sábado, 5 de julho de 2014

40 Anos de "Lóki?"

Lóki? Mas, que nada. Lucky, bicho. Arnaldo Baptista completa 66 anos neste domingo. Com seu jeito de menino grande, faz troça até mesmo do álbum que marcou o fim e o início de tudo. 'Lóki?', o maior clássico do músico que esteve à frente da mais genial banda brasileira, chegou aos 40 anos. Primeiro disco solo de Arnaldo Baptista, foi concebido em meio a seu então maior revés pessoal e profissional. Em 1974, seu casamento com Rita Lee acabou. Também não havia mais os Mutantes tais como foram criados na década anterior.

“Tinha um envolvimento com a vida que havia acabado: Mutantes, Rita Lee, Sérgio (Dias). Entrei em lóki, que virou lucky (sortudo). Fiquei contente por ter levado adiante a maneira como eu sentia a música, embora o Liminha (baixista, ex-Mutante, que gravou algumas faixas do álbum) achasse que o disco deveria ser meio Sergio Mendes, bossa nova. (O disco) traz, em casa música, um retrato diferente da minha vida na época”, afirma Arnaldo.

Álbum concebido, de acordo com ele, entre uma temporada na casa do artista plástico Antonio Peticov, em Milão (“ele fala de brincadeira que foi feito lá, mas só estudei na casa dele”), e um sítio na Cantareira, onde o então diretor artístico da gravadora Philips, Roberto Menescal, o encontrou arrasado, 'Lóki?' é fruto do abuso das drogas, da desilusão, da tristeza, do desapontamento. A despeito (ou talvez por causa) disso, expressa o artista em seu auge. Sozinho, a bordo de um piano (com um baixo aqui e uma bateria ali, mas sem nenhuma guitarra), Arnaldo fez deste seu maior legado.

São 10 faixas que falam direto do artista em crise: “Venho me apegando ao passado/ E em ter você ao meu lado” ('Será que eu vou virar bolor?'); “A gente andou/ A gente queimou/ Muita coisa por aí” ('Cê tá pensando que eu sou lóki?'); “Até quando eu não sei/ sinto o barato de ser ser humano” ('Desculpe'); “Ontem me disseram que um dia eu vou morrer/ Mas até lá eu não vou me esconder” ('Não estou nem aí'). A bordo de seu piano, Arnaldo passeia, ora com raiva, ora com tristeza, mas sempre de maneira personalíssima, pelo samba, MPB, funk. “Muito do que aconteceu naquele momento foi em função do improviso, tanto que o LP foi gravado relativamente depressa”, acrescenta ele sobre o álbum registrado em 16 canais nos estúdios Eldorado, em São Paulo.

No entanto, não é 'Lóki?' o álbum preferido de Arnaldo. Para ele, seu melhor registro é o que ocorreu oito anos mais tarde. “Mesmo que 'Lóki?' tenha uma grande comunicação, 'Singin’ alone' foi minha aventura pessoal, pois toquei todos os instrumentos. Foi nele que me encontrei na bateria e no contrabaixo”, acrescenta. Ambidestro – “fumo com a mão esquerda, escrevo com a direita, tenho uma bateria com dois bumbos e dois timbaus, então cada hora uso um lado” – o Arnaldo de hoje olha para o Arnaldo de ontem de maneira carinhosa. “Quando era criança, fingia que estava fazendo um show sozinho quando estava ensaiando no piano. É assim quando estou fazendo show. Ambiento-me com o público e faço o que vem na minha cabeça.” Malandro velho, não se mete no enguiço.

Diretor artístico da Philips (hoje Universal), Roberto Menescal admite que naquele 1974 havia uma dúvida na gravadora quanto a lançar um álbum solo de Arnaldo Baptista. “O pessoal dizia que ele estava numa fase difícil, não iria valer a pena. Na intuição, eu disse: ‘Quero fazer esse disco’.” Menescal saiu do Rio e foi encontrar Arnaldo num sítio na Cantareira. “Era uma casinha simpática. O Arnaldo realmente estava com um problema grande. Tinha hora que não aguentava, chorava de saudade da Rita. Era impressionante, e eu fiquei muito comovido com aquilo. Como ele estava numa deprê, houve hora que não conseguiu tocar. Liminha, se não me engano, foi quem tocou baixo em algumas músicas.” Para Menescal, 'Lóki?' foi meio que “arrancado a fórceps”. Na ficha técnica de 'Lóki?' Menescal divide a direção de produção com Marco Mazzola, então técnico de gravação em alta no meio graças a 'Krig-Ha Bandolo' (1973), de Raul Seixas. “O que me chamou a atenção naquele momento eram os sons diferentes que ele fazia. Como é que aquele cara conseguia fazer aquilo?”, comenta hoje Mazzola, que acrescenta não ter feito interferência alguma no álbum. “O Arnaldo era muito maluco, mas ele tinha pré-concebido o disco todo na cabeça. O que fizemos foi dar amparo artístico.” (*)

Menescal conta que o universo musical particular registrado no álbum foi principalmente concebido pelo próprio Arnaldo Baptista, que acabou contando com a participação dos... Mutantes. Além do cantor, estão no disco Liminha (baixo), Dinho (bateria) e até Rita Lee (vocais). O tropicalismo também se fez presente na participação de Rogério Duprat (1932-2006), que assina arranjos dos mais interessantes em “Uma Pessoa Só” – canção feita ainda com Os Mutantes – e na bossa “Cê Tá Pensando Que Eu Sou Loki?”. Com esta formação básica, o álbum ainda percorre baladas de rock, um tema instrumental, algo de folk.
“Eu estava tentando coordenar um modo de rock-and-roll na terra do samba. No sentido em que lá fora era evoluidíssimo, com bandas como Yes, e aqui ainda não. Desde a época em que o rock-and-roll era uma imitação do rock italiano eu estava bem distante do que estava acontecendo”, lembra Baptista, referindo-se à revolução do estilo no Brasil que promoveu com os Mutantes.

Loki? foi uma amostra da evolução destas invenções, mas também se tornaria emblemático ao prenunciar um período crítico para Baptista, que formaria o grupo Patrulha do Espaço em 1976 e gravaria trabalhos como o Singin’ Alone (1982) antes de um acidente que o marcaria para o resto da vida em 1982. Ele andava esquecido e sofrendo com problemas que causaram internações em clínicas psiquiátricas. Naquele ano, em São Paulo, ele acabaria se jogando pela janela e se ferindo gravemente. Foi quando começou sua fase ao lado de Lucinha, com quem vive até hoje em Juiz de Fora (MG), onde se divide entre criações musicais e a pintura. “Hoje sou um pouco mais feliz que na época que fiz o Loki?”, conta Baptista. “No sentido total: de estar pesquisando o que eu queria, me aventurando por onde eu queria.” (**)

(***) A jornalista e produtora Sônia Maia, que há quatro anos trabalha com Arnaldo, deu detalhes dos planos do músico e da dificuldade que ela vem enfrentando para agendar shows do ex-Mutante. Aqui, a íntegra do papo: 

- Haverá alguma show ou turnê em celebração aos 40 anos de Lóki?
- Não. Além das dificuldades em conseguir patrocínio, que falo mais adiante, tem o fato concreto de Arnaldo não gostar de se prender a nenhum script – ter que tocar um set específico. Ele coloca uma lista de 70 músicas à frente do piano e, de acordo com o que sente da plateia, faz ali na hora sua própria seleção. Cada show é diferente do outro. Estou falando do concerto que está em turnê desde 2011, o “Sarau o Benedito?”, que é Arnaldo solo, tocando ao piano de cauda, flores ao redor do piano e videocenário de suas obras como artista plástico projetadas ao fundo do palco. Simples e arrebatador! O profundo silêncio da audiência durante as músicas é algo a ser experienciado! E 90% do público que tem lotado esses shows está entre 17 e 34 anos, o mesmo perfil dos seguidores da fanpage de Arnaldo no Facebook, que viralizou de janeiro para cá, subindo de 25 mil para 76 mil seguidores, chegando, em alguns momentos, a mil curtidas a mais por dia. Então, Arnaldo é também sinônimo de sucesso, atinge um público jovem, esperto, inteligente e formador de opinião. E recebe generosos espaços na imprensa em geral.

Vale também lembrar que o álbum “Loki?” pertence à Universal. Apesar de termos escrito para a gravadora, dando várias ideias de celebrações – clips, lançamento em vinil, etc – eles não se interessaram. 

- Como Arnaldo vê o disco, hoje? Ele fala de temas que são dolorosos para ele. Cantar músicas do disco trazem de volta alguma lembrança, boa ou ruim, para Arnaldo?
- Essa eu deixo para o próprio Arnaldo responder:

“Uma aventura lucky? Infeliz, quem; nunca foi infeliz. Compartilhar, do não; é, esperar, um: sim (lembranças....)”. 

- Você disse que tinha dificuldades em agendar shows de Arnaldo. Pode elaborar, por favor?
- O circuito cultural brasileiro, como um todo, ainda sofre das mesmas dificuldades de décadas atrás - os produtores e patrocinadores só apostam em nomes de sucesso, o que se traduz em artistas que tocam nas rádios, que aparecem em programas de TV, com vários clips etc. Apesar de todo o peso e importância do nome de Arnaldo Baptista, os produtores locais e possíveis patrocinadores não o vêm como um nome que dê ‘retorno’.

Isso não acontece só com Arnaldo, mas na cultura como um todo. Veja no cinema – temos agora três filmes brasileiros de altíssima qualidade, o de Ana Carolina, o de Sergio Bianchi e o de Paulo Sacramento, para ficar em apenas três cineastas, e é triste ver que atingiram, no máximo, 1.200 espectadores nas salas em todo o Brasil. Muito estranho que o melhor de nossa cultura fique sempre relegado a um nicho ou simplesmente não aconteça. Tem algo muito errado aí. É um cenário, me parece, muito viciado no aqui e agora, que insiste em enterrar o ontem, enterrar nossa história. Somos um país sem memória, porque não cultivamos nossa memória cultural. Isso acontece também, por exemplo, com o artesanato brasileiro – muitas técnicas estão e serão totalmente esquecidas porque não há registro delas. 

- Vocês liberaram a discografia completa dele, para download gratuito. Mesmo assim, é difícil ouvir músicas de Arnaldo em rádios. Por quê?
- Bem, não “liberamos”, porque os álbuns não estavam todos sob propriedade de Arnaldo. Foi um trabalho de fôlego e independente do time em torno dele e de vários voluntários. Uma luta que se arrastou por mais de 30 anos. Quando comecei a trabalhar com Arnaldo e Lucinha, em 2010, disse que não sossegaria enquanto não entregasse essa discografia a eles e ao acervo da cultura brasileira.

Estas obras foram todas remasterizadas pela Classic Master, ganharam novas capas, aplicativo exclusivo na Deezer, com comentários de artistas de peso como Tom Zé, Arnaldo Antunes, Lobão, Fernanda Takai, Lulina e Fernado Catatau. Estão disponíveis nas maiores lojas digitais e serviços de streaming do mundo.
E é engraçado, porque mandamos links para download de toda a obra solo para várias rádios de várias cidades brasileiras e, até onde sei, não está tocando. Mandamos, ligamos, conversamos com as rádios. Disseram “que iam ver a possibilidade”. Esta pergunta deveria ser feita às rádios – não sei qual o critério. Adoraria saber, ouvir deles mesmos uma explicação. Fica algo ali não dito, falta transparência. E não é porque “não se encaixa na programação”. Imagina! As músicas são ainda muito muito atuais e há pelo menos uma dúzia de hits na discografia, que cairia facilmente no gosto do ouvinte. Arnaldo é um hitmaker! De qualquer forma, se alguma rádio se interessar em tocar essas pérolas, é só nos contatar que disponibilizaremos. 

- E em relação a editais e concursos, poderia elaborar aquilo que me disse, que tem havido muita dificuldade em conseguir fechar algo pro Arnaldo?
- Novamente, não sei qual o critério dos editais. No primeiro e segundo ano trabalhando com Arnaldo (2011-2012), inscrevi em três editais para lançamento do novo álbum “Esphera” e não fomos contemplados. Então, desistimos de ficar batendo o martelo ali. Recentemente, tentei inscrever em um edital bem conhecido, mas as regras não se encaixavam no perfil de Arnaldo – ou seja, ele teria que sair em turnê com o novo álbum e o show não poderia ser o mesmo que ele vem fazendo. Arnaldo não faz show com banda. Vai levar até o fim a bandeira de só tocar com instrumentos como guitarra, baixo e bateria se tiver um PA valvulado, o que não existe, apesar de ser possível construir. Então, há uma exclusão dentro da própria cena cultural para artistas que não se encaixam nas regras estabelecidas.

Na minha opinião, os patrocinadores deveriam criar verbas específicas para o fomento e continuidade do trabalho e produção de artistas como Arnaldo, que já estão pra lá dos 18 anos e merecem não apenas um tratamento diferenciado, mas um olhar para a importância cultural desses artistas e suas obras, de hoje e de ontem. Pensar no retorno institucional e de imagem que essas iniciativas dariam. E no compromisso como empresário e cidadão para a manutenção dessas obras e sua disseminação entre o público em geral, atitude tão comum nos países europeus e nos EUA, por exemplo. Já está mais do que na hora de amadurecerem por aqui! 

- Você me falou de um show em BH. Quando será? Pode dar mais detalhes?
- Belo Horizonte estava órfã desse concerto, já que é uma das cidades onde Arnaldo tem mais fãs e também capital do Estado no qual reside há mais de 30 anos. Resolvi, então, bancar o show, arriscar na bilheteria. Até mesmo para provar aos produtores de outros estados que esse show é possível. Será no dia 3 de agosto, domingo, 19hs, no Theatro Cine Brasil. Os ingressos estão à venda pelo sistema www.ingresso.com  e também na bilheteria do Cine Brasil. Chamamos todos a lotar o espaço, de 900 lugares!

* http://divirta-se.uai.com.br/app/noticia/musica/2014/07/03/noticia_musica,156911/arnaldo-baptista-comemora-66-anos-no-domingo-e-40-anos-de-loki.shtml

** http://www.gazetadopovo.com.br/cadernog/conteudo.phtml?id=1471187

*** http://entretenimento.r7.com/blogs/andre-barcinski/novidades-do-loki-20140704/

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