Depois de faltar ao Play Fast Or Don't (PFOD) no ano passado, este ano tive a oportunidade de ir ao festival, pela terceira vez, depois de 2008 e 2009. Cheguei a Praga no dia 7 de Julho com perspectivas totalmente diferentes das outras 7 vezes que vim à capital checa. Desta vez, não vim para passar férias e viajar. Vim para estudar através do Programa Erasmus, graças ao qual poderei redigir a minha tese de mestrado durante 1 ano. Mas os estudos só começarão em Outubro, e vim em Julho para não perder alguns festivais e concertos. Também não tinha mais paciência para viver em Portugal...
Cheguei no primeiro dia do Obscene Extreme. Até dava para ir, mas o cansaço e o stress da burocracia relativa à residência universitária não me deixaram com muita vontade. Também teria que ir sozinho e não estava muito entusiasmado. Para o PFOD o cenário era diferente. Além de já estar acomodado e com toda a papelada inerente aos estudos resolvida, pude, como bom brasileiro, encontrar algumas pessoas em Praga para ir acompanhado ao festival. Na véspera também descobri que um amigo de Portugal, o Kikas, também viria. Eu já tinha saudades de falar português. Alguns dias antes havia ido a um show de bandas SXE no clube 007 Strahov, em Praga. Fui com uma nova amiga que fiz em Praga, uma francesa chamada Marlene que também vive por aqui por adorar esta cidade. Lá conheci o pessoal da banda paulista Positive Youth - em tour europeia -, gente muito fina. Sobretudo o vocalista Edi, com quem troquei muita ideia sobre muitas coisas, incluindo o movimento straight edge. Ao contrário de muita gente - inclusive os meus amigos punks e crusties de Portugal -, tenho muito respeito pelo straight edge, embora não faça parte do movimento. O Edi está preparando um documentário sobre o movimento SXE brasileiro e pretende voltar à Europa para o distribuir. Aliás, ao saber que eu era de Aracaju ele logo disse ter conhecido a banda Triste Fim de Rosilene e seus membros. Mundo pequeno!
A viagem de Praga para Hradec Králové, cidade onde tem lugar o PFOD, durou quase duas horas de trem. Fui acompanhado por vários checos. Alguns deles conhecera em Praga num show, outros não conhecia. Estava sentado no meio deles mas parecia estar sozinho, porque passaram a viagem todo conversando em checo e por muitas vezes olhei para mim próprio com medo de ter me tornado invisível. Na verdade combinei com um rapaz chamado Kamil e sua amiga cujo nome não sei escrever, mas é algo parecido com Kristie. O Kamil me assegurara que eu tinha lugar para dormir em sua tenda, então não precisava me preocupar com isso. Apenas precisava comprar um saco-cama. Ah! Ao acordar, nesse dia, percebi que havia contraído gripe. Uma gripe de verdade, não um simples resfriado. Tinha febre, a garganta inflamada e o nariz ardendo! O corpo estava todo dolorido e até foi bom eles terem passado a viagem toda conversando entre eles em checo, porque eu não tinha condições de me esforçar numa conversa.
Chegamos em Hradec Kralové lá pelas 15.00. Da estação de trem para o aeroporto - célebre recinto de festivais na cidade -, eram uns 20 minutos de ônibus. Entramos todos sem pagar mesmo. Só havia punks e crusties e nenhum fiscal ousaria entrar no ônibus para passar multa. Chegamos ao aeroporto 20 minutos antes da primeira banda começar a tocar. A banda em questão era Adacta (Eslováquia). Entretanto, encontrei o Kikas, entreguei dois sanduíches vegetarianos que comprara perto da estação, ajudei a montar a tenda, e fui para dentro do bunker para ver Adacta tocar. Gosto muito desta banda, por causa dela fiz o Kamil me prometer que não iríamos chegar ao festival atrasados! Foi legal, mas a primeira banda é sempre para ir colocando as pessoas dentro do ambiente, não agita muito. Havia pouca gente assistindo. A minha gripe me torturava...e mais uma vez o som do festival não era digno do cartaz apresentado. Não se distinguia nada, apenas um ruído grave e a batida da bateria. Os solinhos de guitarra não eram ouvidos, os acordes eram quase imperceptíveis. O vocal era a única coisa que se ouvia bem. Todas as bandas tinham 30 minutos de apresentação - com exceção de MOB 47 (40 minutos) no primeiro dia e Extinction of Mankind (40 minutos) e Hellshock (1 hora) no segundo -, com 15 minutos de intervalo entre cada banda. Ao todo, foram 12 bandas no primeiro dia e 17 no segundo.
Adacta acabou sem eu perceber o que estavam tocando. Poderiam me dizer que era qualquer outra banda que eu teria acreditado. Talvez o problema seja a acústica do bunker e não o responsável pela mesa de som. O local é emblemático e tem a atmosfera perfeita para um festival de crust, mas se a acústica não ajuda, o melhor é encontrar outro lugar. Chega a dar raiva mesmo quando se está vendo uma banda e tentando entre cada acorde perceber, sem sucesso, qual música está sendo tocada. Terei que esperar para ver Adacta noutra oportunidade.
Depois veio Fatal Nunchaku (França). Não vi. Assim como Last Legion Alive (Bélgica). Estava demasiado doente para permanecer o tempo todo em pé curtindo shows. Decidi que só veria as bandas que mais gostava, e mesmo assim não sabia se teria condições. Tomei antibióticos para a garganta e não podia beber cerveja. Passei o festival inteiro sem beber nada. Só havia bebido duas cervejas logo na chegada, mas a partir da quarta banda, See You In Hell, não bebi mais nada. Passar dois dias num festival sem poder beber é foda. Mas pior do que não poder beber foi estar naquele estado deplorável, sem vontade de falar com ninguém, com o corpo pedindo para deitar e dormir.
Mas resisti! See You In Hell é uma banda checa de Brno muito energética. Foi a segunda vez que os vi ao vivo e gosto muito! Aconselho! Inclusive já fizeram uma tour brasileira, em 2009. Na banda há membros da extinta Mrtvá Budoucnost (traduzindo, Futuro Morto), uma antiga banda crust checa. A plateia já estava um pouco mais preenchida e delirou de vez quando Lycanthrophy começou a atuar. Para quem não conhece, trata-se de uma banda checa de grindcore/powerviolence muito adorada pelo som e talvez sobretudo pela sua vocalista, Zdisha, por quem todos no festival estavam apaixonados. Quando a bando começou a tocar só se via marmanjos pertos do palco tirando fotos e babando enquanto fitavam a moça. Eu era um deles, admito! E o meu amigo Kikas talvez seja o que esteja mais enfeitiçado por ela. Na verdade Zdisha é muito bonita, tem cabelos pretos e dreadlocks enormes, e usa umas mini-saias bem sugestivas. O namorado dela deve sofrer um pouco nesses festivais. Enquanto a banda tocava, a marmanjada não saía de perto do palco e não parava de tirar fotos dela. Eu até tentei disfarçar tirando fotos dos outros membros da banda, mas era óbvio que o que eu queria mesmo era espreitar por debaixo da mini-saia dela.
E já que toquei no assunto, aqui abro espaço para uma observação: mais do que nos anos anteriores - talvez por estar etilicamente alegre e incluído nos círculos de conversa que se formam -, desta vez, por estar doente, passei a maior parte do tempo observando comportamentos e percebi que a cena crust/grind não está de forma alguma livre de estrelismos e de gente tentando atingir determinados status. E a aparência, o visual, que à priori parece remeter à recusa às modas, acaba por tornar-se ela própria uma moda e uma forma de atingir status. Para alguém que vive no Brasil e nunca frequentou festivais assim talvez seja inconcebível, mas a verdade é que o PFOD todos os anos é tomado por uma pequena multidão de crusties com dreadlocks enormes, alguns abaixo da cintura, e roupas pretas, novas ou velhas, cheias de patches e pins de bandas de crust e grind, muita gente tentando ostentar algo ou chamar a atenção tentando dizer "olha, eu tenho o visual mais radical". Há dezenas de moças de beleza acentuada - viva a República Checa! - com suas dreadlocks loiras ou ruivas e mini-saias curtas mostrando as longas pernas. Quase todas acompanhadas por namorados como se esses as tivessem pondo para desfilar perante os olhares alheios enquanto se gabam. Como o Kikas disse, a maior parte deve ser irreconhecível na vida normal fora dos festivais. Mas eu nem quero formular nenhuma crítica. Fica apenas a evidência da observação e não me alongarei mais nesse assunto. Mas que há elitismo, isso há! Inclusive na postura de algumas bandas e algumas distros.
Entretanto, a essa altura já chovia bastante e o tempo esfriara muito. Não tenho muita sorte quando vou a festivais na República Checa, sempre faz mau tempo. Fazia frio mesmo, parecia começo de Primavera ou final de Outono. A chuva era implacável e assim continuou até ao fim do festival.
Voltando às apresentações, aconselho a ouvirem Lycanthrophy. É ultra-mega-rápido! Quem gosta do gênero vai delirar. O vocal às vezes torna-se meio irritante, mas depois de olhar para uma foto da vocalista transforma-se nalgo bem agradável ...
Após a banda de grind checa foi a vez de Distress, banda crust da Rússia. Não é uma banda diferente das outras, mas é legal. Tive a oportunidade de vê-los novamente dois dias depois em Praga no 007 Strahov, já com o som decente. Bem legal! Sobretudo por ser da Rússia. Não chegam muitas bandas de lá e essa é bastante ativa.
A banda a seguir foi Mesrine (Canadá). Não vi e sequer sei do que se trata. Precisava descansar para o que se sucederia, Lobotomia, banda oitentista lendária de São Paulo. Hardcore Thrash puro e muito carismático. O carisma é o que definitivamente distingue as bandas brasileiras das bandas europeias. Muitas vezes assisto a apresentações totalmente robotizadas, como se fosse um ensaio, sem nenhuma interação com o público. Lobotomia tem uma presença de palco impressionante e conquistaram rapidamente o público que a essa altura já lotava totalmente o bunker. Para mim, foi a melhor apresentação do festival e uma das melhores que já vi ao vivo. Eu só lamentava estar tão doente e não poder acabar-me no mosh e no stage diving. Me contentei, meio aborrecido, num cantinho perto do palco, com a máquina fotográfica numa mão enquanto dava socos no ar com a outra.
Não estar doente foi o que faltou para a apresentação de Lobotomia ter sido perfeita! O vocalista parece o Jello Biafra pelo teatro que faz e que é um show à parte! E tudo o que dizia era em português mesmo, porque não sabe falar inglês. O pessoal não entendia nada mas aplaudia, e eu me divertia com a situação. O guitarrista também tem uma presença de palco incrível. Adorei!
Amanhã (06/08/2011), virão tocar em Praga como parte da tour europeia que estão fazendo. Lá estarei! Além de serem impecáveis no palco, também são gente finíssima, estive muito tempo conversando com eles e me tornei ainda mais fã depois de conhecê-los pessoalmente. Certamente amanhã beberemos muitas cervejas juntos.
Depois de Lobotomia era a vez de outra banda lendária, MOB 47. Mas àquela altura eu já não me aguentava de pé e fui dormir para tentar estar um pouco menos morto no dia seguinte, para ver algumas das 17 bandas que tocariam. Além de MOB 47, também perdi Chiens (França), The Atrocity Exhibit (Reino Unido) e Hellisheaven (Polônia). Vira MOB 47 no Obscene Extreme há dois anos, então não fiquei muito chateado. Fui para a tenda e apaguei, mesmo com todo o barulho de música eletrônica e hip hop que vinha de uma das barracas de comida vegetariana.
No dia seguinte, ao acordar ao lado dos dois amigos checos dentro da tenda, veio a desilusão: nem a gripe nem o tempo tinham melhorado. Continuava chovendo e fazendo muito frio, e eu continuava num estado lastimável, com febre e garganta inflamada. Era quase meio dia, e a primeira banda, Fear of Extinction (Rep. Checa), iria começar em instantes. Assisti à apresentação mais para me abrigar da chuva do que por vontade de ver a banda mesmo. Encontrei um lugar para sentar ao lado da mesa de som improvisada e fiquei por lá mesmo, enquanto How Long? (Rep. Checa), Mundo Gecko (Israel), Senata Fox (Croácia), Cancer Spreading (Itália), Sheeva Yoga (Rep. Checa) e Scorched Earth (Suécia) se apresentaram, sem que a chuva desse trégua lá fora. O pessoal das distros não estavam muito contentes, pois com a chuva pouca gente se arriscava a vasculhar as bancas para comprar material. Gostei de Senata Fox, fastcore politizado e competente. Estava na expectativa de ver Sheeva Yoga, uma banda que conhecia há tempos, mas não gostei muito. Nas gravações é mais legal, e parece que eles mudaram de estilo, passaram de fastcore psicodélico experimental a powerviolence.
No intervalo entre as bandas eu tentava me aventurar lá fora, e num desses passeios conheci o pessoal de Lobotomia. Encontrar brasileiros por aqui é sempre uma festa. Troquei muita ideia com os caras. O Frauda, ex-Ratos de Porão, é baixista da banda. Já são todos quarentões mesmo. Estavam reclamando do tempo, mas estavam gostando muito do festival e disseram que o pessoal na Rep. Checa é muito louco. Comprei uma camisa deles. Foi a única coisa que comprei no festival, apesar da tentação das inúmeras bandas de distros e das promoções que faziam. Se numa a gente encontrava 5 camisas por 20€ (em Praga uma camisa custa este preço), noutra era 3 LPs a 4€ (em Praga paga-se entre 15 e 20€ por 1), etc. E havia, como sempre, muito, mas muito material. Algumas das principais distros de crust da Europa estavam lá. E dentre essas distros todas encontrei dois brasileiros residentes em Londres vendendo seu material. Até calcinha fio-dental com logo de bandas eles vendiam!
Eis que finalmente começa a série de bandas que particularmente eu queria ver. A primeira foi Idiots Parade (Eslováquia), fastcore com a minha amiga Petra nos vocais. Ela também é uma espécie de musa da cena. É uma banda bem legal para quem gosta de música violenta e rápida ao extremo, e pelo que vejo, vão ganhando cada vez mais projeção. A gripe continuava implacável, mas eu já me aventurava perto do palco para ir pelo menos tirando umas fotos e dar soquinhos no ar. Com o mau tempo lá fora, o bunker permanecera o dia todo lotado e o mosh era bastante agitado. Idiots Parade fez o público delirar, foi uma das melhores bandas do festival.
A banda a seguir era Visions of War, antiga e emblemática banda crust belga na linha Doom que eu queria muito ver. Foi uma desilusão! Os caras, já bem velhos, estavam podres de bêbados e mal se aguentavam de pé no palco. Um dos vocalistas caiu várias vezes e numa delas levou parte da bateria consigo, tendo sido necessário interromper a apresentação para remontar a bateria.
Não gostei e sou chato mesmo; quando uma banda toca num festival grande internacional, cheio de gente que vem de outros países para os ver, deveriam demonstrar um pouco de respeito e tocar em condições. A apresentação de Visions of War foi ridícula e teria sido melhor se tivessem dito "pessoal, desculpem mas abusamos das drogas antes e agora não conseguimos tocar". Por se tratar de uma banda antiga com membros na casa dos 40 e 50 anos, deveriam perceber isso. Os dois vocalistas nem conseguiam berrar no tempo certo e várias vezes os dois guitarristas se desligaram um do outro. Uma decepção!
Depois foi a vez dos italianos Guida, metal crust bem tocado, talvez muito lento e cheio de virtuosismos, mas eu até gosto dessas coisas. O som e a acústica, embora tivessem melhor do que no primeiro dia, não ajudaram nada e foi quase tudo imperceptível. Guida é formada por pessoal da famosa distro AgiPunx. É meia-dúzia de indivíduos que tocam em trocentas bandas diferentes. No dia seguinte pude vê-los novamente no 007 Strahov.
Depois veio Totalickers, de Barcelona. As bandas catalãs são algo à parte, praticamente podemos dizer que há um nicho dentro do crust chamado "crust de Barcelona". Todas as bandas de lá soam iguais, fazem um som rápido, pesado, mas também melódico com passagens bem grudentas. Por haver tantas bandas parecidas, a relação com elas é meio amor/ódio. Ou gostamos muito, ou detestamos. Totalickers toca bem, deram um show legal, levantaram o público, mas são iguais a milhões de bandas da cena crust/d-beat de Barcelona.
Eu já não me aguentava mais e àquela altura já me sentia uma espécie de mártir por estar ali (a pouca quantidade de fotos tiradas também deveu-se ao meu estado). Até que, finalmente, sobem ao palco os lendários Agathocles com seu mincecore. Sobre eles não há muito o que dizer. Após o suicídio do antigo baixista, continuaram na ativa e seus shows continuam sendo crus, simples e super energéticos e politizados. Há bandas que fazem muita encenação e não conseguem passar a intensidade que Agathocles passa de forma tão simples. Um trio demolidor, que durante 30/40 minutos detonou uma série de clássicos do grindcore mundial para todo mundo delirar e pedir por mais. Parece ser um daqueles casos em que podemos dizer que quanto mais velhos, melhores.
Após Agathocles, encontro o Kamil, que me vem informar que está indo embora com sua amiga para não perderem o último trem para Praga. Com o frio e chuva, não queriam dormir na tenda novamente. Ou eu ia embora com eles, ou teria que arranjar outro lugar para dormir. Embora eu não iria, obviamente. Estava doente mas queria ver Hellshock, era o único show que estavam dando na Europa. Tive que retirar as minhas coisas, fechar o saco-cama e pedir para o meu amigo Kikas - amigo do organizador e por isso alojado junto com as bandas -, para me arranjar lugar onde poderia passar a noite.
Em seguida foi a vez de outra banda histórica, Extinction of Mankind (Reino Unido), que pela segunda vez vi no PFOD. A minha vontade era de sair dali e sentar nalgum lugar para descansar antes do show de Hellshock, mas se saísse provavelmente não conseguiria retornar, porque o bunker estava apinhado de gente e eu não tinha forças para passar no meio de todo mundo. Estive meio com a cabeça na lua enquanto tocavam, confinado num canto, sentado, quase apagando, mas pela intensidade do mosh, certamente agradaram. Eram 21:00h quando começaram a tocar, e eu estava ali, doente, desde às 12:00. Queria guardar as minhas últimas energias para Hellshock, banda de crust metalizado da famosa cena de Portland (EUA), prolífera no gênero. Assim como em Barcelona, Portland também tem um nicho próprio dentro do crust. As minhas duas bandas de crust favoritas são de lá (Tragedy e Guided Cradle, que apesar de ser originalmente de Praga, está instalada em Portland há 3 anos).
Vira Hellshock em Portugal há 6 anos atrás e já ali tinham uma boa presença ao vivo, com um som mais trabalhado do que o habitual. Mas evoluíram ainda mais. Aconselho a ouvirem o álbum They Wait For You Still (2009), o último disco até então do grupo. Bem, a verdade é que eu não imaginava que Hellshock havia se tornado numa banda tão grande dentro da cena. Em Portugal tocaram para meia-dúzia de gatos pingados e nunca ouvi falarem neles como sendo uma referência. Mas no PFOD percebi logo. A maior parte das pessoas estava ali por causa deles. Quando começaram a tocar instalou-se o caos dentro do bunker e eu estava doente e cada vez mais espremido, mas continuava dando socos no ar. O repertório da banda resume-se ao álbum referido e ao Only The Dead Know The End Of Wat (2004). O grande clássico da banda é a música Olympus, típico stenchcore, sujo e metálico, com passagens lentas e melódicas revezando com riffs rápidos e mais thrash. A novidade da banda é a presença de Ethan, vocalista e guitarrista de Guided Cradle, como segundo guitarrista. Tocaram durante uma hora e levaram o público ao delírio. Para mim, Lobotomia foi melhor e tem mais presença de palco, mas valeu a pena esperar por Hellshock e não ter ido embora.
No fim da apresentação de Hellshock não aguentei mais e pedi para o Kikas me levar para o local arranjado. Era um quarto enorme com dezenas de camas (típico alojamento militar dentro do aeroporto). Foi um bom negócio: saí da tenda molhada para dormir numa cama quentinha junto com as bandas. Entrei no quarto e aterrei no quentinho, com cobertor e travesseiro. O quarto estava vazio, volta e meia aparecia alguns membros de bandas para cheirar coca e depois saíam, com medo de fazer barulho para não me acordar, embora eu estivesse meio acordado. Por fim, o Kamil comunicou-me que havia se enganado no horário dos trens e que afinal teria que esperar na estação. Conclusão: poderia ter ficado até ao fim.
Perdi as três últimas bandas do festival, Looking For An Answer (Espanha), Summon The Crows (Noruega) e Aguirre (França). No dia seguinte, de manhã, levanto-me, despeço-me do Kikas, que estava na cama ao meu lado e havia roubado o meu cobertor e travesseiro, despeço-me do pessoal de Lobotmia que andava por ali meio perdido, e parto sozinho para a estação de trem. No caminho, consigo infiltrar-me num grupo que estava esperando ônibus numa paragem perto do aeroporto e com eles consegui carona não até à estação, mas até meio do caminho, e dali segui com dois malucos da Nova Zelândia, um rapaz e uma moça. Ela pegaria o voo para Londres naquela noite, enquanto ele havia sido roubado e estava sem documentos e dinheiro, só trazia consigo a roupa do corpo, mas não se mostrava nem um pouco chateado por causa disso. Disse que passaria a noite algures em Praga e no dia seguinte trataria da situação. Conversamos muito no trem, mas o inglês deles é foda, quando falam muito rápido e com aquele sotaque neozelandês não dá para entender patavinas. Nos despedimos na estação de trem em Praga e cada um seguiu o seu rumo.
À noite, continuei teimando em desafiar a gripe e fui ao After PFOD Party, no 007 Strahov. Como já havia dito, vi Distress e Guida novamente, além de Aguirre, Summon The Crows e Scorched Earth. Encontrei o Kikas e mais dois portugueses, além dos dois brasileiros da distro. Finalmente pude beber cerveja! Os brasileiros iriam regressar a Londres e estavam loucos para despachar o material que trouxeram. Combinei de ir com eles no dia seguinte a uma loja em Praga para tentar vender o material. Então passei uma tarde com os dois paulistas, gente boa. Primeiro fomos à loja e conseguimos vender algumas camisas. Eu ganhei deles uma camisa de CRASS como bônus pela ajudinha. Embora a minha intenção fosse pagar por ela, não me deixaram. Depois fomos beber cerveja e comer uns petiscos num dos meus bares favoritos, o Atmosphere. Nesse mesmo dia, à noite, encontrei-me com duas estudantes estrangeiras em Praga, uma russa, outra holandesa, e fomos fumar shisha até altas horas da madrugada. A caminho de casa, no elétrico, encontrei 4 neo-nazistas. Eu estava com um patch no casaco com os dizeres "Good Night White Pride", e com a imagem de um nazista sendo espancado por um anti-fascista. Eles viram e logo percebi que teria problemas. A minha sorte foi que o vagão estava cheio de gente e eles não poderiam fazer nada na frente das pessoas. Saí numa paragem para pegar um ônibus (a linha estava interrompida para ser reparada), eles saíram junto e se aproximaram. Então, como é típico nessas horas de tensão, surge-me a ideia de fingir que não sabia de nada. Aproximei-me deles e perguntei, em tom amigável: "Ei, pessoal, vocês sabem se é aqui mesmo que posso pegar o ônibus para Kubánské náměstí?". A resposta foi positiva, mas depois colaram os olhos de vez no meu patch e começaram as hostilidades. Nunca chegaram a me tocar, pareciam meio receosos, mas foi por pouco! Eu estava com a minha câmera e naquela altura só pensava que ser espancado não era o pior que me poderia acontecer, já ficar sem a câmera...
No final, e apesar de pegar o mesmo transporte que eles novamente, consegui sair ileso - o ônibus estava cheio. Saíram em paragens antes da minha, o que me fez respirar aliviado. Foi a primeira vez que encontrei neo-nazistas em Praga. Espero que seja a última, mas para prevenir, o melhor é não usar roupas com mensagens políticas quando estou sozinho de madrugada. Ainda nessa noite, enquanto dormia, alguém entrou no meu quarto - esquecera de trancar a porta. Eu estava paranóico por causa do encontro com os nazistas e só pensava "são eles, me seguiram até aqui", mas ao correr até à porta enquanto o invasor fugia dizendo "sorry, sorry", percebi que provavelmente se tratava de um estudante bêbado.
Juliano Mattos, o autor deste "review", é brasileiro, paulistano de nascimento e sergipano de coração. Vive na Europa, atualmente em Praga, República Checa. Além de Imigrante tupiniquim na Europa, se define também como "geógrafo de formação, boêmio por opção, fotógrafo e músico amador, andarilho empenhado em desvendar o mundo, colecionador de cartões postais, amante do ócio filosófico, observador da sociedade, amigo do futuro, inimigo do passado, vivendo entre o tédio do velho burgo nortenho do Porto (Portugal) e as aventuras boêmias, culturais, libertinas e etílicas de Praga (República Checa)."
Fonte: Erro Crasso
Há, que demais. Gripe é foda, mas até que deu pra curtir legal.
ResponderExcluirMeu sonho é conhecer a Rep. Checa e ir num desses festivais.
Se quiser curtir a banda em que sou baixista, segue o link: http://warkrust.bandcamp.com/
Abraço