A ideia de ingressar no Hall da Fama do Rock and Roll pelo trabalho
realizado no Nirvana mal havia passado pela cabeça de Dave Grohl quando
ele deixou o palco da cerimônia do ano passado, em Los Angeles, depois
de anunciar a entrada do Rush e ter tocado com eles em uma versão de
“2112”. “Eu fiz uma entrevista rápida e alguém disse: ‘Está animado por
ser elegível no ano que vem?’”, diz Grohl. “Eu simplesmente não tinha
feito as contas. E então aquilo me pegou. Mas eu não poderia imaginar
que entraríamos no nosso primeiro ano como elegíveis.”
Artistas e bandas podem entrar no Hall da Fama 25 anos depois de
lançarem o primeiro disco ou single. E o primeiro lançamento do Nirvana,
uma cover de “Love Buzz”, do Shocking Blue, chegou às prateleiras nas
últimas semanas de 1988. “Eu descobri que estávamos disputando na mesma
época que fomos indicados ao Grammy [por “Cut Me Some Slack” colaboração com Paul McCartney]”,
diz Krist Novoselic, baixista do Nirvana. “Eu só fiquei: ‘wow!’ Mas era
um sentimento agridoce porque a cerimônia estava agendada justamente na
semana marcada pelos 20 anos da morte de Kurt. Fiquei angustiado com
isso, mas então pensei: ‘Bom, por que não fazemos um grande tributo a
ele?”
A maioria dos grupos que entram no Hall da Fama fazem uma
performance, mas os integrantes do grupo não tocavam uma música do
Nirvana em público desde a morte de Cobain. “Nós não falamos sobre nos
apresentar até oito semanas atrás”, disse Grohl. “Parecia praticamente
impossível. Era muito difícil de imaginar nós subindo ao palco para
tocar aquelas músicas. Precisa de um pouco de preparação musical e muita
preparação emocional."
Uma vez decidido que iriam tentar, o óbvio problema seguinte era
encontrar os cantores convidados. “Tinha o problema de achar pessoas que
respeitávamos e que dividiam a mesma estética que o Nirvana”, diz
Grohl. “Seja musical ou outra forma.” O grupo chegou a uma lista de
vocalistas de rock de primeiro nível, mas nenhum quis aceitar o desafio.
“Alguns deles ficaram apreensivos”, diz Grohl. “Acho que alguns deles
ficaram mais preocupados em quão pesada era a coisa toda.”
A primeira pessoa que aceitou foi Joan Jett. “Ela aceitou como se
fosse uma escolha dela”, diz o baterista. “Ela realmente ficou animada e
me mandou vários e-mails. Aprendeu todas as músicas de Nevermind.
Ela é tudo o que o Nirvana defendeu. Ela é poderosa, rebelde, uma força
musical da natureza. Não conseguiríamos pensar em ninguém melhor para
se juntar a nós."
Depois que Joan embarcou na ideia, eles chegaram a PJ Harvey. “Kurt
amava PJ Harvey”, diz Grohl. “Nós sempre imaginamos tocar ‘Milk It’, do In Utero, com ela. É uma canção quase parecida com algo que estaria no disco dela Rid of Me, também produzido pelo Steve Albini. Parecia se alinhar muito bem. Infelizmente, ela não pode ir.”
Mas a conversa deu a Grohl uma ideia incrível. “Pensamos: ‘Espere aí,
e se todas fossem mulheres?’”, diz ele. “Nem pergunte a mais ninguém.
Se nós conseguirmos preencher a performance do Hall da Fama com essas
mulheres incríveis cantando músicas do Nirvana, então teremos cumprido a
nossa própria revolução’. Isso também acrescentou uma nova dimensão
para a apresentação. Deu substância e profundidade, para que não se
tornasse uma louvação ao passado. Era mais sobre o futuro.”
As coisas seguiram rapidamente a partir disso. “Dave começou a
selecionar nomes”, diz Novoselic. “Ele falava: ‘Nós deveríamos chamar a
Kim Gordon! Então alguém que estava em ascensão... Annie Clark, do St.
Vincent!’ Eu não sabia quem ela era, mas agora sou o maior fã. Então,
chamamos a Lorde.”
A meta era apresentar as cantoras convidadas em ordem cronológica.
“Joan Jett, que formou o Runaways e mudou o rock and roll para as
mulheres”, explica Grohl. “Kim Gordon, do Sonic Youth, que foi luz no
escuridão de uma cena de punk undergound predominantemente machista. St.
Vincent, que é esta artista que atravessa as barreiras. E Lorde tem um
futuro incrível pela frente, uma compositora, performer e vocalista.”
O grupo se juntou ao antigo guitarrista de turnê (e atual integrante
do Foo Fighteres) Pat Smear no espaço de ensaio da marca de guitarras
Gibson, na cidade de Nova York, alguns dias antes da cerimônia de
indução. “Nós dissemos ‘oi’ para todo mundo e começamos a tocar
‘Lithium’”, conta Novoselic. “Peguei um livro de tablaturas do Nirvana
para reaprender as minhas partes, mas não queríamos ir rápido no começo.
Então as coisas começaram a fluir e ficamos cada vez melhores. E então
isso me atingiu e eu fiquei melancólico. ‘Meu Deus, estou tocando essas
músicas de novo’.”
Foi igualmente intenso para Grohl. “A primeira vez que tocamos juntos
foi como ver um fantasma”, disse ele. “A segunda vez foi um pouco mais
tranquila. E a última foi como aquela merda de cena da Demi Moore e do
Patrick Swayze fazendo cerâmica em Ghost. Normalmente nós
chegávamos no ponto na terceira vez. Começou a soar como o Nirvana.
Nossa equipe e alguns amigos estavam na sala quando tocamos ‘Scentless
Apprentice’ pela primeira vez. E eles ficaram com os queixos caídos."
“Eu não tocava com a banda em 20 anos”, continua o baterista. “Ouvir
como soamos quando tocamos ‘Scentless Apprentice’ legitimou tudo para
mim. Tinha quase esquecido como era estar em uma sala repleta de
Nirvana. O primeiro dia realmente legitimou tudo. Era como: ‘Isso está
certo! Nós soamos assim, e é por isso que as pessoas prestaram atenção
na gente. E não era um livro, um filme ou um programa de TV mostrando
isso. Era o som dentro daquele lugar, fazendo as pessoas pensarem: ‘Que
porra é essa?’ Foi muito foda. Nós começamos com Krist e Pat. Fui
acertando as coisas. Então, vieram Kim e Joan.”
As coisas ficaram melhores quando Novoselic percebeu que havia um
barril cheio de cerveja para o grupo. “Aquela cerveja era tão boa”, diz
ele. “Nós realmente fomos nos soltando depois de algumas horas, como uma
máquina azeitada.”
Os ensaios duraram dois dias bem longos. “Não tocava esses trechos de
bateria desde que tinha 25 anos”, brinca Grohl. “Tenho 45 agora. Nós
tocamos 10 horas por dia. Depois da primeira noite de ensaio, eu fui pra
casa mancando, tomei duas taças de vinho, três comprimidos de Advil,
tomei um banho quente e dormi por 10 horas seguidas. Era como um coma
para mim, porque eu nunca durmo.”
Em um momento durante os ensaios, o grupo teve a ideia de tocar em
algum lugar de surpresa no Brooklyn depois da cerimônia. “Dave ficou tão
animado com a música”, diz Novoselic. “Nós quase precisamos acalmá-lo.
Ele ficava: ‘Nós deveríamos fazer um show!’ Eu respondia: ‘Vamos fazer
depois da cerimônia!’ Ele queria trazer J Mascis, do Dinosaur Jr., e
John McCauley, do Deer Tick. Ele é tão fã que tem uma banda de tributo
ao Nirvana chamada Deervana.”
Não era segredo que Grohl e Courtney Love não mantinham um bom
relacionamento ao longo dos últimos 20 anos e a cerimônia de indução
marcou a primeira vez que eles estiveram no mesmo lugar em muito tempo.
“No começo da noite, eu toquei o ombro dela”, disse Grohl. “Ela virou e
eu disse ‘hey’. Ela respondeu: ‘Hey’. Então nos demos um grande abraço.
Disse: ‘Como você está?’ E ela respondeu: ‘Bem, e você?’. Eu digo: ‘Tudo
bem’. E então, ela fala: ‘Vamos fazer isso. Vamos arrasar esta noite’. E
eu disse: ‘Sim’. Foi assim.”
Quando chegou a hora dela fazer o discurso no lugar de Kurt, Courtney
abandonou as notas já preparadas e falou rapidamente sobre o fato de
que todos no palco formavam uma grande família. Ela deu mais um grande
abraço em Grohl. “Ela está certa”, diz ele. “Nós somos uma família, não
importa o que aconteça. E nós nos amamos, também não importa o que
aconteça. Tudo é muito maior do que um parágrafo ou do que uma foto. É
real. Então, foi uma reunião, e estávamos lá por Kurt. Foi uma noite
linda. Foi bom.”
A apresentação de quatro músicas do grupo, que contou com “Smells
Like Teen Spirit”, com Joan Jett, “Aneurysm”, com Kim Gordon, “Lithium”,
com St. Vincent, e “All Apologies”, com Lorde, foi claramente o momento
mais importante da noite. “Toda a minha apreensão era infundada”, diz
Novoselic. “Eu só tentava tocar o meu baixo o mais forte que conseguia.”
Grohl diz que a lembrança da performance para ele ainda é um borrão.
“Eu fiz o meu discurso emocionado”, diz ele. “E então corri para o
backstage para colocar uma bermuda porque não consigo tocar vestindo
calça. Estou lá mexendo no troféu e tentando chegar ao banquinho da
bateria. Sabia que todos estavam esperando por mim. Eu não lembro muito
daquilo, mas eu lembro de ter espancado aquela bateria. Tudo foi como eu
esperava que fosse. Quero dizer, foi mais do que uma apresentação em
uma cerimônia de premiação e um troféu. Era algo grande para a gente,
pessoal e emocionalmente.”
O plano original era terminar a noite com uma jam de “Highway To
Hell”, do AC/DC, mas os integrantes da E Street Band tomaram muito tempo
com seus discursos e o toque de recolher da noite começou a soar. “Eles
esperavam que o Nirvana aprendesse aquela música”, diz Grohl. “Mas já é
difícil o bastante para o Nirvana aprender a porra de uma música do
Nirvana”.
Para Novoselic, não ter que tocar “Highway To Hell” depois do set do
Nirvana foi um grande alívio. “Eu não queria”, diz ele. “Eu amo AC/DC e
amo Bruce Springsteen. Cresci ouvindo eles. Mas nós ficávamos falando:
‘Nós temos o grande final. Nós temos o nosso final!’”
A noite acabou com uma maravilhosa versão de “All Apologies”, com a
Lorde, mas para o Nirvana tudo estava apenas começando. Assim que a
cerimônia chegou ao fim, eles dirigiram oito quilômetros até o Saint
Vitus Bar, no Brooklyn, para uma das mais incríveis after-parties da
história da cidade de Nova York. Alguns poucos sortudos que estiveram no
bar assistiram ao Nirvana tocando 19 músicas com Joan Jett, J Mascis,
St. Vincent, John McCauley e Kim Gordon – Lorde não pôde ir, porque
pegou um voo para Califórnia por causa da apresentação no Coachella.
O show foi exatamente aquilo que os fãs do Nirvana sempre sonharam,
trazendo desde “Smells Like Teen Spirit” a “Very Ape” ou “Moist Vagina”,
a faixa de In Utero nunca tocada ao vivo. “Antes de abrirem a
área do show, a parte do bar estava tão cheia que você não conseguia
pegar uma bebida”, contou John McCauley, do Deer Tick, à Rolling Stone EUA.
“Eu não conseguia ir ao banheiro. E o show começou e a área do bar
ficou completamente deserta. Todos estavam lá assistindo. Isso foi
legal.”
Eles tocaram quase até o amanhecer. “Eu me senti quando se é uma
criança e você vai dormir na casa de um amigo. Você se torna parte da
família dele naquela noite”, diz McCauley. “Mesmo que eles não tenham
sido uma banda em 20 anos, eles pareciam uma banda para mim.”
Câmeras filmaram tudo o tempo tudo, mas o grupo se recusa a revelar o
que será feito daquelas imagens. “Eu sequer vi as câmeras”, diz
Novoselic. “Eu não sei o que o Dave irá fazer com isso. Mas ele é um
cara do cinema. Ele vai pensarem algo e transformar em uma coisa boa.”
Então, aquilo foi algo de uma noite, ou o Nirvana pode ressurgir em
algum momento do futuro? “Essa é uma boa pergunta”, diz Novoselic.
“Quero dizer, ainda tem o Foo Fighters e Dave tem outros projetos
acontecendo. Eu tenho alguns compromissos. Mas nunca se deve dizer
nunca. Nós fizemos. Eu não negaria. Talvez, um dia, a gente possa fazer
alguma música nova.”
Grohl não tem certeza. “Nós sequer falamos sobre isso”, diz ele. “Nós
encaramos aquela noite como se ela pudesse nunca mais acontecer. Foi
isso que a deixou tão poderosa, bonita e significativa. E pode nunca
acontecer de novo, então aproveitamos o máximo. E foi incrível.”
por Andy Green
rs Brasil
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