domingo, 17 de novembro de 2013

Várias Variáveis ...

É alvissareiro e, quiçá, inspirador, quando a principal atração de um festival independente produzido numa cidade periférica do mundo globalizado capitalista é uma banda local. O Mopho fechou a primeira noite do festival Maionese, ocorrido em Maceió no final de semana passada, e não decepcionou: um show enxuto, com um repertório perfeito focado em algumas de suas melhores composições retiradas de todos os seus três álbuns. Não foi perfeito: João Paulo, o principal compositor, guitarrista e “frontman”, se mostrava um tanto quanto inquieto, prejudicando a ritmo da apresentação com recorrentes ajustes no equipamento entre uma música e outra, mas isso não foi motivo suficiente para que se perdesse o brilho do conjunto da obra.

Não foi perfeito mas chegou perto, da perfeição. Como sempre, salta aos olhos a incrível competência de todos os que ocupavam o palco, sem exceção. Mas não aquela competência mecânica, insossa, típica de quem está ali apenas para fazer bem seu trabalho e garantir o ganha pão: a competência de quem tem muito a mostrar, em forma e conteúdo, e se esmera em passar aquelas mensagens codificadas em forma de música da melhor forma possível, sem firulas perfomáticas, aos que estão assistindo, na platéia. Emocionante. Pra voltar pra casa – dos pais de Maíra Ezequiel, que me hospedaram de forma extremamente generosa e hospitaleira – com a alma lavada.

A noite havia começado bem mais cedo para nós, que chegamos atrasados, com o Medialunas, de Porto Alegre – e adjacências – tocando para um público reduzido no Armazém Usina, um simpaticíssimo galpão restaurado e situado na região do porto do histórico bairro do Jaraguá. À parte os problemas acústicos, típicos de um ambiente que não havia sido projetado originalmente para abrigar apresentações musicais, o lugar me impressionou. Tinha até ar condicionado! E o festival, em si, foi o mais bem estruturado e organizado que vi nos últimos tempos, com direito, inclusive, a um bazar de produtos alternativos bem mais rico do que o que se costuma ver nesses tempos de farta oferta gratuita de material cultural virtual. Conseguiu o feito, inclusive, de me fazer usar meu cartão de crédito, coisa que não estava nos planos, definitivamente! Mas foi por uma boa causa: comprar os dois primeiros discos do Kafka, banda pós-punk paulistana dos anos 1980, nas edições originais em vinil, da Baratos Afins, e “Viva”, o disco ao vivo do Camisa de Vênus, que foi o item numero um de minha coleção e que eu tive o disparate de trocar por uma edição em CD xexelenta, não me perguntem porque. Finalmente o encontrei de novo com a capa e encarte interno – raridade! - em bom estado. R$ 30,00 cada disco do Kafka e 15 o do Camisa. Achei barato.

Mas voltemos ao Medialunas: é uma simpática dupla de indie rock que canta musicas melódicas porém “esporrentas” em português, espanhol e inglês – se bem me lembro. Já os tinha visto na noite anterior, em Aracaju, e gostado bastante. Os vocais são alternados entre o guitarrista e a baterista, que tem uma voz doce mas bate forte nas peles, quando necessário.

Na sequencia, Xique Baratinho. Fazem, em Maceió, mais ou menos o mesmo que o Maria Scombona em Aracaju: um som calcado no rock mas com forte sotaque regional. Ou seria o contrário? Enfim, é “fusion”. E é muito bem composto e executado de forma extremamente competente, também. E também têm muitos anos de estrada, o que faz com que tenham músicas bastante conhecidas do público local, que cantava junto em vários momentos. É bom, mas não é muito a minha praia ...

Foto: Nando Magalhães
Porque minha praia é o rock. E Autoramas é rrrrrock, como eles fazem questão de deixar bem claro em cada mínimo acorde ou movimento de palco, numa insistência que, às vezes, soa até irritante. Há quem ache, inclusive, meio falso, “poser”, mas eu discordo. Já vi vários shows deles e sempre me deixo envolver pelo clima de celebração roqueira juvenil embalado por batidas retas, melodias simples e solinhos de guitarra tosquinhos porém “gostosinhos”. E por Flavia Couri, musa, estilosa, maravilhosa. Nem curto muito os dois últimos discos, um tanto quanto “jovem guarda” demais para o meu gosto, mas ao vivo continuam muito bons.

A noite seguinte, no sábado, para nós, os eternos Atrasildos da Silva, começou com o Zefirina Bomba, da Paraíba, no palco. Lamentei ter perdido Ataque Cardíaco, de Delmiro Gouveia – a cidade mais Hard Core do interior do nordeste – que todo mundo dizia que foi muito bom. Zeferina é um esporro do caralho, é realmente impressionante o barulho que Ilson consegue tirar daquele violão velho. Mas acho-os muito fracos em termos de composição, o que compromete o resultado final. Ok, eu sei, é punk rock, é “grunge”, é pra ser simples mesmo, mas não sei, acho que exageram na dose do minimalismo - por opção estética, talvez. Em todo caso, fizeram um bom show, pois acreditam no que fazem e isso garante a energia primária que é o motor que move as engrenagens do rock.

Aí vieram uns tais Nelsons, de Paulo Afonso, com um tal “Cangaço HI-FI” que nada mais é que uma emulação daquela mistura que já deu tudo o que tinha que dar nos anos 1990 de rock com rap e guitarras com scratch. Chatíssimo. E o Foxy Trio, de Olinda, Pernambuco, que faz um som bem mais lento, introspectivo, com longas passagens climáticas interrompidas aqui e ali por explosões “guitarrísticas” muito bem orquestradas. Não funcionou muito bem no palco, no meio de um festival, mas deu pra sentir que têm algo a dizer. Vale uma conferida posterior, no sacrossanto recesso do lar ...

O metal esteve presente com o Death “mezzo” “nu” metal do Abismo, local. Competentes. Barulhentos. Mas eu, particularmente, não agüento os clichês do estilo. Afinação baixa, vocais guturais, som meio “grooveado” com passagens “pula pula” em meio a convites às rodas de pogo. Não foi ruim, mas também não impressionou. Deu pro gasto.

Foi um bom aquecimento para a Necronomicon, sensacional formação roqueira calcada no que de melhor os anos 60 e 70 nos deram em termos de peso “sabbáthico” e psicodelia “crua”. Músicas longas, cheias de passagens, vocais berrados porém cantados, bateria devidamente castigada com energia e estilo, conduzindo com perfeição a guitarra de Lillian Lessa que eu finalmente consegui ouvir da forma que sempre quis: em alto e bom som! Nem tenho muito mais o que falar desses porras, sou fã incondicional. Segundo melhor show do festival, perdendo apenas para a Mopho.

Poderia ter ido embora, mas queria ver o Mukeka di Rato. Para tanto tive que esperar o chatíssimo Zander e seu “emotional Hard Core”, o popular “emo”. Vai um pouco na linha do Dead Fish, com letras “emocionais”(dã) cantadas a plenos pulmões em meio a boas guitarras ligadas no talo. A galera parece gostar muito. Eu não.

O show do Mukeka foi mais ou menos a bagaceira de sempre. Nem o melhor nem o pior que eu já vi – e vi vários. A impressão que tenho é que o Sandro voltou aos vocais sem o mesmo pique de antes: faz o show meio que no piloto automático, pra cumprir tabela. O que, na verdade, não faz o menor sentido, porque tenho certeza que ele não vai ficar rico sendo o vocalista do Mukeka di rato. Mas vai ver é só impressão minha. Enfim, foi divertido, mas o som estava muito embolado, sem definição. Tocaram canções clássicas de todas as fases e discos da banda. Destaque para “carne”, a música, que eu acho muito foda. Muito acima do repertório da própria banda, inclusive.

Fiquei bastante surpreso, positivamente falando, com a estrutura e a organização do Festival. Esperava que fosse algo mais mambembe, improvisado. Impossível não comparar o que vi naquele final de semana em Maceió com o atual momento em que passamos aqui, em Aracaju. Afinal, desde a “morte” – independência ou morte, lembram? – do PUNKa, em 2004, a cidade não tem nenhum festival independente acontecendo de forma regular e organizada. Vivemos à mercê da maré dos momentos, ora com muitos e excelentes shows acontecendo ao mesmo tempo em pontos diversos, ora com nada a fazer.

Depois de um longo período de pasmaceira e estagnação, quando os poucos produtores que ainda se arriscavam a promover por aqui apresentações com bandas de fora de médio ou pequeno porte - estas últimas de passagem em turnês “do it yourself” - cansaram de tomar prejuízo, por falta de público, a maré parece estar, aos poucos, virando. Por conta, em grande parte, do grande momento que vivemos, paradoxalmente, na cena local, com o surgimento de excelentes novas bandas, como a Tody´s Trouble Band, e a lenta projeção além-fronteiras provincianas de outras já não tão novas, como a The Baggios. Um dos grandes responsáveis por essa “retomada”, digamos assim, foi o pessoal que organiza os eventos “Clandestino”, feitos na rua, sem porta, sem cobranças, embora não sem custos.

O “Happening” cooperativo teve mais uma edição na última quinta-feira, dia 07 de novembro de 2013. Aconteceu na praça do farol da Farolândia, próximo à UNIT, com apresentações da Renegades of punk e do Medialunas, de Porto Alegre – e adjescências. Foi lindo, como sempre. O gerador roncando, o rock rolando, as crianças brincando e o vento soprando. E fanzines circulando! Lá recebi, das mãos do camarada Aquino, a cópia # 22(de 50) da simpática publicação xerocada com sobrecapa em papel vegetal “linhas tortas”, em primeira e gloriosa edição. Bacana, bem diagramado, com bons textos de Josimas e Maria Rita Kehl, poemas de Hilda Hist e Carlos Drummond de Andrade e um pôster “militante” de Ivo Delmondes. Digo mais: naquela mesma noite, ali vizinho, no CHE, os goianos do Hellbenders se apresentaram para um bom público com as locais Nucleador e Tody´s Trouble Band.

Hellbenders faz aquele rock pesado “mezzo” stoner cantado em inglês que se tornou característico de Goiânia. Um bom show, energético, com boas composições e uma boa presença de palco – um pouco exagerada, é verdade, especialmente da parte de um dos guitarristas e principal vocalista, que não se cansava de fazer caras e bocas e mostrar a língua a la Gene Simmons, mas enfim, faz parte do show dele, fazer o que ...

Já a Nucleador vem renascendo das cinzas em grande estilo com um novo – que já nem é mais tão novo – vocalista e novas – que também não são mais tão novas – composições que estarão no seu aguardado segundo disco. Tão aguardado que já está sendo chamado de “o chinese democracy sergipano”.

Tody´s Trouble é foda, melhor banda da cidade, atualmente. Mas naquela noite exageraram no desleixo e só foram subir no palco em adiantadas horas, por pura vagabundice, já que estavam todos lá, batendo papo, e o som estava “de cima”. Vi um pouco do show, como sempre ótimo, e me mandei.

Além do CHE e do Tio Maneco – que é mais “light”, apenas flerta com o som preferido do capeta – o Capitão Cook está reabrindo as portas e estão surgindo, surpreendentemente, novos espaços para apresentações de rock “underground” na cidade. Caso do Saloon, no Augusto Franco, e da Caverna do Jimi Lennon, no centro. Lá vi, dias atrás, um excelente show de Hard Core com mais uma devastadora apresentação da Karne Krua, que não só se recusa a “morgar” como vem se superando a cada dia em todos os aspectos, seja nas novas composições, seja na energia que entregam ao vivo. E perdi a estréia do Skabong, primeira banda inteiramente dedicada ao ska da cidade – antes havia o Friendship, que flertava com o estilo. Porque estava discotecando no segundo show depois da reabertura do cook, com Snooze e Arthur Matos. Que não deu praticamente ninguém, porque além do ska com renegades no Caverna estava acorrendo, no Tio Maneco, um show de covers com Plástico jr. E Cia. Ltda. Além do Saloon, onde certamente também estava rolando um rock.

É isso então. Ainda não temos um festival bem estruturado que aconteça com periodicidade, mas por outro lado a cena está viva e ativa, se multiplicando com qualidade, o que é mais importante e pode gerar uma movimentação mais forte, permanente e, suprema ambição, SUSTENTÁVEL! Meta perseguida pelo Zons, festival muito bem articulado ao qual não compareci justamente porque estava em Maceió, no Maionese.

“Várias Variáveis”, como dizia o “grande filósofo” Humberto Gessinger.

SQN.

A.

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