| ELEXSANDRA MORONE - Editora de Cultura da Gazeta de Alagoas
Fonte: Gazeta de Alagoas
Havia um componente de drama, e a atmosfera era de conflito permanente. No palco, o Mopho liberava altas doses de música orgânica em ebulição contínua, uma combinação fatal para ouvidos aguçados e de certa inclinação hippie. Revestida do mais fino verniz pop, nas mãos daquele combo de guitarra, baixo, bateria e teclado a canção ganhava cor e volume, além de um fiel séquito de fãs. Com clássicos como Não Mande Flores e A Geladeira, a banda que surgiu como ‘a novidade psicodélica’ da virada do século teve tudo para dar seus giros pelo mundo, mas viu a década passar na paralela enquanto o pau quebrava nas internas.
Bombástico nas apresentações ao vivo, o grupo cuja formação original trazia o baterista Hélio Pisca, o tecladista Leonardo Luiz, o guitarrista João Paulo e o baixista Júnior Bocão tinha problemas, e a tensão desse relacionamento permeava os shows de um modo bastante particular. Mesmo após a saída de Leonardo – primeiro substituído por Marcelo Mascaro, depois por Daniel Meira, ambos nas cordas –, as arestas não pareciam ter sido aparadas. Nesse compasso o Mopho atravessaria os três anos seguintes ao lançamento de seu disco de estreia, preso à rota de colisão que culminaria na saída de Bocão e Pisca, em fins de 2003.
Eu prefiro as curvas...
Não é difícil encontrar artistas que, diante de um conflito pessoal, passam a trabalhar mais com o fígado do que com a razão. Compositores, escritores, artistas plásticos, poetas e dramaturgos, entre tantos outros, experimentam (com mais frequência do que se imagina) sentimentos pouco nobres como raiva, ressentimento e rancor em seu ofício. O filósofo romeno Cioran (1911-1995), por exemplo, afirmava só ter vontade de escrever se tomado pela mais pungente dor. Para ele, tratava-se de uma espécie de acerto de contas consigo mesmo, com os outros e com o seu tempo.E se por um lado essa ‘opção’ é tida por simplista, por outro nos faz travar um contato necessário com regiões pouco iluminadas da alma humana. Há quem aprecie o trajeto mais acidentado. No mundo da música, então, são inúmeras as formações que vivem às turras. O grande desafio, ao que parece, é estabelecer um equilíbrio possível nas relações. Oxigenado e com um tecladista afinado com sua proposta musical, o Mopho recomeça agora seu caminhar. Caçula do grupo, Dinho Zampier, 30, fala com tranquilidade sobre o momento. “Convivo musicalmente com o João Paulo há uns sete anos. Sempre tocamos juntos, tanto com o Mopho quanto com outros projetos. Com o Pisca e o Bocão é maravilhoso também”, observa.
BATE-PRONTO
Perguntamos a Hélio Pisca e a Júnior Bocão quais seriam os três momentos mais marcantes da história da banda. Confira!PISCA
“O lançamento do primeiro disco, a separação da banda (não lembro se em 2002 ou 2003) e o nosso reencontro (como Mopho) em 2008”.
BOCÃO
“Sem dúvida que participar de grandes eventos é muito marcante, Porão do Rock e Festival de Inverno de Garanhuns foram dois shows inesquecíveis. Mas os momentos mais marcantes na minha opinião foram os vividos no sítio do produtor Luiz Calanca, situado em São Roque, interior de São Paulo. Lá experimentamos um internato criativo muito interessante, ficamos quase um mês entre shows, entrevistas e muita criação. Por lá compus quase todas as canções do CD A Terra é Nossa Casa Flutuante, que lancei em 2004”.
Com belas canções, banda faz seu ‘grande retorno’ - Opinião
É melhor ser alegre que ser triste, escreveu o poeta Vinicius de Moraes, sem esquecer de avisar que “pra fazer um samba com beleza é preciso um bocado de tristeza”. No terceiro disco da carreira, o Mopho equilibra momentos de alegria com aquela melancolia necessária de cada dia, e o faz com verdade e competência. De volta à vibe do início, o trio (João Paulo, Hélio Pisca e Júnior Bocão) parece ter encontrado na figura de Dinho Zampier o ‘elo perdido’ na busca pelo entrosamento de outrora. E as participações especiais apenas deixam a bolachinha ainda mais azeitada.Vol. 3 abre com Dani Rabiscou (Bocão), uma canção de violões pronunciados e alta vocação radiofônica. Diferente de tudo o que o Mopho da primeira formação fizera no disco de estreia, em 2000, a canção curiosamente remete à atmosfera musical de então, em boa medida devido ao arranjo de guitarra, preciso e cheio de vigor. Arejada, oxigena os caminhos para o tour de force sentimental que vem a seguir, Quanto Vale um Pensamento Seu, de João Paulo, Melina Pedrosa e Wado – que gravou vocais na faixa. “Estou ficando farto do amor/ Tudo acaba em lágrimas de sangue”, canta João Paulo ao dissecar dores de amores em meio ao diálogo viajandão encampado por baixo, bateria e teclados.
Singela, em As Marias (Bocão) há uma certa ingenuidade a indicar os caminhos, e todos os instrumentos trabalham de modo a acentuar esse ‘sentido’ – bem resolvida, a canção é perfeita para ouvir numa ensolarada manhã de sábado. De Hélio Pisca, Pessoas São de Vidro reflete os questionamentos filosófico-musicais do baterista. Impregnada de psicodelia, além de seu andamento peculiar, expande o traçado do som ao se desdobrar numa espécie de prólogo.
Imersa num clima de ‘saloon’, Prelúdio (Pisca/Bocão) tem nos arranjos de piano e clarinete (a cargo de Billy Magno) sua força-motriz; graciosa, fornece o ânimo necessário à entrada na segunda metade do álbum. Na sequência, o lamento de Você Sabe Muito Bem (João Paulo) invade os ouvidos com guitarrinhas cintilantes e arranjos vocais primorosos, qualidade que também pode ser destacada em Caleidoscópio, de Bocão. Com participação de Marco Túlio Souza no violão 12 cordas, a faixa evidencia o casamento perfeito entre os vocais de João Paulo e Bocão.
Parceria bem-humorada de Bocão e Paulinho Pessoa (ex-Xique Baratinho), A Malvada se beneficia igualmente dessa ‘união vocal’, destacando-se ainda mais com a contribuição de Dinho Zampier. Penúltima faixa do registro, Produto Ordinário Popular (Bocão) ironiza os tempos de ‘mais do mesmo’ e oferece os últimos momentos de maestria pop antes do mergulho progressivo que é O Infinito, assinada pelo trio Pisca, Bocão e João Paulo. Um grand finale, além de um grande retorno. Definitivamente, a química ainda funciona. |EM
SERVIÇO
O quê: show de lançamento de Vol. 3, terceiro disco do Mopho
Onde e quando: no Teatro Deodoro (pç. Deodoro, s/n, Centro), no dia 24 de maio, às 20h30
Ingressos: R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia) – plateia, frisas e camarotes; R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia) – mezanino
Pontos de venda: Freaks (Maceió Shopping) e Cuscuzeria Café (Ponta Verde)
Informações: 9106-2665
SERVIÇO
Disco: Vol. 3
Banda: Mopho
Distribuição: Pisces Records
Preço: R$ 20, em média
Onde comprar: www.piscesrecords.com.br
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