos todos conectados via fibra ótica, brigando e se amando e aprendendo e votando e transmutando a maneira como nossos cérebros funcionam e principalmente, antes de mais nada, comprando (o shopping-orgasmo, além dos nossos mais desvairados sonhos, agora ao alcance de seu controle remoto). Enquanto isso, milhões apodrecerão de fome e Aids e mediocridade e analfabetismo tecnológico. Velhos conflitos, novos problemas, soluções efêmeras - cada vez mais rápido e mais na sua cara.

Um grupo de rock formado por quatro irlandeses está firmemente convencido de que cabe a eles compor a nova trilha sonora, catalisar os beats pelos quais todo o planeta dançará. Mais que isso, eles querem articular esse universo fragmentado de mudanças contínuas de maneira artística e militante.

Criar pontes de compreensão e comunicação. Estar ali, na fronteira do futuro. Surfar na Terceira Onda. O disco Achtung Baby e sua simultânea Zoo TV Tour já tentavam estabelecer as novas regras do novíssimo jogo. Que não basta fazer música - é preciso participar! - já era um dado fundamental no histórico do U2 (é bom lembrar The Commitments: a Irlanda está para a Europa como os negros blueseiros para a América W.A.S.P.). Mas agora Bono Vox, The Edge, Larry Mullen e Adam Clayton redefiniram seu conceito de militância. O que está mudando o mundo, diz muita gente e eles acreditaram, não é votar nos partidos de esquerda (left is right) nem militar nos sindicatos (aparelhos obsoletos) nem fuzilar nossos governantes (primeiro porque eles serão substituídos por gente tão bunda quanto e segundo porque só estão fazendo seu trabalho: administrar aos trancos e barrancos as ruínas da sociedade industrial).

Não, o que está mudando o mundo é - um, dois, três - a tecnologia. Todo mundo sabe: na virada do milênio, o que passa na televisão passa por realidade. A popularização do controle remoto tem mais peso político que os conchavos dos engravatados - e a explosão da interatividade fará de cada consumidor parte de uma rede global de conhecimento, informação, atuação e consumo.

O indício mais óbvio deste novo mundo está nas nossas caras: a MTV (uma vitrine empastelante criada única e exclusivamente para vender discos!) se tornou um instrumento político fundamental. Por que você acha que Clinton se elegeu? É outro jogo, com outras regras e o divertido é que o próximo estágio do capitalismo tem suas regras na música e na cultura pop. O U2 sacou que este mundo novo é tão filho dos investimentos em tecnologia, que o Pentágono bancou nos anos 80, quanto do LSD. Tão ligado ao marketing de guerra quanto ao espírito empreendedor da cultura punk.

Economistas hardcore, samurais corporativos, futurólogos governamentais - todos concordam numa coisa: estamos passando de uma sociedade industrial para uma sociedade informacional, em que o principal capital será o conhecimento. O setor estratégico da economia mundial, dizem os experts, passa agora a ser uma interface entre telecomunicações, informática e entretenimento. Tanto que criar uma “auto-estrada informacional” virou prioridade do governo americano.

Que esse futuro já está às nossas portas é consenso. Não tão divulgadas são as consequências nefastas que essa mudança radical trará. A recessão não vai acabar. Quem ficar fora deste processo evolutivo/tecnológico estará destinado ao desemprego crônico. Os pobres continuarão ficando cada vez mais pobres, os ricos cada vez mais ricos. As rivalidades nacionais/ tribais continuarão esquentando - a coisa vai do neonazismo incendiando turcos na Alemanha unificada ao separatismo brasileiro. O que, mais uma vez, mexe com o âmago do conceito U2 - a bronca, a militância, a luta contra a injustiça (é careta? Pode ser, mas também é fundamental). Como dizia Norman Mailer nos anos 60, “vem uma tempestade de merda por aí”.

Você pode ver isso como os últimos espasmos da civilização, ou como as dores de parto de um mundo novo e interessante. Descobrir de que lado deste muro você está é a grande questão político/cultural da nossa era. Com tudo isso rolando, é apropriado que o pop - um dos pais desse mundo de ficção científica - tente articular essa visão moderna (e modernosa) dos anos vindouros em termos pop. Muita gente se meteu na mesma praia antes - mais obviamente grupos de tecno, gente que faz som para rave, industriais e eletrônicos em geral. Agora, até Billy Idol está lançando um disco de base tecno chamado Cyberpunk.

Mas foi Achtung Baby e a Zoo TV Tour que levantaram essa bola futurista em termos de massa. Afinal, o U2 ainda é “a maior banda de rock do mundo” (se é a melhor ou a que vende mais não vem ao caso, mas que é a maior, ninguém discutirá). Daí o swing oriental de “Misterious Ways”, remixado para as pistas (duas fronteiras da nova era interligadas: a visão multiculturalista e os garotos chapados de designer drugs dançando a noite toda). Daí as táticas situacionistas, o apoio ao Greenpeace (a política do amanhã está nas organizações informais, flexíveis, não-governamentais). Daí a auto-referência, o senso de humor, o terno dourado.

Daí a banda vestida de mulher em revistas de moda (e na capa desta revista), a embaralhação de signos tradicionais do superstar, e daí a monstruosa blitz de mídia em 91/92 (e agora 93, da qual fazemos orgulhosamente parte - é bom de vez em quando estar do lado que vai ganhar). E daí Zooropa disco e a tour - o mais ambicioso disco do U2 a mais ambiciosa tour da história.

Sem fronteiras

Em 91/92, era a Zoo TV Tour. Zooropa 93 é uma versão muito revista e muito melhorada. São trinta datas, começando 9 de maio em Roterdã e acabando 31 de julho em Estocolmo. Os menores shows são para 30 mil; os maiores, para 70 mil. Se todos os shows lotarem, U2 terá sido visto por quase dois milhões de pessoas durante três meses. Para pagar os custos de cada show, é necessário que pelo menos 85% dos ingressos tenham sido vendidos. Ao mesmo tempo, o U2 não aceitou nenhum patrocínio corporativo, com exceção de um acordo de cobertura especial com a MTV Internacional.

Para compensar a ausência de patrocinadores, a tour oferece um dilúvio de merchandising de todos os tipos - bonés, camisetas, fivelas para cinto, adesivos e até uma nota falsa de ECU (o novo dinheiro da Europa unificada). Entre os que estão abrindo para o U2 em shows diversos estão grupos tão variados quanto Velvet Underground, Belly, Einstürzende Neubaten, Stereo MCs e o DJ Paul Oakenfold. Os telões da Zooropa 93 foram especialmente desenvolvidos para a banda pela Philips, pioneira na área de TVs de alta definição. A empresa controla a PolyGram e através dela a Island. U2 aceitou dez por cento da propriedade da Island, sua gravadora, em troca de royalties atrasados. U2 e Philips são, portanto, sócios.

A programação de vídeo de cada show varia. Ela vem de três fontes: um grupo americano que trabalha com sampleagem e colagem de vídeo, o Emergency Broadcast Network; o produtor/diretor/músico Kevin Godley, da dupla Godley & Creme, ex-10 cc; e de filmagens feitas com e pela platéia durante cada show. Bono controla parcialmente o que está nos telões, via controle remoto. O show inclui todos os grandes hits do U2, Achtung Baby e Zooropa praticamente inteiros, uma versão de “Satellite Of Love” de Lou Reed, mais músicas compostas pelo grupo para outros artistas, inclusive “Prodigal Son” (que foi gravada pela banda mas não entrou no novo disco, mas estará só no do cantor de soul americano Al Green, que Bono considera a maior influência sobre seu estilo de cantar) e “The Wanderer” (que está em Zooropa, na voz do cantor country e um dos inventores do rock´n´roll, Johnny Cash. A música foi composta especialmente para Cash). Os shows sempre abrem com “Zooropa”, e geralmente terminam com “Are You Lonesome Tonight”, o velho clássico de Elvis.

É na última parte do show que Bono aparece como “MacPhisto” (uma piada: Mefisto, o demônio tentador, que faz qualquer negócio em troca de uma alma - só que irlandês). Usa terno dourado brilhante, sapatos plataforma, maquiagem pesada e chifres vermelhos. É neste alter ego cafona, uma paródia/auto-referência, que Bono interpreta alguns dos maiores sucessos da banda - inclusive a mais famosa balada do U2, “With Or Without You”. Sobre o personagem, Bono disse: “não sei de onde ele vem, nem sei para onde ele está me levando. É excitante e amedrontador ao mesmo tempo”. É mais um dos muitos jogos de cena de Bono, que escandalizaram/ deliciaram os fãs do U2 nos últimos tempos. Entre os mais chamativos estiveram posar vestido de mulher (você já viu); rebolar, apalpar e encoxar bailarinas durante os shows desta turnê; aparecer bêbado carregando uma garrafa de conhaque em entrevistas coletivas e fazer editoriais de moda para a Vogue ao lado da modelo Christy Turlington, seminua.

Apesar das baixarias no decorrer da turnê, o grupo encontrou alguns de seus heróis literários. William Burroughs - padrasto do movimento beat e uma lenda americana - participou de um show de TV com a banda. Salman Rushdie, até hoje sob ameaça de morte por parte dos xiitas iranianos por causa do livro Os Versos Satânicos, se encontrou com eles num fórum sobre censura em Dublin. Charles Bukowski, afiliado distante dos beatniks e bêbado escroto de marca maior, assistiu ao show em Los Angeles. Gunther Grass, autor de O Tambor e um dos intelectuais mais respeitados da Alemanha esteve com o grupo em Berlim.

No futuro próximo o U2 pode mudar de cara. Correm boatos de que Adam Clayton pode deixar a banda (ele é o único não-crístão da banda e está noivo da modelo Naomi Campbell). O futuro imediato da banda? Bono fará um dueto com Frank Sinatra para seu próximo disco, produzido por Quincy Jones. Willie Nelson e Al Green gravarão faixas especialmente compostas para eles por Bono. Em outubro sai outro lançamento, com cinco faixas deste disco remixadas para pista - quais, ainda não foi anunciado. E o mais interessante: o U2 está produzindo em acordo com a gigante dos videogames Sega um CD-Rom - não um jogo, mas um produto interativo que une música, vídeo, texto. Mais um passo na direção certa.

Apocalipse experimental

E depois que Zooropa 93 acabar Bono já anunciou que esta turnê só acaba definitivamente depois que a banda tiver tocado nos cinco continentes. Resta portanto os países do Pacífico - que provavelmente receberão uma versão um pouco diferente da excursão ainda este ano - e América Latina. Tanto os fãs de “Sunday Bloody Sunday” quanto os de “The Fly” vão estranhar. A nova parceria do U2 com Brian Eno - produtor que fez o estouro da banda de The Unforgettable Fire para frente - vai mais longe do que qualquer supergrupo já foi.

Zooropa, o disco, é a cara de Zooropa 93, a tour - uma superprodução que embaralha completamente o que se espera do U2 com o que o grupo espera de si mesmo. Antes de mais nada, porque é um disco conceitual. A ambição explícita é retratar um mundo que vive na fronteira da revolução eletrônica - e como isso afeta o cotidiano das pessoas comuns deste planeta. Como viver num mundo em constante transformação afeta os sonhos, as aspirações políticas, as angústias pessoais e as expectativas espirituais do cara aí na esquina. E ambição demais para um mero disco. Muita gente boa já gastou milhares de páginas tentando articular essa visão, inclusive o escritor William Gibson, o mais importante criador da ficção científica cyberpunk e segundo Bono o grande inspirador de Zooropa.

As gravações foram realizadas em intervalos desta turnê européia. Quando o grupo tinha uns dias livres, voltava rápido para o estúdio, em Dublin. Esse método de composição e gravação se refletiu no feeling final do disco. E um trabalho muito europeu, dos temas das letras aos timbres usados. O resultado final remete imediatamente à virada dos anos 70 para os 80: o David Bowie berlinense de Low, Lodger, Heroes: o refinamento do Roxy Music; as experimentações de base pop do Japan. E alguma coisa difícil de definir, talvez a angústia, do Joy Division.

Claro que Zooropa não é um xerox amarelado dessa fase do rock. O disco soa moderníssimo: Flood e Brian Eno cuidaram disso. Flood foi o engenheiro de som. E um dos mais importantes produtores de música eletrônica do mundo. É colaborador local” do selo Mute, onde produziu (e/ou remixou) quase todo mundo que é alguém no tecnopop britânico. Seu associado mais famoso e o Depeche Mode.

Brian Eno vai um pouco mais longe. Eno é um dos grande experimentadores da história da música. Começou no Roxy Music, no início dos 70. Trabalhou muito com Robert Fripp, outro grande experimentador, inclusive na ´trilogia Berlim” de David Bowie. E um dos pioneiros da música ambient - que hoje se infiltra até no maior domínio do ritmo, a dance music. Fez o influente disco de world music ambiental (na época, o rótulo era etnopop) My Life In The Bush Of Ghosts, com David Byrne. Recentemente voltou ao pop com John Cale, no disco Wrong Ways Up. Continua sendo vanguarda - seja lá o que isso quer dizer.

No meio dessa história toda, Eno achou tempo para produzir o disco que estourou o U2 mundialmente - The Unforgettable Fire - e ainda o seguinte. The Joshua Tree, que sedimentou definitivamente o status da banda. Zooropa não tem nada a ver com esses discos. Demorou, mas finalmente o U2 (visceral, obcecado por ritmos americanos, tocando rock de arena com refrões poderosos) e Brian Eno (dandy, esteta, sutil, mago de estúdio) sincronizaram seus interesses. O resultado deste encontro é modular, monotônico, hipnótico. Refrões são desimportantes. Quase nenhuma música permite se cantar junto, muito menos assobiar. Ao todo, são dez faixas. A primeira é a música-tema “Zooropa”. Imagine ouvir “Until The End Of lhe World” numa estação de rádio que não está bem sintonizada e dá para imaginar. A música estabelece o clima do disco todo. É épica mas contida: não tem um pingo de paixão. Quando a guitarra fala alto, não é uma explosão: é estática calculada. Se a bateria martela não é para ninguém dançar, e sim para sugerir os passos sincronizados de nazistas marchando. A letra é um amontoado de slogans publicitários.

Depois desse inferno sombrio, “Babyface” parece um alívio. Parece uma baladinha eletrônica feita por David Bowie. Só que o romance é com uma criança. “Devagarzinho… deixa eu desamarrar sua renda… abre a porta… deixa eu desarrumar minha mala… você está vindo a mim (gozando sobre mim), direto do espaço sideral.”

Uma banda famosa por ser católica cantar as delícias da pedofilia já seria estranho o suficiente. Bem mais estranha é a faixa seguinte, “Numb´, ter sido escolhida como primeiro single/clip. “Numb” não tem refrão, não tem explosão, não tem atitude. A voz de Bono está irreconhecível. A letra se limita a dizer “não”. É “não faça/não se mexa! não pense/não ouça a banda/não viaje de trem/não sussurre etc. etc. As palavras são repetidas baixinho, como um mantra que veio do espaço; a base é circular; tudo que não é a voz ou a base é textura, estática, intervenção.

“Lemon” tem mais cara de hit. Repetitiva como todo o resto do disco - aliás a ideia de repetição e reciclagem é um dos temas fundamentais de Zooropa -,funciona como canção de amor, como trilha para raves e homenagem atravessada a Prince e aos new romantics. Sintetizadores e um majestoso arranjo de cordas são cortesias de Brian Eno. “Stay (Faraway, So Close!) tem aquela melancolia lenta de quem está na estrada. Diz “tão longe, tão perto/para frente com a estática e o rádio, com a TV via satélite/você pode ir a qualquer lugar/Miami, Nova Orleans, Londres, Belfast e Berlim”.

É a coisa mais parecida com o U2 de antigamente no disco, talvez porque não tenha a participação de Brian Eno. Mas “Daddys Gonna Pay For Your Crashed Car” também não tem Eno e é uma das músicas mais ousadas de Zooropa. É o U2 se reinventando como uma parceria imaginária do My Life With The Thrill Kill Kult com Stereo MCs e Tackhead. Contém um sample de fanfarra, tirado do disco As Canções Favoritas De Lenin, e outro de “The City Sleeps”, música do duo industrial texano MC900 Ft Jesus. Tem cara de sucesso de pista. O tema, disse Bono numa entrevista, é ´heroína e dependências de todos os tipos”.

“Some Days Are Better Than The Others” se parece bastante com “The Fly”, só que numa versão estilhaçada. Recoloca a questão básica presente em Zooropa, e do mundo que este disco quer representar. Como uma coisa tão melódica, tão grandiosa, tão tipicamente U2/anos 80 pode soar tão alienígena? A pergunta não tem resposta, só reforço: “The First Time”, uma canção de amor daquelas de tocar ao violão, acabou virando um tema ambiental que presta homenagem atravessada a Lou Reed (”Kill Your Sons”) com timbres de cold wave e Brian Eno ao piano.

O fim se aproxima com “Dirty Day”, homenagem ao escritor Charles Bukowski. A letra, como o homenageado, romantiza a vida na sarjeta apresentando-a da maneira mais realista possível. Formalmente, esta é a última música do disco - e ele fecha repetindo as características principais que atravessam o trabalho todo.

Resta para o final o grande momento de Zooropa. “The Wanderer” foi composta quando Bono soube que Johnny Cash estava em Dublin. Cash é um dos sobreviventes da era dourada do rock´n´roll, os anos 50. Era um dos integrantes do “quarteto de um milhão de dólares”, ao lado de Jerry Lee Lewis, Carl Perkins e Elvis Presley. Como cabia às suas raízes caipiras, se virou para o country - country de macho, nômade, falando de coisas como dor de cotovelo, solidão, trabalho, falta de grana, falta de amor.

É o próprio Johnny Cash que canta “The Wanderer”. E tristonho sem ser meloso, desiludido sem perder a vergonha na cara. Uma típica canção de cowboy para o fim do milênio. Periga ser o momento mais emocionante de Zooropa e Bono nem está presente. Melhor assim, sem maiores frescuras. A união de Johnny Cash e Brian Eno fecha da melhor maneira possível o que já é um dos melhores discos do ano.

por André Forastieri


(Bizz, 93)

#


quarta-feira, 6 de agosto de 2014

José Cid, 10.000 Anos Depois Entre Vénus e Marte

(P) Em 1977, José Cid, então estrela da rádio e televisão com passado de destaque na história da pop portuguesa através da sua carreira com o Quarteto 1111, apareceu na sua editora com uma ideia. Queria gravar um álbum nos antípodas das suas canções que iam então escalando os topes e fazendo o caminho na inscrição na memória colectiva. Um álbum conceptual inspirado no rock progressivo dos Pink Floyd, King Crimson ou dos Genesis, história de redenção pós-apocalíptica contada ao sabor do som do Mellotron, um dos sintetizadores que fez o som da música de então. 

10.000 Anos Depois Entre Vénus e Marte, assim se intitulou o álbum, gravado com Zé Nabo, na dupla função de baixista e guitarrista, com o guitarrista Mike Sergeant ou o baterista Ramon Galarza, e editado em 1978. À época, vendeu menos de mil exemplares. Passo a passo, porém, foi ganhando lugar de culto na melomania do progressivo (nacional e não só). Passo a passo, tornou-se uma espécie de mito na carreira de Cid – o álbum que gera mais curiosidade, o álbum que seria reeditado em 1994 pela editora especializada Art Sublime, crescendo em reconhecimento até surgir em listas de melhores de sempre na imprensa internacional.

No próximo sábado essa pequena pérola perdida do prog rock será executada na íntegra no programa de rock. Agradeço a Marcio Barcellos por ter indicado. 

Abaixo, Ficha técnica, links para download e as letras das músicas - o álbum é conceitual - para você acompanhar melhor a história ... 

A sétima faixa, "Memos", é instrumental.

Tracks:
1. O Ultimo Dia Terra (4:24)
2. O Caos (5:50)
3. Fuga Para O Espaco (8:09) 
4. Mellotron O Planeta Fantastico (6:43)
5. 10,000 Anos Depois Entre Venu E Marte (6:03) 
6. A Partir Do Zero (4:44)
7. Memos (2:22) 
Bonus Track:
8. Vida (Sons Do Quotidiano) (12:41)
Total Time: 50:56 

Musicians:
- José Cid / pianos, synthesizers, strings, Mellotron, vocals
+
- Josi Carrapa / guitar (8)
- Ramon Gallarza / drums, percussion (1-7)
- Zé Nabo / bass (all), guitars (1-7)
- Guilherme Scarpa Inãs / drums, percussion (8)
- Mike Sergeant / guitars (2) 

Format: mp3 (320 kbps) = 119 mb = Mega
Format: ape (image + cue) = 287 mb = Torrent

senha: progsounds

1. O último dia na terra

Entre a bruma densa da manhã que quer romper
O planeta Terra já não pode mais viver

Uma núvem de cimento e de betão
Que lhe rouba a luz e a razão
Guerras nucleares, poluição
Nunca mais verá o sol

E a bruma azul continua a avançar
A humanidade já não pode respirar

Nunca mais verá o sol

2. O Caos

Toda a gente corre pela estrada comum
Todos os caminhos vão a lugar nenhum
Se tiveres que fugir, foge
Se tiveres que morrer, morre

A tua cidade é uma vala comum
Todos os caminhos vão a lugar nenhum
Se tiveres que fugir, foge
Se tiveres que morrer, morre

A tua cidade é uma vala comum
Todos os caminhos vão a lugar nenhum
Se tiveres que morrer, morre
Se tiveres que fugir, foge

Já nenhum caminho borda o horizonte
Com que os homens sonharam
Sem como nem porquê
Sem como nem porquê
A vida morre defronte
E a morte é aquilo que se vê

Vimos pouco a pouco o mundo acabar
E ficámos calados
Não se ouviu um grito
Não se fez um gesto
Nem a própria ruína
Nos conseguiu manter acordados

Toda a gente corre para a vala comum
Todos os caminhos vão a lugar nenhum
Se conseguires fugir, foge
Na tua nave no espaço

3. Fuga para o espaço

Vem amiga
Na nave que comando.
Esquece a noção do tempo
Não me perguntes quando.

Vem depressa
Antes que seja tarde.
Não olhes para trás
Já toda a Terra arde.

Marte é verde e Mercúrio brilha
Entre Vénus e Centauro.
Plutão é branco e ponto de paragem
Na viagem pelo Céu.

Na cabine central
Emiti um sinal.
No ecrã tudo a andar
Tudo indica normal.

Marte é verde e Mercúrio brilha
Entre Vénus e Centauro.
Plutão é branco e ponto de paragem
Na viagem pelo Céu.

Na cabine central
Emiti um sinal.
No ecrã tudo andar
Tudo indica normal.

4. Mellotron, o planeta fantástico

Para onde vou
Que caminhos seguir
A quem me dirigi
Que palavras usei

Eu não sou daqui
Da multidão fugi
De que sonho acordei
Só eu sei


E quando parti
Da Terra que deixei
Só tu me acompanhaste
Mais ninguém

Eu não sou daqui
Da multidão fugi
De que sonho acordei
Só eu sei

5. 10.000 Anos depois entre Vênus e Marte

Podes ver
10.000 anos depois
No ecrã do radar
Entre Vénus e Marte
Um planeta vazio
À espera que o descubram
Onde recomeçar
Outra civilização

6. A partir do zero

Vamos voltar do infinito do além
A um planeta que deixamos para trás.
A partir do zero, renascer, reencontrar
O ar, o mar, a terra, o sol, o amor, a paz.

#

domingo, 3 de agosto de 2014

O VINHO DA HISTÓRIA

Foto por Thiago Souza Santos
O tempo é um filtro poderosíssimo! Sob sua ação, vão-se os “embalistas” – termo bastante usado pelos punks locais nos anos 1980/90 para definir os que entravam no movimento de forma passageira, “no embalo” – e ficam os que realmente têm dentro de si a essência da coisa. Na ultima sexta-feira, dia 01 de agosto do ano da graça de 2014 da era cristã, houve um memorável encontro das duas bandas mais importantes da cena punk/Hard Core sergipana. Foi também um encontro de gerações, tanto no palco(que não existe) quanto no público – numeroso!!! - que veio prestigiar seus heróis suberrâneos, underground. O trigo, separado do joio – que preferiu ficar em casa ou nem sequer tomou conhecimento do evento(falo, evidentemente, dos que puderam ir e preferiram não faze-lo).

Foto por Thiago Souza Santos
“Viva Macaô!”*, bradou Silvio em “O vinho da história”. E eu estava bem ao lado da filha de Macaô, hoje já bem crescidinha. À minha frente, crianças pequenininhas, filhas de ilustres figuras da “cena”, acompanhavam tudo num animado ritmo “galinha preta pintadinha do capeta” (lembre-se, o diabo é o pai do rock). A imagem, que eu vi com meus olhos que a terra há de comer mas que espero que você possa visualizar em sua mente a partir do meu relato, é um retrato perfeito do que estou tentando transmitir sobre o que foi aquela noite: uma celebração da arte transgressora que passa de geração a geração.

Foto por Snapic
Tudo começou quando se confirmou uma nova reunião da Triste Fim de Rosilene para o show comemorativo dos 15 anos do selo Estopim, em Salvador. A partir daí se desencadeou uma pressão latente para que eles se apresentassem também em Aracaju. O resultado foi uma noite inesquecível, para entrar nos anais (ops!) da História do rock sergipano, com a mais que acertada decisão de concretizar o feito em mais uma edição do vitorioso projeto “Clandestino” e com a presença da Karne Krua, verdadeiro patrimônio histórico – História viva, ativa e pulsante - da cena local. E mais: com a participação, no show da Karne, de DOIS bateristas – o atual, Oitchi, discípulo brilhante e aplicado, e o mestre, Thiago Babalu. E MAIS: OS DOIS TOCANDO AO MESMO TEMPO E SE REVEZANDO, DIVIDINDO O MESMO BUMBO. Quando cheguei ao local, um half de skate abandonado na belíssima área verde – coisa rara, em Aracaju – que margeia o rio Poxim no Inácio Barbosa e vi que seria assim, imediatamente intuí que aquela noite seria ainda mais especial do que eu já esperava que fosse ...

por Marcelinho Hora
E foi! O show da Karne Krua foi matador! O “clone” drum, quando simultâneo, não foi exatamente preciso – pouco ensaio, compreensível – mas a energia gerada por aquela dupla de britadeiras humanas impulsionou banda e publico na direção de uma catarse poucas vezes vista. Nem as panes da aparelhagem estragaram a festa – muito pelo contrário, deram um “charme” especial à apresentação, já que o povo seguia cantando junto com Silvio, Babalu e Oitchi quando o som sumia. Antológico!

Um publico considerável, que ia chegando à medida que a noite avançava, já se aglomerava pelos arredores enquanto a Triste Fim rearrumava o kit de bateria e plugava seus instrumentos. Coisa linda de ver! Bem familiar, inclusive, com a presença de várias crianças. A se lamentar, apenas, o desleixo de alguns presentes que jogavam despreocupadamente suas latinhas no chão bem ali, do lado do mangue. É como se dissessem “foda-se, quem teve a idéia que limpe meu lixo depois, ou deixe aí, pro poder publico mandar limpar – se limpar”. Estão precisando prestar um pouco mais de atenção ao que dizem as letras das músicas que foram ali ouvir – se é que foram ali para ouvir musica, vai saber. O espírito da “balada” hedonista e egoísta – que é do que eventos como o clandestino busca distancia, afinal – é onipresente, infelizmente. Espero que alguns deles tenham, pelo menos, tido a decência de contribuir com a caixinha voluntária que estava sendo passada de mão em mão ...

Foto por "Cabelera"
Talco no salão – Estava distraído circulando e batendo papo e fui pego de surpresa com o inicio brusco do show da Triste Fim, sob uma chuva de talco arremessada por um dos presentes – isso é “armada” de Iuri! Não estou reclamando, ficou legal, até porque não fui “atingido”. Banda entrosadíssima, parecia que eles nunca tinham parado, tal a precisão na execução das músicas, rapidíssimas e gritadíssimas por uma Daniela endiabrada – musa total, sensacional! Mas veja bem: outro tipo de "musa". Despojada, sem pedestal, no mesmo nivel, gente como a gente. Do tipo que vira musa porque incorpora idéias com as quais muita gente se identifica. Uma musa punk, no melhor sentido da palavra. Muito por conta disso - da mensagem - boa parte do público, em êxtase, acompanhava cantando junto e “agitando”, com cuidado para não esbarrar nas crianças. Destaque para Ravi, filho de Fúria e Jaqueline, solando altos “air guitars” na frente do palco.

O show foi curto, mas intenso – como deve ser. Tudo devidamente registrado em fotos e vídeos, de forma igualmente espontânea, da parte do público, para a posteridade. Abaixo, links para alguns destes registros, que ajudam a eternizar uma noite que não devia ter terminado ...

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

panço, uma entrevista ...

Você tem disposição pra um disco inteiro? 12 faixas, sem tirar de dentro? Acha que "falta riff, dissonância, um fuzz, um solo meio fora da escala, meio torto" no rock made in Brasil? Então precisa dar um saque em 'Tempos' (2014), o recém lançado disco do guitarrista Leonardo Panço. Rock puro e simples, com a patada personalíssima do gordinho que viajou meio mundo com os camaradas da Jason.
Mais uma empreitada barulhenta, bancada com o próprio bolso. Como já deixou claro, nas diversas frentes do underground em que atuou (pra quem ainda não ligou o nome à pessoa, basta mencionar o selo carioca Tamborete, além dos livros "Caras dessa idade já não lêem manuais" e, sobretudo, o clássico do jornalismo musical "Esporro"), zuada pouca é bobagem.

Jornal do Dia - O esforço e a grana investida na gravina de um disco ainda valem a pena? Muita gente anda fazendo as contas, pesando os prós e contras, questionando a vida útil, alcance e a utilidade prática do formato...

Leonardo Panço - Olha, pra mim valeu muito a pena, exceto pelo financeiro, já que o $$ investido não tem retorno. Mas é como sair de férias pra um lugar muito legal, aquele dinheiro também não vai voltar. E não é um problema, é uma solução. Registrei minhas ideias, as pessoas estão gostando, vi que era viável compor sozinho em casa, que a estrutura montada em minha cabeça funcionava na prática. Então foi ótimo. A vida útil, ela fica pra quem gostar. Eu sigo ouvindo o primeiro do Finis Africae como se tivesse pegado o disco ontem. E já está indo pra 30 anos isso. O disco foi feito pra quem tempo pra dar pra um disco, pra 12 faixas. Não é todo mundo, fato.

JD - Você reuniu uma pá de gente para registrar 'Tempos' (2014). Faz pensar no exercício artístico como um lance colaborativo, coisa e tal. Eu preciso perguntar, apesar do trocadilho infame: Sinal dos tempos?
Panço - Olha, o disco leva meu nome, mas poderia ter o nome de um projeto, sabe. É tanta gente envolvida, que por acaso tem meu nome, como um exercício de ego e de praticidade. No segundo, terceiro, quarto discos, vem meu nome de novo, facilita tudo, seja lá qual for o estilo. Mas colaborativo sempre é, ou pelo menos sempre foi. Eu gosto muito de ver a maneira como as pessoas enxergam o que eu iniciei. Só em levar os riffs pro Pedro, Fábio e Dave já muito um monte de coisas. Eles continuaram iguais em sua maioria, mas muito do que eu pensava pra bateria virou outra coisa, os baixos também. E isso é ótimo.

JD - Você não assina nenhuma das letras nas canções de 'Tempos'. Um ouvinte menos distraído, contudo, consegue perceber uma pegada, um nervosismo muito próprio em cada uma das faixas. É nessa palhetada que você se faz autor?

Panço - Sou extremamente limitado como guitarrista, quem tocou comigo sabe. Não tiro música de ouvido, morro duro sem um afinador eletrônico, não sei tocar praticamente nada que não seja meu. Essa limitação faz com que você descubra novos caminhos e ache um jeito seu de tocar. Muitas vezes o Flock tocava algo que eu não sabia tocar junto, aí fazia outra coisa que eu soubesse. Assim ficava naturalmente estranho, mas funcionava.

JD - Em uma das faixas, com vocal e letra de Ive Seixas, a cantora afirma que "tudo muda" em certa idade. Você concorda? Como os anos pensam nos ombros de um guitarrista? Qual a diferença fundamental, se é que há alguma, entre o seu trabalho solo e a peleja na Jason?

Panço - Adoro a passagem do tempo. Fisicamente pesa, né. Ainda mais pra um gordo. Várias coisas vêm a reboque. Mas não gostaria de ser jovem de novo por nada. Agora é muito melhor, mais divertido, mais livre, mais tudo. Sigo sendo meio lento no aprendizado e só percebo umas coisas óbvias muito tempo depois, mas tudo bem. Como guitarrista também acho tudo mais divertido, ainda que siga limitado. A última música que fiz com o Jason foi em 2006. É tanto tempo que nem sei como seria agora.

JD - Pra um nordestino, como eu, é impossível não comparar o seu trabalho, cru até o talo, com a produção independente mais em voga por essas bandas. É mais puro, avesso às contaminações, rock puro e simples. Em sua opinião, tá faltando riff no rock made in Brasil?

Panço - Não chamaria de contaminações, mas eu não ouço nada regional, não fui criado com nada do tipo, não sou pesquisador, etc. Então o que sai quando eu toco é isso, rock. O fato de não viver de música, não ter um compromisso comercial, acho que ajuda muito. Talvez as bandas grandes fiquem sempre pensando na equipe, na escola das crianças, no astral de tocar pra 10, 15 mil pessoas. Não sei como seria. E sim, falta riff, dissonância, um fuzz, um solo meio fora da escala, meio torto. Quase tudo que taí dá pra tocar com aquelas revistinhas de banca. Acordes maiores, parte a, parte b, refrão, solo. Um que eu acho que não se enquadra nisso é Martin, que toca com Pitty. Dos bem sucedidos, só lembro dele e de Lúcio Maia. Jão e Andréas também, claro, mas eles são do 'lado do mal'.

Pra dar um saque: leonardopanco.bandcamp.com/album/tempos
por Rian Santos

#