Lóki? Mas, que nada. Lucky, bicho. Arnaldo Baptista completa 66 anos
neste domingo. Com seu jeito de menino grande, faz troça até mesmo do
álbum que marcou o fim e o início de tudo. 'Lóki?', o maior clássico do
músico que esteve à frente da mais genial banda brasileira, chegou aos 40 anos. Primeiro disco
solo de Arnaldo Baptista, foi concebido em meio a seu então maior revés
pessoal e profissional. Em 1974, seu casamento com Rita Lee acabou.
Também não havia mais os Mutantes tais como foram criados na década
anterior.
“Tinha um envolvimento com a vida que havia acabado: Mutantes, Rita Lee, Sérgio (Dias). Entrei em lóki, que virou lucky (sortudo). Fiquei contente por ter levado adiante a maneira como eu sentia a música, embora o Liminha (baixista, ex-Mutante, que gravou algumas faixas do álbum) achasse que o disco deveria ser meio Sergio Mendes, bossa nova. (O disco) traz, em casa música, um retrato diferente da minha vida na época”, afirma Arnaldo.
Álbum concebido, de acordo com ele, entre uma temporada na casa do artista plástico Antonio
Peticov, em Milão (“ele fala de brincadeira que foi feito lá, mas só
estudei na casa dele”), e um sítio na Cantareira, onde o então diretor
artístico da gravadora Philips, Roberto Menescal, o encontrou arrasado,
'Lóki?' é fruto do abuso das drogas, da desilusão, da tristeza, do
desapontamento. A despeito (ou talvez por causa) disso, expressa o artista
em seu auge. Sozinho, a bordo de um piano (com um baixo aqui e uma
bateria ali, mas sem nenhuma guitarra), Arnaldo fez deste seu maior
legado.
São 10 faixas que falam direto do artista em
crise: “Venho me apegando ao passado/ E em ter você ao meu lado” ('Será
que eu vou virar bolor?'); “A gente andou/ A gente queimou/ Muita coisa por aí” ('Cê tá pensando que
eu sou lóki?'); “Até quando eu não sei/ sinto o barato de ser ser
humano” ('Desculpe'); “Ontem me disseram que um dia eu vou morrer/ Mas
até lá eu não vou me esconder” ('Não estou nem aí'). A bordo de seu
piano, Arnaldo passeia, ora com raiva, ora com tristeza, mas sempre de
maneira personalíssima, pelo samba, MPB, funk. “Muito do que aconteceu
naquele momento foi em função do improviso, tanto que o LP foi gravado
relativamente depressa”, acrescenta ele sobre o álbum registrado em 16
canais nos estúdios Eldorado, em São Paulo.
No
entanto, não é 'Lóki?' o álbum preferido de Arnaldo. Para ele, seu
melhor registro é o que ocorreu oito anos mais tarde. “Mesmo que 'Lóki?'
tenha uma grande comunicação, 'Singin’ alone' foi minha aventura
pessoal, pois toquei todos os instrumentos. Foi nele que me encontrei
na bateria e no contrabaixo”, acrescenta. Ambidestro – “fumo com a mão
esquerda, escrevo com a direita, tenho uma bateria com
dois bumbos e dois timbaus, então cada hora uso um lado” – o Arnaldo de
hoje olha para o Arnaldo de ontem de maneira carinhosa. “Quando era
criança, fingia que estava fazendo um show sozinho quando estava
ensaiando no piano. É assim quando estou fazendo show. Ambiento-me com o
público e faço o que vem na minha cabeça.” Malandro velho, não se mete
no enguiço.
Diretor
artístico da Philips (hoje Universal), Roberto Menescal admite que
naquele 1974 havia uma dúvida na gravadora quanto a lançar um álbum solo
de Arnaldo Baptista. “O pessoal dizia que ele estava numa fase difícil,
não iria valer a pena. Na intuição, eu disse: ‘Quero fazer esse disco’.”
Menescal saiu do Rio e foi encontrar Arnaldo num sítio na Cantareira.
“Era uma casinha simpática. O Arnaldo realmente estava com um problema
grande. Tinha hora que não aguentava, chorava de saudade da Rita. Era
impressionante, e eu fiquei muito comovido com aquilo. Como ele estava
numa deprê, houve hora que não conseguiu tocar. Liminha, se não me
engano, foi quem tocou baixo em algumas músicas.” Para Menescal, 'Lóki?'
foi meio que “arrancado a fórceps”. Na ficha técnica
de 'Lóki?' Menescal divide a direção de produção com Marco Mazzola,
então técnico de gravação em alta no meio graças a 'Krig-Ha Bandolo'
(1973), de Raul Seixas. “O que me chamou a atenção naquele momento eram
os sons diferentes que ele fazia. Como é que aquele cara conseguia fazer
aquilo?”, comenta hoje Mazzola, que acrescenta não ter feito
interferência alguma no álbum. “O Arnaldo era muito maluco, mas ele
tinha pré-concebido o disco todo na cabeça. O que fizemos foi dar amparo
artístico.” (*)
Menescal conta que o universo musical particular registrado no álbum
foi principalmente concebido pelo próprio Arnaldo Baptista, que acabou
contando com a participação dos... Mutantes. Além do cantor, estão no
disco Liminha (baixo), Dinho (bateria) e até Rita Lee (vocais). O
tropicalismo também se fez presente na participação de Rogério Duprat
(1932-2006), que assina arranjos dos mais interessantes em “Uma Pessoa
Só” – canção feita ainda com Os Mutantes – e na bossa “Cê Tá Pensando Que Eu Sou Loki?”. Com esta formação básica, o álbum ainda percorre baladas de rock, um tema instrumental, algo de folk.
“Eu estava tentando coordenar um modo de rock-and-roll
na terra do samba. No sentido em que lá fora era evoluidíssimo, com
bandas como Yes, e aqui ainda não. Desde a época em que o rock-and-roll
era uma imitação do rock italiano eu estava bem distante do que estava
acontecendo”, lembra Baptista, referindo-se à revolução do estilo no
Brasil que promoveu com os Mutantes.
Loki? foi uma amostra da evolução destas invenções, mas também se tornaria emblemático ao prenunciar um período crítico
para Baptista, que formaria o grupo Patrulha do Espaço em 1976 e
gravaria trabalhos como o Singin’ Alone (1982) antes de um acidente que o
marcaria para o resto da vida em 1982. Ele andava esquecido e sofrendo
com problemas que causaram internações em clínicas psiquiátricas.
Naquele ano, em São Paulo, ele acabaria se jogando pela janela e se
ferindo gravemente. Foi quando começou sua fase ao lado de Lucinha, com
quem vive até hoje em Juiz de Fora (MG), onde se divide entre criações
musicais e a pintura. “Hoje sou um pouco mais feliz que na época que fiz
o Loki?”, conta Baptista. “No sentido total: de estar pesquisando o que
eu queria, me aventurando por onde eu queria.” (**)
(***) A jornalista e produtora Sônia Maia, que há quatro anos trabalha com
Arnaldo, deu detalhes dos planos do músico e da
dificuldade que ela vem enfrentando para agendar shows do ex-Mutante.
Aqui, a íntegra do papo:
- Haverá alguma show ou turnê em celebração aos 40 anos de Lóki?
- Não. Além das dificuldades em conseguir patrocínio, que falo mais
adiante, tem o fato concreto de Arnaldo não gostar de se prender a
nenhum script – ter que tocar um set específico. Ele coloca uma lista de 70 músicas à frente do piano e, de acordo com
o que sente da plateia, faz ali na hora sua própria seleção. Cada show é
diferente do outro. Estou falando do concerto que está em turnê desde
2011, o “Sarau o Benedito?”, que é Arnaldo solo, tocando ao piano de cauda,
flores ao redor do piano e videocenário de suas obras como artista
plástico projetadas ao fundo do palco. Simples e arrebatador! O profundo
silêncio da audiência durante as músicas é algo a ser experienciado! E
90% do público que tem lotado esses shows está entre 17 e 34 anos, o
mesmo perfil dos seguidores da fanpage de Arnaldo no Facebook,
que viralizou de janeiro para cá, subindo de 25 mil para 76 mil
seguidores, chegando, em alguns momentos, a mil curtidas a mais por dia.
Então, Arnaldo é também sinônimo de sucesso, atinge um público jovem,
esperto, inteligente e formador de opinião. E recebe generosos espaços
na imprensa em geral.
Vale também lembrar que o álbum “Loki?” pertence à Universal. Apesar de
termos escrito para a gravadora, dando várias ideias de celebrações –
clips, lançamento em vinil, etc – eles não se interessaram.
- Como Arnaldo vê o disco, hoje? Ele fala de temas que são dolorosos para ele. Cantar músicas do disco trazem de volta alguma lembrança, boa ou ruim, para Arnaldo?
- Essa eu deixo para o próprio Arnaldo responder:
“Uma aventura lucky? Infeliz, quem; nunca foi infeliz. Compartilhar, do não; é, esperar, um: sim (lembranças....)”.
- Você disse que tinha dificuldades em agendar shows de Arnaldo. Pode elaborar, por favor?
- O circuito cultural brasileiro, como um todo, ainda sofre das
mesmas dificuldades de décadas atrás - os produtores e patrocinadores só
apostam em nomes de sucesso, o que se traduz em artistas que tocam nas
rádios, que aparecem em programas de TV, com vários clips etc. Apesar de
todo o peso e importância do nome de Arnaldo Baptista, os produtores
locais e possíveis patrocinadores não o vêm como um nome que dê
‘retorno’.
Isso não acontece só com Arnaldo, mas na cultura como um todo. Veja
no cinema – temos agora três filmes brasileiros de altíssima qualidade,
o de Ana Carolina, o de Sergio Bianchi e o de Paulo Sacramento, para
ficar em apenas três cineastas, e é triste ver que atingiram, no máximo,
1.200 espectadores nas salas em todo o Brasil. Muito estranho que o
melhor de nossa cultura fique sempre relegado a um nicho ou simplesmente
não aconteça. Tem algo muito errado aí. É um cenário, me parece, muito
viciado no aqui e agora, que insiste em enterrar o ontem, enterrar nossa
história. Somos um país sem memória, porque não cultivamos nossa memória cultural. Isso acontece
também, por exemplo, com o artesanato brasileiro – muitas técnicas estão
e serão totalmente esquecidas porque não há registro delas.
- Vocês liberaram a discografia completa dele, para download gratuito. Mesmo assim, é difícil ouvir músicas de Arnaldo em rádios. Por quê?
- Bem, não “liberamos”, porque os álbuns não estavam todos sob
propriedade de Arnaldo. Foi um trabalho de fôlego e independente do time
em torno dele e de vários voluntários. Uma luta que se arrastou por
mais de 30 anos. Quando comecei a trabalhar com Arnaldo e Lucinha, em
2010, disse que não sossegaria enquanto não entregasse essa discografia a
eles e ao acervo da cultura brasileira.
Estas obras foram todas remasterizadas pela Classic Master, ganharam novas capas, aplicativo exclusivo na Deezer, com comentários
de artistas de peso como Tom Zé, Arnaldo Antunes, Lobão, Fernanda
Takai, Lulina e Fernado Catatau. Estão disponíveis nas maiores lojas
digitais e serviços de streaming do mundo.
E é engraçado, porque mandamos links para download de toda a obra
solo para várias rádios de várias cidades brasileiras e, até onde sei,
não está tocando. Mandamos, ligamos, conversamos com as rádios. Disseram
“que iam ver a possibilidade”. Esta pergunta deveria ser feita às
rádios – não sei qual o critério. Adoraria saber, ouvir deles mesmos uma
explicação. Fica algo ali não dito, falta transparência. E não é porque
“não se encaixa na programação”. Imagina! As músicas são ainda muito
muito atuais e há pelo menos uma dúzia de hits na discografia, que
cairia facilmente no gosto do ouvinte. Arnaldo é um hitmaker! De
qualquer forma, se alguma rádio se interessar em tocar essas pérolas, é
só nos contatar que disponibilizaremos.
- E em relação a editais e concursos, poderia elaborar aquilo que me disse, que tem havido muita dificuldade em conseguir fechar algo pro Arnaldo?
- Novamente, não sei qual o critério dos editais. No primeiro e segundo ano
trabalhando com Arnaldo (2011-2012), inscrevi em três editais para
lançamento do novo álbum “Esphera” e não fomos contemplados. Então,
desistimos de ficar batendo o martelo ali. Recentemente, tentei
inscrever em um edital bem conhecido, mas as regras não se encaixavam no
perfil de Arnaldo – ou seja, ele teria que sair em turnê com o novo
álbum e o show não poderia ser o mesmo que ele vem fazendo. Arnaldo não faz
show com banda. Vai levar até o fim a bandeira de só tocar com
instrumentos como guitarra, baixo e bateria se tiver um PA valvulado, o
que não existe, apesar de ser possível construir. Então, há uma exclusão
dentro da própria cena cultural para artistas que não se encaixam nas
regras estabelecidas.
Na minha opinião, os patrocinadores deveriam criar verbas específicas para o fomento e continuidade do trabalho e produção de artistas como Arnaldo, que já estão pra lá dos 18 anos e merecem não apenas um tratamento diferenciado,
mas um olhar para a importância cultural desses artistas e suas obras,
de hoje e de ontem. Pensar no retorno institucional e de imagem que
essas iniciativas dariam. E no compromisso como empresário e cidadão
para a manutenção dessas obras e sua disseminação entre o público em
geral, atitude tão comum nos países europeus e nos EUA, por exemplo. Já
está mais do que na hora de amadurecerem por aqui!
- Você me falou de um show em BH. Quando será? Pode dar mais detalhes?
- Belo Horizonte estava órfã desse concerto, já que é uma das cidades
onde Arnaldo tem mais fãs e também capital do Estado no qual reside há
mais de 30 anos. Resolvi, então, bancar o show, arriscar na bilheteria.
Até mesmo para provar aos produtores de outros estados que esse show é
possível. Será no dia 3 de agosto, domingo, 19hs, no Theatro Cine
Brasil. Os ingressos estão à venda pelo sistema www.ingresso.com e também na bilheteria do Cine Brasil. Chamamos todos a lotar o espaço, de 900 lugares!
* http://divirta-se.uai.com.br/app/noticia/musica/2014/07/03/noticia_musica,156911/arnaldo-baptista-comemora-66-anos-no-domingo-e-40-anos-de-loki.shtml
** http://www.gazetadopovo.com.br/cadernog/conteudo.phtml?id=1471187
*** http://entretenimento.r7.com/blogs/andre-barcinski/novidades-do-loki-20140704/
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