quarta-feira, 28 de maio de 2014

O DVD "Desagradável" da gangrena gasosa

Quase tudo que envolve a Gangrena Gasosa, lendária banda de "Saravá metal" carioca, tem um toque de bizarrice e polêmica. Praticantes de cultos de matriz africana já quiseram matá-los – alguns quase chegaram às vias de fato – e “metaleiros” menos atentos não engolem “Quem gosta de Airon Meiden também gosta de KLB” – que na verdade é uma ode ao metal “real”. Já os ativistas gays – e simpatizantes da causa, dentre os quais me incluo – têm bronca com “Emboiolada” – e nesse caso têm razão, pois a letra é realmente ofensiva. Angelo Arede, um dos vocalistas, admite que hoje mudaria uma ou duas frases, mas explica que tudo se insere num contexto de humor e ironia, já que a letra foi inspirada no que ouviu durante um duelo de "embolada" na Feira de São Cristóvão. Conta também que, inclusive, "aliviou" no conteúdo, justamente com receio de ser mal interpretado, o que poderia levar a banda a atrair tipinhos asquerosos de extrema direita que curtem espancar minorias ...

São muitos anos de estrada e muitas e muitas tretas e histórias sinistras - e divertidas - para contar. Eu Sou fã de primeira hora e também tenho as minhas. Como a de quando conheci o antigo vocalista, Chorão 3. Havia lido, há MUITO tempo, uma entrevista na qual eles se diziam todos viados e representantes do movimento Homo Core. Normal. Um dia fui a Recife ver um show do Jason, também do Rio, e encontro lá o Chorão, com quem havia trocado algumas correspondências e feito uma entrevista para o meu fanzine. Normal também. Gente boa. Mas eis que, no final do show, ele me convida pra ir dormir na casa de um tio em Boa Viagem. Normal, mas imediatamente a lembrança da tal entrevista me veio à mente e um sinal de alerta começou a tocar em meu cérebro. "Será que esse negão tá a fim de abusar de minha ingenuidade?", eu pensei. Avaliei a estampa do indivíduo e concluí que poderia resistir a uma abordagem mais agressiva, então fui. Chegando lá, ele logo me chama para o quarto, supostamente para vermos um video inofensivo. Só que parecia um quarto de motel, com cama redonda e espelho no teto. Percebendo minha hesitação, ele me explica que seu tio era meio tirado a garanhão, que não ligasse. Respirei aliviado e lhe falei da entrevista que havia lido. Rimos muito e somos amigos desde então.

Outra história: Soube que a Gangrena iria lançar seu primeiro DVD no Circo Voador abrindo para o Cannibal Corpse! Fui. E não é que aconteceu de o show ser justamente no dia em que o caos tomou conta das ruas do Brasil, especialmente do Rio de Janeiro? 20 de junho de 2013. Bombas de gás lacrimogênico por todos os lados e a polícia caçando qualquer um que estivesse nas ruas da Lapa, com auxilio inclusive de carros blindados, conhecidos popularmente como "caveirão". Uma verdadeira batalha campal, típica de uma guerra civil ou de um estado de exceção! Enquanto isso o couro comia no palco do circo, entre um ou outro intervalo para que o público se recuperasse dos efeitos do gás que chegava por cima da lona. Foi antológico!

O DVD é "Desagradável" - fique avisado, portanto. Mas se resolver encarar, saiba que vai assistir a uma das melhores peças de comédia involuntária - ou não! - já produzidas na face da terra. Dirigido por Fernando Rick, o mesmo de "Guidable, a verdadeira história do Ratos de Porão", conta com o depoimento de praticamente todos os que passaram pelas inúmeras formações da banda - e foram muitos - e mais testemunhas oculares – e auriculares - ilustres do calibre de Jello Biafra, B Negão, Marcelo D2, Dado Villa Lobos - que lançou o primeiro disco pelo seu selo Rock it - Marcos Bragatto e Tom Leão, dentre outros. Um verdadeiro inventário de insanidades e histórias bizarras e supostamente reais, na medida em que o olhar de quem conta o conto interfere na autenticidade dos fatos. É difícil de acreditar, por exemplo, nas incríveis coincidências apontadas por Fabio, proprietário do Garage, verdadeiro templo do underground carioca. Ou dos Ratos de Porão, que saíram de uma zica apenas quando fizeram de frisbee o disco da Gangrena que haviam ganhado algumas horas antes.

São muitas histórias - e poucas imagens da época, infelizmente. Não havia a facilidade que temos hoje, e pouca gente tinha como registrar tudo aquilo. Um dos pontos altos, porém, a tour pela Alemanha, foi registrado, e está tudo lá: do assédio de um dos componentes a uma deficiente mental num squat repleto de punks politicamente corretos ao cagaço quando se viram cercados por neonazistas numa estação de trem. Ou a visita a um campo de concentração desativado - extremamente desrespeitosa, evidentemente.

Para compensar a falta de imagens históricas temos, num segundo disco, um show filmado há cerca de três anos no "Inferno" - onde mais? - em São Paulo. Não é ruim, mas infelizmente a banda não estava em uma de suas melhores formações, o que prejudicou a perfomance e o resultado final. Em todo caso, é muito bom vê-los finalmente numa produção à altura de sua reputação, com direito a efeitos especiais e atuações teatrais macabras em pleno palco.

Imperdível!

A.


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quinta-feira, 22 de maio de 2014

55 Anos de Morrissey

Todas as adolescências se perdem nas dele, nos Smiths e a solo. Morrissey não cresce. Odeia a Família Real, a Inglaterra, a indústria musical, Madonna. Há quem amadureça com a idade. Há quem nunca cresça. E depois há Morrissey, que está proibido de crescer. Desde os tempos dos Smiths que a sua persona é edificada a partir dessa impossibilidade: recusando a responsabilidade, recusando o equilíbrio, recusando ser adulto.

Os Smiths foram importantes pela visão parcial do mundo que impuseram. E Morrissey incorporou essa noção com requinte, pela sua imperfeição, pela recusa da realidade, pela negação de crescer. Um pouco de satisfação, algum ajustamento com o mundo são coisas que não rimam com o cantor inglês. A sua actividade alimenta-se do fluxo da adolescência - essa forma de vacilar entre a liberdade e a claustrofobia, entre as inúmeras possibilidades que a vida possui e os constrangimentos e as frustrações que também acaba por implicar.

A sua tragédia é também a sua mais-valia. Como Mick Jagger, ou Johnn Lydon, está condenado a viver na sua personagem para sempre. O seu estilo é tão perfeito que não é possível sair dele. Exactamente porque não é um estilo. É ele. É a sua pele. Desde a primeira metade dos anos 80 que é assim. Hoje, no dia em que completa 55 anos de vida, não é diferente. Quando se comunica com ele percebe-se isso de forma transparente.

- Bem, durante muitos anos diziam que eu era um Smith, por isso dizerem agora que sou um mito (myth) é apenas uma pequena alteração,.

É o que ele responde, com a habitual ironia, quando lhe perguntamos como se sente quando é tratado pelos inúmeros admiradores pelo mundo fora como se fosse uma lenda viva. Nem todas as personalidades da música têm as características adequadas a uma base de admiradores extremamente fiel. Ele tem.

Os Smiths só lançaram quatro álbuns, entre 1984 e 1987, mas as personagens da maior parte das canções provocaram adesão imediata. As palavras de Morrissey certificavam-nos de que não tínhamos de nos sentir excluídos. Constituíam a prova de que havia outros por aí a experimentarem o mesmo. De repente, alguém cantava poeticamente acerca de coisas que pensávamos ser os únicos a sentir e a confusão, a rejeição ou a solidão eram-nos mais toleráveis, pela possibilidade de partilha.

- A maior parte das pessoas acha difícil escrever o seu próprio nome.

A pergunta era se é difícil escrever uma boa letra na actualidade. E a resposta continua: "Quando examino alguém como McDonna, que vendeu 90 milhões de álbuns, não consigo pensar numa única canção decente que tenha escrito", acrescenta, dizendo que hoje a maior parte das letras não tem significado nem carisma. "Na Inglaterra existe uma coisa chamada Brit Awards, cuja política é atribuir prémios às piores contribuições para a música que possamos imaginar. Por isso não existe nenhum incentivo da indústria no sentido de que sejam escritas boas letras."

As letras de Morrissey, as suas incertezas acerca da existência, provocam uma identificação simples e directa. Em grande parte porque ele próprio possui uma mentalidade de fã. É tímido mas altivo ao mesmo tempo. É um pouco misterioso, mas também extremamente cáustico. É culto, capaz de citar Oscar Wilde ou um poeta britânico no momento certo, mas logo de seguida pode escarnecer de um cantor rival como qualquer fã de música, sem distanciamento crítico, da boca para fora. Eis o que diz sobre celebridades da música actual como Lady GaGa, Adele, Rihanna ou Beyoncé:

- Elas são altamente financiadas, agressivamente promovidas e as suas editoras fazem tudo, mas tudo, para que não fracassem. Falhar, portanto, é impossível, para gente como GaGa.

"Não existe nenhuma música nova por aí que me satisfaça", continua, para logo se contradizer. "Bem, amo Kristeen Young... É incrível... Sem gravadora, claro!... Hoje as gravadores apenas assinam com quem lhes entrega de bandeja o que se ganha dos concertos e do publishing... O que a maior parte das crianças com borbulhas de 16 anos se dispõe a fazer... Mas eu não tenho 16 anos e não sou um desenho animado."

Heróis e marginais

Nem o fim dos Smiths, em 1987, constituiu a sua extinção - por causa dos fãs. Basta ver o excelente documentário Is It Really So Strange (2004), de William E. Jones, sobre os improváveis entusiastas hispânicos: jovens latinos entre os 20 e os 25 anos com tatuagens de devoção a ele e exímios penteados à Elvis Presley, tal como o adotado por Morrissey desde sempre. Dir-se-ia estarmos num cenário de um filme colorido de John Waters, em plena década de 1950 - mas estamos numa encenação garrida do século XXI, onde todos sabem as canções de cor e procuram ser como ele.

Como é que um cantor tantas vezes arrogante, de pronúncia nitidamente britânica, de orientação sexual gay, seduziu a comunidade latino-americana da Califórnia, proveniente de uma cultura com tiques machistas? Os hispânicos, nos EUA, são "marginais", "outros", "invisíveis", e nas canções de Morrissey os párias também são admiráveis. Talvez esteja aí uma explicação possível para esse fenómeno de identificação. Mas se Morrissey é modelo, James Dean ou Oscar Wilde foram modelo para ele próprio. E ele sabe-o muito bem. E gosta de falar sobre isso. Aliás, ele não fala de outra coisa.

- James Dean é arte humana. Não encontrará uma única má fotografia de James Dean. Ele não era um actor. Era um símbolo, da mesma forma que Marilyn Monroe o era. Eles são mais famosos e mais amados do que qualquer presidente americano de que nos consigamos lembrar. E Oscar Wilde foi a primeira estrela pop de sempre. Como escritor, nunca foi acomodado. Amava a vida e a sua popularidade só tem tendência a crescer enquanto o tempo passa. E é amado pelas pessoas mais novas, como Shakespeare nunca foi. Continuo a achar que Wilde foi assassinado pelos serviços judiciais britânicos porque invejavam a sua popularidade.

Quando os Smiths apareceram, providenciavam fantasias de inocência para os que estavam no processo de deixar a adolescência. Gente dividida entre as insatisfações juvenis e ter uma carreira, entre sonhar com uma vida melhor do que a dos pais e o medo de cair na mediocridade. Ao longo dos anos, Morrissey sempre enalteceu as debilidades, as fraquezas, o falhanço. Os fortes são aqueles que não têm problemas em expor as suas fragilidades, parecem dizer quase todas as suas canções.

Pop e anti-pop

Ainda hoje Morrissey incorpora um novo estilo de celebridade. Tem qualquer coisa de pureza pop e de anti-pop. É um de nós, mas um de nós que apenas pode ser ele. Alguém que conhece bem a história da pop e os mecanismos de obsessão dos melómanos. É como se quisesse utilizar os mecanismos da idolatria para introduzir alguma diferença no pop. Ao contrário do que se possa pensar, repetimos, não é uma personagem. É ele. E quando as forças arbitrárias do encanto (simbolizadas no rosto, no corpo e na voz de um cantor) coincidem sem nenhum motivo aparente, então o fascínio acontece. Mas não é crível que ele tenha essa consciência. A sua visão sobre a relevância dos Smiths e dele próprio e a forma como fala das suas letras provam-no. Claro que os Smiths foram uma banda relevante, mas não são a melhor banda do mundo. E claro que Morrissey é um excelente cantor e letrista, mas incorpora mais do que isso: às vezes um simples falsete ou um gesto qualquer dizem mais sobre a sua diferença, a sua resistência, a sua singularidade, do que todas as letras dos Smiths.

- Nunca ouço a minha música em nenhum lado, nunca! Apenas três singles da minha autoria (Suedehead, That"s how people grow up e I"m throwing my arms around Paris) tiveram boa cobertura radiofónica ao longo da minha vida. Nenhuma das minhas outras canções foi sequer tocada na rádio. Talvez seja porque a minha voz é demasiado humana.

Quando fala é sempre assim, totalitário, logo, radicalmente parcial. Não inclui, excluiu. Não lhe interessa complexificar, tentar encontrar diferentes pontos de vista, sugerir ou perceber as dinâmicas, mas sim apontar o dedo acusador. Quando discorre sobre a progressiva desmaterialização da música, também acontece isso.

- Nunca fiz parte de nada, não sou da era do vinil ou das editoras indie contra as multinacionais, mas parece-me que a música se foi tornando progressivamente insignificante por causa deste novo panorama digital. Antes tínhamos de sair, procurar uma loja de discos, fazer uma escolha e depois carregar qualquer coisa num saco para casa. As pessoas sentiam-se emocionalmente envolvidas com as suas escolhas, agora não me parece. Penso que tudo começou com o rap. Ouve-se em todo o lado porque soa quase sempre igual e não tem qualquer significado. Não ouvimos, por exemplo, canções de protesto em sapatarias. O mesmo com a música de dança tecno. É simplista e sem personalidade. É por isso que está nos centros comerciais, nos elevadores, em qualquer espaço. Em parte, não é ouvida. É apenas papel de parede sonoro.

Nada a não ser a música

Contrariamente a outros vultos da história da música, os Smiths, e depois Morrissey solo, nunca procuraram um som novo ou um novo paradigma. Os Smiths impuseram-se como o ultimo grande grupo pop de uma linhagem clássica. Se os Beatles simbolizaram a libertação dos anos 60, os Smiths incarnaram a desfiguração dessa revolução: a adolescência é um horror, a cultura jovem não é nada divertida, parece dizer Morrissey a toda a hora. Ser jovem é sofrer, é aceitar os defeitos, é olhar para dentro, é ser lúcido. Não espanta que a separação dos Smiths em 1987 tenha provocado uma onda maior de histeria do que o fim dos Beatles ou de Elvis.

A meio dos anos 90 encontrava-se imerso em processos judiciais (ainda o fim dos Smiths e as acusações de racismo) e mostrava-se algo renitente em lançar material novo. Mas a última década não tem sido nada má para ele. Retomou a credibilidade, lançou alguns discos bem sucedidos, tem realizado turnês lucrativas e interpreta canções dos Smiths (How soon his now?, Please, please, please let me get what I want, I know it"s over ou Still ill) nos concertos, sem crises de identidade. Com o seu país, a Inglaterra, é que ainda não se reconciliou, tendo vivido no exterior, na Itália e nos EUA, nos últimos anos.

- Vivo noutros países em grande parte para evitar a Família Real britânica, que é uma coisa embaraçosa. Quando se vive em Inglaterra somos bombardeados a toda hora com histórias infantis sobre esta louca, cruel e parasita família. É insuportável. A Itália é o país onde me sinto mais em casa. Gosto de Los Angeles, mas a polícia sufoca a cidade. Parecem ser em maior número do que a população na proporção de 20 para 1. É muito triste.

Hoje Morrissey completa 55 anos. A maior parte das pessoas aceita que, à medida que envelhece, o processo de amadurecimento vai acontecendo. Mas ele não é qualquer pessoa.

- Tenho tido uma vida estranha até agora, por isso não tenho grandes expectativas de amadurecer de uma forma normal. Nenhum dos clichés acerca da existência se me aplica. A minha vida nunca foi muito típica. E agora também não é. O romance nunca esteve presente na minha vida. Acima de tudo tento ser lúcido. Sempre fui o meu melhor amigo. Quando nos apaixonamos por alguém, olhamos a humanidade e as pessoas de forma diferente. Mas eu nunca amei nada a não ser a música.

Ouvindo-o fica-se com dúvidas se, na adolescência, não pertenceria àquele tipo de pessoas que ficava sempre à beira da pista de dança a sussurrar coisas aos ouvidos dos amigos, troçando de quem dançava e se divertia, mas secretamente desejando ser como eles. "Não, não exactamente", corrige ele, levando a pergunta muito a sério.

- Comecei a ir a concertos sozinho aos 12 anos. Não ia a discotecas. Aos 12 ans vi os T. Rex, aos 13 David Bowie, Lou Reed, Mott the Hoople ou Roxy Music. E continuei por aí fora ao longo da minha adolescência. Ia sempre sozinho e gostava disso, dessa sensação. Vi as pessoas certas ainda muito novo. Ramones, Patti Smith, Sex Pistols. Aos 20 anos estava exausto e tinha visto o suficiente. Apenas queria começar a fazer qualquer coisa eu próprio.

Foi isso que aconteceu, por volta de 1982. Agora, na casa dos 50, afirma-se mais desperto do que nunca. Há alguns anos, em declarações a um jornal inglês, disse que pensava abandonar a música aos 55 anos. Não só não abandonou como está prestes a lançar um novo disco. Quando lhe perguntamos se aos 60 continuará a cantar é evasivo: "Os 60 anos ainda estão longe. Se não estiver a cantar, provavelmente estarei num asilo perto de Varsóvia. O que também está bem para mim."

É assim Morrissey. Um puto adulto que não consegue crescer mais. Se isso acontecer, a sua graça desvanecer-se-á. As suas canções perderão aquele impacto primordial. E a nossa adolescência perder-se-á na dele.

por Vitor Belanciano

P

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domingo, 18 de maio de 2014

Karne Krua, sempre.

É impressionante a capacidade que a Karne Krua, banda com quase trinta anos de atividade ininterrupta nas costas, tem de se renovar. Ontem, na Caverna do Jimmy Lennon Rock Bar, presenciamos mais um capítulo desta belíssima e longeva história, com a estréia de um novo baterista, "oithi", na formação. E foi nada menos que um dos melhores shows da banda que eu já vi em toda a minha vida - neste momento deve-se levar em consideração que eu já vi muitos, mas MUTOS MESMO, já que os acompanho desde 1987!

Oithi, como é conhecido por todos, é um "discípulo de Babalu" - ex-baterista da Karne e de várias outras bandas locais, atualmente residindo em São Paulo - e está fazendo jus ao mestre: conduziu a apresentação com um gás inacreditável, combinando batidas incrivelmente rápidas com arranjos e "viradas" precisas e criativas. Não foi perfeito: notava-se, aqui e ali, um certo descompasso com os demais componentes, certamente fruto do pouco tempo que tiveram para consolidar o entrosamento, mas nada que obscureça o que ficou evidente: a Karne Krua parece ter encontrado seu melhor baterista. Depois de Babalu, claro ...



O show foi intenso, uma verdadeira celebração. O público, presente em bom número e lotando o espaço, participou o tempo inteiro, comandado pela presença já clássica e carismática do vocalista Silvio "Suburbano" - "codinome" usado por ele nos tempos heroicos do punk dos anos oitenta -, "imperador do Hard Core" - piadinha interna e infame que só os que são "das antigas" entenderão. Ele detesta, por isso mesmo alguns de nós ainda insistem em chamá-lo assim. Como não era nenhuma competição - ainda bem! - não vale a comparação, mas não posso deixar de dizer que foi, DE LONGE, o melhor show da noite.

Uma noite que teve ainda a CRIMES HEDIONDOS - que eu não vi, sorry -, daqui mesmo, de Aracaju; GUERRA URBANA, de Recife - boa banda, com dois vocais, um masculino e um feminino, fazendo um som numa linha bem tradicional de punk rock e hard core "constestatório" - e a CALIBRE 12, de São Paulo, que faz mais aquela linha "testosterona", meio "escola Roger Miret" do Hard Core novaiorquino. Não é ruim, mas também não é muito a minha praia. São competentes, mas falta composição e algumas letras, "auto-afirmativas", na falta de uma palavra melhor - "somos Hard Core, somos underground, somos foda" - soam francamente infantis.



A se lamentar, apenas, a insistência de alguns presentes em fumar, mesmo num ambiente fechado - MUITO fechado, aliás - e com ar-condicionado - poucos, não dão conta do recado muito bem, mas sem eles aquilo ali se transformaria num inferno. Fora isso, achei especialmente desagradável a presença de alguns indivíduos “marrentos” fantasiados de “sons of anarchy” fazendo pose de malvados e procurando a qualquer custo arrumar briga no recinto – caíam no “pogo” à base de empurrões desnecessários e fechavam a cara para qualquer um que trombasse com eles – algo impossível de não acontecer, já que o ambiente, pequeno, estava lotado. Não sei de onde vieram, não lembro de te-los visto em outros shows “underground”. Vai ver não estavam “fantasiados”. É foda, “quanto mais a gente reza, mais assombração aparece”. Mas felizmente ninguém comprou a provocação e tudo correu de forma mais ou menos normal, na medida da convivência civilizada, apesar dos esforços em contrário.

Deu tudo certo. Foi uma belíssima noite.

Parabéns para Alércio, que correu atrás e fez acontecer!

A






quinta-feira, 15 de maio de 2014

AC/DC – A Biografia

Mick Wall é um dos principais biógrafos de bandas de rock pesado. O livro AC/DC – A Biografia, que acabou de ser lançado no Brasil pela Globo Livros, causou impacto por retratar de forma honesta a dinâmica que motiva a banda. Nesta entrevista, realizada antes da notícia de que Malcolm Young se afastaria do grupo para cuidar da saúde, o jornalista conta um pouco sobre a obra.

Como foi escrever sobre uma banda tão reclusa quanto o AC/DC?
Foi difícil, já que não houve ajuda do irmãos Young. Mas se eles cooperassem, teria que ser algo autorizado, o que eu não gostaria nem um pouco. No final, eu consegui escrever um livro honesto. Falei o que eu achava que deveria ter sido falado, sem me importar com os sentimentos pessoais deles.

Os irmãos George, Malcolm e Angus Young sempre conduziram a banda com mão de ferro. Como você vê isso?
Deu certo até o momento em que ele ficaram tão arrogantes que não conseguiram mais se relacionar com gente como o produtor Mutt Lange, o empresário Peter Mensch, o baterista Phil Rudd e outros que ajudaram a construir a reputação do AC/DC até Back in Black (1980). O resultado quase custou a carreira deles na década de 1980. Então, apareceu outro empresário, Stewart Young, que os ajudou a colocar o pé no chão novamente. O problema é que depois eles o demitiram também.

Você entrevistou os integrantes ao longo dos anos. Qual é a sua opinião pessoal sobre eles?
O AC/DC não é o tipo de banda que você conhece somente os entrevistando. Você só consegue chegar à essência dos integrantes falando com pessoas que trabalharam com eles, como ex-empresários, gente de gravadora, ex-integrantes, etc. Minha opinião é que Malcolm Young é um cara impiedoso, muitas vezes arrogante, que fez tudo para chegar ao sucesso. Angus é assim também, só que menos agressivo. Mas ele, como caçula da família, sempre teve o Malcolm para fazer o trabalho sujo.

Qual foi a importância das mudanças na formação da banda?
Elas sempre aconteceram por questões pragmáticas. Cada mudança não foi necessariamente para melhor, mas sim para acomodar pessoas que Malcolm poderia tolerar. 

A morte de Bon Scott foi um acontecimento dramático e você narra tudo o que aconteceu de uma forma bastante sóbria...
Escrever sobre a morte dele foi um alívio. Tanta besteira foi falada sobre isso que me deixa até doente. Agora, a verdade foi revelada – ele morreu de uma combinação letal de heroína e álcool, a mesma coisa que aconteceu com Jim Morrison e outros.

Scott era um cantor incomparável. Como foi para Brian Johnson substituí-lo?
Ninguém no mundo poderia substituir o Bon…

Para você, qual é o legado do AC/DC?
Os álbuns Highway To Hell (1979) e Back In Black. São dois discos clássicos e geniais. É mais do que muitas bandas conseguiram. Uma pena é que o AC/DC poderia ter tido muito mais discos tão bons quanto estes.

por Paulo Cavalcante

rs Brasil

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domingo, 11 de maio de 2014

Mystifier em Nossa Senhora da Glória ...

Mystifier é uma banda de Black Metal soteropolitana bastante cultuada em todo o mundo. Formada em 1989, chamou a atenção em 1990 por ser a primeira do estilo em sua região a gravar um disco em vinil, o 7EP “The Evil Ascension returns”, lançado pelo selo local Maniac Records. “Wicca”(Hellion Records), o primeiro álbum, de 1992, foi aclamado como um dos discos mais extremos já compostos até aquela data, o que chamou a atenção de selos europeus como o Osmose, da França, que os contratou para dois álbuns. O primeiro, “Goetia”, saiu em novembro de 1993, com distribuição mundial via SPV. Acabaram relançando também o “debut”, com grande repercussão, o que resultou em sua primeira turnê européia. O último disco, “profanus”, é de 2001, mas a banda segue na ativa: acabaram de chegar de mais um giro pela Europa e o primeiro – e insólito – ponto de parada foi em Nossa Senhora da Glória, no sertão Sergipano, onde foram a atração principal da quarta edição do festival Glorimetal, ocorrida ontem, sábado, dia 10 de maio. Decidi que não podia perder isso e parti rumo à “Boca da Mata”, que fica a cerca de 110km de Aracaju ...

O evento aconteceu num colégio público estadual e teve um público aproximado de cerca de 50 pessoas, no máximo, quase todos locais ou de outros pontos do interior do estado e com uma faixa etária média bem baixa. Praticamente nenhuma das “figurinhas carimbadas” do metal sergipano estava por lá, muito provavelmente por conta das eternas “tretas” que tanto enfraquecem o “movimento” (que anda bem parado, diga-se de passagem) e o preço, salgado para os padrões das produções locais do estilo. Mas aconteceu. E foi bem legal, com organização e estrutura técnica razoável – embora amadora e equivocada em alguns momentos, principalmente os que tentava emular os esquemas de grandes festivais, como num improvisado, mambembe e, no final das contas, desnecessário isolamento dos “camarins”.

Cheguei por volta das 18:00H. A Grinding Souls, do Conjunto Marcos Freire, Nossa Senhora do Socorro – região metropolitana de Aracaju – estava no palco. Grata surpresa! Tem alguns verdadeiros ícones do submundo do metal em sua formação, como Carlos “Verruga”, na guitarra. Mandando muito bem, o que me impressionou, já que sempre o conheci como baterista. Fazem um Death/grind agressivo e bem trabalhado. Boa banda.

Na seqüência tivemos a Logorréia, veterana banda de Hard Core e grindcore fundada ainda na década de 1980 pelo incansável Silvio, da Karne Krua. É um “power trio”, como quase todas as outras que se apresentaram na noite. Boas composições, num estilo cru, sem firulas, mas surpreendentemente melódico e criativo em algumas passagens. As letras, de cunho libertário, são focadas em mensagens sociais, ressaltadas entre uma música e outra por falas do baixista Nininho. Os três são veteranos na cena: Robério “Nininho” já tocou na Plasma e na Sublevação; Cícero “Mago”, o baterista, em incontáveis formações e denominações ao longo dos últimos 20 e tantos anos; e Silvio, é Silvio, dispensa maiores apresentações ...

A terceira a se apresentar foi a que mais parece ter agradado o publico: a The End, de Poço Redondo, município circunvizinho famoso por abrigar em seu território a gruta onde o bando de Lampião foi dizimado. Fazem um Heavy Metal “old school” totalmente “oitentista”, com pitadas de Hard Rock e nítidas influências da NWOBHM. A garotada – sem eufemismo, eram quase todos muito novinhos mesmo, me senti um tiozão lá no meio deles – sabia de cor as musicas e foi ao delírio.

E então as trevas se fizeram presentes. Não, não era o Mystifier, ainda. Era uma banda “nova” – pelo que entendi eles ensaiam desde 2010, mas aquela seria a primeira apresentação – que atendia pelo estranho nome de “Anhan”. De origem indígena, segundo fui informado. E eram locais, de Nossa Sennora da Glória. Único quarteto da noite, demoraram a dar o ar da graça por trás das cortinas – outra improvisação meio mambembe e desnecessária da produção. E quando apareceram, foram dispostos a assustar, com “corpse paintigs” carregadíssimos sob túnicas negras que escondiam os rostos dos componentes. Mas o som eu achei bem tosquinho: uma espécie de valsa macabra primária marcada com dificuldade pelo baterista e pelo baixista e com um vocalista meio histérico, ansioso por “mostrar serviço”. Enfim, deram lá seu recado, e no final das contas não deixa de ser louvável a atitude de montar algo assim na cidade onde eles moram.

Mystifier, enfim. Outro nível. Formação totalmente diferente da que eu vi há algum tempo, no meio da primeira década dos anos 2000, quando eles TENTARAM tocar em Aracaju, num show tumultuado que acabou prematuramente. Dessa vez deu quase tudo certo, como veremos adiante: começaram já com a clássica oração satanista em português presente no álbum “wicca” e mandaram ver numa perfomance matadora e precisa, muito bem executada e com uma excelente presença de palco. Beelzeebubth, membro fundador e único remanescente dos primórdios, agora toca guitarra, escudado por dois excelentes músicos e com o “auxilio luxuoso” de uma presença ilustre, o vocalista da formação original, Meugninousouan, que estava presente e subiu ao palco para três hinos macabros extraídos do primeiro – e clássico – disco. Fez um interessante contraponto com o vocal atual, mais “gutural”, encorpado – o dele é mais gritado. Tem mais personalidade, no final das contas, mas eu gostei bastante da formação que ora se apresenta, também. O show foi perfeito, uma verdadeira celebração à música profana totalmente avessa a concessões e comercialismos. Os caras se apresentaram diante de um público pequeno e apático, que parecia não estar entendo muita coisa, de forma intensa e precisa, como se estivessem diante de uma multidão entusiasmada. Coisa de gente grande, com experiência lapidada a ferro e fogo em cima de palcos ao redor do mundo. O único porém foi a duração, já que tiveram que encurtar o set, pois o evento estava na mira da justiça e tinha hora pra acabar.

Uma pena, porque foi muito bom. Parabéns para a produção, centralizada na figura de Tom Mendes, figura atuante no cenário do metal sergipano desde o final dos anos oitenta.

Quem não foi, perdeu um momento único, que dificilmente se repetirá.

Fotos: Divulgação

A.












quinta-feira, 1 de maio de 2014

ABRIL PRO ROCK 2014

Fui na primeira noite do Abril pro rock basicamente pra ver o Sebadoh, e não me arrependi, apesar do show curto no qual já entraram chutando o pau da barraca e mandando um rock “low fi” totalmente isento de frescuras e firulas. A apresentação foi dividido em três partes, com Lou Barlow tocando guitarra na primeira e na última. Num estilo bem peculiar, com palhetadas rápidas e esparsas. Não teve muito papo nem enrolação, nem quando o microfone caiu e Barlow teve que se prostar para continuar cantando e tocando, já que também não havia roadie, aparentemente – Bruno Montalvão saiu correndo de trás do palco para ajudar mas já era tarde, o cara já tava lá no chão de joelhos feito um adorador de Allah. Foi bonito.

Johnny Hooker
Pena que o publico, pequeno, apático e disperso, não estava nem aí pra eles. Foi o público menos “rock” que eu já vi no Abril pro ROCK. A grande atração da noite para eles, pelo que entendi, já tinha se apresentado, era Tulipa Ruiz – que tocou cedo por conta de compromissos na agenda. Estavam ali apenas esperando, para a minha surpresa, um tal de Johnny Hooker, a julgar pela comoção que foi quando o mancebo subiu ao palco na seqüência. Foi uma cena peculiar: uma das mais fodidas e importantes bandas do indie rock se apresentando e quase ninguém prestando atenção. O povo queria molejo, malemolência, suingue, e teve: Johnny Hooker entrou com um figurino bizarro, blusa de redinha transparente deixando os mamilos em chamas à mostra e um cinto dourado breguééérrimo, fazendo um som dançante e romântico, totalmente Sidney Magal meets Ney Matogrosso - e arrasou! A platéia foi ao delírio! Nem sei o que dizer, já que não faz parte do meu show ...

Kataklysm
Ainda tentei tirar um cochilo deitando no chão do Chevrolet Hall pra esperar pelo Autoramas com Renato dos Blue Caps, mas desisti quando acordei ao som de um merengue paraense. Era Felipe Cordeiro, no palco. Não vou dizer que era ruim, porque não era, mas não é a minha praia, definitivamente.

Antes do Sebadoh tivemos uma tal de Orquestra Betodélica, que entrou alucinada, cheia de gente muito animada, mas com uma proposta, no mínimo, confusa, misturando não sei o que com não sei o que lá e alguns toques de psicodelia setentista regada a flauta doce. Nos melhores momentos lembrava algo do rock brasileiro com pitadas de mpb dos anos 70, tipo Secos e Molhados, mas de forma vaga, bem distante. Fiquei sabendo através do meu camarada Rogério Big Brother que eram representantes da nova cena independente do Recife, autodenominada “Movimento Manguebeto”. Ta serto ...

Obituary
Gostei da versão de “Porque Brigamos”, de Diana, que Bárbara Eugênia fez. Sou saudosista, me amarro em ouvir essas musicas que eu ouvia no rádio quando era guri. Já do show da Tulipa Ruiz, não gostei. Um monte de gente boa já me recomendou a moçoila, mas não entra, tem jeito não. Gostei do Trummer SSA, que estava tocando num palco alternativo montado ao lado da rural de Rogê de Renô. É um projeto de Fabio, do Eddie, com um pessoal do Vivendo do Ócio, de Salvador. Fabio Trummer é foda, grande compositor. Adentrei o recinto com eles no palco, o que significa que, lamentavelmente, perdi o Jonathan Richard, rockabilly de Caruaru ...

Pula pra noite das camisas pretas. Clima TOTALMENTE diferente, a começar pela verdadeira multidão que se acumulava na frente do Chevrolet Hall desde o início da verdadeira maratona que se estenderia até altas horas da madrugada. Fila enorme pra comprar ingresso. Enfrentei a via crucis, como qualquer mero mortal – sempre penso que poderia procurar um credenciamento via programa de rock, já que todo ano vou lá e faço a cobertura do evento, mas sempre deixo pra lá – e entrei com o Krow no palco. Meio “genérico”, mas é uma boa banda de death metal. Comprei a camiseta deles na barraquinha do Big Brother. Muito bonita – e bem mais barata que a do Obituary, meu sonho de consumo do momento ...

Olho Sêco
Desalma, que tocou na seqüência, faz aquele thrash mais “moderno”, meio Pantera, meio “nu metal”. Curto não. Parte do show foi com uma banda percussiva chamada Bongar. Continuei não gostando. Gostei do Conquest for Death, dos Estados Unidos. Hard Core altamente energético e perfomático. Aeróbico, até. Som na velociade da luz, flertando com o grindcore ...

Do Olho Seco nem há muito o que falar, a não ser que foi um show histórico. É o Fabião velho de guerra com uma galera mais nova escudando, dentre eles um baixista meio metaleiro, cabeludo e com uma camiseta do Sepultura. O guitarrista tem a mão pesada e reproduziu com fidelidade os riffs básicos daquela seqüência de músicas clássicas do punk rock mundial. Foi emocionante ver a galera cantando “Isto é olho seco” ao som da marcação do bumbo. Dá até pra perdoar o trecho infeliz de “Nada” em que ele sugere que se deveria proibir a imigração para São Paulo ...

Mukeka di rato
Agora um desabafo: Eu não agüento mais o Mukeka Di Rato ao vivo! O ultimo disco de estúdio, “Atletas de Fristo”, até que é bom, mas no palco eles parecem uma banda que já passou do ponto de acabar. E o principal culpado parece ser Sandro, vocalista: desde sua volta sinto-o apático, destoando do resto da banda, que continua no gás de sempre. Ele não berra mais as letras, limita-se a recitá-las ao microfone de forma hesitante, insegura. A impressão que dá é que ele está sempre pensando algo do tipo “que que eu to fazendo aqui, já velho, barrigudo, cantando essas musicas de moleque revoltado”. Teria sido bem mais interessante a escalação da Gangrena Gasosa, que lançou recentemente um DVD sensacional, contando sua história, mas não foi desta vez que vimos os mestres do “sarava metal” no nordeste. Conversei sobre isso com Rogério Big Brother e ele acha que é o tipo de banda com a qual Paulo André não se arrisca – “já pensou o prejuízo se eles jogam uma bacia de farofa na mesa de som digital?”. Mas esta é uma idéia equivocada, pois eles há tempos vêm trabalhando de forma mais profissional, sem os arroubos de insanidade e falta de noção que marcaram sua trajetória. É, no entanto, compreensível que se pense assim, dado o próprio histórico dos cariocas, e o fato de que eles ainda usam esta “má fama” como marketing. Nem poderia ser diferente, porque é ótimo. Mas tem seu preço.

Autoramas
A seqüência punk/HC foi interrompida pelo Hibria, banda de Heavy Metal do Rio Grande do Sul. Aproveitei para descansar, comer algo – ruim, caro, e com poucas opções, infelizmente. O Abril já foi bem melhor nesse quesito – e circular pelas banquinhas de material, que, depois de um longo período de vacas magras, parecem estar se recuperando. Graças, principalmente, à renovação do interesse pelos discos de vinil, disponíveis para venda em grande quantidade. No lado direito havia também um espaço dedicado à moda, que eu visitei apenas na sexta e não me despertou grandes interesses.

Voltei a prestar atenção no palco quando Vladimir Korg apresentou o Chakal como “uma banda de metal do mal lá de Minas Gerais”. Bom show, boa presença de palco. O metal mineiro é bem peculiar, com uma sonoridade própria, crua, beirando o punk, e isso é bom. Mas devo confessar que nunca fui muito fã das bandas de lá não. Sempre admirei bastante a cena, mas a verdade é que acompanhava de longe, nunca parei pra ouvir de verdade a maioria dos grupos. E continuei com a mesma impressão depois deste show do Chakal: é legal, mas falta algo. Composição, talvez. Acho tudo muito tosco, sem definição. Vale mais pela atitude e pela persistência dos caras. Mas esta é uma opinião bem pessoal, há uma verdadeira legião de seguidores desse estilo “cogumelo” de ser, e eles estavam todos lá, emocionadíssimos, cantando juntos. Isso foi bonito de ver. O rock me emociona.

Havoc, gringa, já navega mais pela praia do revival thrash capitaneado por Violator e Municipal Waste, e é muito boa. Nada de novo, como sempre, já que tradição aqui é a tônica da proposta, mas os caras são bons compositores, para além de excelentes músicos e “performers”, o que faz toda a diferença. Um grata surpresa pra mim, que não conhecia.

A esta altura dos acontecimentos o cansaço já batia pesado em todos, mas a barulheira teria um “grand finale” à altura da noite com um encontro de duas gerações do “Metal da morte” protagonizada pelo Kataclysm, do Canadá, e o Obituary, mestres da cena de Death Metal da Florida que causou furor no final dos anos 80 e início dos 90 em torno do Morrisound Studios de Scott Burns – que hoje trabalha com informática. Se afastou do ramo da musica com uma triste constatação: “Eu acho que terminou, está acabado. Não há boas bandas novas, as cópias são vergonhosas, quatro ou cinco bandas irão sobreviver, o resto irá desaparecer.” Seu último trabalho como produtor foi justamente para o Obituary, no álbum “Frozen in time”, de 2005.

Não deu pra prestar atenção no Kataclysm, sorry. Tive que descansar para o que viria a seguir, que foi catártico, apoteótico, destruidor! Bateu aquele tradicional arrepio na espinha ao ver John Tardy se posicionar na frente do palco e emitir o primeiro de seus berros guturais super característicos. O que se viu a partir dali foi uma reprodução exata do que se ouve nos discos, acrescida, evidentemente, da energia emanada pela presença física de uma lenda da música viva e ativa, ao vivo, na frente de todos. Repertório clássico pontuado aqui e ali por faixas novas de um disco anunciado para julho próximo, e pronto: cumprida mais uma missão de peregrinação à Meca do rock no nordeste. Ano que vem estaremos de volta, atravessando as mesmas obras inacabadas e inacreditavelmente estagnadas no mesmo ponto da BR 101 e ouvindo as incríveis histórias de Itabaiana, a “Macondo sergipana”, contadas pelo meu camarada Lenaldo.

Dentre elas a de “Zé de Nedina”, o “capotador”, que costuma encher a cara e dar carona ao máximo de gente possível para no meio do caminho avisar aos passageiros de seu expresso da morte que se segurem, porque ele vai capotar o carro. E o faz, por pura diversão. Ou do “Bar do Descamisado”, que fica no povoado Pé do Viado e tem esse nome porque seu proprietário se recusa a vestir camisa. Ele costuma servir os clientes assim, de peito aberto, o que causou indignação num digníssimo juiz de comarca que foi lá almoçar e pediu a um dos garçons para falar com o dono e denunciar aquela falta de respeito. Intenção que foi, evidentemente, frustrada, já que era o próprio dono que cometia a “indignidade”. Consta também que quando o Descamisado está “azuado”, nervoso com alguma coisa, solta uns “valei-me Nossa Senhora” e sai distribuindo carne extra de brinde para os surpresos fregueses. Lenaldo destacou também a simpatia da filha do cara, que, respondendo a um pedido seu por mais uma garrafa de cerveja, perguntou se ele não era aleijado pra se levantar e ir pegar no frigobar. De fazer inveja ao “Heavy Duty”, que é célebre por se orgulha em ter o pior atendimento do Rio de Janeiro ...

Tem também o “Bar da Morte”, em cujas paredes se encontram “santinhos” de todos os falecidos do sexo masculino – não me pergunte exatamente porque, nem Lenaldo soube explicar – nos últimos anos na cidade. Para a frustração do proprietário, ninguém nunca morreu na mesa do bar. E o puteiro que pretendia funcionar discretamente na casa do agenciador, mas que você podia ver de longe, devido à enorme quantidade de motos estacionadas na porta ...

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Texto por Adelvan Kenobi