quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Memória do rock Brasileiro dos anos noventa



O site paraibano ladonorte está com um projeto bastante interessante de resgate da memoria do rock independente brasileiro dos anos noventa. Para saber mais, clique aqui. Para contato, envio de sugestões, dicas e materiais, enviar mensagem para memoriarockbr90@gmail.com . Abaixo, alguns dos depoimentos colhidos para o projeto, que está em pleno andamento.

“Difícil resumir uma década assim, mas sem dúvida foi uma década de transição Vinil sumindo, CD ganhando força e o mundo digital começando a ganhar envergadura. Ao mesmo tempo o universo independente mundial explodiu, rompendo varias barreiras e deixando de lado boa parte da diferenças. Uma banda uma semana estava num pub, na outra estava num estádio pra 50 mil pessoas, isso sem internet” (…) Luciano Matos, jornalista e produtor baiano.

“O começo de tudo… as fitas, os primeiros cds, os primeiros instrumentos importados mais baratos (cortesia de Fernando Collor), os estúdios um pouco mais instruídos para gravar…”, Alexandre Alves, músico e produtor potiguar, ex-Chronic Missing.

“(…) falando sobre a minha realidade no ES, posso dizer que no quesito produção e tecnologia nós engatinhávamos até depois do meio dos anos 90, me lembro que gravamos nossa primeira demo num estúdio de jingles em Vitória, muito tempo depois fomos entender que era uma parada tosca, pra tentar situar a gente também nesta realidade. (…)”, Rodrigo Lima, vocalista do grupo capixaba Dead Fish.

“Penso que foi importante como “ponte”. Experimentou-se bastante. Acertou-se e errou. Foi uma época em que a tecnologia também estava se aperfeiçoando e o Brasil começou a sacar mais como os caras trabalhavam lá fora, em termos de produção editorial, musical e tudo mais com a vinda de grande show e festivais. Vimos que estávamos aquém dos gringos. (…)” Carlos Zechner, baterista das bandas curitibanas Swamps e Toby One.

“Acho que foi algo parecido com o que ocorreu nos anos 50, quando o jovem passou a ser “notado”. Só que dessa vez as pessoas foram menos passivas, passaram de meros consumidores para criadores. Outra coisa e que o “feio”, o “mal feito”, o “sujo” e o de “mau gosto” deixaram de ser vistos assim. Nada mais de padrões de “qualidade” duvidosos. Veja o caso do Grunge, uma espécie de reciclagem do punk que tomou de assalto o mundo. Hoje a estética “alternativa” é usada até para vender margarina”, Bruno Privatti, editor do zine carioca Brujeria.

“Foi onde eu realmente comecei a produzir musica e aprender tudo que sei até hoje. Musicalmente, eu posso te dizer que eu adorava cada demo que recebia, as bandas eram muito legais e sempre pintavam como uma novidade na área, diferentemente de hoje onde se joga no lixo quase toda demo tape q você recebe, porque é sempre repetitivo, mal feito ou imitação barata. socialmente posso te dizer que através do hardcore mudei vários aspectos da minha vida, que refletem em mim até hoje”, Mozine, da banda capixaba Mukeka Di Rato e dono da Läja Records.

“Foi um start na cena indie nacional, que só começou a se estruturar de verdade na metade da década de 90. A imprensa e divulgação nessa época pré-internet eram os fanzines, a tecnologia era a demo-tape gravada em estúdio sem know-how rock. Banda legal tinha de rodo, mas analisando hoje, mais criticamente, eu achava massa um monte de coisa que hoje não daria a mínima”, Rafael Jr, fundador e baterista da banda sergipana Snooze, editou o zine Cabrunco.

“Acho que foi o período de produção mais importante na história do rock independente brasileiro. Primeiro pela qualidade das bandas. Vemos hoje bandas que são hype na imprensa especializada, mas são muito ‘fuleiras’ perto das bandas dos 90’s… havia uma maior variedade de bandas e, principalmente, bandas que faziam a diferença no meio. Hoje há bandas muito iguais. E o segundo aspecto que vale ressaltar nos 90’s é que naquele época era tudo mais difícil e limitado comparando com hoje que tem o fenômeno da internet.”, Andye Iore, jornalista e produtor paranaense, dono da loja de discos O Porão.

“Estando na faixa dos 20 anos de idade na década de 90, e fazendo parte de uma banda em Fortaleza (Velouria), vejo que passamos pelo começo de muita coisa que hoje se consolidou. Pelo menos em termos de produção, tudo era bem mais incipiente, mas feito com mais garra, talvez. Havia fanzines impressos em papel, o que era bem legal. Havia talvez menos influência imediata dos artistas estrangeiros sobre todos nós. Para conhecer novos artistas, havia de se comprar fitas K7, de alguém que trazia de fora, o que era um processo lento. Isso até cerca de 1997, quando a Internet mudou tudo isso”, Régis Damasceno, músico e produtor cearense, ex-vocalista e guitarrista do grupo Velouria.

“(…) A produção cultural começou a encontrar novos e mais eficientes meios para se expandir e se comunicar com o publico. Por outro lado, foi quando as coisas começaram a ficar um tanto quanto “confusas”, fragmentadas, sem foco, especialmente com a popularização da internet – um fenômeno que começou a se esboçar no fim da década de 90 mas cujos efeitos estamos experimentando de forma bem mais acentuada agora.(…)”, Adelvan “Kenobi” Barbosa, fanzineiro e jornalista sergipano.

“A década de 90 foi quando foram montadas as bases do que está acontecendo hoje no cenário independente. Começou como uma década polarizada, na qual ainda existia mainstream e underground, mas aos poucos, especialmente com a introdução dos meios digitais, foram se criando inúmeras camadas entre esses dois extremos que hoje são habitadas por uma diversidade grande de intenções. Quando chegamos aos anos 00, já havia uma série de sementes plantadas por bandas e produtores culturais que começaram a germinar. A década de 90 foi uma década em que se produziu e distribuiu cultura na raça e na pura vontade de fazer, porque era o que se tinha que fazer simplesmente. (…)”, Gustavo Mini, vocalista e guitarrista dos gaúchos Walverdes.


“Foi o início da Cultura Rock no Brasil. Poder gostar de Rock e usufruir de tudo, ir a shows, ouvir os discos, sem que o Rock precise ser o primeiro lugar nas paradas. O Rock como opção, não como imposição.”, Gabriel Thomaz, vocalista e guitarrista do Autoramas.

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Abaixo, minhas respostas, na íntegra, para o questionário que me foi enviado pela produção deste projeto.

por Adelvan Kenobi

Questionário sobre a cena musical independente/underground brasileira nos anos 90

1) Para você o que significou, musical e socialmente, os anos 90? (considerar os aspectos de produção, talento artístico, divulgação, imprensa, tecnologia, etc)

Em termos de tecnologia – e suas conseqüências culturais e sociais – foi um momento de virada, com a expansão e popularização no Brasil da TV por assinatura e, no final da década, da internet. Isso se refletiu no fenômeno da segmentação – formação de nichos de programação na TV, por exemplo, dirigidos a um publico bem especifico. A produção cultural começou a encontrar novos e mais eficientes meios para se expandir e se comunicar com o publico. Por outro lado, foi quando as coisas começaram a ficar um tanto quanto “confusas”, fragmentadas, sem foco, especialmente com a popularização da internet – um fenômeno que começou a se esboçar no fim da década de 90 mas cujos efeitos estamos experimentando de forma bem mais acentuada agora. Quanto a “talento artistico”, a primeira metade da década, capitaneada pelo estouro do Nirvana, a meu ver foi riquíssima, com a produção “underground” e “alternativa” invadindo o mainstrean. Já na segunda metade tudo ficou meio que diluído com os fenômenos do “poppy punk” e do “nu metal”. Mas mesmo assim houve movimentos interessantes, como o “British pop” e a fusão do rock com a musica eletrônica. Já socialmente, foi trágico – avanço do Neoliberalismo, destruição do Estado de proteção social, desregulamentação da economia, especulação desenfreada, agravamento da desigualdade em todo o mundo. Lamentável em todos os aspectos.

2) Na sua avaliação, quais - e porque – foram os destaques da música independente/underground da época? (bandas, selos, zines, revistas, eventos, festivais, programa de radio e TV, colunas de jornais, etc).

NIRVANA – que nasceu independente/alternativa/underground e “chutou o pau da barraca
SUB POP – o selo onde tudo aquilo começou
MIDSUMMER MADNESS – sempre batalhando no cenário independente
PANACEIA – zine que virou revista, muito bom, super profissional, quadrinho e musica
BIZZ – grande fonte de informação sobre musica dos 80 ao inicio dos 2000. Teve grandes fases nos anos 90, especialmente na época do estouro do grunge, quando pôde dar o devido destaque a quem merecia.
PAPAKAPIKA – grande zine de cultura pop/trash de Curitiba
CABRUNCO – Melhor fanzine sergipano e um dos melhores do Brasil. Bem na linha do Papakapika
BHRIF – Um megafestival radicalmente voltado para a musica independente que aconteceu em Belo Horizonte, bancado pela prefeitura, em 1994. Foi maravilhoso, eu estava lá. Entre outros feitos, trouxe o Fugazi pela primeira vez ao Brasil
JUNTATRIBO – o grande festival REALMENTE independente do Brasil (porque o BHRIF não foi independente, foi bancado pelo estado. Sem demérito nenhum nisso, pelo contrário, com MUITO mérito, afinal foi o estado bancando, pelo menos por alguns dias, a produção independente). No final das contas ninguém é totalmente independente, o juntatribo mesmo aconteceu nas dependências da UNICAMP, ou seja, utilizou-se da infra-estrutura da Universidade para acontecer, certamente com algum tipo de apoio da instituição.
GANGRENA GASOSA – porque santo de casa também faz milagre
OS CABELODURO – melhor HC tosco adolescente da época
DFC – segundo melhor HC tosco adolescente da época
SECOND COME – A melhor banda “indie” brasileira da época
PIN UPS – pioneirismo e qualidade até o fim
SNOOZE – porque é bom pra caralho
CAMBOJA – Banda mais original já surgida em Sergipe
LIVING IN THE SHIT – eram muito bons no que faziam – embora seu som, se ouvido hoje em dia, soe meio datado
EDDIE – rock Brasileiro. Genuinamente brasileiro, sem forçação de barra
CONCRETENESS – Melhor banda de rock eletrônico do Brasil. Os shows eram sensacionais.

3) Cada década com sua peculiaridade, seja no âmbito artístico e ou tecnológico. Na sua opinião o que de mais importante aconteceu nos anos 90 em comparação às décadas anterior e posterior?

O estouro do Nirvana e o rock alternativo chegando ao “mainstrean”.

4) A história é realizada por pessoas, é óbvio. Nos anos 90 e no meio independente/underground, quem você destacaria e por qual motivo?

Uma pessoa só ? Caramba, dificil ... Vou citar Rodrigo Lariu, principalmente pela persistência. Tá aí até hoje, batalhando pelas mesmas coisas.

5) Os anos 90 foram de mudanças e transições. Nesse cenário a comunicação, divulgação, distribuição e marketing de informações e produtos eram feitos essencialmente por via postal, expandida através dos fanzines e demais publicações alternativas. Como você analisa esse momento? Poderia citar exemplos de zines e de outras publicações de destaque?

Os já citados. E mais uma turma do Ceará que fazia o zine MASTURBAÇÃO, IOGURTE E ROCK AND ROLL, especialmente o Weaver. A turma dos quadrinhos do GRUPO DE RISCO do Maranhão - Jamys, Ronilson, Ricardo Borges. Silvio da karne Krua aqui, no cenário punk. Oscar F. em Goiânia, Fellipe CDC em Brasília, Marcio Sno em SP, Leonardo panço no Rio, e muitos outros. Era uma época de muito idealismo e vontade de ver as coisas acontecerem. Só assim pra explicar o prazer e a boa vontade com que a gente tinha aquela trabalheira toda de datilografar, recortar, colar, xerocar, dobrar, grampear e mandar pelo correio.

6) Especificamente sobre a cena independente/underground de sua cidade e do seu estado o que mais marcou, mais destacou de importante por meio? Poderia citar nomes de bandas/artistas, festivais, eventos, espaços para shows, programas de radio ou teve, etc.

Bandas: Camboja, Snooze, karne Krua, Anal Putrefaction, Deuteronômio, Lacertae
Festival: Rock-se em 1998, um divisor de águas na cena local
Espaço para shows: Mahalo Disco Club, uma espécie de pub, até charmosinho, no centro da cidade, que no meio da semana servia aos universitários da maior Faculdade particular da cidade, e nos fins de semana abria pro rock geral, totalmente sem preconceitos. As bandas mais underground e “podres” da cidade tocaram lá. Os gigs foram históricos. Melhor época do rock underground aqui, na minha opinião – apesar das imensas dificuldades para se fazer um show, mas acho que por isso mesmo a galera tinha mais garra e era mais unida.
Programa de radio não teve nenhum nos anos 90. Mas teve uma Radio inteira dedicada ao rock por um tempo, A JOVEM ARACAJU – um dos muitos reflexos positivos do estouro do Nirvana.
Pessoas: Sylvio da karne Krua – pela persistência principalmente, Rafael da Snooze, um cara que sempre primou pela qualidade e independência, e Adolfo Sá, pelo talento.

7) Particularmente o que mais lhe marcou nessa época?

Os shows no Mahalo foram bem marcantes. E o estouro do Nirvana levando de roboque as bandas independentes para o mainstrean, sem sombra de dúvidas.

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