Enquanto não me sobra tempo - e disposição, já que é bastante cansativa a viagem daqui ao Recife de carro por uma BR 101 eternamente em obras pra ver uma infinidade de bandas tocando numa mesma noite - para fazer minha tradicional resenha do Festival Abril pro rock, deixo-os com a reprodução de uma entrevista com Paulo André, o produtor, conduzida por Diego Albuquerque e publicada originalmente no Altnewspaper ...
O que mudou no “Fazer” o Abril Pro Rock na década de 90 e neste novo século?
Paulo Andre: Mais fácil
dizer o que não mudou. Os gargalos são os mesmos, comunicação pública
mofada, atrasada, não apoia o surgimento de novos artistas,
promovendo-os, tocando. Ausência de um circuito forte e organizado de
clubes, que ainda são restritos ao sul/sudeste. Estou falando da nossa
realidade, da nossa região. Há tempos não faz sentido trazer grandes
bandas dos 80 e 90 pro APR, salvo alguns casos. Tivemos elas em outros
tempos, outro contexto. Nem queremos ficar refém de bandas grandes que
podem dar prejuízo. O Motorhead so não foi prejuízo porque tínhamos os
patrocinadores, tomamos a decisão de não mais ficar refém de uma única
banda, mas dividir o bolo e compor uma noite.
A comunicação mudou, ficou mais
interativo com o público, mas a realidade do cenário, a dificuldade pra
novos artistas na região, parece até ter encolhido, nos 90/00 tinha a
Mtv aberta, mais revistas, mais selos. Mudou do cassete pro Soundcloud,
já nem é mais MySpace, mas não mudou nossa proposta, de apostar no novo.
Temos cinco bandas internacionais que
nunca tocaram na região, três delas inéditas no Brasil, não tenho
certeza se o Obituary tocou no MOA. Só Autoramas (1 vez), Tulipa Ruiz (1
vez), Mukeka (2 vezes), e Desalma (1 vez), tocaram em 21 edições (do
Abril Pro Rock). Além de novos nomes como Daniel Groove, Bárbara
Eugênia, Felipe Cordeiro, Joanatan Richard, Trummer SSA, a galera da
Cena Beto, Krow, Johnny Hooker tocou, mas agora é solo.
PA: Sim, eu fiz turnê com o Felipe Cordeiro, em
Roskilde, ele colocou uma tenda com 4/5 mil pessoas pra dançar, ninguém
entendia uma palavra do que ele cantava, mas reagia muito bem a música.
Não queríamos mais um show do Autoramas no APR, encontrei eles e fiz a
proposta, de convidarem o Renato pra fazer algo juntos. José Teles há
tempos me dizia que deveríamos trazê-lo, como já fizemos com Tom Zé,
Paulo Diniz, Lula Côrtes, Jacinto Silva, os clássicos.
Acompanhei de perto a Cena beto, sempre
fui nos Desbunde Elétrico, acompanhei tão de perto, como acompanhei nos
90 a cena daqui. Acredito muito no potencial deles e na contribuição a
cena musical da cidade. Gostamos muito do disco da Trummer SSA, será a
estréia deles na cidade. Sebadoh é nossa aposta gringa da sexta. Tulipa
tem um bom show, vi em Berlin, ano passado, ela não toca aqui desde o
Rec Beat 2013. Barbara eu já queria ter trazido, acredito no potencial
dela.
Antes mesmo de saber que a banda
continuaria, nem o nome deles, eu liguei para o produtor de Reginaldo
(Rossi), aí ele disse que os caras iam fazer o primeiro show sem
Reginaldo Rossi e que se chamariam The Rossi, aí eles toparam reproduzir
o tributo ao vivo, com convidados não só do cd, mas com novos nomes,
afinal é nossa aposta é sempre no novo.
A maioria dos pernambucanos nem sabe
quem é Johnny Hooker, mas essa situação mudará rapidamente em um mês,
quando estréia a novela que ela protagoniza. Acreditamos nele há tempos,
mas depois de Tatuagem, da música “Volta”, desse momento além música
dele, tínhamos que convidá-lo, dar um horário melhor pra ele, que abriu
em 2009, quando tocou como vencedor do Microfonia, com o Candeias Rock
City.
Quando você começou o APR,
pensava em durar tanto tempo?! E o que o festival precisa fazer para
continuar existindo em alto estilo daqui pra frente?
PA: Cara, no início,
não me interessava saber o que aconteceria no futuro, eu queria fazer
algo pela cidade, pelas bandas, eu acompanhava tudo de perto e, achava
que caberia juntar 12 bandas em um dia. Fui movido pelo incômodo, me
incomodava a quantidade de bandas boas, tocando pra 200 pessoas no
máximo, nos inferninhos, festas, Soparia e Galeria Joana D’Arc.
Mas, sou muito agradecido ao cantor de
axé Ricardo Chaves, ele me fez testemunhar uma cena que me deu todo o
gás pra querer fazer algo pela cidade e sua cena musical, eu explico:
nos anos 90, havia um pré Carnaval na Av. Boa Viagem, 20 trios elétricos
desfilavam na Avenida, de Pernambuco tinha Banda Pinguim, Versão
Brasileira, André Rio e o axé chegando com tudo na cidade. Ricardo
Chaves, não tinha carisma nenhum, cara de almofadinha, mas tinha um hit
“vou te devorar crocodilo eu sou…”. Quando a porra do trio dele passava,
eu via uma avenida inteira, bater os dois braços imitando a boca do
jacaré e aquele som Tcha, tcha, me fodia! Eu achava deprimente, ver
gente de todas as idades numa coreografia coletiva infantil. Até hoje,
eu agradeço ter visto e vivido aquilo, me provocou. Eu pensei, não pode
ser só isso.
Em mais de 2 décadas vimos muita coisa
mudar, do cassete ao Soundcloud e Youtube, seguiremos antenados com o
que rola no mundo, mas depositamos a esperança de um dia ter uma rádio
pública, sintonizada com o tempo e o espaço em que vivemos, que possa
tocar as bandas antes do Festival, pra que mais gente possa ouvir,
conhecer, não pra vender mais ingressos, mas pra marcar melhor essa
ignorada nova música brasileira. Nunca gozamos disso, enquanto outras
cidades tem uma boa rádio, mas não tem um festival, que tenha
repercussão nacional como o APR.
Ano passado, fui pro El Mapa de Todos, e
publiquei um comentário, que pra mim, festival bom é quando a gente não
conhece a maioria das bandas, ou conhece, mas nunca viu o show ao vivo.
É isso que nos move, trazer bandas que de outra forma não viriam pra
cá, como tantas que já passaram pelo APR, de pequeno, médio e grande
porte, e que nunca mais voltaram na região nordeste.
O dia do rock pesado do APR, foi se
desenhando ao longo dos anos, e ficou muito forte nos últimos anos.
Mesclamos punk, metal, hardcore, com bandas novas, e nomes clássicos
desses gêneros. São quatro bandas gringas inéditas no sábado, sendo duas
inéditas no Brasil, só Obituary e Conquest for Death tocaram antes. A
Krow de Minas Gerais já faz turnês internacionais, é uma promessa do
metal brasileiro com carreira internacional. A Mukeka di Rato é uma
instituição underground brasileira, assim como o RDP (Ratos de Porão),
enquanto existir, os traremos. Há tempos queríamos o Olho Seco, antes
tarde do que nunca.
Tentamos outra clássica, a Dorsal
Atlântica, mas não rolou, quem sabe um dia. Chakal é uma banda clássica,
da geração do Sepultura, conheço Wladimir Korg há tempos, também sou um
grande fã da outra banda dele, The Mist. Chakal tocaram aqui nos anos
80, nunca voltaram, vai ser foda, o Korg é uma lenda do metal nacional.
Hibria nunca veio pro Nordeste, e tem as apostas Dune Hill e Monster
Coyote. Além da experiência Desalma com Bongar, o Bongar ao vivo é tão
pesado percussivamente, quanto qualquer banda desse dia, uma porrada,
merecem muito.
Eu acho que 30 a 40% do público do dia
pesado, é de outras cidades do Nordeste. Já contabilizamos caravanas de
10 cidades diferentes, incluindo as distantes Aracaju e Paulo Afonso.
Qual show você ta ansioso/curioso pra ver na sexta e no sábado? Quem bandas as pessoas precisam ver ao vivo?
PA: Pra mim, todos
valem a pena, mas festival é isso, as pessoas se identificam mais com
umas, menos com outras bandas, e é sempre uma boa oportunidade de fazer
um bom show e ganhar público. Festival não é lugar pra lançar disco, nem
pra experimentar, é pra fazer um show bom e deixar o gostinho de quero
mais. Afinal, o que fizemos sempre foi apostar, e agente nunca pode
dizer quando vai rolar um show histórico no APR, pra saber tem que
apostar.
E no sábado, quem você acha que pode surpreender o público?
PA: as bandas gringas
do sábado devem fazer shows foda, porque todo mundo quer tocar no
Brasil, Obituary é clássico, as outras três são relativamente novas,
duas inéditas no Brasil. Das bandas do sábado, só vi ao vivo, Mukeka e
Desalma.
Tem mais alguma banda que vocês tentaram pra esse ano e bateu na trave? Quem sabe na próxima?
PA: Death, eu queria
muito trazer, mas não rolou, continuarei tentando. Queria muito trazer
esse show da Karina cantando Secos & Molhados. Tentei a Nação Zumbi,
mas eles iam fazer carnaval aberto ao público e depois do carnaval já
tinham um show fechado pro Recife.
Valeu pela disponibilidade e pelo papo Paulo. Tem alguma coisa que tu quer dizer e eu não perguntei?
PA: Só se eu fiquei rico, mas é melhor deixar pra lá pra não frustrar o sonho de jovens produtores.
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