terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Mozine, uma entrevista

Nem empresário, nem músico

Criador do Crackinho e do selo de hardcore mais underground do Brasil, o capixaba Fábio Mozine revela os segredos do seu sucesso


Da quase sempre inóspita paisagem musical do Espírito Santo, nos anos 90 surgiu uma onda de fúria incorporada a um hardcore energético que combinava agressividade e criatividade. Subitamente, Vitória e Vila Velha tornaram-se uma das cenas mais cobiçadas do punk nacional, impulsionada pelo sucesso underground de suas duas bandas principais: o Dead Fish e o Mukeka di Rato. Essa inversão de eixo no Sudeste se deu principalmento por conta da empresa-modelo no que diz respeito a selos de rock no país do carnaval, o epicentro das gravações do terremoto punk capixaba, a Läjä Rekords.

A gravadora foi fundada em 1998 pelo baixista do Mukeka, Fábio Mozine, como veículo de distribuição do primeiro disco do grupo, o hoje antológico Pasqualin na Terra do Xupa-Kabra (1997). Com todos os contatos na mão, o distribuidor virou o maior selo independente do estado e ajudou a impulsionar a cena do Espírito Santo para mercados maiores e para shows por todo o país, além de trazer ao Brasil lançamentos de qualidade de bandas estrangeiras, especialmente as latinas que dificilmente conseguem espaço por aqui.

14 anos depois a Läjä continua firme e forte lançando o que há de mais legal no rock n'roll sujo do país. De Possuído Pelo Cão ao Skate Aranha, passando por Ratos de Porão, Vivisick e Boom Boom Kid, o selo continua preocupado em levar material de qualidade para um público que já foi tão carente de lançamentos nota dez em seus estilos favoritos que quase sempre são proibidos em qualquer outra gravadora do país. Em 2012, o selo colocou no mercado seu lançamento de número 100, mostrando que ainda tem muita gente interessado na barulheira que vem lá de Vila Velha.

Entre as funções de baixista do Mukeka, de Os Pedrero e do Merda, a distribuição de vendas e a vida de empresário da indústria fonográfica, conseguimos um horário na disputada agenda de Mozine para falar de rock, mercado e música na internet. E claro, não deixa de falar de um mascote muito querido da internet, o polêmico Crackinho, a pedra de crack mais amistosa que você já conheceu.

Trip - Como surgiu a gravadora e o que te motivou a fundá-la?
Fábio Mozine - A Läjä surgiu em 1998 para que a gente conseguisse lançar o segundo disco do Mukeka di Rato. O primeiro disco, Pasqualin na Terra do Xupa-Kabra, saiu na época pela RBC, de Brasília, e eu participei ativamente de todas as partes do projeto: gravação, produção da capa e tudo mais. Quando o disco saiu eu comecei também a fazer um intercâmbio de distribuição. Descobria as lojas que queriam os discos, fazia os contatos e passava para a gravadora. Assim eu vi que podia tomar conta de tudo isso. Já sabia onde fazer o disco, já tinha um capital comigo e sabia quem distribuia. Então foi natural. Assim a Läjä nasceu para lançar os discos do Mukeka.

Mas logo a ideia se expandiu, certo?
Certo. Antes mesmo de lançar o Gaiola (segundo disco do Mukeka, de 1999) já saí assinando outras bandas, que foram o TPM de São Paulo, o Gritos do Ódio de Vitória (ES). Depois saiu o Gaiola e eu continuei lançando mais coisas, como as outras bandas em que eu já tocava como o Merda e o Os Pedrero. Daí pra frente comecei também a ir atrás de bandas estrangeiras, dos EUA, da Argentina, da Europa. Hoje eu vejo a Läjä como uma forma de lançar minhas bandas, as bandas que eu gosto e as bandas dos meus amigos.

O nome Läjä foi uma homenagem ao Veli-Matti "Läjä", vocalista da banda finlandesa de hardcore Terveet Kadet?
Foi, mas a história vai além [risos]. Na verdade, aqui em Vila Velha, a gente fazia muita gíria com nome de banda e de pessoas ligadas ao punk ou hardcore. Por exemplo: pegar um Buzzcocks é pegar um ônibus. Sick of It All é fazer sexo - dizer que rolou “mó Sick of It All” [gargalhadas]. Então eram várias dessas. E o adjetivo Läjä surgiu porque tem um disco do Terveet Kadet que o vocalista aparece todo doido na capa, meio sadomasoquista, sacou? Aí a gíria era dizer tipo: “Pô, o cara tá Läjä hoje”, que quer dizer que o cara chegou no bar já muito louco. Essa parada acabou virando comum aqui, aí não teve como não dar esse nome pro selo

Como foram os primeiros anos? Como foi a transição pra você de músico para empresário da indústria fonográfica?
Se for pra olhar bem olhadinho, eu não sou nenhum dos dois [risos]. Eu não sou nem músico nem empresário, mas eu aventuro nessas áreas. Eu não sei tocar direito, mas mesmo assim eu pego o baixo e toco. É a mesma coisa com a empresa aqui. Eu vou fazendo. É tudo meio na doideira aqui. Algumas coisas são legalizadas, outras não, não tem registro e não tem porra nenhuma. Mas eu tento levar essa bagunça de uma forma série e profissional. Então a Läjä é séria no sentido de que eu pago o que tem que pagar e envio o que tem que ser enviado. A mesma coisa com o Mukeka e Os Pedrero. Mesmo que não seja uma coisa musicalmente top a gente procura respeitar o público e respeitar os contratantes. Eu vivo entre esses dois mundos. Não tenho como e nem quero rejeitar nenhum deles. Eu gosto desse processo de fazer as coisas da Läjä, de inventar capa de disco e tudo isso.

Quando você percebeu que a ideia teria força para caminhar com as próprias pernas?
A gente teve sorte. A Läjä começou bem, graças ao Gaiola. Esse é o disco do Mukeka que a galera mais gosta e na época ele vendeu muito bem. Mas nunca me preocupei com esse negócio de conceito não. Hoje tem umas pessoas diferentes que gostam do selo. Mas teve uma época, quando o CD vendia bem no Brasil, que a gente tinha 900 selos. E todo mundo falava que era pela música, pelo hardcore e pelo não sei mais o que. Só que quando o CD parou de vender, todos esses selos sumiram. Na verdade nego tava só garimpando dinheiro. Todo mundo queria achar o novo Dead Fish [risos]. Acontece que agora ficaram poucos selos ativos que ainda lançam material e organizam suas coisas. Hoje a galera dá valor para a Läjä porque todo mundo sabe como é difícil manter uma gravadora nessas condições.

O MP3 chegou perto de matar a Läjä?
De jeito nenhum [risos]. Essa questão é muito mais complexa do que só o MP3. Pra mim, o lance é que a “mídia” do CD, o próprio material, caducou. E a galera procurou uma parada diferente. Então é uma série de fatores. O MP3 não é o Satanás. O inferno é que é formado por outros detalhes. A música na internet não é vilã. Mas essa crise da indústria já está passando. As pessoas estão aprendendo a trabalhar nessas condições e vão conseguir se estabelecer novamente.

Tanto é um problema do CD que as pessoas estão preferindo comprar vinil novamente...
Exatamente. Antes os caras compravam aqui um CD de R$15, que hoje ninguém mais compra. Mas esses mesmos caras vem aqui e pagam R$60 no vinil da mesma banda. E é um produto quatro vezes mais caro. Isso pra mim é uma pista clara de que o problema da indústria fonográfica não é o MP3. É o próprio CD.

Como é o quadro de funcionarios da gravadora?
A Läjä sou eu [gargalhadas]. Eu faço tudo aqui. Eu entrego disco até de carro. Vendo nos shows, checo as artes dos discos, escolho merchandising... Mas é claro que tem várias pessoas colaborando. Tem uma galera que sempre me ajuda, faz montagem, ajuda no boca a boca, etc. Eu escolho os artistas das capas, distribuo, faço pacotes e mando pra fábrica. Mas sempre conto com colaborações.

Como rola a escolha das bandas do casting da Läjä? O que uma banda precisa pra ter o selo Mozine de qualidade?
O selo começou para que a gente conseguisse lançar nossos discos sem depender de ninguém. Aí eu comecei a lançar também as bandas que eu gostava e que eram dos meus amigos, porque afinal tem várias bandas de amigos meus que eu não gosto [gargalhadas]. Eu coloco tudo na balança e peso. Cada situação é uma. Mas o que eu posso te garantir é que eu nunca lanço uma banda por interesse comercial. Nunca lanço ninguém querendo faturar. Mas o critério é amplo: lanço de grindcore a rock n’ roll. Só depende se eu vou com a cara do negócio ou não.

Hoje vocês vendem mais discos, DVDs, livros ou merch?
Cara, hoje a Läjä não tem nenhuma galinha dos ovos de ouro. Hoje não tem um produto que traga lucros exorbitantes nem nenhum produto que venda pra caralho. É tudo meio equilibrado. Mas o que faz a Läjä sobreviver é o montante de estoque que eu tenho. O estoque da Läjä não é morto. Tem disco prensado em 1997 que ainda sai. Então tô que nem um supermercado de varejo [risos]. No fim do mês, juntando as vendas e shows, eu consigo viver e trabalhar. Boné é uma parada que vende muito aqui porque a galera já associou o boné de redinha ao selo. Tem o Guidable, DVD do Ratos de Porão, que vendeu muito e já está na quinta prensagem. Isso além dos LPs, que vendem muito bem também. Claro que quando eu vendo um LP de R$ 60 eu ganho mais do que quando eu vendo um chaveiro do Crackinho [risos]. Então tem isso também.

Falando nisso, como o Crackinho entrou na jogada?
Vila Velha é bizarro, bicho [gargalhadas]. As coisas surgem muito do nada aqui. Todos os nomes de discos das bandas daqui surgem assim: Motoqueiro Doido, Caveira & Macaco, tudo isso surge do nada. Alguém chega no bar com uma jaqueta de couro e um fala: “ó o motoqueiro doido chegando aí”. Cinco minutos depois já virou música escrita num guardanapo. E o Crackinho foi a mesma coisa. Encontrei um amigo na rua e o cara tava sujo. Aí falei: “pô, você ta parecendo um crackinho que anda”. Como todo mundo riu eu desenhei o personagem na hora, escrevi crackinho, escaneei e virou isso aí [risos].

Existe algum plano especial pra ele? Quadrinhos, animação, etc.?
Tem muitas ideias. A galera na internet pira nele. O Rick, da Black Vomit, fez aquele vídeo dele pro Mukeka di Rato [veja abaixo] e assim veio a ideia de fazer um talk show do Crackinho. Seriam entrevistas, dicas de saúde e coisas assim. O Alex Vieria, da revista Prego, fez uma história em quadrinhos do Crackinho que está pra sair. Eu escrevi o roteiro e é meio que uma gênese do personagem que ele desenhou. Volta e meia tem uns doidos que me escrevem querendo fazer boneco de pelúcia do Crackinho [risos]. A galera gosta do personagem. Mas por ser um personagem que é o nome de uma droga e para não rolar um mal entendido, achei legal fazer essa história.

Como é o roteiro?
O quadrinho vai mostrar que o Crackinho foi manipulado em um laboratório por uns deputados [gargalhadas]. Acho que vai ser uma gênese legal para o personagem.

Depois de tanto tempo ainda tem algum disco ou uma banda que você gostaria muito de lançar pela Läjä?
Eu tive a chance de lançar muita gente legal nesse tempo. Teve o Discarga, de São Paulo, que eu sempre curti muito. O FYP, que sempre foi uma referência pra mim, também foi uma honra de lançar. Então algumas bandas que eu lancei me dão muito orgulho, como o Motosierra. Eu poderia citar várias que eu tenho vontade de lançar, mas não tem aquela uma que é a ideal que eu esteja buscando. Acho que se eu tivesse um troféu em mente e tivesse almejando uma banda famosa, a Läjä não seria a Läjä.

por Luiz Filipe Tavares

trip



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