terça-feira, 17 de dezembro de 2013

"Reverendo", outra entrevista ...

Poucos jornalistas de música são tão reverenciados no Brasil quanto Fabio Massari. Não por acaso, ele é carinhosamente conhecido como “Reverendo” – desde os tempos em que apresentava o programa Lado B na MTV Brasil. O fato é que poucos jornalistas especializados – talvez nenhum – conhecem tão bem os subterrâneos da música pop planetária quanto Massari. E isso é facinho de comprovar: basta uma passada de olhos em seu novo livro, Mondo Massari, uma coletânea de textos e entrevistas que acaba de chegar às livrarias.

A seguir, entrevista por email com o Reverendo, onde ele fala um pouco de si mesmo, do livro, Frank Zappa, Islândia, MTV Brasil e – com inesperado entusiasmo – do nosso querido rock baiano. Mais uma da "Escarro Napalm Unauthorized reproductions" - #sqn: O Franchico já me autorizou a reproduzir qualquer texto de seu blog, desde que dados os créditos e postados os links, evidentemente ...

Pode nos contar um pouco sobre como você começou nesse negócio de ouvir rock – e depois, de escrever sobre isso?

Fabio Massari: Acho que dá pra dizer que começou naturalmente, sem forçação de barra ou com algo que tenha deflagrado o interesse. Minha família não é, digamos, musical – mas a vitrola estava lá e discos circulavam. E curti rádio desde sempre: música e todo tipo de conversa, falação mesmo, programas esportivos, humorísticos etc. Sou radialista de formação e predileção! O rock chegou no embalo de Elvis, Beatles, Secos & Molhados, Elton John, Suzi Quatro, Raul Seixas e, claro, Alice Cooper: aqui sim, o momento de revelação, transformação. Muscle Of Love (1973) é o LP que inaugura minha coleção (pelo menos decidi assim num artigo para a saudosa revista General), marco-zero (ainda que não tenha sido o primeiro de fato).

Desde os tempos da MTV, você era, volta e meia, referido como especialista em Frank Zappa (1940-1993),  compositor de rock com bagagem erudita e sobre quem você escreveu o livro  Zappa: Detritos Cósmicos. Como você avalia o seu legado?

FM: Zappa tinha mesmo essa “bagagem erudita”, ainda que haja divergências entre especialistas quanto à intensidade desses “estudos”. Acho que era tudo mais intuitivo e a pesquisa era conduzida à sua maneira, sem muito envolvimento com formatos acadêmicos. Mas ele se deliciava com outros gêneros e subgêneros. Nas suas composições (vale lembrar que se definia pura e simplesmente como “American composer”) tinha de tudo: jazz, blues, psicodelia, colagens vanguardistas, marchinhas mil e... no fim das contas, sua música não se parecia com nada disso. Além das possibilidades infinitas do legado, acho que destaca-se a postura de um artista em plena sintonia com seu tempo, que não tinha medo de encarar os “atrasa-lado” corporativos e que se dedicava à sua arte – e aos fãs – com todo o carinho e respeito do universo.

Lembro que no Lado B vc entrevistou em uma ou duas ocasiões a banda baiana brincando de deus, pioneira do indie rock brasileiro (e orgulho de parte dos doidões locais, fãs do chamado - por aqui, de forma meio jocosa - "rock triste"). Você tem alguma lembrança da brincando de deus? Considera relevante alguma outra banda da cena baiana?

FM: Como assim? Mas é claro! O rock triste fez muito parte da trilha sonora do Lado B (e atividades televisivas com nossa chancela). A brincando de deus era uma das prediletas, sempre muito legal encontrar o pessoal – e nos batemos muitas vezes nos festivais da vida. O Messias (Bandeira, vocalista) sempre foi um cara muito interessante de entrevistar e de conversar na camaradagem, fora das câmeras. Sempre teve um discurso elaborado, consistente, pensava a banda, a cena em contextos bem demarcados. Era mesmo bem interessante. Aliás ele foi um dos responsáveis por irmos cobrir a cena in loco, no histórico festival Boom Bahia. Na verdade, esse momento anos 90 me pareceu muito “quente” para a cena local. De minha parte, curti muito várias bandas. Estão todas aqui (cassetes, CDs e uns vinis legais). (Dr.) Cascadura (clássico ainda subestimado) e Dead Billies (a certa altura, a melhor banda “ao vivo” do país, talvez do planeta). E Inkoma, Lisergia, Dois Sapos & Meio, Saci Tric, Crac!, Úteros em Fúria e Treblinka. E a mais espetacular gema discográfica (CD-R) da divisão baiana da minha coleção: Guizzzmo! Viva o Grande Irmão (referência a Rogério Big Brother - ou Big Bross -, produtor local).

A geração da qual a brincando de deus fez parte - a primeira turma do indie brasuca, incluindo Pin Ups, PELVs, Killing Chainsaw, Low Dream, Second Come e Mickey Junkies, entre outras - é hoje meio que desconsiderada pela geração pós-Los Hermanos: por que cantavam em inglês e não reverenciavam nossa MPB, entre outras razões. Como você vê isso? Essa geração merece uma revisão crítica?

FM: Deveria existir uma revisão crítica e pronto. São muitos vetores nesse gráfico das percepções críticas. É possível que haja pontos de contato entre essa turma  90’s com os “pós-Los Hermanos”. A questão é a falta de “estudos” nesse sentido, aquele velho papo de resgatar algo das nossas heranças culturais. E do ponto de vista do mercado também: onde estão os discos comemorativos, especiais, boxes com fotos e textos?

Você escreveu um livro sobre o rock islandês, Rumo à Estacão Islândia. Porque? Ele é de fato extraordinário? Ou você foi movido pelo exotismo da coisa?

FM: O projeto era, acima de qualquer coisa, pessoal, de corte discográfico-existencial! Investigação que poderia ter sido na Nova Zelândia ou  Bahia. Discos e personagens e algumas de suas histórias. No caso da Islândia, ela possui cena riquíssima de sons e é um  lugar loucamente belo!

Ainda existe lugar nas rádios comerciais para programas como os seus ou só na internet?

FM: Nas comerciais o espaço é cada vez menor, sem dúvida, mas não é impossível. Na net o que mais existe é espaço para programas autorais, convencionais ou não.

Qual foi o critério de seleção para os textos do livro?

FM: Mondo Massari reune o material que produzi com essa marca. Programa da MTV (no livro conto do surgimento e dou uma amostra das entrevistas), colunas na Rolling Stone e Yahoo. A segunda parte traz  entrevistas do programa ETC, que apresentei na Oi FM até o começo de 2012. Como o ETC quase se chamou Mondo Massari, fecha-se um ciclo: TV, revista, net e rádio. Um diário de bordo geral da minha Enterprise pessoal.

Como foi para você ver a MTV Brasil acabar no ar?

FM: Trabalhei lá de fevereiro de 1991 a fevereiro de 2003: 12 anos de muita coisa legal realizada, tudo certo e resolvido. Foi legal ter participado da despedida. Só tenho curiosidade para saber o que vai ser do arquivo da MTV Brasil: Que fim vai levar? Quem vai levar e para fazer o que?

Que grande banda ou ídolo (vivo) vc gostaria de entrevistar mas ainda não teve oportunidade? E o que vc perguntaria à ele (ela)?

FM: Não sei nem por onde começar! David Bowie e Tom Waits e Les Claypool e Robbie Robertson...

Grandes selos costumam ser associados a grandes cenas. Seattle, Sub Pop. Madchester, Factory. Bay Area, Alternative Tentacles. E por aí vai. Que outras cenas / selos ainda pouco conhecidos você poderia nos recomendar?

FM: Essence Music, de Juiz de Fora.

Você tem alguma antena escondida acoplada à nuca? Aonde posso conseguir uma pra mim também? Ou é de nascença?

FM: Se tenho ainda não percebi nem localizei; mas se tenho, tenho certeza de que vossa excelencia também tem!

PROSA CATIVANTE DO REVERENDO CONSERVADA NAS PÁGINAS DE MONDO MASSARI

Nos anos 1990, quando a informação era privilégio apenas de rádios, TVs e jornais, quem queria ouvir o que havia de melhor, mais novo e instigante no rock planetário tinha destino certo: o programa Lado B, da MTV Brasil. O apresentador, um sujeito magro, simpático e muito bem falante, era o jornalista e radialista Fabio Massari.

À frente do Lado B, o Reverendo Massari catequizou gerações de jovens que hoje tentam seguir seus passos na incessante busca pelos – como ele costuma dizer – “bons sons”. Busca que ele jamais cessou, como se pode ver nesta preciosa coletânea sob a chancela Mondo Massari – que já foi programa na MTV (pós-Lado B) e coluna na Rolling Stone e Yahoo.

Está aqui, conservado para a posteridade, o cativante (e criativo) discurso oral do radialista, que fala do que há de mais obscuro e interessante na música pop com tanta propriedade que é impossível não querer ouvir os artistas que ele recomenda.

No livro, entrevistas com gente do porte de John Cale, Marianne Faithfull, Karlheinz Stockhausen e Glen Matlock, além de bandas maneiríssimas como Yo La Tengo, X, Television, The Bellrays, The Mars Volta, Cavalera Conspiracy, The Kills e muitas outras. Há ainda relatos de shows (The Police em 1982), artigos, resenhas e muito mais.

Uma bíblia dos bons sons para aficionados e neófitos.

por Franchico

rock loco

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