RIO - Trinta anos depois do lançamento de seu primeiro álbum (e quase 27
desde sua separação), os Smiths continuam a ser um dos assuntos mais
discutidos do mundo do rock. No ano passado, a autobiografia do
vocalista Morrissey chegou ao primeiro lugar na lista dos livros mais
vendidos do Reino Unido. Especulações sobre a volta do grupo são
constantes, embora as perspectivas sejam cada vez mais remotas ("Li a
autobiografia e fiquei pensando: não tenho certeza se essa é uma
situação que pode ser resolvida", disse recentemente, ao jornal "New
Musical Express", Stephen Street, produtor de álbuns dos Smiths).
E aí chega ao Brasil, pela editora Best Seller, "A light that never
goes out", a mais recente biografia do grupo (originalmente lançada em
2012), escrita pelo jornalista inglês Tony Fletcher. Ela oferece uma
visão mais reflexiva e apurada da história e do legado dessa banda, tida
como a responsável pela criação do mito do rock independente.
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Quando os Smiths acabaram, ainda me parecia muito cedo para escrever o
livro - conta Fletcher, por telefone, de Nova York. - Em 1992, saiu a
obra do (
escritor inglês) Johnny Rogan (
"The severed alliance"),
que é boa. Então fui escrever sobre outros assuntos. Só há uns cinco
anos é que o editor e eu falamos de um novo livro sobre os Smiths. Eu
achava que havia lugar para uma boa biografia, não só sobre Morrissey e (
Johnny) Marr (
guitarrista dos Smiths, parceiro do vocalista nas canções), mas sobre a banda em si. Um livro que desse outra ideia sobre eles, tanto tempo depois.
Para Fletcher, o culto aos Smiths só cresceu com os anos.
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Houve um tempo, logo após eles se separarem, especialmente na época das
raves, em que eles foram vistos como ultrapassados. Só lá pelo meio dos
anos 1990, quando o Oasis apareceu, que a coisa mudou. As pessoas se
perguntaram: "Caramba, eles não eram uma banda impressionante?" - diz o
autor, rebatendo a imagem depressiva que muitos têm do grupo, por causa
das letras de Morrissey. - "Heaven knows I'm miserable now" é uma das
canções mais engraçadas já escritas. Sempre achei que os Smiths tinham
um maravilhoso equilíbrio entre letras muito sinceras e um incrível
otimismo na música. Quem quer que tenha visto um show deles sabe que se
tratava de uma das bandas mais empolgantes.
Se algo diferenciou os Smiths de outros artistas de sua época, segundo o escritor, foi sua postura frente à indústria.
- Mesmo quando tinham sucessos e vendiam montes de discos, eles faziam questão de não se dar muito ao
mainstream.
Logo no começo, nos programas de TV, você podia ver como Morrissey
estava desconfortável. Eles foram muito cuidadosos em não se misturar, e
acho que essa é uma das razões pelas quais ainda falamos deles. Porque
eles se mantiveram fiéis aos seus valores.
Tony Fletcher tem lá suas reservas em relação à autobiografia de Morrissey, lançada um ano depois do seu livro.
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A primeira parte, em que ele escreve sobre Manchester, é absolutamente
soberba e fala muito sobre tudo o que viemos a amar sobre Morrissey, o
letrista - diz. - Infelizmente, logo depois ele fica muito amargo.
Morrissey é muito talentoso e adorável quando quer, mas ali é muito
descortês com quem provavelmente não merecia tal carga de críticas. Você
acaba ficando exausto com aquilo.
Já Johnny Marr (que colaborou com o seu livro, ao contrário do vocalista) ressurge para Fletcher com melhor imagem.
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Nos últimos dez anos, provavelmente houve um melhor entendimento sobre
Marr. Ele veio a aceitar os erros dos Smiths e quer seguir com a sua
vida. Infelizmente, Morrissey ainda está se consumindo com muita raiva
em relação a pessoas como Mike Joyce (
baterista do grupo, que processou a dupla de compositores por direitos não pagos). Johnny teve que pagar tanto dinheiro quanto Morrissey, mas isso não é algo que o consuma.
Autor
também de livros sobre o R.E.M. e Keith Moon (baterista do The Who), o
inglês teme que a era de grandes nomes do rock, como os Smiths, tenha
chegado ao fim.
- Há grandes talentos novos, como (
o cantor inglês)
Jake Bugg... Mas eu me pergunto se essa parte da música popular já não
encerrou seu ciclo, com todo esse pop eletrônico, a internet e as
pessoas não comprando mais álbuns.
por Silvio Essinger
O GLOBO
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