Estou sentado em uma mesa de piquenique no terraço do Electric Lady Studios. O vocalista do Interpol, Paul Banks, senta à minha frente. Estamos em agosto. Está quente pra caralho. Ambos cometemos o erro de usar calças. Ambos apertamos os olhos. É um daqueles dias em que é difícil ver por conta do sol. Aquelas buzinas e barulhinhos típicos do caos nova-iorquino ecoam da 8th Street ali embaixo. Paul põe a mão no bolso e tira um maço de Camel Blues.
“Você tem um isqueiro aí?”, pergunta o homem de 36 anos.
Meneio com a cabeça e puxo um – por algum milagre aleatório tenho um isqueiro no bolso, então peço um cigarro, mesmo não fumando. Acho que fumar vai me deixar parecendo mais cool pro Paul. E eu quero mesmo parecer cool para Paul Banks.
É isso que o Interpol é. Eles são cool. Ou ao menos, talvez, era o que costumavam ser – e estão tentando novamente. No auge, esses caras faziam o tipo cool sem nenhum esforço, o lance de poder usar terno sem parecer um banqueiro. Com o lançamento de seu disco de estreia, Turn on the Bright Lights, eles basicamente definiram a última década no rock – tidos imediatamente como uma das Últimas Bandas de Rock’n’Roll que Vieram Nos Salvar de Nós Mesmos™, junto de outras como The Strokes ou The Killers.
Com Lights, o Interpol deu a uma geração de jovens uma imagem de Nova York com a qual sonhar, onde as pessoas usavam jeans apertados e fumavam e ouviam bandas como Interpol. O som era obscuro e sensual, mas de alguma forma vulnerável. A voz angustiante de Paul Banks ressoava sobre as guitarras avalassadoras de Daniel Kessler, o baixo pulsante de Carlos Dengler e a percussão afiada de Sam Fogarino. Era algo similar ao que havíamos ouvido antes – muita gente dizia, de cara, Joy Division – mas havia algo de novo no Interpol, a trilha sonora de um viciado triste sentado em um banco, fritando o cérebro ao pensar em como se chaparia de novo, já se arrependendo do erro antes de cometê-lo, então fazendo-o mesmo assim.
A estreia foi seguida de outro disco forte, Antics, lançado em 2004, com o maior sucesso de sua carreira, “Evil”, que os tirou da posição de líderes da cena e lançou-os ao posto de uma das maiores bandas do mundo. A fama cresceu de forma assustadora, e com ela, alguns conflitos internos. Os dois discos seguintes da banda – Our Love to Admire, de 2007 (o primeiro em uma major, na Capitol) e o disco autointitulado de 2010 (sua volta à Matador) – falharam em termos de crítica. Carlos saiu da banda em 2010. Surgiram relatos de um hiato. O Interpol deixou de ser uma das bandas mais cool e proclamadas da década e se tornou a piadinha de algum blogueiro de música (“tá mais pra Interpol, não é?”).
Agora, quatro anos depois e com um membro a menos, voltam com seu quinto álbum, El Pintor (via Matador), que significa “O Pintor” em espanhol, e pode ser o seu melhor disco desde a clássica estreia. Há algo na música feita agora que faltava – uma espécie de urgência. Renascido como um trio, o Interpol volta com um LP que soa como um dos primeiros discos do The Police, afiado e conciso, cheio das letras vagamente melancólicas de Paul. Faixas como “All the Rage Back Home” e “Same Town, New Story” carregam a atitude do começo da banda, mas com um pop maduro feito por integrantes confiantes em si mesmos, quem são e onde querem chegar. O disco exala autoconfiança.
Na ausência de Carlos, Paul gravou o baixo neste álbum, uma experiência que adorou ter feito (por mais que ao vivo a banda vá contar com um baixista e tecladista). No terraço, pergunto a Paul sobre o novo disco e sua sonoridade, o que os levou até esse lugar para criarem algo novo. “[Carlos] estava presente no sentido de que eu sabia que temos uma tradição de dar importância ao baixo, então meio que tínhamos que fazer algo novo mesmo, só vamos nos certificar de que seja bacana”.
Coberto em preto, ele usa uma camiseta de estilista, calças, e sapatos brilhantes. No seu pescoço, uma corrente de ouro. Não sei dizer de que marca é seu relógio, mas parece caro. Ele diz que a banda nunca fez uma pausa oficial, apesar do que a imprensa diz, e que eles nunca tiveram a intenção de não gravar um novo disco. Só precisavam de um tempo.
“É um novo sentimento e sonoridade porque havia uma empolgação nova no estúdio pra gente”, diz Paul, cuidadoso e calculado quando e como fala, o que faz sentido levando em conta que ele passou sua carreira toda dando uma entrevista após a outra (dessa vez, eu sou o segundo em uma série de três entrevistas no dia). “O único disco que refletiu um tipo de registro psicológico dessa dimensão foi o primeiro porque ninguém sabia quem éramos na época. Agora somos desconhecidos enquanto trio, desconhecidos de si mesmos. Houve um processo de descoberta, empolgação, e adrenalina – como acabar de descobrir que você pode compor músicas e descobrir que você pode mesmo e então é, tipo, uau, um novo brinquedo. Temos um novo DNA enquanto banda”.
Então pergunto a Paul se ele tem algum relacionamento com Carlos, e seu cuidadoso comportamento se esvai. Ele responde, categoricamente.
“Não.”
Próxima pergunta.
*****
“Acho que só queremos tocar, no fim das contas; percebemos silenciosamente que queremos ser essa banda”, declara Sam enquanto tomamos um café, dias antes. “Digo, não se preocupar com nada além disso”.
Estamos no pátio do Bowery Hotel um mês antes do lançamento de El Pintor, e o baterista relembra como foi entrar no estúdio novamente pela primeira vez em quatro anos sob a égide do Interpol, com um integrante a menos, um que ajudou a estabelecer a banda. Aos 46 anos de idade, Sam é o membro mais velho do Interpol, mas o mais brilhantemente brusco com suas emoções. Hoje, ele traja roupas previsivelmente bacanas – casaco azul, camisa pólo pra dentro da calça, e calças escuras. Meias vermelhas escapam da barra da calça, e um maço amarelo de Yellow Spirits salta de seu bolso frontal. Ele também usa óculos escuros claros. “Não nos falamos há cinco anos ou mais. É uma separação”, diz. “Teve uma época em que eu não aguentava ele”.
Não há um motivo claro para a saída de Carlos – ao menos não um que o restante da banda queira compartilhar (não conseguimos falar diretamente com ele para esta matéria). Paul fala sobre como o começo do Interpol era vibrante musicalmente porque havia tanta criatividade rolando em um só lugar. Cada membro da banda tem uma personalidade dinâmica, mas Carlos, em especial, era o pavão. Possivelmente o rosto mais conhecido da banda, era ele o cara que sempre os levava além – o tipo de pessoa que tinha a audácia de usar um coldre junto de seu terno. Não é difícil ver como essa sua abrasividade levou-o a cair em desgraça dentro da própria banda.
Sam afirma ter superado a saída de Carlos, e caso o visse na rua, “com sorte” lhe daria um oi. Mas ao mesmo tempo, ele é sincero com seus sentimentos de traição, talvez porque tenha tocado com Carlos na parte rítmica da banda, literalmente o coração pulsante de qualquer grande banda de rock.
“Eu fiquei tipo ‘bicho, cê tá me largando ao relento’, sabe?”. Ele se inclina para trás, cruzando e descruzando as pernas com cada argumento apresentado. “Eu dizia ‘bem, como devo me sentir em relação a algo que ainda amo e me define, e você abandona?’ Aquilo machucou. Mesmo, mas aí você supera. Você fica triste, fica com raiva, aí passa”.
Sam me fala sobre como os últimos meses têm sido uma loucura, com o Interpol passando o verão tocando em diversos festivais ao redor do mundo semanalmente, e como o fato de sentar ali comigo em Nova York parece um grande feito. Após uma carreira de quase duas décadas, a parte de negócios do grupo é tão forte que a imprensa de sua parte é levada como um evento por si só – sendo quase impossível para seu assessor conseguir juntar o trio para uma conversa. Antes de nossa entrevista, Sam lembra de como no final de semana anterior ele se viu acabado em sua cama no quarto do hotel em que ficou em Chicago, após um show no Lollapalooza, duvidando que seria possível até mesmo assistir algo no Netflix. Ele nem lembrava em que país estava.
Pergunto ao Sam se – após estar na banda há quase 15 anos – existe algo com o qual ele se sinta incompreendido. Ele cita a comparação com o Joy Division, algo com o qual já está acostumado, mas até hoje as pessoas supõem que o Interpol tentava personificar o Unknown Pleasures.
“Eu ouvi o Joy Division por causa do Interpol”, digo a ele, que ri.
“Bom, se algum moleque de Iowa compra um disco do Interpol e diz ‘que que é esse tal de Joy Divison?’ vai lá e pega uma cópia do Unknown Pleasures por nossa causa, isso é bom”.
Nosso tempo acabou, ele então se levanta e faz uma pausa. Um último pensamento. “Não acho que todo mundo vá entender tudo, e não sei se quero que entendam”, ele sorri, e então se vai. Vem então Daniel, guitarrista da banda, com um terno inteiramente preto, com seu cabelo longo penteado para trás. Ele senta, cruza as pernas, e começamos a conversar. O homem de 39 anos ali presente tem basicamente a mesma mensagem a passar: “Não tenho como controlar se alguém dará uma chance a este disco. Tudo que posso controlar é o que quero dizer e como queremos apresentar a coisa e o que acontece entre um lance e outro”.
*****
Há algo na cidade de Nova York no começo de setembro. As ruas não têm mais aquele fedor de panela de pressão cheia de lixo. Ondas de moleques de olhos arregalados mudaram-se para a cidade prontos para gastar uma puta grana na faculdade. Há uma mistura esquisita entre verão e outono – ninguém sabe bem o que vestir mas tudo bem porque ficamos felizes com o calor de agosto que se foi. Ao lado do Bowery Ballroom, cinco dias antes do lançamento de El Pintor, diversas pessoas da cena ficam por ali esperando o momento certo para entrar, a maioria fumando cigarros – por mais que eu não saiba se são Camel Blues ou American Spirits. A idade varia, de 20 e poucos anos a 40 e tantos. Muitos chapéus. Muitos casacos. Ninguém usa shorts. Todos estão de preto. Em direção ao centro, sob a linha do horizonte, duas luzes iluminam o céu em honra às torres do World Trade Center. Mais alguma coisa de diferente na Nova York do começo de setembro.
Dois dias, antes, o Interpol fez um showzinho no Temple of Dendur no Museu Metropolitan, um evento chique e encharcado de vinho onde todo mundo se vestia bem e falava baixinho enquanto assistia à banda tocar músicas de sua discografia. Mas aqui no Bowery é diferente. As pessoas pagaram 40 dólares para assistir sua amada banda tomar o palco da pequena porém lendária casa de shows, um local que chamavam de lar quando estavam no começo de sua carreira como integrantes na cena do Lower East Side. Talvez os caras tenham resolvido voltar lá por nostalgia, ou porque queriam testar o “novo DNA” da banda. Hoje é a primeira vez que tocarão no Bowery Ballroom em sete anos, e parece uma noite típica de Nova York, que tem uma energia toda única. Talvez seja uma volta aos dias em que o Interpol – uma banda tão entrelaçada à atmosfera de sua cidade natal – estava canalizando o clima não muito confortável de uma cena central pós 11 de setembro em vez da mercantilização bizarra pré-recessão do que é cool ou a busca por uma identidade no centro pós-recessão. O Interpol voltou, mais maduro e polido, cercado por uma vizinhança que aguentou seu próprio crescimento e achou uma forma de se sentir como Nova York novamente. Todos nos sentimos como Nova York; cada um aqui usa o Interpol para definir o que é essa sensação para si.
“Rosemary”, ecoa a voz de Paul Banks sobre o público. A banda começa seu set de 16 músicas com “Evil”. “Heaven restores you in life”. [O Paraíso te restaura em vida”, trecho de “Evil”].
As luzes mudam entre cada música, ajustando-se a cada disco. Vermelho para Turn on the Bright Lighs. Azul em Antics. Vermelho e azul para El Pintor. Verde para Interpol. Ao vivo, a banda está tocando bem como nunca, executando músicas de toda sua discografia. Ouvimos “PDA” e “Take You on a Cruise” e “Stella Was a Driver and She Was Always Down” e “Slow Hands” e “NYC”. Aqueles ali presentes, a maioria na casa dos 30 anos, cantava junto, seu comportamento uma combinação entre lembrar como foi ouvir estas músicas pela primeira vez e gratidão por verem a banda que amam nesta forma. As novas músicas – tocaram “All the Rage Back Home”, “Same Town”, “New Story”, “Anywhere” e “My Desire” de El Pintor – encaixam bem na discografia da banda, uma bizarra coleção de músicas que percebo, durante o set, soam praticamente as mesmas. Mas apesar disso, há uma beleza reconfortante no que aquela sensação repetitiva causa em você.
Fico com meu braço em torno de uma garota. Dançamos, de levinho, sem falar muito, mas isso porque ninguém está falando nada. Estamos todos lá, juntos, no mesmo transe esquisito. Após o show, ela e eu vamos a um bar em um porão do East Village. Bebemos um pouco e falamos de nossas vidas, o que significa crescer e envelhecer e ficar mais sábio e perceber que quanto mais velho ficamos, menos sabemos. Em determinado momento, num golpe de poesia cósmico, começa a tocar “NYC”, do Interpol. Ela me fala de sua família, e eu da minha. Vamos embora. Já passa das 2 da manhã. Estamos meio bêbados e tropeçando de leve um sobre o outro nas escadas ao sair do bar. Na beira da rua, o beijo. E beijo de novo. Então ela pega um táxi e vai pra longe, eu pego um táxi e volto ao Brooklyn. Quando passo pela Williamsburg Bridge, vejo a linha do horizonte da cidade escurecer, coloco meus fones, e boto pra tocar Turn on the Bright Lights.
Eric Sundermann
Noisey
Vice
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