O Harry, apesar de não ter feito parte do mainstream oitentista,
ficou na memória de muita gente, inclusive figuras conhecidas da crítica
musical tupiniquim. O polêmico Álvaro Pereira Júnior publicou uma coluna Escuta
Aqui, na Folha Teen, falando do grupo. O jornalista e autor da coluna Big Mug,
da Dynamite, Ayrton Mugnaimi Jr, alertava: "Não esqueça a banda oitentista
Harry".
Fui atrás da empreitada e já achei peculiar o modo como
Hansen combinou o encontro para a entrevista. "Lembra de um lutador de
vale-tudo chamado Tank Abbott? Quando enxergar alguém parecido com ele, sou
eu". Tank Abbott ficou conhecido no Brasil pela surra que tomou de Vitor
Belfort no Ultimate Fighting. O local combinado para a entrevista foi à praça
de alimentação de um shopping, num domingo a tarde, em frente ao Burger King.
"O lanche é por minha conta, tenho dois vales que vencem no dia 31",
avisou. Antes do lanche rolou o papo gravado que você lê abaixo:
A banda - Criado em Santos em 1985, o Harry contava com
Hansen (vocal e guitarra), Cesar Di Giacomo (bateria) e Richard Johnsson
(baixo). No início caminhou pelo "noisy" com letras em inglês, e após
a entrada do produtor e tecladista Roberto Verta, deu uma guinada em direção ao
rock "mezzo" eletrônico com pitadas de The Clash e Kraftwerk, aliando
uma batida marcial, teclados espaciais e letras mórbidas e depressivas, com
referências literárias de Neil Gaiman e Alan Moore. Entre 1986 e 1994, lançaram
quatro trabalhos. O EP "Caos" (1986) e "Fairy Tales",
primeiro álbum completo (último com a participação do baterista Di Giacomo),
ambos pela gravadora Wop Bob. Com a saída do baterista, passaram a utilizar
bateria e bases eletrônicas e vieram "Vessels' Town" (1990), pela
Stiletto, e a coletânea "Chemical Archives" (1994), pela Cri du Chat,
compilação de faixas dos primeiros discos com algumas composições inéditas.
Em 1996, o Harry iniciou a gravação de um novo trabalho, mas
com Hansen morando no Ceará, Verta no Rio, e Johnson em São Paulo, a formação
decidiu dar um tempo. Em 2005, os músicos voltaram à ativa. Hansenharryebm, Di
Giacomo, Verta e Johnsson resolveram lançar um box ("Taxidermy- Boxing
Harry"), com versões remasterizadas e faixas extras de "Fairy
Tales" e "Vessels' Town", incluindo um CD com raridades, remixes
e algumas faixas do projeto abortado de 96. Embalado por um belo trabalho gráfico,
o box foi lançado pela Fiber Records, a divisão gravadora da Fiber Interactive,
responsável também pelo FiberOnline, site pioneiro da música eletrônica no
Brasil. Atualmente a formação faz um som bem menos eletrônico.
A morte do sócio - Hansen tem história pra contar. Seus
"causos" são conhecidos, mas é preciso saber que o cara passou por
poucas e boas. Trabalhou numa loja de CDs em Santos, e numa época de grana
difícil, foi morar em Fortaleza, onde também teve uma loja de discos, quando
precisou enfrentar o assassinato do sócio. "Invadiram a casa que
morávamos, uns vagabundos que guardavam carros nos arredores. Meu sócio tomava
um remédio que o fazia dormir como pedra. Pra você ter uma idéia, várias vezes,
cheguei a chacoalhá-lo (mostra a maneira brusca como tentava acordar o amigo) e
ele nem se mexia. Provavelmente os caras perceberam que estava fácil, entraram
na casa e roubaram várias coisas. E do jeito que o corpo estava, foi pura
maldade. Devem ter encostado um travesseiro e atiraram nele, sem defesa. Para a
polícia disseram que ele acordou, e no susto, atiraram. Mentira. Com aquele
remédios ele não acordaria nem com uma bomba", lembra.
"Acontece que eu estava na casa, havia chegado um pouco
antes, acompanhado, e fui para o meu quarto. Eu ouvi os tiros e quando levantei
enxerguei os caras atravessando a rua. Peguei minha arma e mirei na cabeça do
sujeito, só que o tiro (ele tem porte de armas) pegou de raspão, infelizmente.
A polícia chegou, viu aquela cena em casa e me levou. A situação só foi resolvida
porque o imbecil em que dei o tiro foi para o hospital todo ensangüentado,
usando minhas roupas que havia roubado, e avisaram a polícia. Minha vontade era
de matar o filho do desgraçado e mandar a cabeça dele numa caixa, como no
Seven, para ele na cadeia", diz. Além da tragédia, Hansen ficou sem poder
fazer qualquer ação na loja que precisasse de sua assinatura, pois o negócio
estava no nome do sócio. Depois disso voltou a Santos, traumatizado. "Numa
época morei no alto de um prédio, com a minha mãe, e apesar de não ter perigo
algum, dormia com um revólver do lado do travesseiro".
Em uma longa e agradável conversa com o S&Y, o músico
contou como surgiu a idéia do lançamento do box, falou que a cena de Santos
sempre foi boa, comentou da falta de reconhecimento com o Harry e estranhou o
fato do box nem ter sido citado na revista Bizz (na edição com Carlos Eduardo
Miranda, na contracapa, saiu um anúncio do box com outros lançamentos -
crítica, mesmo, nada). Ele ainda falou das comunidades de revistas musicais no
Orkut, seu projeto solo Bad Coc, composições e um tirou um sarro no músico
Julinho Bittencourt. A seguir, Hansen, nas palavras dele próprio.
PAUSA NA BANDA E O LANÇAMENTO DO BOX
"Na verdade o Harry é como o Sisters of Mercy, nunca
acabou. Só que um estava no Rio, eu no Ceará, outro no interior de São Paulo,
então não tinha muita produtividade mesmo. (Foi) quando pintou a idéia do
box…em 2003, eu acho. Primeiramente não era um Box. Os dois LPs iam ser
lançados pela Midsummer, (selo) do Rodrigo Lariú, com bônus e tal. Nesse
processo de seleção das faixas bônus, a coisa foi atrasando, e o Enéas Neto, da
Fiber, que faz também aquelas festas do Trash 80, veio com a idéia do Box, que
era mais interessante que os discos lançados separados. E a Fiber também tem um
perfil mais a ver com a gente, de música eletrônica, do que a Midsummer. Hoje o
Harry está bem menos eletrônico. Um disco pela Midummer seria bem viável. Teve
show de retorno pro lançamento do Box, junto com uma banda belga em São Paulo e
a gente tem feito alguns shows."
Público
"Eu acho que a maior parte do nosso público está em São
Paulo. A gente tem público aqui (em Santos), mas aqui não tem onde tocar, o que
é um absurdo. Faz um ano e meio que estamos de volta à ativa e não conseguimos
tocar em Santos. É questão de armar. Um problema é que não temos alguém que nos
venda. Fizemos contatos e estamos esperando o retorno."
Cena
"A cena (santista) é legal. Estou um pouco por fora das
bandas hoje. Mas a cena aqui de Santos foi bem forte, principalmente no
hardcore e no metal. Eu fiz parte do Vulcano. Na realidade, eu coloquei o
Vulcano na trilha que está hoje. Porque o Vulcano era uma banda de rock'n'roll.
A partir do momento que eles estavam se direcionando pro heavy metal, achei na
época que era um lance de radicalismo. E se vai fazer isso, tem que fazer o
mais pesado possível. O que é um paradoxo, porque hoje você tem a Internet, tem
a condição de acessar toda informação e a molecada é muito mal informada. Eu li
outro dia um imbecil falando que achava que pós-punk era tudo o que veio depois
do Green Day. Se fosse na minha frente, eu não ia ter argumento: eu ia ter que
bater no moleque, não teria outra resposta possível. Santos sempre teve um
problema que é assim: as coisas ficam muito enclausuradas aqui. Eu não sei. Se
a banda não sai daqui, não tentar tocar fora daqui, não vira. A gente teve uma
época nos anos 80 que tinham vários lugares pra tocar e ficávamos acomodados.
Tinha lugar pra tocar todo mês ou quinzenalmente e tal. Se a gente se acomodar
com isso, vai ficar nisso. Quando tentamos São Paulo, a coisa começou a rolar.
Mesmo em São Paulo, inicialmente, nós não fomos bem recebidos. A gente fez o
circuito da época, Rose Bom Bom, Madame Satã, e eu preferia que tivessem
detonado com a gente. Mas pra mim foi pior que isso. Fomos ignorados! Me sentia
como um cantor de churrascaria. Foi o momento que deu aquela dúvida. Pô, o som
tava ótimo, sabe? Aquele era o público. O que estava errado? Nesse momento de
dúvida que pintou o lance de fazer as músicas com letras em português, e dessas
gravações, rolou o primeiro disco. Tudo bem, já está lá e tal, mas se eu
tivesse sido firme nos meus princípios, teria rolado em inglês desde o começo,
como sempre tinha sido, mas como diz o nosso tecladista: 'cagadas não voltam ao
cu' (risos)."
Reconhecimento
"Claro que não (sobre se o Harry teria o reconhecimento
que merece). Senão eu não tinha vindo a pé pra cá. O Harry nunca primou pelo
virtuosismo. A gente tem o lance da parte técnica de produção. Eu acho que os nossos
discos são bem gravados dentro das condições que a gente tinha. Nesse ponto
sim. Do resto, eu tinha alguma reputação de ser bom guitarrista, mas foi uma
coisa que eu joguei pela janela quando eu comecei a direcionar pra esse lado
(eletrônico)."
Cena antiga X cena atual
"Era diferente, outra época. Talvez por ter menos
bandas, tinham mais lugares pra tocar. Hoje tem uma (banda) em cada esquina.
Naquela época tinha uma banda em cada quarteirão. Eu precisaria me atualizar um
pouco do que está rolando agora."
Box e a Bizz
"Não tem porque ficar ressentido (do Box não ter sido
citado na Bizz), mas foi esquisito foi. O Box teve uma repercussão. Gente como
o Arthur Dapieve, Humberto Finatti, a Carta Capital. Na revista da MTV
colocaram tipo: 'fechamos a edição ouvindo isso'. Até hoje procuro a edição da
Carta Capital, eu sei que saiu."
Orkut
"(O orkut) serve sim (pro debate). Acho que tem
comunidades inúteis, que tem uns joguinhos e tal. Eu participo muito da
comunidade da revista Bizz, da Rolling Stone, mas infelizmente a (comunidade
da) Rolling Stone, enquanto a revista vai de vento em poupa, a comunidade que
tinha crescido muito, foi deletada do orkut e se transformou em duas
comunidades separadas. Uma supostamente oficial, que é de um dos integrantes da
revista, e outra que é do mesmo dono da que foi deletada. Mas essa divisão
ferrou as comunidades. Elas estão morrendo, pouco se discute da revista lá. Já
a da Bizz não, é super ativa, você posta e em dez minutos já tem um novo
comentário. Tem gente lá tanto da antiga Bizz como da atual, redatores,
ex-editores e tudo. E pra mim é uma boa vitrine. Tanto que tem muita gente (que
fala bem de mim), até o empresário do Skank já foi pedir pro Ricardo Alexandre,
editor atual, que eu devia ter uma coluna na revista. Mas esse lance do Box...
Acho que é só a ponta do iceberg. Embora eu não conheça o Ricardo Alexandre, é
meio óbvio que o cara não simpatiza comigo. E eu nunca o vi. Mas disseram que
ele é evangélico. E no meu perfil no orkut, entre os esportes, está 'atirar em
evangélicos'. Talvez tenha alguma coisa a ver. Sabe o que é evangélico?
Evangélico é aquele cara que fica falando "Jesus, Jesus, Jesus" e não
tem a mínima idéia de quem foi o cara. A mínima idéia. Eles lêem muito a
bíblia, um livro que foi escrito... Eles acham que foi Deus quem escreveu
aquela merda! Foram dois caras. O Imperador Constantino, que converteu o
catolicismo como religião oficial de Roma por motivos puramente políticos. E
São Paulo, Paulo de Tarso, que foi o primeiro marketeiro da história. Então
aquele texto da bíblia foi alterado. Mas os evangélicos acham que aquilo é
aquilo. (Quanto às bandas evangélicas) Eu não dou o mínimo para as letras. Se a
música é boa, beleza. Mas não saberia citar nenhuma banda evangélica no
momento."
Shows e projeto solo
"Está devagar (a freqüência de shows), pois estamos sem
empresário. Os últimos shows foram em junho e dezembro. Eu tenho meu projeto
solo, que é mais eletrônico mesmo. O Bad Coc faz shows com mais freqüência,
porque sou só eu, levo bases pré-programadas, então é um show barato. O Bad Coc
é totalmente eletrônico. É um transporte, uma hospedagem e beleza. Quase gasto
zero de equipamento. Já o Harry hoje em dia são seis pessoas. Então estamos
meio que confinados a São Paulo."
O som
"Olha só, eu não tenho preocupação de ser datado ou
moderno. Nos anos 80, quando eu produzi a maior parte do que você ouviu, (o
som) era bem à frente do que rolava por aqui - e ainda acho que é. Hoje sou
meio fiel ao estilo, sem pretensões de modernizá-lo, porque não me agradam
manifestações musicais ulteriores (risos). O Bad Cock é todo eletrônico, mas
não é exatamente o lance de radicalizar é só uma opção, e eu não tenho
preocupação em ser vanguarda. Na minha cabeça é pop. As letras, ah, eu sempre
achei que artista explicando a obra é patético. As letras são o que são. A
única explicação que dou é quando me perguntam por que a gente compõe em
inglês: 'porque não sei alemão' (risos)."
Material inédito
"A gente ia gravar um álbum por nossa conta em 1996,
mas não foi terminado. No meu Soulseek eu tenho uma pasta com dezenove músicas
que não estão no Box. Eu pelo menos ainda estou produzindo material."
Mainstream
"Eu acho que poderia (fazer parte do mainstream). Eu
não vejo nada de esquisito no som da gente. São músicas de três, quatro minutos
com refrão. É música pop. Talvez a roupagem sonora que a gente coloca em cima
disso seja um pouco peculiar, mas a maior parte das coisas do Harry, você vai
notar que são melódicas. O que eu sinto mais falta na maioria dos trabalhos de
hoje."
Composições
"Quem compõe mais sou eu e o Johnsson. A gente fazia
junto e separadamente. O Verta compõe menos, mas tem um material muito bom. O
César contribuiu com muita coisa."
O site da banda e a Fiber
"A Fiber mantém o site. A Fiber começou com um site
dentro do UOL, numa parte de música eletrônica, daí cresceu e passou a ser um
site independente. A Fiber Records surgiu com o nosso box."
Sarro com o Julinho Bittencourt
"Estava eu e o Rafa ali na Blaster (loja de CDs em
Santos), já ali de final, e entra o Julinho Bittencourt, que era dono do Torto,
tinha a banda Jornal do Brasil, um cara que tava em tudo quanto era festival de
MPB, e é um amigo meu desde os meus quinze anos. Eu apoiado do lado de fora do
balcão, o Rafa dentro. Ele perguntou: 'tudo bem?'. A gente nem respondeu, só
mexeu a cabeça. 'Estou procurando o novo do Caetano pra minha irmã', disse ele.
Aí eu virei: 'E nós com isso? (risos)". Na hora eu achei engraçado e
pensei que ele tivesse levado na brincadeira. No dia seguinte ele encontrou
minha irmã e confessou que ficou magoado porque fui mal educado com ele
(risos)."
por André Azenha
sy
* * *
Há muitos anos possuo vinis e cds do Harry, uma banda de
Santos que marcou época no rock dos anos 80, um grupo sintonizado com o rock
eletrônico e industrial da época, influências que iam de Alice Cooper a New
Order, experimentações e um punhado de ousadia. Obviamente, tudo isso era
indigesto demais para o público médio e o Harry não brilhou como merecia.
Lançaram dois discos pelo inovador selo Wop-Bop, de René Ferri e que produziu
outras peças de fino trato como May East, Vzyadoq Moe, Violeta de Outono,
Fellini e etc. Achar material da banda na internet não foi complicado, mas eu
queria uma entrevista com o criador da coisa, afinal nada melhor do que ele
para contar, em detalhes, como tudo aconteceu.
Assim, escrevi para Johnny Hansen, via facebook. Pensei que
viria uma resposta atravessada, amarga e ranzinza, algo na linha "só
depois que terminamos é que me procuram para uma matéria", como várias
vezes trombei, ao longo dos anos. Nada disso. Por trás da cara de mau, havia uma pessoa
inteligente, divertida e ácida, que adora escrever e explica, em detalhes, como
tudo ocorreu.
Sim, a entrevista ficou longa. Sim, às vezes pode cansar. Mas
as pessoas não se queixam que, muitas vezes, é difícil um materia interessante
sobre certas bandas? Pois, então. Johnny Hansen conta tudo - e muito mais - sobre o Harry. E
caso exista algum exagero ou mentira, não me culpe. Eu apenas tive o trabalho
de ler, editar, aprender e me divertir com a matéria.
Ah, sim, Hansen é um cara legal. Provavelmente dirá que essa
não é a intenção dele, mas ele é.
Mofo: - Como começou o Harry? Como era a cena roqueira em
Santos? Vocês davam mais shows em SP do que no litoral?
Johnny Hansen: - A gênese do Harry foi o The Yardrats, que
eu e o Johnsson montamos em 76. A ideia era fazer punk rock (já tínhamos lido
sobre os Pistols e os Ramones, mas não ouvíramos nada), mas o Johnsson tinha um
órgão, e eu ainda estava aprendendo a tocar baixo, e tínhamos bastante
dificuldade de encontrar guitarristas, bateristas e vocalistas fixos. A
guitarra eu assumi em 78, e o Johnsson se virava nos vocais, embora tenhamos
tido outro, Olie Crudge, que ia e vinha.
Quando o Johnsson foi estudar fora de Santos, formei o TTF
(Tubular Teacher Forever), depois o Jean Cocteau (as influencias do Bill
Nelson, do Be Bop Deluxe começavam a se manifestar), o V8 (eu não sabia que
havia uma banda de metal argentina com o mesmo nome, não consegui achar um nome
substituto e acabei com a banda), Self Destructor, Atmosphere e finalmente
Harry and the Addicts, em 1985.
Tocávamos na baixada no início, e a partir de 86, fizemos o
circuito paulistano (Rose Bom Bom, Ácido Plastico, Anny 44), mas fomos
praticamente ignorados. Isso me deixou sem chão, porque eu achava que o som
estava muito bom, mas não sabia mais o que fazer.
Foi quando um DJ disse que tinha um contato na CBS, e que
não poderia garantir nada, mas que o cara escutaria qualquer coisa que ele
levasse, só que em inglês não dava. Como eu não consigo cantar em português (é
sério!), chamamos a Denise, que cantava no nosso projeto comercial, o Bi-Sex
(roubei o nome dos australianos do Mi-Sex, porque sabia que ninguém os conhecia
aqui).
Mas a fita nem foi entregue na CBS, nem me lembro do motivo,
mas eu soube que o René Ferri, da Wop-Bop estava começando um selo, e iria
lançar o Violeta de Outono, e deixei a fita lá. Ele me ligou 3 dias depois
querendo assinar. Naquela época, gravar um disco era a meta máxima, não que eu
fosse dado a fazer concessões, mas já tinha feito gravando em português, então
eu não tive coragem de perguntar se teria problema um vocal masculino em
inglês. Infelizmente, quando soube que não teria, já era tarde demais.
Desde o Self Destructor, a formação já era o César Di
Giacomo na bateria, e o Renato Grillo no baixo (inclusive no Bi-Sex, que só era
acrescido da Denise). Em fins de 84, o Johnsson voltou a Santos, e estava
juntando grana para comprar algum teclado, mas no início de 85, o Grillo morre
num acidente com arma de fogo, e ele teve que assumir o baixo. O Bi-Sex acabou
logo depois, e eu não quis manter o nome Atmosphere, daí o Harry and (the
Addicts), que fez sua estreia num bar em Santos, no dia 18/12/85.
Não me lembro a data, nem onde estreamos em São Paulo, mas
com certeza foi em 86. Éramos totais estranhos na cena roqueira santista. Eu
tinha fama de grande guitarrista, mas quando assumi novos conceitos estéticos,
onde a guitarra tinha um espaço bem limitado, o papo que corria em Santos era
"o Hansen, coitado, tocava pra caralho, mas começou a se drogar,
enlouqueceu e hoje só faz barulho", ah ah ah ah ah...
Mofo: - Quais eram as suas grandes influências? New Order, Skinny Puppy, Kraftwerk,
Moroder?
Johnny Hansen: - O buraco é mais embaixo. A primeira coisa
que eu ouvi sem ser o que meus pais ouviam, foi o Alice Cooper, em 73 (Billion
Dollar Babies).
Daí para o rock pesado da época (Purple, Sabbath) e
mergulhar no que gerou aquilo e comecei a pesquisar os anos 60. Na época, eu tinha
um conceito de que os 60's é que tinham sido foda, que os 70's não eram tão
legais, mas sempre havia a distância entre ouvir e fazer. O punk rock ligou
esses pontos, e para mim, os 80's foram maravilhosos porque é sensacional você
ouvir obras primas no mesmo instante em que elas são lançadas.
O New Order sempre é a principal referência lembrada quando
se fala da gente, mas eu não acho que haja nenhuma música nossa que pudesse ser
confundida com eles, da mesma maneira que o Kon Kan era. Em 83, eu descobri o
Chrome, que embora não seja parecido conosco, foi fundamental para que eu
estabelecesse a estética sonora do Harry.
O Skinny Puppy também, embora eu só curta mesmo a fase que
vai até o Vivi Sect Vi. E bandas como Beatles ou Queen foram importantes no
sentido de amplitude. Li uma resenha sobre a coletânea Chemical Archives numa
revista alemã. O cara não gostou, porque achou que cada faixa parecia uma banda
diferente. Eu concordo com ele, mas eu vejo isso como algo positivo.
Mofo: - Vocês tiveram um primeiro EP com a Denise nos
vocais. Me fale da produção desse trabalho, lançado pela Wop-Bop, e o contato
com René Ferri.
Johnny Hansen: - Já dei um resumo sobre isso na primeira
pergunta.
Eu estava preocupado, porque até então o selo independente
mais estabelecido era o Baratos Afins, e eu inclusive levara uma demo de ensaio
(sem Denise) para o Calanca, mas quando voltei lá, ele nem mencionou o assunto.
E eu já tinha ouvido falar que os discos que ele produzia
eram gravados às pressas (não estou criticando, cada um faz com os recursos que
tem), e com ele na mesa de mixagem. Para mim, isso ficou estabelecido como
critério de gravação independente, e não me agradava nada, pois eu queria tempo
e liberdade.
Graças aos deuses, o René nos deu os dois, tivemos 60 horas
para gravar as 3 músicas do EP (pode não ser o máximo, mas é melhor do que 12
horas para gravar um disco inteiro), e ele só foi no estúdio uma única vez e
ficou menos de meia hora lá. O problema é que eu sabia muito bem o que queria
fazer, mas não sabia COMO fazer.
Botamos o Verta na produção, mas nem ele nem o técnico
sabiam ainda como midiar uma Linn Drum (que era do estúdio) num Poly 800 (que
era do Verta). Era só ligar um cabo de um a outro, mas simplesmente niguém
tinha essa informação, e por isso os baixos de "Blood and Shame"
foram tocados manualmente em cima da bateria programada.
Nas outras faixas, "Caos" e "Adeptos", o
Cesar tocou numa Simmons. Os vocais foram processados com pedais de guitarra
mesmo. Pusemos uma regulagem mais discreta para a Denise, mas em "Blood
and Shame" coloquei do jeito que eu queria, pois eu não me importava se
nem percebessem que aquilo era voz.
O técnico, o Tonheco, não deve ter captado o espírito da
coisa, mas ao menos não impunha barreiras como a maioria ("Eu sou técnico,
sei como deve se fazer"). Ao contrário, quando regulei o flanger e o delay
para minha voz, ele perguntou pelo mic da sala de controle: "vai gravar a
voz desse jeito?", e quando eu disse que ia, ele começou a rir e disse "vamos
nessa".
"Caos" tinha uma guitarra, como
"Adeptos", mas tinha mais teclados, e eu sempre gostei de guitarra
pesada e alta, e ela estava cobrindo a tecladeira. Fui abaixando, mas não
adiantava muito. Como eu estava alucinado (cheguei perto de ter uma overdose
durante a mixagem), zerei a guitarra e gritei "Foda-se!". Depois me
arrependi, e por isso coloquei a versão demo como bônus track, porque, embora a
qualidade sonora não fosse boa, conceitualmente não conseguimos superá-la,
mesmo gravando num grande estúdio.
Já com o René, as coisas eram mais fáceis, ele estava, mesmo
que, talvez, inconscientemente, totalmente sintonizado com nossa estética. Ele
apareceu com a ideia da capa, quase se desculpando por que ela não teria o nome
da banda. Eu acho capas sem nada escrito o máximo, mas achava que eu era o
único louco que teria coragem de lançar um disco de estreia sem o nome da banda
na capa, e aí aparece ele com a mesma ideia, e ainda com uma moldura em alto
relevo em torno da foto, um adesivo com o nome da banda e encarte. Me senti
como se estivesse na Factory, rsrsrsrsrs...
Mofo: - O segundo lançamento, Fairy Tales, já mostrava a
banda bem mais evoluída que o primeiro trabalho. Por que Denise não estava
mais? E o que mudou com a saída dela, especialmente em termos sonoros?
Johnny Hansen: - A Denise engravidou na época em que
estávamos fazendo os shows de divulgação do EP, e pelas nossas contas, não
teria como fazer os shows do LP, cujas gravações já estavam agendadas.
Então foi combinado que ela não gravaria o disco, para que
pudéssemos reproduzi-lo ao vivo. Mas depois de uma briga homérica durante um
show em Curitiba, ela saiu e depois quis voltar, mas mantivemos a porta
fechada. O Verta foi convidado para produzir o EP por várias coisas:
1) Ela já trabalhava em gravadora, então achamos que ele
teria mais cancha que a gente.
2) Ele tinha um Poly 800. Acho que era a única pessoa com um
sintetizador que conhecíamos na época.
3) Ele estava antenado com nossas ideias. Ele já trabalhava
de DJ em casas noturnas e tinha um belo acervo de discos (embora nem sempre os
tocasse onde trabalhava).
Assim, a solução natural foi convida-lo para se integrar a
banda ao invés de simplesmente produzir o LP. Na verdade, não esperávamos que
ele fosse aceitar, mas ele aceitou na hora. As negociações com o René, como
sempre, foram fáceis. Eu disse à banda que iria pedir 100 horas para ele, para
ver se ele daria pelo menos 80, mas ele disse "100? Ok, podem
marcar". Claro que não deu, e voltei lá e pedi mais 100 para ver se ele
liberava mais 50 que fossem. De novo "Mais 100? Marquem lá".
Já com o disco pronto, ele veio até com uma ideia legal para
a capa, mas em preto e branco, e dessa vez queríamos cores. O Verta foi fazer
algo no Sesc Pompéia e estava rolando uma exposição do Araquém Alcantara, que embora
fosse de Santos, não conhecíamos pessoalmente, e viu a foto que acabou sendo a
capa e ficou alucinado.
Entramos em contato com ele, que pediu uma verdadeira
fortuna pelo uso da foto. Falamos com ele de novo, que éramos uma banda sem
recursos, e ele "imagina se vão ficar sem usar a foto por causa de
dinheiro", e acho que ele baixou pela metade, mesmo assim era grana pra
caralho. E sobrou para mim a missão de chegar para o René e dizer "olha,
em vez daquela foto feita pela sua esposa (na época, a Célia Saito, que fez a
capa do EP) e não vai te custar nada, queremos essa foto aqui, que vai custar
essa montanha de grana".
Mas arriscamos e ele pagou. Valeu, afinal foi eleita 2ª
melhor capa do ano na Bizz. O EP foi gravado no Transamérica, um puta estúdio,
porque era Plano Cruzado e estava tudo barato. Um ano depois, a inflação voltou
e teríamos que procurar algo mais condizente com a realidade. Escolhemos o Big
Bang porque nos pareceu aconchegante e porque ele tinha um sampler Emax lá. Só
que quando chegamos para gravar, ele tinha sido vendido. Chamamos o Marco
Mattoli, o dono, e ele combinou que alugaria um sampler por alguns dias por
conta dele, acabou sendo o D50 do Marcelo Golbetti (Premeditando o Breque), que
acabou se tornando sócio no estúdio depois.
A evolução foi por conta de vários fatores: o estúdio já não
era um bicho de sete cabeças para nós, e mesmo o Big Bang sendo mais simples,
tivemos melhor aproveitamento porque tanto o Mattoli como o técnico Yves
Zimmelmann, sabiam explorar o que tinham até os últimos recursos (o Golbetti
também ajudou bastante nos dias em que esteve lá).
Nem tínhamos um sequencer decente, o Mattoli que sequenciava
tudo no MC 500 dele. O Cesar e o Johnsson gravaram suas partes e picaram a
mula, mas eu fiquei com o Verta até a ultima sessão de mixagem. Batemos uma vez
ou outra de frente, mas o conflito de egos só viria mesmo durante o Vessels'
Town.
Ainda estou bastante satisfeito com o resultado final do
Fairy Tales, embora reconheça que a qualidade de áudio não é tão boa quanto eu
pensava na época. Só o som da guitarra é que ficou uma merda mesmo, usamos
equipamento top e gravamos de tudo quanto é jeito. Mas se na hora, eu tirava o
timbre que queria, na fita o que vinha era outra coisa. E não tínhamos a quem
perguntar, porque eu acho que não existe uma guitarra bem gravada aqui no
Brasil, no mínimo, até o ano 2000.
Mofo: - Os discos tiveram boa divulgação, renderam muitos
shows?
Johnny Hansen: - O feedback do EP foi razoável, algumas
resenhas em jornais, até uma notinha na Manchete, na Bizz não foi resenhado,
entrou apenas na seção Rápido e Rasteiro (mas foi a capa do disco que ilustrou
a seção), mas o Tom Leão resenhou para a Somtres.
O problema para shows, que perdura até hoje, é que nunca
tivemos uma pessoa para agendar shows para nós, e não somos os melhores
vendedores do mundo. Mas um show digno de nota dessa época, foi no Crepúsculo
de Cubatão, a casa do Ronald Biggs, no Rio. O Tom Leão estava lá na 1ª noite.
Infelizmente, não conseguimos acertar o som direito, mas na segunda noite, o
som saiu redondinho e o Fernando Naporano estava lá. E quem fez a mesa foi o
Geraldo D'Arbilly, que tocou no Peso e depois na banda inglesa Blue Rondo A La
Turk. Temos esse show gravado em vídeo.
Já o Fairy Tales teve uma recepção inicial bem mais calorosa
com resenhas de destaque na Folha, capa do Caderno 2, destaque na Bizz, uma
crítica muito criativa do Ayrton Mugnaini Jr, na Somtres. Pena que foi aí que
descobrimos que sem jabá é impossível manter a chama acesa.
Já na época do Bi-Sex, a nossa demo rolava nas FMs de
Santos, e sempre ficava em 2º lugar nas mais pedidas, e um dia um locutor me
disse '"a de vocês é a mais pedida, mas o 1º lugar tem que ser do Tim
Maia”.
Meses depois, o René nos procurou, dizendo que ia bancar a
gravação de mais 4 faixas, que seriam incluídas como bônus na versão em
cassete. Eu perguntei a ele se ele não queria investir um pouco mais e lançar o
CD, porque na época, teria sido o primeiro CD independente lançado aqui, mas
ele disse que o CD não iria durar e o futuro da música estava no cassete
(estavam lançado o tal cassete digital na época, o DCC, além da fita ADAT). Ele
estava mais ou menos certo, mas na época era impossível prever que o vinil
voltaria com força, e o CD demorou muito para mostrar que não seria tão
durável.
Mofo: - Fale da gravação de "Vessels' Town, pela
Stilleto e do "Chemical Archives", pela Cri du Chat.
Johnny
Hansen: - Ah, o Vessels' Town... O nosso disco por um selo maior, mas
que mesmo assim se tornou o item mais raro, por causa da péssima distribuição.
O disco que o André Forastieri alegou ser nosso melhor
trabalho, e eu só fui entender essa declaração quase 15 anos depois. O disco
que saiu com problema de prensagem, a primeira tiragem (tem que ter havido
duas, pq a primeira vinha com dois encartes, um envelope em papel fosco, e
outro igual, mas em folha única e papel brilhoso; a segunda só vinha com um
deles, já não me lembro mais qual).
Ele também foi lançado em cassete e só fui ficar sabendo
disso anos depois. O Vessels' Town foi gravado apenas por mim e pelo Verta. O
César já tinha saído pq a mistura de rock com eletrônico estava cada vez mais
diluída (eu praticamente estava só cantando, e ele tinha cada vez menos e menos
músicas onde não se usava a bateria eletrônica) e o Johnsson trabalhava em
Cubatão, no esquema de turno, o que dificultava para shows, já que não havia
como um cobrir um colega como normalmente se faz em horários fixos (por isso, o
Marreco que tocou guitarra nas apresentações de lançamento do Taxidermy, chegou
a substituir o Johnsson no baixo em vários shows, entre 87 e 88).
Fora isso, trabalhar em Cubatão traz grandes prejuízos à sua
saúde, e foi isso o que aconteceu com ele naquela época, ele ficou doente, os
médicos pareciam não descobrir o que ele tinha, e por isso, ele apareceu uma
única vez no estúdio Mosh, onde o disco foi gravado, já na fase final de
mixagem. Mas nós o creditamos assim mesmo, afinal a maioria das músicas era
dele.
Se o Fairy Tales foi o meu disco (claro que todos
colaboraram, mas todos entraram num barco para o qual eu já tinha apontado a
direção), Vessels' Town foi o disco do Verta. A essa altura, ele já não era
mais apenas alguém com um pouco de maior experiência do que nós; ele já estava
com um equipamento bem melhor, tinha feito cursos de programação na Roland, já
tinha um domínio bem melhor da linguagem. O problema é que gravando em dois,
fica aquele equilíbrio de 50 x 50%, sem ninguém para desempatar. O Yves
Zimmelmann, o mesmo técnico que gravou o Fairy Tales, estava trabalhando lá, o
que foi ótimo, porque além de ser um bom técnico (exceto em gravação de
guitarra, mas ninguém na época poderia ter feito melhor), ele já estava
sintonizado com nosso conceito e com o nosso estilo de fazer as coisas (embora,
pelo que eu me lembre, ele não se drogava durante as sessões).
Mas tudo rolou a contento, acho que o maior choque de frente
foi em Stephanie Jensten: o Verta fez a programação da música, que começava com
um sample de violão e terminava do mesmo jeito. Mas no estúdio, eu ouvi um
sample de um teclado chamado PPG Wave, que me lembrou as coisas antigas do OMD,
e nós o usamos no refrão e eu tive a ideia de todos os outros instrumentos irem
sumindo até que só ficasse o som dele. Uma das diferenças entre eu e o Verta é
justamente essa, ele esquematiza tudo antes, e procura seguir milimetricamente,
enquanto eu me desvio do caminho, se achar que a nova rota pode ser mais
interessante.
Curioso que nenhum de nós pensou em fazer os dois mixes e
depois decidir qual ficou melhor, ficamos brigando pelo final como se
tivéssemos uma só tacada, e acabou prevalecendo o meu, porque eu aleguei que a
música era minha, rsrsrsrs.
O Verta fez a carranca dele e se deitou num sofá lá. No
finalzinho da música, o teclado que estávamos usando não tinha polifonia suficiente
para tudo que estávamos usando e quando entrou um dos últimos sons programados,
o chimbal sumiu. Eu me viro pro Verta e pergunto o que fazer, e ele sem se
mexer do sofá diz "se vira, a música é sua", ah ah ah ah ah ah.
Eu viro pro Yves e digo "deixa assim mesmo"
(sempre fui menos preocupado com detalhes do que ele). Tempos depois, ele
admitiu que a minha ideia tinha ficado melhor mesmo, e eu toda vez que o
chimbal some, sinto aquela puta esvaziada na música, eh eh.
Infelizmente, fomos para a Stilletto, que foi um dos selos
mais interessantes que já surgiram nesse país, no momento em que eles começaram
a ir a deriva. O disco foi mal distribuído, teve o problema de prensagem que
sempre fazia alguma música do lado 1 pular, e teve pouca divulgação. De cabeça,
eu me lembro de uma resenha na Ilustrada, se não me engano do Marcos Sá Leitão,
onde ele concluía "Santos não é Manchester, é melhor" (eu só não
entendo porque, não lembro mais se foi o Sá Leitão, ou o Marcos Smirkoff, que
fez uma resenha do Fairy Tales na Bizz, nos colocando no topo, e na Bolsa de
Discos, um deles classificou o disco apenas como regular), uma crítica negativa
na Bizz, do Arthur Couto (que foi o primeiro cara da grande imprensa a nos dar
apoio em seu fanzine Gass, e fez o release de divulgação do Fairy Tales), que
nos acusou de termos nos rendido a dance music.
Na época, fiquei meio envergonhado, porque achava que ele
tinha uma certa razão, mas hoje vejo que ele não tinha entendido direito alguns
conceitos do Verta da mesma forma que eu também não tinha entendido. Mas
ouvindo hoje, em termos de qualidade de áudio, o Vessels' Town dá um banho no
Fairy Tales, e embora haja umas duas ou três músicas onde eu faria algo
diferente, acho que ele envelheceu melhor.
Fizemos uns poucos programas de rádio e um de TV (sem tocar,
apenas sendo entrevistados) arrumados pelo divulgador da Stilletto, o César
Cardoso (sobrinho do Wanderley), um rapaz bastante esforçado e de boa vontade.
Ainda não tínhamos resolvido a questão das limitações técnicas para reproduzir
as novas músicas ao vivo, e o César disse que assim que estivéssemos prontos
para tocar, que ele agendaria mais TV para nós.
Mas uma tarde o Verta me liga dizendo que o César tinha se
desligado da Stilletto, e estava esperando para saber quem seria o substituto
para dar continuidade ao trabalho. Passados alguns meses, sem ninguém nos
chamar para nada, eu ligo para o Verta e pergunto quem era o novo divulgador do
selo, e ele responde que simplesmente não haviam contratado nenhum substituto. Foi
quando eu percebi que a Stilletto estava com os dias contados.
Mofo: - Em 1996, vocês terminaram, antes de retornarem em
2005. O que você fez durante todo esse tempo?
Johnny Hansen: - Fizemos shows esparsos depois do lançamento
do Vessels' Town, gravamos faixas para as coletâneas Minimal Synth Ethics (o
volume 1 foi lançado em vinil, o 2 em CD), quer dizer, gravamos uma,
"Hardware", para o volume 2. "Rottweilers's Fest", a
instrumental que aparece no volume 1, havia sido gravada nas sessões do
Vessels' Town, e tinha um vocal de uma amiga do Verta, mas embora ela cantasse
bem, não conseguiu se encaixar no nosso esquema, e o Verta, numa atitude
parecida com as minhas, resolveu lançá-la instrumental mesmo.
Nessa época, eu estava com meu projeto paralelo, o Bad Cock
(embora o Verta e Johnsson tivessem os seus, respectivamente, Third World Fear
e CPC, só eu levei a coisa mais adiante, fazendo shows), e pela falta de tempo
dos outros, fazia mais shows com ele do que com o Harry.
Isso foi até 1994, quando o Enéas Neto, na época a frente da
loja Muzik e do selo Cri Du Chat, manifestou interesse em relançar material
nosso em CD, já que com exceção das faixas nas coletâneas (inclusive Zombies
num cd que veio encartado na revista Audio News), a maior parte do material era
inédita nesse formato.
Tivemos uma reunião com o René, detentor dos direitos dos
fonogramas (ainda que as gravações master já estivessem em nosso poder) e
compramos 5 ou 6 músicas, as da Stilletto já eram nossas, pq nunca houve
contrato formal entre as partes, e gravamos 4 inéditas. Assim, nasceu a
coletânea Chemical Archives, lançada entre o final de 94 e o início de 95 (um
jeito elegante de dizer que não me lembro mais a data certa) e fizemos alguns
shows para promovê-la.
Em 96, fomos até o sítio do César, em Serra Negra, para
gravar um disco novo por nossa conta, pois, a essa altura, o Verta já tinha um
notebook com um Cakewalk. Tínhamos um novo membro, o Marco Costa, um dos
primeiros fãs da banda, e que calhou de mudar para Santos e de ter um W30 igual
ao do Verta. Então, nos ocorreu a ideia de fazê-lo se juntar a nós, porque
tendo o mesmo hardware, poderia também substituir o Verta nos shows, já que ele
andava cada vez com menos tempo.
Fizemos shows alternados como trio e como quarteto nessa época.
E o Marco também era baterista e, às vezes, o Johnsson ia para o baixo e
retomávamos nossa raiz punk. Gravamos várias bases, mas nenhum vocal
definitivo, apenas fizemos (eu e o Johnsson) algumas vozes guia. Mas o Verta
acabou sendo transferido para o Rio, o Johnsson se mudou para o interior de SP
e eu estava de mudança para Fortaleza, onde iria abrir uma loja de CDs. O
projeto, ao qual nos referíamos como Black Hill Sessions (o Verta tinha uma
sugestão de nome para o disco, esqueci qual era, mas lembro-me que a detestava,
rsrs) acabou sendo abandonado. As faixas mais perto do final e com vocais guia
mais razoáveis acabaram sendo incluídas como bônus no box Taxidermy.
Com essa separação geográfica, uma pausa era inevitável. O
último show nesse período foi apenas comigo e com o Marco (e foi gravado em MD)
e depois fui para Fortaleza. Como eu me achava o mais interessado em carregar a
bandeira, arrumei um tecladista lá, o Paulo Eduardo, e chegamos a gravar uma
faixa do New Order para um tributo, usando o nome Harry. Mas nos 9 anos em que
lá fiquei, nos apresentamos apenas duas vezes, uma em Fortaleza mesmo, e outra
no festival Electrone, em Recife. Eu voltaria de lá para o lançamento do
Taxidermy, em 2005, apenas para o show de lançamento, mas acabei ficando por
aqui de vez.
Mofo: - Fale então sobre o box, Taxidermy – Boxing Harry, um
apanhado de toda a carreira da banda e músicas inéditas.
Johnny Hansen: - O Chemical Archives resolvia apenas
parcialmente o nosso acervo em CD. Deixamos músicas fortes como
"Lycanthropia" e "Soldiers" de fora, porque se, algum dia,
o Fairy Tales fosse lançado em CD (uma possibilidade distante naquele tempo),
ainda geraria algum interesse.
Um selo, do Sul, se não me engano, o RDS, lançou o catálogo
da Wop-Bop em CDem 2000 ou 2001, incluindo o Fairy Tales, mas:
1) O som é péssimo, não sei o que usaram como fonte, já que
as masters estavam com o Verta.
2) Como não assinamos nada na compra das músicas com o René,
ele deve ter se esquecido disso, mas metade do Fairy Tales já era nosso, então
nenhuma edição poderia ser lançada sem que fossemos consultados. Mas ninguém
estava a fim de encrenca. O Verta ou o Cesar entraram em contato com o cara do
selo (nunca soube o nome dele) e pediram apenas que ele nos mandasse uma caixa
para nós, o que ele concordou, tendo até aparecido numa festa que o César
organizou em Santos, e prometendo que mandaria os CDs naquela semana. E nunca
mais ouvimos falar dele. Não deixa de ser um collector's item e até veio com as
4 faixas bônus do cassette, sendo que 3 delas não existem em CD nem mesmo no
box ("Dive to Drown" porque ficou um horror, embora a música seja
boa, "Fairy Tales", por ser muito longa e "Radio Dull", até
hoje eu não sei o motivo).
Foi revoltante ter que entrar no Extra (por alguma razão, a
coleção da Wop-Bop foi distribuída na rede em todo país, para um público que
provavelmente nunca ouviu falar daquelas bandas), para ter que comprar um disco
da minha própria banda.
Em 2004, antes do conceito do box, o Rodrigo Lariú (do selo
Midsummer Madness) entrou em contato com o Verta, interessado em lançar o Fairy
Tales e o Vessels' Town em cd, com faixas extras, mas separadamente. Eu, que
ainda estava no Ceará, e o Verta passamos semanas no telefone discutindo sobre
quais extras entrariam ou não. Começamos a pensar em shows. Nessa época, o
Cesar tinha um trio, mais por diversão do que outra coisa, chamado Avalanche,
que tocava covers e muito do nosso material.
O Avalanche era formado por ele, o Marreco (que já tocara
baixo em shows conosco) na guitarra, e o Lee Luthier no baixo. Considerando que
o Cesar era ex-membro, eles estavam afiados no nosso material, a distancia
geográfica que nos separava, e o fato de que o Midsummer Madness era um selo
mais voltado para guitar bands, resolvemos que usaríamos o Avalanche como banda
de apoio nos shows.
Mas, ainda em 2004, o Alex Nakanda (ex Vanishing Point e ex
Cybernetic Faces) gravou uns 4 ou 5 covers do Harry e postou no site da Fiber,
mantido pelo Enéas Neto, e a principal referencia na música eletrônica por
aqui. As músicas bateram o recorde de downloads do site, surpreendendo tanto o
Enéas como a nós mesmos, que não achávamos que o Harry ainda gerasse algum
interesse. Daí nasceu a ideia do box contendo os 2 álbuns e o EP. Conversamos
com o Lariú que levou de boa, não descartando um disco de inéditas no futuro, e
usamos as faixas gravadas em Serra Negra para entrarem como bônus tracks. Além
disso, a Fiber promoveu um concurso de remixes, no qual os 2 vencedores teriam
suas faixas incluídas no box.
Fizemos o show de lançamento em 2005, tocando junto com a
banda belga The Neon Judgement, e mais alguns no circuito de SP. Ficou difícil
shows em outros lugares, pois o fato da banda contar agora com 6 membros (ao
vivo, para futuras gravações, seria mantida a formação do Fairy Tales)
inviabilizava transportes e hospedagens. O último show foi no Centro Cultural
Vergueiro no final de 2006. Além do que, os outros tinham pouco tempo para a
banda devido a seus afazeres.
Eu, como estava desempregado depois que fechei a loja, ao
menos tinha tempo para compôr material novo, e era frustrante não dar vazão a
ele. Assim, em 2009, caí fora e montei o H.A.R.R.Y. and The Addict com o
Ricardo Santos. Fizemos várias músicas novas e regravamos alguns clássicos do
Harry antigo, que não foram lançados oficialmente, mas estão disponíveis na
net. E fizemos nossa estreia abrindo para a clássica banda belga Vomito Negro,
ao mesmo tempo em que estava sendo lançado o tributo Sky Is Grey, com outras
bandas tocando nosso material.
Infelizmente, esse começo promissor foi esfriando, pela
falta de espaço numa cena que só tem encolhido nos últimos anos, fizemos uma
meia dúzia de shows em 2009 (a partir de nossa estreia em julho), 2 shows em
2010, 1 em 2011 e só, até agora. Eu me mudei para São Thomé das Letras, mas
continuava indo regularmente a Santos, onde nunca deixei de ensaiar com o
Avalanche. Daí surgiu a base do que seria o novo projeto.
Mofo: - Gostaria que fizesse um paralelo sobre a cena independente dos anos 80 com a atual. Converso com muitas pessoas e elas reclamam que o espaço hoje é bem mais reduzido, o interesse do público é bem menor e que muitos locais oferecidos possuem condições precárias. É isso mesmo?
Mofo: - Gostaria que fizesse um paralelo sobre a cena independente dos anos 80 com a atual. Converso com muitas pessoas e elas reclamam que o espaço hoje é bem mais reduzido, o interesse do público é bem menor e que muitos locais oferecidos possuem condições precárias. É isso mesmo?
Johnny Hansen: - Esta provavelmente será a resposta mais
curta, pois a pergunta já explica tudo. Até uns 15 anos atrás, existia até um
circuito nas lojas para a venda de demo tapes em cassetes. Bandas absolutamente
desconhecidas encontravam um público ávido por material novo. Essa curiosidade
desapareceu. Hoje só há espaço para bandas cover, o público só quer ouvir o que
conhece, e a maioria não tem discernimento para decidir se gosta de algo ou
não, e a mídia faz a festa impingindo porcarias.
Não é uma questão de gosto músical: pode conferir que os fãs
de funk/pagode/axé não sabem escrever, não reconhecem uma ironia e aceitam
qualquer ideia que lhes é impingida, por mais absurda que seja. Isso é ótimo
para governos que querem se perpetuar no poder a troco de panis et circensis e
bolsa isso ou bolsa aquilo, mas para quem trabalha com cultura, é um pesadelo.
E, infelizmente, o fenômeno parece mundial, tanto que as grandes bandas e
artistas tem preferido fazer turnês tocando seus álbuns clássicos na íntegra do
que promover novos trabalhos.
Mofo: - Hansen, agradeço a entrevista Fale dos projetos
futuros seus e da banda. E deixe um recado aos fãs..
Johnny Hansen: - De uns anos para cá, voltei a me interessar
sério pela guitarra. Ligando os pontos, percebi que eu não tenho nada gravado
com uma guitarra decente (quase o mesmo pode ser dito do Cesar, que só gravou
bateria de verdade em duas faixas, o resto foi tudo com electronica), o
interesse do público pelo material já estabelecido, o fato de que várias coisas
que eu vinha tocando com o Avalanche soam melhor do que as versões originais e
a questão de que não somos mais tão jovens, então se fosse preciso deixar ao
menos um legado, essa seria a hora.
Resolvemos regravar o Fairy Tales apenas com guitarra, baixo
e bateria. Na verdade, regravamos 7 das 10 faixas, porém acrescentamos 9
inéditas (uma boa parte composta naquela época, e umas poucas novas mesmo). Eu
tinha visto o video da série Classic Albums relativo ao Never Mind The
Bollocks, dos Sex Pistols, um disco que até hoje soa bem produzido (afinal, o
produtor Chris Thomas, foi o mesista do Álbum Branco), e vi o engenheiro de som
Bill Price mostrando a parede de guitarras que o Steve Jones (um dos unsung
heroes do instrumento) construía gravando várias vezes as bases uma por cima da
outra.
E finalmente, creio que consegui diminuir a distância entre
conceito e resultado final. O Johnsson acabou ouvindo os bounces (uma amostra
não mixada e não timbrada, feita geralmente logo após a gravação para
referência) e se interessou pelo projeto com ele já em andamento, e veio para
Santos e gravou teclados (sem nada programado, tudo tocado a mão) nas faixas,
que ainda serão mixadas.
A questão é decidir o que fazer com elas. CDs perderam todo
o atrativo. Gostariamos de lançar em vinil, mas sai muito caro, e teria que
haver algum selo interessado. Talvez montemos uma capa e botemos para baixar
gratuitamente na net mesmo. E fora dos Sesc da vida, não há muito espaço para
shows (cansamos dos buracos alternativos, sem equipamento, sem pagamento e
ainda nos tratando como eles estivessem fazendo um favor em nos deixar tocar em
seus porões), mas na hora não pensamos, fomos lá e fizemos. Ainda não sabemos
também com que nome lançaremos esse trabalho.
O H.A.R.R.Y. and The Addict ainda existe, e também está com
gravações novas em fase de mixagem.
Pensei em usar The Yardrats de novo, afinal é um trabalho
que remete a nossas origens, mas um anime japonês está usando um nome parecido
e isso iria ferrar com a busca no Google (para a qual, o nome Harry já é um
problema).
Deveremos manter o nome Harry (and the Addicts) mesmo,
ficarei com 2 projetos de nome parecido, mas não posso resolver todos os
problemas do mundo.
Encerrando, gostaria de agradecer a você e ao seu blog pela
chance de uma entrevista tão detalhada, e reconheço que fazer um trabalho assim
por aqui, exige uma dose de insensatez tão grande quanto a necessária a mim
para continuar fazendo música nesse lugar após tantos anos de obscuridade. Mas
vamo que vamo...
Para quem quiser conhecer a música do Harry, basta acessar
esses endereços:
http://soundcloud.com/hansenharryebm
http://soundcloud.com/h-a-r-r-y-and-the-addict
http://www.reverbnation.com/johnnyhansenhansenharryebm
http://hansenharryebm.tnb.art.br/
http://harryandtheaddict.tnb.art.br/
http://www.myspace.com/harryandtheaddict
http://www.harrynet.com.br
Discografia
Caos EP
(1987)
Fairy Tales
(1988)
Vessels'
Town (1990)
Chemical
Archives (1994)
Taxidermy -
Boxing Harry (2005)
Diablo Motor - Não quero te entender (demo)
O Garfo - Hard Clichê
The Launderettes - Turn around
Dinosaur jr. - Watch the corners
The Jon Spencer Blues Explosion - Vary rare
Dois Sapos e meio - Jardins da imaginação
Gangrena Gasosa - Artimanhas do catiço
Big Black - The power of independent trucking
Melt Banana - A dreamer who is too week to face up to
Nine Inch Nails - Hapiness in slavery
Bad Cock - Elected but not mine (Ao vivo)
Misfits - Where do they go
Ramones - I wanna be sedated
Muzzarelas - 2000 beers after
Zumbis do Espaço - Vampira 2005
Rotten Horror - I Am a ghost
Drakula - A cidade em pé de guerra
The Sisters of Mercy - Gimme Shelter
Yeah Yeah Yeahs - Diamond sea (live acoustic)
Siouxsie & The Banshees - Hall of mirrors
Melvins - My generation
Spiritualized - I gotta fire
The Raveonettes - Aly, walk with me
O Garfo - Hard Clichê
The Launderettes - Turn around
Dinosaur jr. - Watch the corners
The Jon Spencer Blues Explosion - Vary rare
Dois Sapos e meio - Jardins da imaginação
Gangrena Gasosa - Artimanhas do catiço
Big Black - The power of independent trucking
Melt Banana - A dreamer who is too week to face up to
Nine Inch Nails - Hapiness in slavery
Bad Cock - Elected but not mine (Ao vivo)
Misfits - Where do they go
Ramones - I wanna be sedated
Muzzarelas - 2000 beers after
Zumbis do Espaço - Vampira 2005
Rotten Horror - I Am a ghost
Drakula - A cidade em pé de guerra
The Sisters of Mercy - Gimme Shelter
Yeah Yeah Yeahs - Diamond sea (live acoustic)
Siouxsie & The Banshees - Hall of mirrors
Melvins - My generation
Spiritualized - I gotta fire
The Raveonettes - Aly, walk with me
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