terça-feira, 13 de abril de 2010

A Volta do Lacertae

Fui surpreendido semana passada por uma ligação do meu amigo Adolfo Sá com a pergunta: "Tá sabendo do show do Lacertae" ? Não, eu não estava sabendo. Tava sabendo de um show de Deon e o Caneco DAgua, com abertura de duas outras bandas de lá da área deles, o povoado campo do crioulo, em Lagarto: Zanimais e Unicampestre. "Pois é, mas vai ter o lacertae. Dá pra entrevistar o Deon lá no programa?". Dava, claro. Gente finíssima, o Deon. Na entrevista (que felizmente foi ao ar antes que o céu desabasse sobre Aracaju e o sinal da radio fosse derrubado), ele falou que desencanou de dar outro nome ao projeto e ia passar a chamar de Lacertae mesmo, apesar de, pelo menos por enquanto, não ter a seu lado o eterno "parceiro de crime" Aldemir Tacer, ausente do mundo da música por contas das "voltas que o mundo dá". Falou também que o disco "Acorda Natureza" do Caneco Dagua será lançado em breve como um disco da Lacertae, o terceiro, no caso. Eu não fui ao show (eu sou um asmático fuleiro que tem medo de chuva e vento) mas Adolfo, muito mais recluso que eu, foi, e contou o que rolou junto a um apanhado da carreira e de sua relação com a banda em seu blog "Viva La Brasa", texto que eu reproduzo "na cara dura" abaixo ...

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Acorda Natureza

por Adolfo Sá

Fonte: Viva La Brasa

EV Lacertae é uma estrela bem menor que o Sol, fotografada pela 1ª vez pelo satélite americano Swift em 25 de abril de 2008. “Há muitos anos a ciência sabe que na superfície solar ocorrem explosões c/ muitas vezes mais energia que a de bombas atômicas”, explica a Wikipedia gringa: “Mas quando astrônomos compararam as labaredas solares c/ as de outras estrelas, as do Sol saíram perdendo.” De todas as estrelas da Via-Láctea, Lacertae tem a chama de brilho mais intenso.

“Em outras palavras, uma minúscula, insignificante estrela capaz de um soco poderoso”, resume Casey Reed, cientista da NASA. O poder de fogo de EV Lacertae está em sua juventude. “Enquanto o Sol é uma estrela de meia-idade, EV é uma adolescente”, diz Reed, “e está girando rapidamente. O giro rápido somado ao interior agitado desprende gases que formam um campo magnético bem mais poderoso que o do Sol.”

Lacertae é o nome de uma banda de Lagarto, Sergipe, cidade cujo nome em latim significa ‘lacertae’. Rock rural experimental, já ouviu falar? No último sábado rolou show dos caras aqui na cidade, depois de uma ausência de quase 5 anos. Foi no Capitão Cook, um bar onde, sempre que eu vou, chove. Foi assim no Retrofoguetes ano passado, e na Plástico Lunar & Corações Partidos há duas semanas. Mas desta vez foi diferente.

CÉU D’ÁGUA

Já estava chovendo antes de eu sair de casa. Desde quinta-feira, e continua a chover. Até o momento, 64 casas destruídas, 1375 danificadas, 2690 pessoas desabrigadas, 16 municípios afetados – entre eles cidades históricas como São Cristóvão e Laranjeiras e a capital, Aracaju. Segundo dados do INMET, nos primeiros 11 dias deste mês foram registrados 78% da média de chuva p/ todo o mês.

O Lacertae nunca foi sucesso de público, mas sempre teve moral c/ quem curte SOM. 1ª banda sergipana a tocar no Abril Pro Rock, em 1996, no mesmo evento em que Chico Science fez uma de suas mais clássicas apresentações e que [vejam só] ficou marcado pela enxurrada que atingiu Recife. 1ª banda de rock de SE a participar de uma coletânea nacional, a BRASIL COMPACTO, do selo Rock It! de Dado Villa-Lobos, junto c/ Eddie, Living in the Shit, e umas bandas do Sul e Sudeste. Capa da Ilustrada na Folha de S.Paulo em 98 e novamente destaque em 2001.

2 discos lançados – BERIMBAU DE CIPÓ IMBÉ, de 2000, e A VOLTA QUE O MUNDO DEU, 2005 – pelo próprio selo, Zabumbambus, que também é uma Casa de Cultura no Campo do Crioulo, onde se ensina música, literatura, folclore e artes plásticas de modo informal p/ a criançada local. “O nosso projeto já foi aprovado pelo Ministério da Cultura, mas até hoje o dinheiro não foi liberado”, diz Deon Costa, vocal e guitarra do duo composto por ele e seu primo Aldemir Tacer, o 1º baterista do mundo a usar berimbau c/ bateria, uma adaptação melódica à ausência do baixo.

ARREPIA A SAPUCAIA

“O Lacertae faz música espontânea”, disse Tacer ao apresentador Fábio Massari p/ o programa Lado B na Mtv durante o festival Rock-SE em 98. “Eu trabalho com agricultura, planto feijão, abóbora, planto milho, tal, mas agora eu tô plantando música”, Deon falou ao Jornal Hoje numa reportagem especial. “É uma banda da qual não se pode definir um estilo ao certo”, escreveu a jornalista Maíra Ezequiel no site Overmundo: “Sua origem por si só é impressionante: eles são do Campo do Crioulo, que é um vilarejo de uma rua próximo à cidade de Lagarto, no interior do estado. Começaram como um trio, lançaram uma demo que fez um sucesso impressionante, e quase estouraram junto com o movimento Mangue Bit: estavam pra fechar contrato com a falecida Rock It! quando o vocalista pirou (de verdade!) no melhor estilo Pink Floyd e Syd Barrett. Mais impressionante é que a banda continuou e reinventou o som como um duo.”

Maíra definiu bem: foi preciso REINVENTAR um som que por si só já era original. O Lacertae surgiu no início dos anos 90 influenciado pelo movimento grunge e rock industrial – o tal vocalista que “pirou”, o Paulo Henrique, toca instrumentos que ele mesmo inventa, como a percussão feita c/ escapamentos de carros e o inédito ‘cabaçofone’, que remete a um didjeridoo aborígene. Bom, o Paulo em pessoa parece um aborígene. No início de 97 ele foi internado pela família na clínica São Marcelo, famosa por causar mais danos que curas, mas superou essa fase e hoje tem um novo projeto musical, Ladrão Vitelloni.

“Na verdade Paulinho não pirou, ele viajou desta dimensão p/ outra e só agora está retornando”, diz Gildécio Costaeira, outro primo-lagarto, responsável por toda a arte da Lacertae. A fita-demo de 95, intitulada 100 KM C/ 1 SAPATO, foi eleita um dos 25 melhores DISCOS independentes do rock brasileiro de todos os tempos pelo jornalista Alexandre Matias, do coletivo O Esquema. Top 13, à frente de BALADAS SANGRENTAS de Wander Wildner, MENORME do Zumbi do Mato, A SÉTIMA EFERVESCÊNCIA do Júpiter Maçã, CHORA do Los Hermanos, DE LUXE 2000 do Thee Butchers Orchestra e MANIFESTO DA ARTE PERIFÉRICA de Wado: “[...] a fita de estréia do Lacertae é o elo perdido entre o pop dos anos 90 e o experimentalismo dos dias do Vzyadoq Moe.”

ELETRICULTURA

BERIMBAU DE CIPÓ IMBÉ (Ainda disponível para venda no Submarino, clique AQUI para comprar) é o álbum de uma banda jovem em plena ebulição, c/ rocks nervosos tipo ‘Líquido’ – “O homem pensa que está pensando/ mas nem sempre o homem pensa/ como os frutos os homens também despencam [...] eis aí, belas donzelas líquido adentro, orgasmo, paixão e dor/ líquido motor acabou o líquido acabou o amor...” – e baladas sensíveis como ‘Coração’ – “...correndo como água/ voando como o vento/ e acendendo chamas de força no pensamento...”. Psicodelia sertaneja c/ belos fraseados de guitarra e andamento fluido jazzístico, c/ a participação de João Bole Bico na toada e Daniel Maximiliano no piano na surreal ‘Sergipe’, uma faixa instrumental sem guitarra.

O disco seguinte, A VOLTA QUE O MUNDO DEU, foi pouco divulgado e até subestimado, mas surpreende a cada nova audição. Produzido no Estúdio 3, em Aracaju, e mixado no Mundo Novo em São Paulo por Buguinha, técnico de som da Nação Zumbi, o álbum tem elementos eletrônicos e um climão DUB, c/ algumas canções que grudam no ouvido – como ‘O Danado’ e ‘Eu Não Posso Ficar Parado’ – entre uma viagem e outra. “Em méis e méis a lua vinga/ Em seis e seis doze, só pares sem ímpares/ Aí o jogo começa assim é a vida”, dizem em ‘Pra Que Pressa’, num dialeto próprio. Em ‘Entrada e Saída’ cantam: “...meu coração é de pinho, meu pensamento é carinho/ A minha voz é o contato entre a matéria e o vazio...”. Deon toca violão, rabeca e conga além das suas Fender, e Tacer, “berimbateria, 'beck' vocal, conga, flauta, zabumba". Ambos criaram os efeitos. A faixa ‘Amiga Folhagem’ tem a participação de Lira Paes do Cordel do Fogo Encantado e é uma fábula de Sílvio Romero, intelectual e político de projeção nacional nascido em Lagarto no Séc.XIX.

Sílvio Romero é p/ a Lacertae quase o que Selassié era p/ Bob Marley. Há fotos do tiozinho no encarte do disco de estréia, e em 2008 Aldemir Tacer lançou um trabalho solo chamado ELETRICULTURA, totalmente baseado nas histórias de Romero. “Calango fez um sobrado/ de 25 janelas/ Pra botar moças brancas/ mulatas cor de canela”, Tacer canta e toca em sua pequena obra-prima low-fi, um álbum despretensioso mezzo eletro meio matuto, a tirar pelos títulos das músicas: ‘O Calango’, ‘O Jenipapo’, ‘Lá Vem a Lua Saindo’, ‘A Mutuca’, ‘A Cachaça’, ‘Baile da Lavadeira’, ‘Veja Com Quem Quer Ficar’, ‘Cajueiro Pequenino’, ‘Meu Coração Sabe Tudo’ e ‘O Sapo Cururu’. Teclados, guitarrinhas mangue, backing vocals femininos, bateria orgânica mesclada c/ programações...

Grande Tacer. Meu amigo. Já fumamos e rimos muito juntos. Faz uns 2 anos que não o vejo, faltei ao seu casamento, tava fora do ar nesse dia, mal aí véi! Lembro de uma vez que ele apareceu lá em casa de volta de uma temporada no eixo RJ-SP, e me contou de uma noite em que foi parar numa rave: “Eu tava c/ uma menina e não sei como a gente foi parar lá... Aí tinha um pessoal em volta duma turma que tava encenando uma peça, tipo teatro de rua só que na praia, eu já tava doido, espalhei a maquiagem da minha namorada na cara, entrei na roda e comecei a interagir c/ os atores, declamei um poema do Sylvio Romero, ninguém entendeu nada, mas o pessoal que tava assistindo começou a aplaudir”... Hahaha! Grande Tacer.

A VOLTA QUE O MUNDO DEU

Deon Costa também está casado, tem duas filhas, e nos últimos anos criou um projeto paralelo, o Caneco D’água, que ele apresentou neste sábado p/ a meia-dúzia de gatos pingados que não teve medo da chuva. Comemorando os 20 anos da Lacertae, Deon tocou várias clássicas, como ‘Casulo’, ‘Abra a Porta’, ‘Viagem no Pensamento’ e ‘Caminho de Santiago': “Retorno, começo do passado/ A imaginação é a estradinha e o melhor caminho é o de Santiago”... Riffs a la Hendrix c/ solos de wah-wah e microfonia, mais a participação da nova geração do Crioulo, c/ 2, às vezes 3 caras na percussão – fazendo muito barulho – , e os primos Diel no lugar de Tacer na ‘berimbatera’ e Costaeira no baixo em algumas músicas.

“A idéia do nome Caneco D’água inspira-se no gestual do homem trabalhador sedento por água fresca e do ato acolhedor de quem sacia essa sede”, traduz Deon, que lançou em 2009 um EP c/ sons como ‘Corpo Fechado’ e ‘Céu D’água’, que ele tocou no Capitão Cook. E Lacertae, Deon? “Pode significar tanto os répteis multicoloridos como a cidade onde nascemos. A música preserva de maneira natural a liberdade rítmica e poética: um berimbau acoplado à bateria, guitarra e poesias, criando uma massa sonora. Só ouvindo pra entender”, ele avisa.

Costaeira também tem sua banda, Uni Campestre, cujo CD saiu pela Zabumbambus: ‘Florestal’, c/ 10 sons, como ‘Manga Rosa’, ‘Surf Rural’ e ‘Estrela Miudinha’. Deve ser alguma coisa na água de Lagarto. Depois de Deon apresentar seu Caneco D’água, veio a Zanimais, banda nova c/ um vocalista/guitarrista de qualidade e referências explícitas à Lacertae e ao manguebeat. Deon sabe da sua influência e da qualidade de sua música, por isso nem mesmo a ausência da audiência tirava seu sorriso ao final da noite. Quando fui me despedir e falei ao Costaeira que iria comprar um de seus quadros p/ pôr na minha sala ele disse: “Você tem que ir lá em casa, seu danado!”

Durante 2 anos minha esposa Gil manteve uma loja em Lagarto, mas desde que ela fechou não faço uma visita aos meus amigos. Estou devendo essa. Tenho uma relação fraternal c/ a Lacertae de longa data. Em 96, mesmo ano do show no Abril Pro Rock – e na Expo Alternative no RJ – , eu fui convidado por Rodrigo Lariú, do selo Midsummer Madness, a escrever algo sobre os caras p/ um zine que acompanharia a coletânea Brasil Compacto. Mandei um conto, ao invés de um release, escrito em cima do deadline. O mundo deu muita volta depois disso, mas a Lacertae continua brilhando e explodindo em chamas.

CIRCUS ORCHESTRA PRIMITIVA

“Pegue uma garrafa de álcool etílico. Misture com mel. Beba. Você terá a noção exata do que é o Lacertae. Ao primeiro gole a receita parecerá intragável, forte demais para seu paladar acostumado a amenidades. Mas não se amedronte.

Tome outro gole. O álcool ainda desce queimando sua garganta, mas você já estará sabendo como tudo começou. O período jurássico encerrou-se com o choque de um meteoro. Anônimo, O Assassino. Restaram apenas três lagartos. Não trocaram palavra, não precisavam. Os olhos vermelhos se cruzaram e no mesmo momento souberam que só sobreviveriam se permanecessem reunidos. O Terceiro balançou sua cauda sobre o terreno arenoso e os outros dois concordaram com a cabeça. O terceiro gole. O Terceiro já não mais o é. Chame-o de Tacer, por favor. E aos outros, de Paulo e Deon. Suas línguas serpenteadas já proferem palavras. Suas barrigas já não se arrastam mais pelo chão. Muito tempo se passou, eles andaram 100 Km c/ 1 sapato e outros tantos descalços, e suas patas tornaram-se pés e mãos. A despeito do que viram e aprenderam, sempre voltam para o buraco de onde saíram. A essa altura, vê-se alguns cactos ao redor.

Enquanto os três conversam em latim, sua mão empurra a garrafa para a boca. O bom senso manda que você pare de beber, mas seu corpo já não lhe presta mais contas. Fiat Voluntas tua, é o que você diz, e dá mais um gole. Paulo é o primeiro a notar sua presença. Você mal tem tempo de ver uma barba rala crescendo sobre a pele escamosa quando ele mata a pauladas A Galinha que passava por ali.

Com o susto, você verte mais um pouco do álcool que ainda resta. Paulo, a esta altura, espanca a lataria banhada de sangue e grita frases ininteligíveis para você, mas que parecem fazer algum sentido para o povo queimado de sol que assiste ao espetáculo primitivo na planície que os três lagartos insistem em chamar de cratera. Eles dizem que ali caiu um meteoro, e aquele é o lar deles.

Você não quer acreditar, mas começa a gostar daquilo que está ouvindo. Talvez seja a flauta de Paulo que lhe tenha hipnotizado, ou os riffs da guitarra de Deon, ou a bateria tribal de Tacer. Não importa a causa. Você nem quer mais saber. As últimas gotas de álcool escoam por sua garganta, e você quer mais. Ainda há mel depositado no fundo da garrafa. Você enfia a língua e assusta-se ao vê-la dividida em duas extremidades. Aterrorizado, você percebe que sua pele tornou-se dura e quebradiça e seus olhos dilatados, e que sua barriga agora toca o solo árido. Como não consegue falar, olha para os répteis barulhentos e um deles lhe diz: ‘Calma, irmão. Agora você entende o que é o uga-uga core.’

- Eu devo estar bêbado - é o seu último pensamento. No instante seguinte, crava os dentes no rato que será seu almoço. O sangue do bicho tem gosto de álcool, embora você não perceba.”

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Lacertae irradia som universal de Lagarto

da Folha de S. Paulo

10/08/2001

Das "arquibancadas" do povoado de Campo Crioulo, próximo de Lagarto (a cerca de 90 km de Aracaju), os primos Deon Costa e Aldemir Tacer, ambos 28, costumam observar o mundo, como se diz por lá.

Nasceram e cresceram ouvindo a banda de zabumba local, fundada há mais de século e meio, uma tradição dos reisados, novenas e festas de são João.

Apesar das origens, o duo Lacertae (lagarto em latim) não quer se associar ao suporte meramente folclórico. Deseja incorporar a cultura popular sem medo de paralelismos com o vasto mundo das sonoridades possíveis.

O CD de estréia, "Berimbau de Cipó de Imbé", lançamento independente pelo sergipano Zabumbambus Cultural, ambiciona mostrar isso com o cruzamento de guitarra, berimbau, bateria, flauta e até um instrumento de percussão egípcia, o "darbuka".

O título alude ao berimbau da região, que troca a corda de aço por cipó extraído do imbé (designação comum às plantas trepadeiras da família das aráceas).

"A sonoridade é extraída principalmente por meio da boca", afirma Tacer, que traz "de ouvido" influências que vão de Luiz Gonzaga a Jimi Hendrix e Pink Floyd.

Tacer lembra que o rock nacional dos anos 80 também o tocou muito. Nos anos 90, o mangue beat de Chico Science e companhia foi outro norte.

"A gente foi moldando nossa estética aos poucos; há muito de regional, mas também de universal no que criamos", afirma. "Não é música popular brasileira, mas é música brasileira."

Segundo Tacer, as 15 faixas do CD -a maioria composta por Deon- apresentam uma sonoridade que ele define como "regional-jazz-rock".

"O folclore propriamente está dentro da gente, carregamos desde criança, mas não trabalhamos sobre ele." "Berimbau de Cipó de Imbé" traz encarte com pinturas de Gildecio Costa, que fazem referência ao psicodelismo com símbolos da cultura autóctone. A tiragem é de mil unidades.

No momento, Tacer e Deon estão em São Paulo negociando parceria com o Núcleo Contemporâneo, selo de Benjamin Taubkin, para uma reedição.

Taubkin é um dos curadores do projeto Rumos Musicais - Tendências e Vertentes, do Instituto Itaú Cultural, em São Paulo, que pinçou o Lacertae em edição recente. O duo também participou do projeto Balaio Brasil, do Sesc SP, e do festival Abril pro Rock.

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INDIE 25

por Alexandre Matias

Fonte: Trabalho Sujo


Lista complicada, o critério definido para determinar o que é ou o que não é rock independente é curto e grosso: se tem dinheiro de empresa grande, não é indie. Assim, os altos e baixos do rock nacional no mercado de discos dão a tônica da produção independente nos últimos vinte anos. Até o começo dos anos 80, ser independente era uma atitude, um manifesto - como foram os discos da fase Racional de Tim Maia e a idéia original do selo de Luís Carlos Calanca, a Baratos Afins. Mas a explosão do rock na década de 80 praticamente extinguiu a produção indie, tamanha era a demanda das grandes gravadoras - e grupos independentes por definição musical tiveram seus discos lançados por majors. A estréia de Lobão, Cena de Cinema, de 1982, por exemplo é uma demo gravada em vinil. Nos anos 90, a chegada da MTV e o sucesso do Sepultura no exterior impulsionam o faça-você-mesmo e o rock independente vive o nascimento de um mercado que começaria a se organizar nos anos seguintes. O sucesso do plano Real, em 94, determina o futuro deste mercado: se por um lado abre a possibilidade de se adquirir tecnologia graças à paridade com o dólar, por outro exclui o elitismo musical do mercado de discos, voltado apenas para classes populares. Isto aumenta a produção caseira e equipa uma primeira geração de computadores que, graças à internet, passa a se comunicar com mais agilidade e para um público específico. Chegamos ao século 21 com uma produção madura e plural, disposta a conquistar o Brasil e o planeta.

Os 25 discos abaixo são as pedras fundamentais na formação de um mercado independente, tanto do ponto de vista comercial como artístico. Cada um deles marca uma etapa concluída, um novo patamar e uma novidade no complexo jogo do rock brasileiro indie, cada vez menos abaixo e mais ao lado do pop endossado por patrões abonados, mesmo aqueles lançados sob uma chancela “indie” (como o selo Plug da BMG, o Banguela da Warner, a Tinitus que era distribuída pela PolyGram ou o Chaos da Sony). Para facilitar a compreensão e não confundir a história, o foco fica apenas no formato rock, excluindo outros agentes cruciais para a formação do mercado independente (como hip hop, heavy metal, eletrônico e hardcore). Se não, era assunto para páginas e mais páginas…


1) Singin’ Alone - Arnaldo Baptista (1982)
Marco zero da produção independente como nós conhecemos, é o primeiro lançamento da Baratos Afins e o alerta “o sonho acabou” para a geração que cresceu à sombra dos Mutantes. Um novo rock estava começando a tomar conta do Brasil (à base do chopp e batata frita) e Arnaldo Baptista chorava as próprias mágoas ao piano, atormentado emocionalmente, com baladas cruas e muito rock’n'roll. Bem distante do sol carioca que começava a bronzear o rádio.


2) 3 Lugares Diferentes - Fellini (1987)
MPB maldita, cool wave, pós-punk, bossa nova, África, cult band, art rock… Conceitos que fervilhavam no underground oitentista se encontraram numa mesma banda. Formada pelos jornalistas Cadão Volpato e Thomas Pappon, o Fellini contava com a participação de Ricardo Salvagni para gravar seu álbum menos enigmático e mais, er, pop. Entre o rock europeu e a melancolia brasileira, eles sintetizavam sentimentos que anos depois seriam traduzidos em um único adjetivo: indie.


3) O Ápice - Vzyadoq Moe (1988)
Na Sorocaba pré-Wry, o clima europeu era mais alemão do que inglês. Culpa do noise dada do Vzyadoq Moe, performáticos orgânicos que partiam pra cima do público. Menores de idade e fartos de punk rock, abraçavam o drone, o cabecismo, o ritmo kraut e o industrial desplugado, especialmente na percussão ferro-velho. O Ápice vale seu título por optar pela independência, enquanto irmãos de sonoridade do grupo (o mineiro Sexo Explícito, os cariocas Black Future e Picassos Falsos) fecharam com a certeza do contrato com grandes patrões.


4) Cascavelettes (1988)
Antes de serem banalizados por um hit na novela Top Model, pelos mimos do superstarismo e muito antes do forróck boca-suja dos Raimundos, os Cascavelettes inauguraram a fase moderna do pop gaúcho, separando os contemporâneos do Liverpool e a geração Rock Grande do Sul como farinha do mesmo saco. Usando o palavrão com motivos rock’n'roll (o rock brasileiro só os usava com motivos punk, ressaca da Censura), o grupo era um misto de Ramones pornográficos com New York Dolls machistas e seu primeiro disco (lançado um ano antes do sucesso de “Nega Bom-Bom”) mostra a disposição para injetar algo mais do que energia no indie nacional. As demos da época, todas batizadas com o nome da banda, mantém o “nível”.


5) You - Second Come (1991)
Este é o único disco do selo Rockit!, do guitarrista da Legião Dado Villa-Lobos, que pode ser considerado independente - já que o sucesso underground que fez esgotar a tiragem inicial de 3 mil discos fez crescer o olho da inglesa EMI-Odeon, que abduziu a marca. A estréia do Second Come, influenciada diretamente pelo sussurrado rock inglês pós-Madchester e pelas convulsões noise pré-grunge do underground americano, abre a segunda fase do indie brasileiro que, devido à onipresença do instrumento, começa a ser definido, anglofonamente, de “guitar” (as duas pronúncias são permitidas).


6) Little Quail and the Mad Birds (1992)
Depois de tentar seguir os passos da geração Legião-Plebe-Capital (em vão, culminando na geração do seminal Rock na Rampa, em 1987), o rock de Brasília volta-se para dentro e a capital do Brasil começa a ebulir culturalmente. Disputando cabeça-a-cabeça o título de melhor banda com o Low Dream e o de melhor demo com o Oz (a excelente Trés Bien Mon Ami), o Little Quail ganha por não soar derivativo de ninguém (nem de My Bloody Valentine, nem de Pixies). A fita é uma ótima desculpa para caçar os registros sonoros do rock candango do começo da década, que vão da fase rock do Pravda aos primórdios dos Raimundos, passando pelas excelentes, e esquecidas, Succulent Fly e Sunburst.


7) Killing Chainsaw (1992)
São os piracicabanos do KC que colocam o rock do interior de São Paulo no mapa da década de 90. O LP homônimo, lançado pela loja de discos Zoyd e sampleando o anime Akira na capa, é o ponto inicial de uma geração que deu ao Brasil instituições célebres do underground, como a casa noturna Hitchcock (em Santa Bárbara d’Oeste), o zine Broken Strings, o festival Juntatribo, a rádio Muda e o estúdio Arenna (todos estes em Campinas), além de bandas que iam do punk pop do No Class ao samba-noise do Linguachula e o industrial nerd dos Concreteness. Além de iniciar a fase caipira do indie nacional, o Killing ainda se orgulhava de seu inglês brasileiro, com sotaque “tchu” em vez de “to” e sem brit-frescuras. O rock aqui é ligado na tomada e na distorção, de pai Sonic Youth e mãe J&MC.


8) Rotomusic de Liquidificapum - Pato Fu (1993)
O disco mais esquisito da gravadora mineira Cogumelo (que já contava com esquisitices como o disco sub-Red Hot do DeFalla ou o caos sônico do Holocausto) também é o disco de estréia do Kid Abelha dos anos 90. Estranho, não? Que nada. Estranho é ouvir a versão speed para “Sítio do Picapau Amarelo” ou um hino mosh baptchura cuja citação da Unimed levou o grupo a tocar no comercial do plano de saúde. E que tal o medley esquizofônico que batiza o disco, que cita, sem pudor, os Flintstones, Kiss, baião, funk metal e beats eletrônicos? Muito mais John do que Fernanda Takai, é o disco do trio mineiro que os fãs de Mike Patton mais gostam. Com razão.


9) Scrabby? - Pin Ups (1993)
Lançado pela Devil e produzido por João Gordo, o terceiro (ou segundo, se não contarmos o LP do projeto Gash) disco dos pais do indie 90 é também seu disco mais sombrio e pesado. Fora as referências inglesas, entra o lado mais caótico e, hm, “visceral” da banda. Gravado com sua formação clássica, é uma mistura de Funhouse (dos Stooges) com Berlin (do Bowie). É o ápice das guitarras de Zé Antônio. “Acho que esse foi o disco que mais teve briga no estúdio”, lembraria o vocalista Luís Gustavo anos depois”, eu nunca vi tanta gente chorando, berrando, a Alê chorando num canto, o Marquinhos no outro”.


10) Mod - Relespública (1993)
Curitiba tem a péssima reputação de não produzir registros sonoros à altura das apresentações ao vivo de suas bandas. Discos e fitas funcionam mais como “guias” sobre o que esperar de determinado grupo do que reproduções in vitro de suas performances instantâneas. Da mesma forma, a cidade não possui rock de laboratório, aquele feito para viver em estúdio. Talvez isto explique o paradoxo fundamental da capital do Paraná: quanto mais bandas a cidade produz, menos elas se destacam em nível nacional. O primeiro compacto da Relespública (ainda com o enfant terrible Daniel Fagundes, vocalista, morto aos 16 anos) pertence à primeira safra do indie rock da cidade, custeado pela gravadora Bloody que pertencia ao mesmo JR que é dono do lendário club 92 Degrees. Com três faixas (”Capaz de Tudo”, “Preciso Pensar” e “Quem é Que Entende o Mundo?”), o vinil fala mais do rock de Curitiba do que todas compilações lançadas em seu nome.


11) Nunca Mais Vai Passar o Que Eu Quero Ver - Doiseu Mimdoisema (1994)
A influência que a Graforréia Xilarmônica, uma das dissidências dos Cascavelettes, teve sobre o rock gaúcho é muito maior que o séquito de fãs que o grupo preserva até hoje. Graças ao improvável gosto musical de seus líderes, Frank Jorge e Marcelo Birck, despertou-se no pop riograndense o prazer em redescobrir a Jovem Guarda, encravada na memória genética do estado. Esta redescoberta trombou irresistivelmente com os prazeres de uma recém-descoberta paixão gaúcha, o experimentalismo no estúdio em tempos de gravação caseira. Diego Medina fez a fita para um amigo de farra, mas a contagiante “Epilético” pulou do som da sala de estar para as ondas do rádio e virou hit local instantâneo. Medina continuaria suas experiências pop no futuro (Grupo Musical Jerusalém, Video Hits, Senador Medinha), mas sem conseguir reencontrar a ingenuidade da primeira fita, que está para o rock gaúcho atual como Angel Dust, do Faith No More, está para o novo metal.


12) Uh-La-La - Dash (1995)
Antes de provocar suspiros com seu baixo Danelectro a bordo dos Autoramas (e ao lado do ex-Little Quail Gabriel Thomaz), Simone do Vale era a líder de um supergrupo indie carioca. Gritalhona e com jeito de moleque, ela era uma das guitarrista do grupo, ao lado de Diba Valadão (na outra guitarra), Formigão (que depois entrou para o Planet Hemp, no baixo) e Kadu (ex-Second Come, na bateria). O hit “Sexy Lenore” transformou a demo Sex and the College Girl num hit do underground do Rio e fez com que o grupo fosse sondado pela misteriosa gravadora Polvo, que lançou o único CD da banda, pra ninguém. Com a capa desenhada por David Mazzuchelli, o disco passou por uma série de empecilhos que o tornaram item de colecionador. O ano era 1995, as grandes gravadoras tinham dado as costas para o rock, as pequenas perdiam ilusões de vendagens altas e vários picaretas apareceram no meio da história. O disco do Dash é apenas um dos muitos exemplos de uma geração pega com as calças na mão.


13) 100 Km c/ 1 Sapato - Lacertae (1995)
Ao mesmo tempo, o Lacertae, no Sergipe, abria uma em muitas possibilidades. Depois da seca de 1995, o mercado independente passou por uma brusca horizontalização, e sua pluralidade tornava-se sua principal qualidade. Assim, bandas de lugares sem tradição passavam a ganhar espaço no cenário, quebrando o eixo Rio-SP-BH-Brasília-PoA-Recife que já havia quebrado o RJ-SP original no começo da década. A cena começa a fragmentar-se não apenas em lugares diferentes (cidades como Goiânia, Londrina, Salvador, Fortaleza, Florianópolis, Vitória e Maceió reivindicam na marra seu próprio espaço, nos anos seguintes) mas em gêneros improváveis. Se a MTV e o Sepultura criaram um hiato noise/guitar/heavy com bandas cantando em inglês e tentando, sem sorte, o mercado exterior, a fita de estréia do Lacertae é o elo perdido entre o pop dos anos 90 e o experimentalismo dos dias do Vzyadoq Moe. Hendrix, discursos concretos e uma bateria com berimbau também mostravam que o Nordeste estava em plena ebulição artística depois do mangue beat.


14) Carbônicos - The Charts (1996)
Com a fragmentação da cena independente, São Paulo entrou numa onda retrô semelhante à gaúcha, disposta a resgatar valores sessentistas a um pop perdido entre a rádio e o anonimato. Antecipando a onda kitsch que veio com Austin Powers e o box-set do disco Nuggets, a cena paulistana passou por uma estilização visual e sonora que mais tarde seria referida, de forma irônica, como a cena “churly”. Os responsáveis pela popularização desta nova fase seria o grupo comandado por Sandro Garcia, que teve seu único disco lançado pela loja Suck My Discs dos jornalistas/músicos Alex Antunes e Celso Pucci (outra ponte dos anos 90 com o cult rock dos 80). Garcia, dono do famoso estúdio Quadrophenia, mais tarde fundaria o Momento 68 com o vocalista da banda gaúcha Lovecraft, Plato Divorack, selando assim a paixão de São Paulo e Porto Alegre pelos anos 60. (Plato aliás é a grande ausência desta lista, talvez por nenhum disco sintetizar toda a complexidade do artista).


15) Learn Alone Or Read The User’s Manual - Sleepwalkers (1996)
Aqui vamos ter motivos de sobra para reclamações. Afinal, muitos vão falar dos tempos do baterista Farmácia ou da clássica Sick Brain in Sue’s Coffee, gravada um ano antes, quando muitos sequer reconhecerão a presença da banda. O fato é que os Sleepwalkers foram a melhor banda de indie rock, em todos os sentidos, que o Brasil já teve, deixando para trás concorrentes de peso como os goianos Grape Storms, a carioca PELVs e o Grenade de Londrina. A sonoridade lo-fi, o tratamento de guitarras, o senso melódico, os refrões, o apelo pop - as qualidades do grupo catarinense podem encher parágrafos e mais parágrafos. Mas além de sua qualidade, sua importância se dá por tirar o pop catarina da vibração riponga de bandas como Phunky Buddha e Dazaranhas. Depois deles, vieram o Feedback Club (da ex-sleepwalker Sabrina), o Superbug, os Pistoleiros, o Pipodélica e as gravadoras Low Tech e Migué Records, dando força à cena ilhéu de Floripa.


16) Baladas Sangrentas - Wander Wildner (1997)
Luminar do punk brasileiro para as massas dos anos 80, o ex-vocalista dos Replicantes seguiu os passos da primeira safra dos anos 90 (comprada pelas majors) e o moldou para o underground. Como os Raimundos tinham o forró, o Planet Hemp tinha a maconha e o mangue beat, os caranguejos; Wander inventou uma máscara para facilitar sua absorção pelo mercado - e com o rótulo “punk-brega” vendeu-se para uma nova geração ao mesmo tempo em que amadurecia sua personalidade pública. Mas, mais importante, a carreira solo do velho WW era uma prova cabal que o rock independente pouco tem a ver com juventude ou faixa etária.


17) Menorme - Zumbi do Mato (1997)
O Zumbi do Mato é o som que Fausto Fawcett e Arrigo (ou Paulo) Barnabé fariam juntos se tivessem alguma afinidade. Mas, mais do que isso, é o ponto de convergência de diversos aspectos do pop carioca, representados por diversas instituições. Há o humor doentio do Gangrena Gasosa, a explosão cênica de Piu-Piu & Sua Banda, a podreira das primeiras fitas do Pólux, as gravadoras Tamborete (do jason Leonardo Panço) e Qualé Maluco (dos planet hemp B-Negão e Formigão), a repetição do Stellar, o choque de Rogério Skylab e o som metal da segunda vinda do Second Come. Além disso, o grupo continua o legado experimental retomado pelo Lacertae que resultou na safra de vanguarda da virada do século, com nomes como Objeto Amarelo, os Jersssons (São Paulo), Os Legais (SC) e Vermes do Limbo (Londrina).


18) A Sétima Efervescência - Júpiter Maçã (1998)
O disco de estréia do ex-cascavelette Flávio Basso é um passo adiante nos conceitos vendidos pelos Charts e por Wander Wildner. Rock adulto, retrô e psicodélico, A Sétima Efervescência sagrava a maturidade da mesma geração que havia tomado a porta-na-cara das gravadoras depois da efervescência do biênio 93/94 e a independência do formato perseguido pelas gravadoras, sem deixar de soar pop, brasileiro e cantando em português e inglês. É o primeiro blip no radar de um mercado que viria, em menos de um ano, a galinha de ouros do trio sertanejo-axé-pagode começar a dar com os burros n’água.


19) Chora - Los Hermanos (1999)
A segunda fita do quinteto Los Hermanos escancarava um pop estritamente radiofônico que foi forjado longe do universo do mercado fonográfico. O grupo liderado por Marcelo Camelo era a continuação do trabalho de uma geração de bandas cariocas que misturavam ska, funk, reggae e samba (nomes como Los Djangos, Acabou La Tequila e, mais tarde, Pedro Luís & A Parede). Mas o grupo ia além e se alinhava ao ecletismo chique de bandas de sua geração, como 4-Track Valsa, Vibrossensores, Vulgue Tostoi, entre outros. Fora os maneirismos apaixonados (que levaram a banda receber rótulos como romanticore e pop brega), a fita mostrava que as possibilidades cogitadas por Júpiter Maçã poderiam ser exploradas a fundo, tanto artística quanto comercialmente. Mas o mercado, acostumado com seu próprio toque de Midas, comprou a banda e forçou “Anna Júlia” a fazer sucesso, overdosando o público do que poderia se tornar os Paralamas do século 21 (e ainda pode, apesar de tudo).


20) Astromato (1999)
Continuação dos experimentos noise e industrial da época do Waterball (92-95), o Astromato era filho direto do Weed, banda de pop guitarreiro britânico que, brincando com as palavras, passou a compor em português e se deu bem. Sua primeira fita era mais um degrau na escalada que o indie brasileiro dava rumo à sua auto-suficiência artística. Se gaúchos e cariocas ajudavam o rock a perder o jeito de moleque, os campineiros explicavam que algumas qualidades (como sensibilidade e timidez) não pertenciam à adolescência. Além disso, a dupla de guitarras Armando e Pedro tramavam texturas sônicas à moda das bandas inglesas que tanto influenciaram o indie no começo dos anos 90 (e que ainda repercutiam, graças a bandas como os mineiros Vellocet, o carioca Cigarettes e os catarinenses Madeixas). Aos poucos, o ciclo vai se fechando.


21) De Luxe 2000 - Thee Butchers’ Orchestra (1999)
Cru e direto, o TBO é a melhor banda de rock’n'roll brasileira na ativa e sua existência se deve à dissidência garageira que rompeu com o indie no meio dos anos 90. Seu núcleo central era o trio da gravadora Ordinary (a produtora Deborah Cassano, seu marido Marco Butcher, ex-Pin Ups, e o guitarrista e produtor Adriano Cintra), que, além dos Butchers’ foi responsável pelo lançamento de bandas como Ultrasom (de Adriano), Red Meat, Spots, Grenade, entre outras. Mais do que agitar o underground com duas guitarras e uma bateria, o Butchers’ está ligado à fase de ouro do indie anos 90, quando o rock brasileiro começou a conversar com os gringos, sem passar pelos veículos oficiais.


22) It’s An Out of Body Experience - Grenade (1999)
O Grenade era o próximo patamar. Fruto dos experimentos lo-fi do ex-Killing Chainsaw Rodrigo Guedes, o grupo nascia em Londrina e logo se tornava um dos maiores nomes do indie nacional. A repercussão se dava graças à sensibilidade de Rodrigo, pai de riffs memoráveis, melodias pop ao extremo e pirações em estúdio. O som ia do rock clássico ao hardcore, passando por folk e indie rock. Lançado no exterior, Out of Body Experience poderia é a conclusão lógica do longo passeio que o rock independente fez durante a década de 90.


23) Brincando de Deus (2000)
O terceiro disco destes baianos deveria ter o título que Experience, do Grenade, levou. Afinal, seria lançado um ano antes e produzido por Dave Friedmann (Flaming Lips, Mercury Rev, Mogwai) caso todo seu equipamento e pré-produções não fossem perdidos num incêndio. O grupo se refez e, ao lado do talentoso produtor e tecladista André T. (responsável pela sonoridade de novos baianos como Rebeca Matta e a banda Crac!), gravou seu álbum definitivo, imbatível. Um disco que poderia ser lançado no mercado exterior sem dificuldades e que, apesar da anglofilia, é essencialmente brasileiro.


24) Peninsula - PELVs (2000)
Completando dez anos de banda e dez anos do selo carioca Midsummer Madness, a PELVs faz um disco igualmente robusto como o do Brincando de Deus, mas cheio de ganchos pop e melódicos. Uma obra-prima do indie nacional, Peninsula soa como todos os independentes querem soar: profissa, autêntico, despreocupado e livre, como se o mercado de discos brasileiro permitisse isto. Se ele não permite, a deixa fica para o indie.


25) O Manifesto da Arte Periférica - Wado (2001)
Além de coroar a recente produção de Maceió (a saber, Varnan, Mopho e Sonic Junior), o disco de estréia do ex-Ball Oswaldo Schlickmann é o auge da produção independente brasileira dos últimos 20 anos. Tem todas as qualidades dos discos citados nesta lista, além de falar em português, compor letras certeiras e experimentar à vontade no estúdio. Se chegamos até aqui com este nível, daqui pra frente é só crescer.

Não lembro pra quem eu escrevi esse texto… Acho que foi pra Zero.

Um comentário:

  1. Do caralho saber dessa volta, desse recomeço parabens Lavertae, o rock sergipano agradece ao seu retorno e sucesso...

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