Aracaju, 27 de janeiro de 2013. Uma gigantesca e belíssima lua
cheia se ergue do mar sobre uma cena inusitada: na praia, iluminados apenas
pela luz de um refletor alimentado por um gerador, um punhado de jovens – em idade
e em espírito – se reúne em torno de um grupo de garotas vindas do planalto
central do país para participar de mais uma celebração do espírito livre e
independente, transmitindo aos presentes sua mensagem de esperança através de
uma musica simples e tribal, porém densa, angustiada e repleta de significados.
Sim, esperança. Porque aquelas palavras de dor emolduradas
por acordes soturnos, toscos e dissonantes têm como objetivo maior, na verdade,
sublimar o sofrimento oriundo da opressão orquestrada pelas estruturas arcaicas
que ainda nos regem, como sociedade. Sofrimento que se manifesta na forma de
gritos primais emitidos por indivíduos que se recusam a ser escravos da ignorância,
vitimas de todo tipo de violência física e psicológica. Se recusam a ser gado
conduzido docilmente ao abate, a cair nas armadilhas das convenções sociais. Todos
os que estavam ali naquela noite eram, de alguma forma, ovelhas negras. Todos
almejavam, de alguma forma, se libertar.
A apresentação era da Soror, banda brasiliense com uma
interessante proposta musical que em essência é punk, mas que flerta com a estética
gótica e se utiliza de acordes e andamentos tão lentos e climáticos que resvala
no “doom” – sem o metal. Nada de virtuosismo, aqui. Tudo começa com notas primárias
tiradas de um contrabaixo distorcido em um andamento lento, muito lento, numa
espécie de introdução fantasmagórica interminável que vai, aos poucos, se
desdobrando em novos elementos acrescentados aos poucos, sem pressa, até
culminar em vocalizações desesperadas que desencadeiam uma barulhenta explosão
de angustia. Conduzindo a sinfonia macabra e minimalista, 4 jovens mascaradas
que se revezam em seus instrumentos, esnobando a técnica e esbanjando
criatividade.
Foi um desfecho perfeito para algo havia começado com o sol
ainda brilhando, por volta das 17h00. Era a quarta edição do “Clandestino”,
evento inspirado na atitude punk do “faça você mesmo” que coloca bandas dispostas
e despojadas diante de um público curioso e participativo convocado pelas redes
sociais. Tudo planejado e executado de maneira informal, espontânea, colaborativa.
Rock sem edital, sem muros, sem portas. Libertário, como deve ser. Sempre.
Os organizadores aproveitaram a passagem de duas bandas
brasilienses por Salvador para participar do Festival Vulva La Vida para as convidar para
uma esticada até a cidade vizinha e tocar na praia, ao ar livre, de graça – um convite
irrecusável para quem vive no centro-oeste, tão longe do mar. Elas vieram, e se
depararam com um bom público reunido em torno de uma estrutura básica montada
ali mesmo, na areia, em frente ao mar. E trouxeram algumas amigas a reboque,
dentre elas uma espécie de poetisa ativista que se apresentou como “Formiga”,
de São Paulo, e declamou, no intervalo entre a Dança da Vingança e a Soror, um
poema de protesto adaptado de uma letra de rap. Foi ouvida com atenção e efusivamente
aplaudida.
A Dança da Vingança se apresentou exatamente na transição
entre a tarde e a noite e teve a sorte de ser presenteada com a aparição da lua no instante em que pisavam o palco improvisado – uma lona preta sobre a
areia. Foi um momento mágico. Sua musica é simples e primaria, mas as deficiências
técnicas são amplamente superadas pela energia e verdade com que é apresentada.
Tanto que atraiu ao palco uma criança, filha de um dos casais presentes, que
parecia querer, a todo custo, participar daquilo. As crianças sentem quando a
coisa é verdadeira. As meninas, com os olhos brilhando, pareciam não acreditar
no que estava acontecendo. Nós também não. Repito: foi mágico.
Os trabalhos foram abertos por volta das 17h15 pela local
Renegades of Punk que, mais uma vez, no presenteou com uma apresentação precisa
e energética comandada por Dani, com seu sorriso cativante, sua tiara de
oncinha e sua glamorosa Danelectro refletindo o brilho do sol, acompanhada pela
cozinha nervosa de João Mário e Ivo Delmondes – este último servindo de obstáculo
para os acrobáticos saltos ornamentais de Alex e sua invejável saúde de ferro. Na
platéia, representantes de todas as gerações, com destaque para as promessas do
futuro: Nico, filho de Marcelo Larrosa, o bebê mais babado e adorado do
Facebook, e a garotinha que interagiu com a Dança da Vingança, filha do casal “rocker” Nani e Kakau. Do reino animal, destaque para a presença de Denzel, o pinscher,
mascote da Todys Trouble Band.
Valeu muito a pena, tudo. Até mesmo para quem vai precisar
de dias, semanas, quiçá meses, para limpar toda a areia acumulada nos
equipamentos. Tenho certeza disso.
O rock me emociona. Catarina e Rodrigo, faltaram vocês ...
Fotos por Snapic e Marcelinho Hora.
Texto de Adelvan k.
Cara, com certeza deve ter sido mágico mesmo. Eu queria ter esse poder de traduzir tão bem as experiencias e emoções em palavras, texto "fodão"!
ResponderExcluirCom suas proprias palavras, meu velho: 'o rock emociona'. E esse foi mais um desses momentos. Belo texto. Llinha por linha. Inspiraçao da lua ne nao? He he he ps: o. Nome da minha mulher é nani. So pra retificar. Flw. Kakau
ResponderExcluirOpa Kakau, valeu a correção. Desculpas à Nani aí por ter me atrapalhado. E que bom que gostaram do texto, obrigado pelo feedback. Que venham mais noites de rock, mar e lua cheia ...
ResponderExcluirO que me emocionou dessa vez foi esse seu texto, meu velho! Valeu pela lembrança! Um dia ainda pego a manha desse Clandestino... Mais uma vez, quando fui sacar dia/hora/local já tinha passado da hora. Final de semana fico praticamente offline (uma prática salutar e que recomendo a todos). Precisamos montar uma rede usando o bom e velho telefone (SMS que seja) pra disseminar essas coisas. Abraço, parabéns a todos e obrigado pelo relato! É esse tipo de iniciativa que me impede de desistir das coisas que acredito!
ResponderExcluir:~
ResponderExcluirQue massa, Adelvan. As fotos estão lindas, o texto está ótimo. Tenho certeza que são reflexos de uma tarde maravilhosa. No próximo, a gente chega junto!
Blz, meu velho. E que venham as noites de rock
ResponderExcluirAdorei o video postado no Vimeo, e seu texto o complementa perfeitamente. A captação de audio desse da praia foi sensacional, a dificuldade causada pelo vento e areia ampliando o alcance do feito.
ResponderExcluir