terça-feira, 15 de maio de 2012
Jello Biafra über alles
Jello Biafra esteve no Brasil pela primeira vez durante a Eco 92. O período daquela conferência mundial sobre meio ambiente coincidiu com o do lançamento do livro “Barulho”, do jornalista André Barcinski. Foi por obra daquele escriba que o vocalista dos Dead Kennedys desembarcou, finalmente, em solo carioca – onde participou de eventos de lançamento do livro e, sorte da cariocada, acabou subindo em palcos aqui e ali. Cerca de dois anos atrás, quando o legendário DK já representava um passado beeem distante, Biafra deu de novo o ar da graça. Foi para apresentar-se com a Guantanamo School Of Medicine, sua banda atual. A brincadeira funcionou tão bem que o cara voltou uma terceira vez. Foi agorinha, há pouco, no fim de março, quando o “Sambapunk” o cercou para uma entrevista. Depois de uma refeição no miolo de Ipanema, antes de uma cerveja no calçadão, Biafra topou falar. E como falou. Na lista de condenações, políticos, claro. Entre eles, Hillary, Obama…
O que mudou ao longo dessas décadas? “Aos 54 anos”, observa, “você precisa exercitar-se bem mais. Quando começamos, era eu quem tinha a melhor forma física entre todos do grupo. Mas, agora, sou o que está pior. Todo mundo começou a nadar, correr ou algo do tipo. O que espero sempre poder fazer é um show em que eu, como fã, gostaria de estar. Não gosto de ver velhas músicas punks sendo mal tocadas. Você tem que se apresentar direito! Não engulo cantores sem presença de palco, que não fazem um pouco de teatro. E ainda vou a muitos shows.”
Jello revela que o padrão a ser seguido é o de uma velha banda punk australiana, a Radio Birdman, que ele define como “estilo-Detroit-rock-garage”: “Vieram a São Francisco 30 anos depois de terem começado a tocar e explodiram o teto da casa de espetáculos. O baixista parecia ter 18 anos e era como se estivesse num grupo de hardcore. Não perdeu uma nota. É assim que quero trabalhar!”
Não perder o horário do avião também é um padrão a ser seguido. E é um sujeito alemão, uma espécie de tour-manager, quem lembra desse detalhe. Todos concordam: aquela conversa deverá ser rápida. Um smart-phone como gravador, para garantir que detalhes importantes da entrevista não sejam perdidos, e, de repente, Jello Biafra, vestido como muitos dos gringos que passeiam pela Zona Sul da cidade (isto é, destoando da média), vira uma verdadeira atração naquela calçada de gente meio fresca. Foi onde começou a entrevista, ali em frente ao Delírio Tropical.
Hillary Clinton, Barack Obama, Arnold Schwarzenegger, Jeb Bush… Foram esses os nomes ouvidos pelo pessoal que fazia fila para comer frango grelhado, saladas e coisas do tipo. Para o entrevistado, aquela era a lista dos atuais vilões da História; papel que ele já atribuiu certa vez a Jerry Brown, então governador da California. Mas será que daqui a pouco Jello não vai pedir desculpas também a Obama e cia, como fez com Brown – pintado de nazi na clássica “California über alles”?
A pergunta não parece incomodá-lo. “Não acho que vou pedir desculpas aos Clinton e a Obama. Vamos deixar Arnold Schwarzenegger fora dessa conversa”, sugere o cara, dando pouca importância ao poder de destruição do eterno exterminador do futuro. “Talvez eu naquela época estivesse um pouco irritado com Jerry Brown, que é agora por acaso de novo governador da Califórnia! Esse homem estava na faixa dos 40. Agora, está nos 70 e está de volta”, comenta, fazendo um ar teatral de surpresa-e-medo! “As coisas por lá estão caindo aos pedaços. E Brown acha que pode consertar a Califórnia. Mas… Os republicanos decidiram não aumentar impostos, porque querem que o poder público fique sem dinheiro e, assim, todas as coisas passem a ser feitas por corporações. Isso inclui escolas, hospitais, guerras, manutenção de ruas. Tudo! Essa é a visão deles. Um país completamente controlado pelas corporações. É o que tentam nos impor. É assim que eles fazem. Não perguntaram o que queriam os iraquianos. Apenas foram lá e…”
E créu. O atual presidente estadunidense é definido por Jello Biafra como “uma criação das corporações e de Wall Street”. O cantor diz que acompanhou a atuação de Obama no Senado e que ficou preocupado ao ver o político apoiando questões como “prisões secretas” e assuntos parecidos. Para JB, Obama basicamente seguiu a política Bush. “As pessoas estavam perdendo suas casas, com dívidas feitas em cima de dinheiro que não existia. E os bancos começaram a receber verba para cobrir um buraco imaginário, feito em cima de dinheiro que na verdade era um amontoado de certificados. E Obama foi parte disso. Eles não deram recursos para quem morava nas casas, para que pagassem as dívidas e ficassem com os imóveis. Ele deu aos bancos. E estas instituições continuaram donas de tudo”, martela Jello, dizendo crer que por trás dos panos o sorridente ocupante da Casa Branca está trabalhando por leis ainda piores. “Isso é algo que a gente espera de um regime como o do general Geisel”, compara.
Após citar o militar, parece “natural” que viesse mesmo em seguida um papo que tivesse a ver com “revolução”. O velho punk-showman faz uma alusão a quem viveu os anos 60 e 70, quando se falava de “revolução”. Assim, prepara o terreno para pregar a “evolução”. Jello é um pregador.
“Hoje, temos mais direitos humanos, mais conhecimento. Não tanto quanto precisamos, mas mais do que antigamente. Gosto da evolução. Digo sempre às pessoas que estejam atentas ao que consomem, aos produtos que compram das multinacionais. Sugiro que reduzam ao máximo a compra de artigos com essa origem. E se você tem que dar sua energia, seu tempo e sua inteligência trabalhando para estas companhias, lembre-se de que há hoje em dia na era digital uma imensa possibilidade de sabotagem no emprego”, provoca-prega mais. E mais: “Barack Obama, John Kerry ou até mesmo Bill Clinton… Talvez tenham pensado em coisas boas, em algum momento do passado. Mas hoje em dia algo diferente está acontecendo. Algo que acontece com muita gente que envelhece, tem filhos e uma casa. De repente, essas pessoas querem proteger alguma coisa, a qualquer preço. ‘Ah, precisamos de mais polícia nas ruas…’ ‘Ah, não queremos por perto essas pessoas pobres…’ Não queremos que nossos filhos façam as merdas que fizemos quando éramos jovens…”
Se a internet pode ajudar em alguma coisa? A resposta que vem dele parece meio boba, pra não dizer “descrente”: “Sim, desde que as pessoas usem a internet da maneira certa… A era digital criou essa coisa estúpida de que tudo é verdade. Já morri algumas vezes. A grande coisa a fazer com a internet hoje é saber o que pegar. As pessoas não investigam as coisas porque estão ocupadas demais recebendo mais e mais informações. E agora temos esse comportamento, esse novo problema: pensamentos do tamanho de um tweet.”
Jello finge espantar um mosquito para mostrar o que acredita ser o modo como as pessoas em geral lidam hoje com a informação. Abanam, espalham, sem na verdade dar muita atenção. “Acho que parte disso acontece porque as pessoas estão recebendo tanto lixo por e-mail que a única maneira de lidar com tudo é como que espantando um mosquito. Há estudos que dizem que as pessoas, nos seus trabalhos, quando interrompem alguma tarefa para ver e-mails, levam até 25 minutos para conseguir se concentrar de novo naquilo que estavam fazendo. Questione a mim, questione aos blogueiros. Faça o mesmo que você faz com a informação que vem das corporações. Questione! Desenvolva suas antenas detetoras de bosta…”
“Aquela mulher que pula para falar sobre o detergente não está tão excitada… Sabão não é algo excitante. Ela é uma atriz contratada para te vender aquilo. Usei as antenas para detectar bosta também com os meus pais, e na escola, e… Quando aconteceu o 11 de Setembro, as pessoas se perguntaram quando deveriam falar sobre aquilo com seus filhos. A resposta só pode ser uma: imediatamente. Quando eles ouvirem sobre sexo, conte a eles… Se você ajuda seus filhos a detetar bosta, você ajuda a formar adultos mais conscientes.”
Quando finalmente o assunto passa mais para o universo da música, Britney Spears é esculachada por uns cinco minutos. Horas antes, Jello gravara umas cenas para um documentário sobre a Gangrena Gasosa, banda que ele lembra ter conhecido em 92. Alguém naquela época me deu uma fita cassete. Foi no lugar em que estavam os caras do Mano Negra. Diziam que misturava Metal com Macumba. Só agora fiquei sabendo que nos shows há uma parte teatral. E fiquei com muita vontade de tocar com a Gangrena Gasosa, na próxima vez em que eu estiver aqui. Isso seria cool. Eu nem sabia que eles ainda estavam juntos. Uma banda de metal que não faz a mesma coisa que outras dez mil bandas de metal.”
Falar do que aconteceu em sua primeira passagem pela cidade fez Jello lembrar de Renato Russo, na casa de quem ficou alguns dias hospedado. “Eu tinha sido enfiado numa sessão de autógrafos e estava meio chateato. E aí chegou alguém dizendo que eu deveria tratar bem os fãs. Depois… Ele ficou louco, num restaurante, com Shirley MacLaine. Porque ela se recusou a dar um autógrafo para a mãe dele. ‘É pra minha mãe! Como você pode fazer isso com a minha mãe?’ Um jornalista americano, na época, havia me falado que aquela noite seria como num filme de Fellini… Quando voltei, dois anos atrás, foi um choque perceber que Renato não estava mais aqui. Seu passado punk deve ter lhe dado força para que se posicionasse como um openly-gay-artist”.
Jello conta que tenta “ser legal” com os fãs. Lembra de como foi importante pra ele, mais jovem, ganhar um autógrafo de Joey Ramone: “Significa muito para mim ouvir de um cara como o Angelo, da Gangrena Gasosa, que servi de inspiração pra ele. Não é revolução, pode nem ser evolução, mas é espalhar algo positivo. E você nunca sabe como as pessoas serão tocadas por isso.”
P.S.: Esta entrevista foi possível graças a Monica Pan (produtora do escritório A Grande Roubada) e Angelo Arede (vocalista da Gangrena Gasosa). Todos os agradecimentos a esses dois.
por Adilson Pereira
Samba punk
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