É interessante notar como certos movimentos culturais parecem
intrinsecamente ligados ao momento histórico e ao contexto
sócio-político-econômico em que ocorrem.
O documentário American Hardcore - A História do Punk Rock Americano
1980-1986 (EUA, 2006), que acaba de ser lançado em DVD no Brasil, deixa bem claro
como o ciclo punk ianque inicial foi uma reação ao primeiro mandato do
Ronald Reagan (1911-2004), presidente Republicano branco, conservador,
intervencionista.
Não a toa, as primeiras imagens do filme dirigido por Paul Rachman - uma espécie de Botinada dos gringos - são justamente as de Ronnie jurando solenemente sobre a Bíblia, durante sua posse em 1980. “No início dos anos 80 havia essa tendência de restabelecimento da
ordem. Sabe como é, Ronald Reagan, a ordem do homem branco”, conta Vic
Bondi, da banda Articles of Faith, entrevistado no filme. “Por que antes tinha aquele cara, Jimmy Carter (presidente Democrata
1976-80, considerado fraco), falando de paz, direitos humanos e toda
aquela ‘merda’. E havia as feministas, os negros, todos passando ‘por
cima de nós’. E aí o país entrou nessa fantasia pueril anos 1950,
enquanto nós éramos somente mentiras”, relata.
Dizer tudo em 32 segundos
Com dezenas de
entrevistados, o documentário mapeia (literalmente), de modo bastante
eficiente, um movimento que, hoje, é difícil de entender como se
espalhou Estados Unidos adentro numa época em que ainda não existiam as
facilidades da Internet e as rádios não tocavam nenhuma daquelas bandas. Também, pudera: as pedradas produzidas por bandas como Black Flag, Bad
Brains, Minor Threat, SS Decontrol e Millions of Dead Cops, entre
outras, ainda hoje soam extremamente agressivas e pesadas.
A primeira geração do punk inglês, como Sex Pistols e The Clash são como
canções de ninar perto delas. E a ideia era justamente essa: despir a
música de qualquer “gordura” e deixar apenas o centro, o “caroço duro”
(hardcore, em inglês).
“Vou dizer exatamente o que está na minha cabeça, e vou fazer isso em 32
segundos”, definiu, de forma definitiva, Ian MacKaye, do Minor Threat.
Com linguagem ágil, American Hardcore recupera dezenas de imagens de
arquivos de shows das bandas e explora os diversos aspectos do
movimento: as personalidades (HR, do Bad Brains, Henry Rollins, do Black
Flag), as garotas, as tretas, as turnês, as diferenças entre as facções
e muito mais.
E tudo fluiu, até chegar 1984. “Quando Reagan ganhou da primeira vez, a
gente quase não acreditou. Como isso pôde acontecer? Mas da segunda vez
que ele ganhou, foi devastador pra mim”, relata Dave Dictor, do Millions
of Dead Cops.
“Aqueles primeiros quatro anos de punk rock, de 1980 até 84, era tudo
esperança. Depois daquilo ficamos cínicos, o punk rock se fragmentou em
muitas cenas diferentes”, conclui.
American Hardcore - A História do Punk Rock Americano 1980 - 1986 / Ideal Shop / R$ 29,50 / Vendas: www.idealrecords.com.br
NOTA (Adelvan): Uma historinha pessoal: Eu vi o show do Bad Brains
no Abril pro rock a cerca de 4, 5 anos e achei bem legal. Mas,. logo
depois, eu fui assitir a este documentário e vi o Bad Brains nos anos 80
com HR no vocal e puta que pariu, o show que tinha acabado de ver não
era NADA comparado àquilo. Impressionante. Outra historinha: Há vários
anos atrás a revista Dynamite fez uma entrevista com alguém do MDC
(Millions of DeadCops) e numa certa altura perguntou o que ele conhecia
e mais curtia do Hardcore brasileiro. Para a surpresa do entrevistador,
ele não citou Cólera nem Ratos de Porão, mas duas bandas nordestinas
das quais ele (o entrevistador) nunca tinha ouvido falar: Discarga
Violenta e Karne Krua.
por Franchico
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