segunda-feira, 24 de maio de 2010
Viagem no tempo
Com álbum de gravações raras e inéditas de Jimi Hendrix, produtor e pesquisador revela período pouco conhecido da história do maior guitarrista em todos os tempos. Íntegra da matéria publicada na Billboard Brasil número 7, de abril de 2010.
por Marcos Bragatto
Rock em geral
O tempo passa, o tempo voa, e mais um álbum de raridades de Jimi Hendrix vem à tona. Nem a coletânea “First Rays of the New Rising Sun”, de 1997, considerada o “último álbum de Jimi Hendrix”, ou a caixa “The Jimi Hendrix Experience” (2000), esgotaram as gravações do obcecado guitarrista. Dessa vez foram restauradas 12 faixas gravadas em 1969, cerca de um ano antes de sua morte, para o álbum “Valleys Of Neptune”, ajuntadas pelo produtor John McDermott. É dele o duro trabalho de se embrenhar em tudo que foi do guitarrista para encontrar raridades comercialmente viáveis que mantenham os lucros da “Experience Hendrix”, empresa da irmã de criação de Jimi, Janie Hendrix, que ganhou na justiça o direito de administrar o legado do guitarrista.
E o que fazia Jimi Hendrix em 1969? Corria de um lado a outro para tocar e seguir suas incessantes gravações em busca da perfeição, enquanto empresários de todo o tipo procuravam colocar a mão bolso dele. No refúgio das gravações Hendrix ensaiava números para os shows (“Sunshine Of Your Love”, do Cream) e desenvolvia músicas já editadas (“Stone Free”, “Fire”), mas não trabalhadas o bastante nas versões originais. Exemplos de uma coletânea onde predomina a inventividade de Hendrix ao mexer nos botõezinhos e que John McDermott levou tempo para trazer à tona.
Mesmo porque só no ano passado a “Experience Hendrix” fechou contrato com a Sony Music, que prevê, além de “Valleys Of Neptune”, o lançamento do acervo fonográfico do guitarrista. Este ano voltaram às lojas os três primeiros álbuns: “Are You Experienced”, “Axis: Bold As Love” e “Electric Ladyland”, turbinados com DVDs com imagens de shows e documentários de Bob Smeaton (“Beatles Anthology”). Nos Estados Unidos, todos os cinco discos, incluindo “First Rays of the New Rising Sun”, entraram direto no top 200, liderados pelo 4º lugar de “Valleys Of Neptune”.
Veja abaixo a entrevista que fizemos com John McDermott, por telefone, direto de seu escritório, em Nova York. Autor de quatro livros sobre Hendrix, o produtor fala não somente do material musical encontrado no CD “Valleys Of Neptune”, mas de toda a confusão que era a vida do guitarrista da época em que essas músicas foram registradas, e de seu legado para a música contemporânea, entre outros detalhes. Confira:
Rock em Geral: Como você descobriu o material que está gravado no disco “Valleys of Neptune”?
John McDermott: É o resultado do trabalho de alguns anos. O que nós queríamos com esse álbum era ter material inédito, ainda não lançado, que veio do período entre a gravação do “Electric Ladyland” e o “First Rays of the New Rising Sun”, gravações de 1970. Porque era uma fase importante para o Jimi, o fim do Experience original e as suas primeiras gravações com Billy Cox e Mitch Mitchell. E parece encaixar muito bem para os fãs, para se ver a evolução de Jimi como artista, particularmente ao gravar em estúdio.
REG: Você acha que parte dessas músicas poderiam se transformar em um novo álbum?
McDermott: Não há como dizer o que iria acontecer, por causa da morte dele, tipo que trecho viraria o que. Eu acho que músicas como “Valleys of Neptune”, por exemplo, estariam num novo álbum, mas nunca saberemos. Muitas delas, creio que, sim, ele consideraria prontas para serem lançadas.
REG: Você acha que essas músicas já estavam perto das versões finais ou ele poderia desenvolvê-las ou modificá-las um pouco mais?
McDermott: Acho que o Jimi, como bom perfeccionista que foi – ele achava que poderia ter feito o “Electric Ladyland” melhor – modificaria qualquer gravação. Ele certamente colocaria o seu selo de qualidade final em qualquer uma dessas músicas. Mas o que nós temos é o que ele realmente tinha, em estado bruto, na época de sua morte.
REG: No disco há músicas bem do comecinho da carreira dele, como “Red House” e “Fire”, que já haviam sido lançadas. Por que você acha que ele começou a trabalhar nelas de novo?
McDermott: É preciso olhar para a época. Imagine como exemplo “Stone Free”. Essa música saiu como lado B do compacto de “Hey Joe”, que só foi lançado na Europa na época, não nos Estados Unidos, o seu próprio país. Foi por causa de o produtor dele, Chas Chandler, o ter levado para a Inglaterra. Ele não tinha dinheiro para passar muito tempo em estúdio, então foi tudo gravado muito rápido, e é uma grande música. Então em 1969 ele deve ter pensado: “Quer saber? Posso fazer isso melhor”. Era típico do jeito de ele pensar. E acho que isso foi o modo como que ele começou a revisitar essas músicas já famosas. No caso de “Fire” e “Red House”, temos sorte de ter acesso aos tapes que o Jimi fez, ensaiando com a banda para tocar essas músicas ao vivo. Aqui, é menos sobre gravar num estúdio para um disco do que trabalhar para chegar a um bom arranjo para se tocar ao vivo. E nós temos sorte de ter uma boa qualidade de estúdio para mostrar como ele continuava a expandir as duas músicas.
REG: Você acha que ele realmente ensaiava versões diferentes no estúdio, para tocar certinho ao vivo?
McDermott: Acho que sim, porque ele sempre viu - e isso se prova nas entrevistas - performances ao vivo e gravar discos como coisas bem diferentes. Para ele tocar ao vivo sempre foi uma experiência singular, baseada no feeling dos três músicos, na reação do público, numa combinação de todas essas coisas. E gravar sempre foi um longo processo de overdubs e mixagens que podem ser criados sob uma perspectiva diferente.
REG: Mas os shows deles são sempre como grandes jams, não como uma coisa planejada…
McDermott: Hoje você vai num show de rock e até o bis é planejado. Nos tempos do Hendrix, ele tocava o que sentia, ele não ia com um set list para o palco, tocava o que queria na hora, dependendo de como ele estava sentindo o clima ou da reação da platéia.
REG: O que acontecia na vida pessoal de Hendrix no período em que ele gravou essas músicas?
McDermott: Era uma fase difícil, mas ao mesmo tempo uma época sensacional para ele. A fama veio muito depressa e ele estava muito pressionado. Eu não acredito que ele fizesse música com o objetivo de ela se desenvolver a ponto de ficar tão grande quanto ficou. Mas havia um senso de que era preciso tocar em todos os shows em todas as datas que fossem possíveis, porque você poderia não estar ali no dia seguinte, então corria-se para os shows e voltava-se depressa para o estúdio. E esse tipo de ritmo é muito difícil de manter. Era um trabalho muito duro, eu acho que a relação entre ele e Noel Redding tinha chegado ao fim, e não havia banda no final de junho de 69. Juntando isso com o fato de que o disco dele era o número um no mundo, ele vivia em turnês naquele período. Para um cara que passava fome no Greenwich Village três anos antes, é mesmo assustador.
REG: O Hendrix costumava tocar a música “Sunshine Of Your Love”, do Cream, nos shows, sempre em versão instrumental. Algumas biografias dizem que ele não gostava de cantar, de ouvir a própria voz. Você acha que ele chegou a pensar em colocar um vocalista na banda?
McDermott: Não mesmo. Uma vez o Chass Chandler disse que a voz de Hendrix era um componente importante para ele. A afinidade entre o ritmo da voz de Hendrix e o conteúdo de seu discurso é total. Seja “Stone Free” ou qualquer outra das grandes músicas dele, há um pouco da personalidade de Jimi que pega o ouvinte. É óbvio que o som é muito bem concebido e o jeito de tocar guitarra é o principal, mas eu acho que a voz e a personalidade dele é um grande atrativo para as pessoas, e se percebe isso. Mas ele sempre foi muito crítico com ele mesmo, ele sempre dizia que queria ser uma melhor pessoa, um melhor guitarrista, um melhor cantor…
REG: Há várias faixas instrumentais nesse disco, você acha que esse material, de certa forma, aproxima Hendrix de guitarristas dos nossos tempos, como Joe Satriani e Steve Vai?
McDermott: Eu acho que certamente tanto Vai quanto Satriani sempre dirão que para eles Hendrix é uma grande fonte de inspiração. Seja nas músicas puramente instrumentais ou em músicas de longa duração como “Machine Gun”, por exemplo, ele estava apto para usar a guitarra em formas que hoje é uma coisa comum. Mas quando você pensa olhando para trás, quem estaria fazendo esse tipo de coisa? Quem estaria tocando “Voodoo Chile” com 15 minutos de duração? Eu acho que ele abriu a porta para outros guitarristas como Jeff Beck e John McLaughlin, nos anos 70, e agora Satriani e Vai, entre muitos outros. Ele abriu as portas para que se criasse música baseada nas guitarras, e que havia público para gostar disso.
REG: Você acha que a entrada do Billy Cox contribuiu para o desenvolvimento da música do Jimi nesse período, ou ele teria feito a mesma coisa, independente de quem entrasse no lugar Noel Redding?
McDermott: Se você olhar para trás, naquela época o Jimi poderia ter escolhido quem ele quisesse para tocar com ele. Ele tinha a banda mais popular do mundo, mais famosa que os Beatles. Ele poderia colocar qualquer um, mas o que ele precisava era um velho amigo que o entendesse, que tivesse paciência e que o ajudasse a desenvolver as músicas novas. E foi isso que Billy foi, um amigo de confiança. Ele também se encaixou bem tocando ao vivo, e por trás das cenas, junto com Jimi, a amizade dele foi fundamental para que Jimi pudesse focar somente da música dele e dar o próximo passo. Mas, um ano depois, eles fizeram músicas como “Freedom”, “Dolly Dagger”, “Night Bird Flying”, todas com a marca do Billy, que era um cara muito talentoso.
REG: Por que você decidiu batizar o disco como “Valleys Of Neptune”?
McDermott: Era a música que nós achamos que melhor simbolizaria esse apanhado, nela Jimi investiu bastante tempo em 1969, tentando criar. Acho que ela fala pelo todo nesse disco.
REG: Ainda há o que ser descoberto no legado de Jimi Hendrix?
McDermott: Agora o que temos é esse “Valleys of Neptune”, que oferece uma profunda apreciação e compreensão do que foi Jimi Hendrix. Não substitui “Electric Ladyland” ou “Band Of Gypsys”, nenhum dos álbuns, mas fornece mais informação e mais música para apreciarmos o que Jimi estava fazendo. No fim das contas, é tudo o que temos. Se você parar e pensar, é uma pequena coleção de músicas, não é como Bob Dylan ou Eric Clapton, que lançaram 40 discos. Estamos falando de uma quantidade de música bem pequena, que ainda tem um grande apelo para as pessoas em todo o mundo.
REG: O que você acha que há na música do Hendrix que continua a seduzir as pessoas?
McDermott: Eu sinto que a linguagem comum é a música, não importa onde você está, qual a sua idade. É a qualidade da música que continua a inspirar as pessoas. Qualquer um que grave uma música de Jimi, poderia ser John Mayall, Prince, Stevie Ray Vaughan - não importa - as pessoas vão procurar a fonte original. Quando descobrem Jimi é uma revelação. Foi como tudo começou. E eu realmente acho que não há guitarrista melhor que Jimi, mas o apelo das músicas, por elas mesmas, é o que faz a conexão com todas essas gerações.
REG: Imagino que um você passe o dia inteiro buscando coisas novas no legado de Jimi…
McDermott: É, mas é divertido. Não importa que tipo de música você goste, se descobrir uma gravação de Robert Johnson ou dos Beatles… Há certos artistas que, quando você acha algo, é uma demonstração do que eles estavam tentando desenvolver, e poder dividir isso… No “Valleys of Neptune” é interessante porque você pode mostrar mais exemplos das habilidades de Jimi. É excitante poder dizer, por mais que você goste de tudo o que já conhece, que ainda há mais.
REG: Se Hendrix fosse vivo, que tipo de música você acha que ele estaria fazendo?
McDermott: É difícil de dizer, mas uma coisa que você pode ter como certa. Se prestar atenção, Jimi era criativo e livre. Livre para fazer cover de Howlin’ Wolf ou de Bob Dylan. Ou fazer uma música de 18 minutos e outra só com de dois. “Electric Ladyland” é o melhor exemplo de sua liberdade de fazer só que ele realmente queria criar. Se você olhar com atenção para este disco, ele continua a te introduzir a novas coisas. Há blues, rock, funk, baladas, toda a gama de coisa, e eu acho que ele poderia trabalhar com qualquer um que ele escolhesse. Ele poderia hoje ser só um produtor, o futuro era todo dele, poderia fazer o que quisesse. O triste é que ele não conseguiu viver o bastante, nem se colocar num lugar onde ele pudesse descansar e focar num mundo além do próximo show ou da próxima sessão de gravação.
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