Em outubro de 2008 os estudantes de jornalismo Victor Balde e Arthur Soares se reuniram para, juntos (já o faziam em separado), registrar em fotos o Festival “Dueto Cultural”, que aconteceu no Espaço Emes e contou com a presença das bandas Maria Scombona e Capitão Parafina, além de Arnaldo Antunes. Era o nascimento da Snapic, assinatura pela qual os dois passaram a acompanhar e fotografar a efervescente cena musical sergipana em suas mais diversas manifestações, do Hard Core da veterana Karne Krua ao forró estilizado da Naurêa, passando pelo metal, MPB, rock, samba rock, blues e reggae de nomes como [maua], Patricia Polayne, Plástico Lunar, Mamutes, The Baggios, Elvis Boamorte e os Boavidas, Máquina Blues, Reação e Oganjah. Isto para ficar apenas no âmbito local, já que registraram também, através de suas lentes sempre espertas, bem posicionadas e com um olho no clique e outro na qualidade do acabamento, atrações de porte nacional e internacional, como Iron Maiden, Criolo, Vivendo do ócio, Jessie Evans, Roberta Sá, Kaki King, Racionais MC´s, Afrika Bambaata, Leonardo (ele mesmo, o ídolo sertanejo) e Fiuk (sim, o fenômeno teen), dentre muitos outros. Com a repercussão merecidamente obtida, foram publicados por periódicos como a Revista Rolling Stone e os jornais O Globo, A Tarde, Cinform, Jornal da Cidade, Jornal do Dia e Correio de Sergipe. Faltava-lhes apenas, para “eternizar” seu trabalho, um registro definitivo em papel de boa qualidade encadernado na forma de um livro – porque os livros ficam!
Não falta mais. Amanhã, na Galeria Jenner Augusto da sociedade Semear, em Aracaju, a dupla Snapic vai lançar, finalmente, seu livro, “Música pra ver”. Além de uma exposição de fotos ampliadas e da venda do livro, o evento contará com a participação de outra dupla, The Baggios, comandando o som com o auxilio luxuoso de convidados especiais da cena musical local.
The Baggios é a banda mais fotografada pela Snapic, portanto não é de surpreender que sejam eles a emoldurar capa e contracapa do belíssimo volume que é “Música pra ver” – impresso em papel couchê de altíssima qualidade (fator imprescindível para a valorização das imagens) e encadernado em capa dura. O trabalho foi realizado pela Gráfica Santa Marta, da Paraíba, empresa escolhida por eles devido ao trabalho realizado com o livro “Sergipe: Do litoral ao sertão”, de dos fotógrafos Lucio Teles, Marcio Dantas e Marcio Garcez.
Ao abrir o volume você se deparará, primeiramente, com mais uma foto dos Baggios – preto e banca, tirada no Morro do Cristo de São Cristóvão. Ao lado do belíssimo e sucinto texto de apresentação assinado pelo também fotógrafo (e guru) Marcelinho Hora (que também fez a curadoria da obra), Daniela, da Renegades of punk, aparece empunhando uma guitarra e vestida numa camiseta da banda Besta Fera em meio à penumbra da saudosa “Casa do rock”. Também em preto e branco.
Depois temos a ficha técnica e um pequeno texto informativo sobre o nascimento da dupla ilustrado por uma foto de Marcelinho Hora – agora colorida. Cores que explodem, finalmente, nas páginas seguintes, com fotos da Maria Scombona no Espaço Emes em 2008. Azul e vermelho se sobressaem. Nada mais justo que começar o livro propriamente dito com o primeiro grupo fotografado por eles, assim como é igualmente justo dar prosseguimento com a banda de rock mais antiga em atividade no estado, a Karne Krua. Nas duas páginas dedicadas aos veteranos, uma pose pra lá de expressiva do guitarrista Alexandre Gandhi e, logo abaixo, a que eu considero a melhor foto que já vi de Silvio – ele de costas, com o punho erguido.
Nas páginas seguintes, Jezebels e Alapada no Rock Sertão, e então uma deslumbrante fotografia promocional da Plástico Lunar apresentada em página dupla. Costumo preferir fotos de apresentações ao vivo, mas as fotos promocionais produzidas pela Snapic são igualmente excelentes. A Plástico aparece também no palco ao longo das 8 páginas dedicadas a eles – destaque para uma de Plástico jr. com o contrabaixo em primeiro plano.
Depois de uma Patricia Polayne estilosa em poses teatrais, mais uma excelente foto promocional em página dupla, desta vez com os “thrashers” da Nucleador – que também são clicados em ação durante sua excelente e energética apresentação no Rock Sertão do ano passado.
Aí você vira mais uma página e fica frente a frente com a imagem de Jimi Hendrix projetada num telão logo acima da cabeça de Rafael Jr., em sua encarnação como baterista do Ferraro Trio. Mais duas páginas com o Ferraro envolto em penumbra (gostei muito da que mostra Robson de costas, com o braço do contrabaixo se sobressaindo na escuridão) e então outra foto promocional, da banda Rótulo – que também é focada ao lado se apresentando ao vivo acompanhada com o que imagino que seja um garoto de rua “peralta” dando cambalhotas e tocando uma guitarra imaginária. Muito bom!
As seis páginas dedicadas à Naurêa incluem uma impressionante fotografia em página dupla tirada do alto que os mostra de frente para uma multidão. Destaque também para outra que flagra um abraço carinhoso entre os vocalistas Alex Santanna e Marcio de Dona Litinha - carinho também presente entre Karl Dy Lion e Rick Maia, da mamutes, registrado em preto e branco. Na foto seguinte, já colorida e em página dupla, uma figura não identificada com a cabeça baixa escondida por um boné e uma vasta cabeleira. Segundo Balde, é o “Coringa” do livro – ele me desafiou a descobrir quem é, mas eu só acertei depois de uma dica.
Seguimos em frente: Diane Veloso tomando vinho numa apresentação ao vivo da Banda dos Corações partidos; os vastos dreadlocks dos caras da Reação; um set list riscado, detalhes da decoração de palco e dos instrumentos dos Boavidas que acompanham Elvis Boamorte – 10 páginas para eles, com direito a um close nos pés do vocalista/guitarrista/ex-baterista; duas páginas para um oganjah ora reflexivo, ora descontraído; mais duas para um Alex Santanna que parece ser só felicidade em cima do palco; maua no rockaju e em Euclides da Cunha, Bahia, com destaque para uma sensacional foto de página dupla em preto e branco e para as caretas sempre engraçadas de Ericão, e depois um Renegades of punk em registro meio gótico, expressionista e sombrio, na Casa do rock.
Uma página preta – preta mesmo, sem nenhuma imagem – nos remete à parte final do livro, que traz uma bela sequencia de fotos da Máquina Blues, com o “velho guerreiro” (ele vai rir ao ler isto) num estiloso chapéu de “cowboy” erguendo os braças, saltando e dando socos no ar e, finalmente – e novamente – The Baggios. As 13 últimas páginas (18, se contarmos a foto de apresentação, a do encerramento, a capa e a contracapa) são merecidamente deles. O aparecimento de Julico no cenário musical local, que eu acompanho desde 1987/88, foi, para mim, uma das mais gratas surpresas. O cara veio meio que do nada (desculpe aí, São Cristóvão, mas vocês – e estou falando não do povo da cidade, mas do apodrecido e corrupto poder público - merecem, depois de não tê-los convidado nem para a comemoração da elevação da Praça São Francisco à condição de Patrimônio da Humanidade) e arrebatou a todos com seu vocal característico, suas composições bluseiras simples e certeiras e suas guitarras matadoras, o que os faz conquistar, aos poucos, a atenção e admiração dos amantes da boa música no Brasil e no mundo (foram recomendados pelo jornal inglês “The Guardian”!). Ou, pelo menos, dos que conseguem enxergar para além das comparações óbvias com suas influencias confessas, a saber o White Stripes, o Led Zeppelin, Raul Seixas e tudo mais de bom que o bom e velho rock and roll (e o blues) produziu nestas várias décadas de vida. The Baggios não inventou a roda, mas a faz girar ao seu estilo, com personalidade e competência acima da média. E são também, apesar de se resumirem a uma dupla – ou por isso mesmo – extremamente fotogênicos, como atestam as sempre belíssimas fotos da Snapic tiradas deles. Para o livro, foram selecionadas uma que mostra a dupla tentando tocar a lente do fotógrafo, outra que flagra Julico reverente num ambiente religioso, mais uma (muito usada por aí) com os dois “de role” pelas ruas da cidade histórica, uma com Julico abraçado ao violão, outra só com os instrumentos em repouso no estúdio, uma sequencia da gravação do primeiro disco e outra, matadora, com momentos de suas apresentações ao vivo.
E é isso. Espero, sinceramente, que meu (não tão) pequeno porém singelo (ui!) texto tenha feito justiça a esta belíssima obra, que será ainda melhor degustada com o passar do tempo, quando poderemos, literalmente, ver em perspectiva este momento único pelo qual vivemos. Espero também que, daqui a alguns anos - ou décadas - as coisas evoluam e este livro seja encarado como o registro do princípio de algo ainda maior, ao invés de trazer à mente o tristemente célebre bordão “a gente era feliz e não sabia”. Em todo caso, não se contente com a leitura de minhas palavras. Vá e veja com seus próprios olhos. Amanhã, terça feira, 17 de abril de 2012, às 19:30, na Sociedade Semear. Entrada grátis. Já o livro custa 50 pilas – não considere como um gasto, é investimento.
por Adelvan
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