quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Very Nice pra xuxu

Arnaldo em 1978, foto de Grace Lagoa
A expressão serena de Arnaldo Dias Baptista – exibida tanto em fotos velhas, quanto novas – não dá conta de toda a genialidade e turbulência que marca sua vida e sua obra. Obra que, em sua fase solo, ganha agora relançamentos especiais, shows  e exposição de seus quadros.

Alçado à fama nos anos 1960, ao lado de Rita Lee e seu irmão Sérgio Dias n’Os Mutantes, Arnaldo foi quem pagou mais caro pela psicodelia desenfreada daqueles dias envoltos na névoa púrpura. Foi internado em clínicas psiquiátricas e tentou o suicídio em 31 de dezembro de 1981, ao se atirar da janela de um hospital em São Paulo.

Superado o trauma (e o traumatismo craniano), retirou-se para uma vida mais tranquila em um sítio em Juiz de Fora (MG). Há uns quinze anos, começou a retomar as atividades artísticas: lançou em 2004 Let It Bed,  CD de inéditas, e participou do retorno d’Os Mutantes, fase Zélia Duncan (2007). Agora, ele curte o relançamento remasterizado de seus álbuns solo – difíceis de achar em lojas convencionais.

A série começa com o fantástico Singin’ Alone (1982), gravado no ano anterior, no qual Arnaldo gravou todos os instrumentos. Em paralelo, tem feito, com sucesso, os shows Sarau o Benedito? pelo Brasil. Como o nome diz, é em formato sarau, só Arnaldo e o piano no palco.

Não acabou ainda: até 17 de novembro, o Sesc Vila Mariana, em São Paulo, expõe quadros de Arnaldo, Tulipa Ruiz, Karina Buhr, Cibelle e Kiko Dinucci, na mostra Ateliê dos Músicos. Em resumo, é um ótimo momento para o eterno Mutante. “Me sinto levando a vida do jeito que eu gosto”, afirma Arnaldo, em entrevista por telefone. “Esses saraus é onde eu entro em contato com o público. O pessoal tá gostando. Já fiz no (Teatro) Municipal (SP, na última Virada Cultural) e em Porto Alegre, e foi bem legal. Agora (foi no dia 29 último), vou fazer no Sesc Pompéia”, conta.

Em se tratando de Arnaldo, porém, algumas coisas nunca mudam: “Só há um problema: eu só gosto de amplificadores valvulados (em oposição aos transistorizados) e nenhum teatro que eu conheça tem um desses. Então eu faço saraus sem bateria, baixo e guitarra. Aí não se vê tanta diferença”.

Quem já leu uma entrevista de Arnaldo – qualquer uma – sabe que ele sempre bate nesta tecla. “A diferença é tão difícil de explicar quanto um orgasmo. Posso dizer que o valvulado tem graves que acompanham as curvas sonoras. É pensamento de audiófilo, né?”, justifica.

Esphera à espera

Sobre o Singin’ Alone, o CD está disponível para download pago no site CD Baby e audição streaming em sites como Deezer e Rdio, atingindo bons números de vendas e execução. “A gravação foi uma experiência: eu não tinha ideia de como ia sair. Eu sabia tocar os instrumentos, mas nunca tinha feito um disco inteiro sozinho”, lembra Arnaldo.“Ainda vão sair o Shinin’ Alone, que é um ao vivo da época, inédito, e o Loki? (LP de 1974). Mas ainda não sei quando. Tem muitas coisas que acontecem que não sou eu que comando. O Loki? é da (gravadora) Universal. Então nem sei dizer qual vai ser o próximo”, conta ele.

No momento, além das atividades já citadas, ele também prepara um novo álbum de inéditas, já intitulado Esphera. “Estou fazendo  sozinho. Gravo  em Juiz de Fora, aonde tenho meu estúdio. Já tem umas sete faixas gravadas, mas ainda não sei quando sai”, diz Arnaldo.

"É um momento intimista, como a Lucinha (esposa de Arnaldo) fala. Envolve um piano, de preferência um Steinway de cauda, que é o melhor que existe. É difícil explicar. As vezes quando eu era criança, eu pensava que estava fazendo um show. Ficava uma hora percorrendo os caminhos das músicas que mais me agradavam. O pessoal que gosta de mim sofre pra danar. Eu pergunto: qual a sua idade, e muitos nem tinham nascido na época dos Mutantes. Toquei com Sean Lennon e ele falou: Arnaldo tem uma coisa de criança, está sempre saracoteando". É um lado infantil que eu gosto. Pode ser palhaçada, mas eu curto tanto. Sean comentou que parecia que eu tava andando sobre a água", ri Arnaldo.

Quanto ao Ateliê dos Músicos, Arnaldo diz que "perceber que não sou o único que pinta e é musico. Essa exposição é uma espécie de confraternização de quem faz arte plástica e sonora ao mesmo tempo. É lá na Vila Mariana onde morei tanto tempo com a Rita (Lee). Mas sua pergunta é difícil. Não sei como faz para o som sair do quadro. Tem uma (obra) que tem uma mão que sai do quadro. Aí você bate na mão e ela faz barulho. Às vezes me inspiro em músicas do Yes e Emerson Lake & Palmer. Isso influencia a pintura, no sentido dos traços, da motivação, cores etc".

De uma coisa ele sabe: não quer mais trabalhar com o irmão, Sérgio. "Lembro dessa ultima excursão com os Mutantes (com Zélia Duncan). Eu não gosto mais do Sérgio (Baptista, irmão) por que ele não concorda comigo em nada sobre tecnologia. Daí prefiro fazer sozinho. Em grupo, sempre tem um problema. Ou eu não gosto da marca da guitarra (que não é Gibson) ou é o amplificador, que não é valvulado. Por isso, prefiro fazer (música) sozinho, por que aí vamos em uma única direção".

Sobre bandas atuais, ele confessa que não se interessa muito: "As vezes eu gosto de alguns em particular. Fora o Pato Fu (de John Ulhoa, produtor de Let It Bed) que é legal como conjunto, esse pessoal todo me comove, mas não encontro nada além disso. No exterior, os velhos me atingem mais. Jimi Page, que só usa guitarras Gibson e amplificadores valvulados, Jack Bruce do Cream, essas coisas".

Arnaldo, apesar de tudo, tem acompanhado com interesse o momento conturbado do Brasil - embora sempre sob sua ótica muito particular: "Tenho visto na TV. O pessoal tá protestando tanto, né? Espero que alcancem a liberdade psicodélica que tem na Holanda - fora a prostituição. Tem muita coisa de energia elétrica que pode ser feita pelo sol e pelo vento. Isso livraria a gente da poluição dessa idade de fogo em que estamos. O homem tem que aprender a apagar o fogo - depois que aprendeu a criar".

Singin’ Alone / Arnaldo Baptista / Download: www.cdbaby.com/cd/arnaldobaptista / US$ 9,99 / www.arnaldobaptista.com.br

por Franchico

rock loco

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