sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Sem grana não tem amor ...

Por ser um pouco mais novo que o pessoal da geração que realmente fundou o rock “autoral” em Sergipe nos anos 1980, e também por não morar em Aracaju na época, eu não participei ativamente da movimentação “underground” da cidade até “circa” 1987/88. Não fui, portanto, a nenhuma “rockada”. Nem a nenhum show do Guilhotina, Perigo de Vida ou Crove Horrorshow. Deste último poderia ter ido, mas minha mente, àquela altura, depois de um breve flerte com o rock mais “poético”, ou “adulto”, do pós punk nacional via Hits radiofônicos – Ira!, Legião Urbana, Hojerizah, Capital Inicial -  estava tomado pela urgência e pela crueza do Hard Core e do Heavy Metal. Então a Crove, para mim, meio que “passou batido”. Era uma espécie de “lenda urbana” da qual eu sempre ouvia falar através dos caras (não muito) mais velhos – Silvio, Vicente, Marcelo Gaspar. Pelo que eles diziam, deduzia que foram muito importantes para a época, chegando a ter inclusive alguns “hits” underground, como “Sem grana”, sempre citada.

O mesmo pode ser dito para a década seguinte, quando a banda se reformulou, mas ainda assim continuava longe do meu “radar musical pessoal”, digamos assim. Se vi algum show deles no período, não me marcou, porque não me lembro. Muito embora tenha sido desde (quase) sempre um fã de Smiths, Cure e Echo & The Bunnymen, eu seguia imerso no mundo do rock mais “visceral”, só que dessa vez mais focado no barulho guitarreiro dos seguidores do Jesus & Mary Chain e do “grunge” ou do rock industrial do Nine Inch Nails e do Ministry.

Só fui parar pra ouvir a Crove mesmo, pra valer, na segunda metade da primeira década do século XXI, num show que eles fizeram, já com Fabinho no baixo, no Capitão Cook. E foi uma revelação. De repente ficou claro para mim o porque da admiração irrestrita de caras como Rafael Jr., da Snooze, e Silvio, da Karne Krua. Crove era rock pra caralho, esse tempo todo, e eu não sabia! Achava que fosse uma coisa mais melosa, datada – bom, “datado”, até que é, mas isso não é demérito nenhum. É uma opção estética, apenas. Você gosta ou não gosta. Não se propõem a reinventar a roda. A idéia aqui é fazer música autoral de qualidade emulando influências do pós punk mas também da soul music e do som que era feito nos anos 1970. Como Luiz Eduardo é um puta compositor e letrista, a tarefa é cumprida com honra e mérito.

Agora eles, finalmente, lançaram seu primeiro disco “oficial” – ou “de fábrica”, sei lá, está cada dia mais difícil acertar neste tipo de definição. Hora de parar pra ouvir definitivamente, no conforto de casa, num som decente, prestando atenção nos arranjos e acompanhando as letras pelo encarte – ops, isso não. É uma falha do disco, não ter as letras impressas no encarte. Que é bacana, apesar disso: a concepção gráfica como um todo, assinada por Fabio Viana e elaborada em cima de imagens de cartazes e fanzines locais da década de 1980 e desenhos de Helder, o DJ Dolores, é excelente. Acomodada em um digipack de capa tripla desdobrável, tem uma ótima concepção visual que prima por combinar despretensão com bom gosto e um afiado senso de  unidade. Só acho que para a imagem da capa, em si, deveriam ter escolhido a que ilustra o fundo do acrílico onde fica o CD. Fora isso – e a falta das letras! - está perfeito.

A bolachinha já começa dizendo a que veio com uma musica que sintetiza muito bem a proposta primordial da banda: “Não mais”. Letra inteligente, falsamente simples e ligeiramente minimalista, flertando com a poesia concreta, emoldurada por arranjos carregados daquela sonoridade tão característica dos anos 80. Na sequencia, um pouco mais de peso, com um excelente riff servindo de “cama” para o clima melancólico/existencialista de “A Dança do forró” – cuja letra, pelo que eu consegui entender, é uma espécie de manifesto contra a massificação da cultura popular. A seguinte, “Na sala fechada”, já volta ao clima oitentista, e assim segue o disco, faixa a faixa, ora resgatando pérolas nunca antes registradas em estúdio, ora melhorando o que já havia sido feito, como em “catedral”, aqui numa versão bem superior à da demo de 1996. Destaques para “geração ropinol”, “Barra pesada” e “sem grana”, todas com uma pegada “roqueira” vigorosa e letras com cara de manifesto marginal a la Helio Oiticica. Me chamaram a atenção, também, a “sergipanidade” da letra de “Depois da boa”, que fala, sempre num desencanado e gostoso sotaque local, como em todo os disco, em ir à praia depois de comer cuscus e beiju no mercado, e “Canção do Carnaval”, uma espécie de anti-ode aos festejos de momo - pelo menos da forma como são comemorados aqui, naquele esquema massificado/pasteurizado ao estilo baiano. Segue mais ou menos o mesmo mote de “A Dança do forró”: um certo fastio “roqueiro” pela falta de opções alternativas no calendário “cultural” local. Ou é isso ou eu entendi muito mal o que foi dito – e aí “não tem culpa eu”, já que, repito, as letras não vieram impressas no encarte. E deveriam ter vindo.

Um grande resgate. Para ser ouvido, curtido e, quiçá, estudado.

por Adelvan

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Um comentário:

  1. Muito bacana o texto, Adelvan. Por incrível que pareça discutimos o lance da capa e das letras, mas acabou saindo assim mesmo.O Crove agradece.

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