segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

DEVOTOS, 20 ANOS

“Punk, rock, hardcore / Sabe onde é que faz? / Lá no Alto Zé do Pinho / É do caralho!”. Ligue o primeiro aparelho de som aquele que nunca ouviu esses versos gritados antes. Eles são o refrão da música mais conhecida do Devotos (ex-do Ódio), a principal banda do tal Alto José do Pinho, um bairro na periferia do Recife que viu a realidade violenta ser modificada às custas do rock. Do sonho de montar uma banda à criação de organizações não governamentais que ajudam a melhorar as condições de vida da região, a história desses meninos acabou virando livro. O título é “Devotos 20 Anos” e engana à primeira vista: trata-se de uma biografia da cena rocker da região.

Como de hábito, quando nomes se tornam famosos como o Devotos, é porque um sem número de bandas, que não conseguiram tal projeção, também estava lá. E elas aparecem no livro, caso de Faces do Subúrbio, Matalanamão, Nanica Papaya e Ataque Suicida, entre outras, que começaram tocando em palcos improvisados sobre engradados de cerveja e hoje ocupam espaço em projetos que incluem rádio comunitária e eventos de cunho social bancados por grandes empresas. Olhando assim, até parece que foi fácil, que os meninos não tiveram que andar quilômetros à pé pra tocar; que não passaram fome no Rio de Janeiro; e que nunca levaram um baculejo – revista policial – na volta para casa.

A história é contada por Hugo Montarroyos, jornalista paulistano que foi parar no Recife e toca o site “Recife Rock!”. Ligado na cena musical local, Hugo frequenta o Alto José do Pinho desde 1995, além de ser “fã assumido do lugar, dos meninos e das bandas”. “Devotos 20 Anos” chama a atenção pelo formato “mezzo de bolso” e o cuidado com ilustrações e parte gráfica em geral, embora peque por ser sucinto demais e por focar mais a parte social que a musical, o que acabou ocultando um pouco da relevância do Devotos no cenário do rock nacional. Foi sobre isso que conversamos com o autor, num vai-e-vem de e-mails que resultou na entrevista que você lê agora:

Rock em Geral: Como você viabilizou a publicação dessa biografia?

Hugo Montarroyos: Fui convidado pela Heloísa Buarque de Hollanda, dona da Editora Aeroplano e criadora da coleção “Tramas Urbanas”, pela qual o livro foi lançado. Na verdade, fui a terceira opção. As duas primeiras desistiram e esqueceram de avisar para a Heloísa, que tinham desistido. O primeiro convite foi do Neilton, guitarrista do Devotos. Ele deu umas palestras com a Heloísa e ela ficou muito impressionada com o trabalho dele de artista plástico, designer, músico e agente social, e se encantou com a história da banda e do Alto José do Pinho. Ou seja, tive o aval dela e da banda, o que me deixa tremendamente honrado.

REG: Você já conhecia bem a região e as bandas ou durante esse processo é que foi fundo no tema?

Hugo: Fui pela primeira vez no alto José do Pinho em 1995, sou amigo dos caras há dez anos, conheço boa parte do que foi narrado no livro e sou fã assumido do lugar, dos meninos e das bandas retratadas no livro.

REG: Tem idéia que quantas entrevistas foram feitas para concluir o trabalho?

Hugo: Mais de vinte pessoas, algumas entrevistei mais de uma vez. E recolhi muito material meu que publiquei sobre a banda e o Alto José do Pinho desde que comecei a atuar como jornalista, em 2000. O lugar sempre serviu para boa parte dos meus trabalhos de faculdade e matérias por todos os veículos que passei. Criei uma relação de afeto com o lugar e com a banda. Somos muito próximos.

REG: No fundo o livro acabou biografando a cena rock e as consequentes transformações sociais do Alto Zé do Pinho. Era essa a intenção ou durante o trabalho o livro foi ganhando essa forma?

Hugo: A ideia original era publicar um livro sobre o Alto José do Pinho, focado na geração roqueira dos anos 90 que mudou a realidade cultural e social do bairro. Quando entreguei o texto, a Heloísa quis lançar como biografia. Eu achei bacana e os caras da banda também. E quis muito contar a trajetória pessoal dos principais integrantes da Matalanamão, banda punk masturbatória do morro, e do Faces do Subúrbio.

REG: Havia limite de páginas no formato? Em vários trechos parece que a história poderia render mais…

Hugo: Pois é, fiquei com essa sensação também. Houve limite de tempo. Quando entrei no projeto, tive três meses para escrever o livro. Depois, a Petrobras (patrocinadora da coleção “Tramas Urbanas”), suspendeu o projeto, e só quando voltou tive mais tempo para trabalhar nele. Mas considero uma obra aberta e inacabada, e torço muito para que role uma segunda edição para acrescentar mais fatos e aprofundar outros temas.

REG: Não há, no livro, muitas referências, do tipo repercussão do lançamento dos álbuns do Devotos, exceto pelos textos do próprio autor. Por que essa pesquisa não foi feita, de uma forma mais amiúde?

Hugo: Legal você tocar no assunto, pois essa é uma bronca e falha minha que assumo. Gostaria de ter tido mais tempo, mas o processo foi muito conturbado. Logo depois que entreguei o texto, que ele foi para a gráfica, li a biografia do Led Zeppelin e fiquei pensando que era o tipo de livro que gostaria de ter escrito. Mas chegou uma hora em que eu estava tão ansioso - e a banda e a editora também - para que o livro fosse logo lançado que descuidei dessa parte. Quero muito uma segunda edição, fazer um “Devotos 20 anos versão do diretor”. Sinto que devo isso a eles, aos leitores e a mim mesmo.

REG: Há poucos personagens de fora da banda também. Foi uma opção centrar mais nas bandas e em seus integrantes?

Hugo: Minha prioridade era contar a trajetória deles, dos meninos do Faces do Subúrbio e do Matalanamão. Ouvi pessoas que trabalharam com eles, mas queria que o essencial fosse a voz deles. Queria, na verdade, que fosse um grande depoimento deles e que eu só o transcrevesse, mas não resisti e quis contar a história!

REG: No fim das contas, depois de ler o livro, a impressão que fica é que o Devotos teve (tem) mais relevância local/social do que musical/nacional. Você vê assim também?

Hugo: Concordo discordando. Acho que a banda tem uma linguagem sonora muito própria, muito bem definida e criativa para um estilo em que as bandas costumam, em sua grande maioria, ser muito iguais. Mas é inegável que eles conquistaram muito mais respaldo e realizações sociais do que musicais e pessoais. O próprio Cannibal (vocalista/baixista) diz que a banda é muito mais uma realização social do que musical. Acho que eles já conseguiram muito: três caras saídos de uma das regiões mais violentas do país e que cismaram de fazer punk num morro recifense e viver disso! E vivem disso com uma tremenda dignidade. Não estão no “Faustão” recebendo prêmio, não têm grana para jabá e essas tretas, mas estão muito bem situados no universo independente.

REG: Como tem sido a repercussão do livro após o lançamento?

Hugo: Tem sido ótima. A primeira matéria que saiu foi na “Folha de S.Paulo”, com crítica super elogiosa. De lá pra cá, só elogios na mídia especializada. Estou esperando as primeiras pedradas, pois sei que as mereço! Ainda vou lançar o livro em Sampa, mas a editora é boa na distribuição, tem em todo o país. Quero lançar “in loco” só pelo cerimonial mesmo e para fazer uma temporada de lançamento no circuito literário underground paulistano do meu amigo Xico Sá.

REG: Como estão as vendas? Qual foi a tiragem?

Hugo: Mil exemplares. Só minha mãe vendeu uns 150. A editora ainda vai me prestar contas sobre vendas e tal, ainda não tenho noção exata desses números.

REG: Esse foi seu primeiro livro, certo? Gostou da experiência? Já tem outro trabalho em vista?

Hugo: Foi o primeiro, e amei a experiência. Já tenho outro livro pronto, um romance, mas ainda não sei o que fazer com ele, e estou escrevendo outro romance no momento. Tenho dois sonhos: contar a história do rock pernambucano dos anos 00 e lançar a biografia do Textículos de Mary.

REG: Como andam as coisas no Recife Rock! e na cena de novas bandas da cidade? Dê uns exemplos de novidades daí – bandas, festivais, locais de shows, etc:

Hugo: Sempre acontece muita coisa no Recife. É tanta informação que nem a gente, que vive a cena 24h por dia, consegue assimilar tudo. De bandas novas, gosto muito do Desalma, que faz um thrash metal bem bacana e original; do Vítor Araújo e do pessoal do AMP. Novos locais de shows estão sendo abertos, mas ainda há uma tremenda carência aqui. Como diz Paulo André, produtor do Abril Pro Rock, no Recife não há casas de shows, e sim gambiarras. É tudo improvisado e bem longe do ideal. Não existe, por exemplo, uma casa de shows de médio porte decente. Abriu um bar chamado Bomber, mais focado no metal, que é o mais próximo do ideal que existe, lugar bem legal. Mas são poucos os que oferecem estrutura adequada.

REG: Como o pessoal faz para comprar o livro?

Hugo: Pode entrar em contato comigo (hugomontarroyos@reciferock.com.br), com a Editora Aeroplano (aeroplano@aeroplanoeditora.com.br) ou procurar e encomendar em qualquer livraria do país

por Marcos Bragatto

REG

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