No site oficial da banda, Smith enviou mensagem aos fãs: “Estamos delirantemente felizes por voltar à América do Sul – estivemos longe por muito tempo! Vamos fazer shows de mais de três horas, e temos toda a intenção de tornar este momento o mais memorável de nossa turnê”.
Com 35 anos de carreira, a banda tem repertório mais do que suficiente para completar tanto tempo de show como Smith prometeu. São 13 discos – o último, 4:13 Dream, de 2008 – e hits como “Boys Don’t Cry” e “Just Like Heaven”.
The Cure no Brasil
Rio de Janeiro
Quinta, dia 4 de abril
Local: HSBC Arena - Av. Embaixador Abelardo Bueno, 3401 - Barra da Tijuca
Ingressos no site a partir do dia 19 de fevereiro
São Paulo
Sábado, dia 6 de abril
Local: Estádio do Morumbi - Praça Roberto Gomes Pedrosa, 1 – Morumbi
Ingressos no site a partir do dia 18 de fevereiro
Abaixo, registros das duas últimas passagens da banda pelo "bananão", mais algumas entrevistas históricas para a imprensa brasileira:
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Pode parecer brincadeira, mas o show que o The Cure fez na edição de 1996 do Festival Hollywood Rock, no Rio de Janeiro, quase ficou comprometido por conta de uma singela linguiça. Explicando melhor: na manhã de 22 de janeiro, dia seguinte do show em São Paulo, o The Cure optou por pegar um ônibus ao invés de um avião. Uma paradinha em um barzinho na Via Dutra, uma linguica, e Robert Smith teve que ficar alguns dias no banheiro. Sorte que quatro dias depois já estava tudo certo com o vocalista e guitarrista de uma das bandas mais amadas da década de 80.
E estava tudo certo mesmo. O show realizado no Rio teve um repertório idêntico ao de São Paulo, com generosas 28 canções espalhadas em duas horas e meia de espetáculo.
Bom para o The Cure, que subiu ao palco com estimadas 20 mil pessoas a espera do grande show da noite. Em pouco mais de 270 minutos, Robert Smith (como de costume, com uma calça preta e um camisão quadriculado), Perry Bamonte, Jason Cooper, Simon Gallup (usando vestido) e Roger O'Donnell apresentaram sucessos de todas as fases da carreira da banda e algumas canções que seriam lançadas poucos meses depois no razoável álbum "Wild Mood Swings".
O show começou exatamente com uma canção nova. "Want", como já era de se esperar, não empolgou. Mas que a atitude da banda foi louvável em começar um show para um público grande, no Brasil - onde qualquer um se contenta com os batidos "greatest hits" -, com uma música absolutamente inédita, ah, isso foi.
Mas quando a guitarra de Perry Bamonte anunciou os primeiros acordes de "Fascination Street" (faixa de "Disintegration", a obra-prima do Cure, lançada em 1989), a plateia pôde, enfim, ter a certeza de que aquilo realmente se tratava de um show do The Cure. "A Night Like This", faixa de "The Head On The Door" (1985), manteve a empolgação do público, assim como a melancólica e belíssima "Pictures Of You". Um "obrigado" e um "boa noite" foram algumas das pouquíssimas frases pronunciadas por Smith durante o show.
Aliás, o português quase perfeito de Robert Smith chamava ainda mais a atenção, quando era possível notar no telão que o vocalista já tinha, assim como no show em São Paulo, bebido todas. A revista "Bizz", na sua edição de fevereiro de 96, observou bem esse aspecto, com relação ao show paulista: "Com uma pronúncia meio alterada, Robert Smith quis dividir com o Pacaembu a alegria de estar fazendo um grande show. 'Stubibaço' (estou bebaço), leu ele, da cola anotada em sua mão, entre várias outras simpáticas frases em português. O Cure tinha encomendado nada menos do que 36 tipos diferentes de goró para esquentar antes de sua apresentação. Na noite anterior, Smith havia tomado umas e outras com Robert Plant e teve de ser carregado para o seu quarto".
De porre ou não, o The Cure fez um dos shows shows mais profissionais da edição 1996 do Hollywood Rock, que também teve nada menos do que Robert Plant e Jimmy Page na noite seguinte. (Tanta gente que quer ver um show do Led Zeppelin mesmo sem Robert Plant, e nem imagina que o verdadeiro Led Zeppelin - dentro do possível - já passou pelo Brasil...)
A primeira reação mais entusiasmada do público aconteceu com "Lullaby", momento em que Smith (com a sua camisa de flanela debaixo de 38 graus em um verão carioca daqueles) reclamou do calor. Depois desse aquecimento com alguns velhos sucessos, o The Cure começou a privilegiar canções mais recentes, como "Trust", High" (ambas de "Wish) e a então inédita "Jupiter Crash". A rara "Dressing Up" (de "The Top") e os singles "The Walk" e "Let's Go To Bed" voltaram a aquecer o público, que se esbaldou de vez com "Friday I'm Love" e "Inbetween Days", que foi o momento mais animado do show. No entanto, quando o público já estava na palma da mão, o The Cure mandou, antes de sair do palco, canções nem tão conhecidas, como "From The Edge Of The Deep Green Sea", "End" (as duas de "Wish") e "Disintegration".
Uma hora e quarenta minutos haviam se passado, mas o The Cure ainda queria mostrar muito mais coisa. No total, a banda voltou três vezes ao palco, e o tal bis acabou tendo quase uma hora de duração. No primeiro retorno, Robert Smith e seus colegas mandaram quatro canções do fundo do baú, todas presentes no álbum de estreia da banda ou em singles lançados naquele período. "Three Imaginary Boys", "Boys Don't Cry" (dá para imaginar a catarse coletiva durante essa canção?), "10:15 Saturday Night" e "Killing An Arab", canção raramente tocada na década de 90 e, muito menos agora.
Mais uma saída do palco e - surpresa! - Robert Smith volta com a camisa canarinho da seleção. Contraste total com o estilo da banda. Mas a plateia gostou. E gostou ainda mais quando Robert Smith anunciou mais uma canção inédita, a pop "Mint Car" (não executada no show paulista), que acabou se transformando no principal hit de "Wild Mood Swings", lançado cinco meses após a apresentação no Rio. "Close To Me", hit de "The Head On The Door" e "Why Can't I Be You" (de "Kiss Me, Kiss Me, Kiss Me", lançado em 1987) encerraram o segundo bis em alto estilo.
Nesse momento, o relógio já marcava mais de duas e meia da manhã e o público, cansado da maratona que se iniciara às seis da tarde, já começava a deixar a Praça da Apoteose, principalmente os fãs de ocasião, que já haviam se descabelado com "Friday I'm In Love" e "Boys Don't Cry". Mas os fãs que aguardavam um retorno do The Cure havia quase dez anos, não arredaram o pé. E certamente não se arrependeram quando o baixo de Simon Gallup mandou a melodia irresistível de "Charlotte Sometimes", single que a banda lançou em 1981. A derradeira "A Forest" (faixa de "Seventeen Seconds", de 1980), com a sua versão de mais de dez minutos de duração, enfim, não deixou dúvidas de que a plateia acabara de presenciar um dos grandes shows de todas as edições do Hollywood Rock.
Logo após "A Forest", Robert Smith disse ao microfone: "Thank you very much. I see you again in the next ten years". Já estamos em 2009! Alguém tem que avisar para o vocalista que a promessa dele venceu ...
Fonte: http://www.sidneyrezende.com
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CURE - TOUR BRASIL 87 ( Revista Bizz # 021 – Abril de 1987 )
EXCLUSIVO BIZZ
Uma das melhores bandas pop do mundo, no topo da forma, apresentando o melhor de seu repertório. Não é todo dia que isso acontece do lado de baixo do equador. Dá até para entender - com o beabá da psicologia - as críticas ranhetas dos que, uns anos atrás, cultuavam a banda como se ela fosse "vanguarda". Quem foi aos shows com a cabeça livre e desentupida teve o privilégio de ver/ouvir/viver momentos inesquecíveis - uma banda sem egolatria, que concilia a textura de "A Forest" com a simplicidade pop de "lnbetween Days" e "Close to Me".
E, privilégio por privilégio, quem se deu bem foi nosso repórter Joan-Yves de Neufville, escalado para o tour-de-force de ser a "sombra" de Bob Smith e seus asseclas de Porto Alegre a São Paulo, em hotéis, aviões, passagens de som, restaurantes. Eis aqui o seu diário de bordo, estendendo o privilégio aos leitores de BIZZ, colocando você nos bastidores dessa maratona. De tabela, uma entrevista mais que suculenta e, modéstia à parte, um furo mundial: a primeira audição do novo álbum do Cure. Relaxe, goze!
Quinta-feira, 19 de março, 18 horas. Robert Smith, Simon Gallup, Laurence Tolhurst, Porl Thompson e Boris Williams atravessam o corredor formado por seguranças e entram no ônibus, indiferentes aos gritos dos cinqüenta fãs que põem o aeroporto de Porto Alegre em alvoroço há várias horas. No ar, muito nervosismo. A equipe técnica, formada por 11 integrantes, segue no outro ônibus. O Cure está no Brasil.
Uma primeira surpresa: Smith mudou de novo seu visual. Seu cabelo já cresceu. Ele responde a todas as perguntas da primeira entrevista coletiva com ar introspectivo, encolhido, pesando as palavras. Por vezes troca idéias com Simon Gallup, sempre a seu lado. Os outros preferem ficar calados. Enquanto isso, a equipe técnica já saiu para o Gigantinho, onde o trabalho de montagem do palco deverá se estender durante a noite inteira.
Sexta-feira, 20 de março. A passagem de som no Gigantinho, prevista para as 16 horas, irá atrasar até as 18. Nos camarins, uma mesa cheia de pratos basicamente vegetarianos está à espera. Durante os ensaios, à espera da hora do show, Porl Thompson se diverte com seu passatempo favorito: o skate. Com calma aparente, cada um se prepara para a apresentação. A lista das músicas que vão ser tocadas cai em minhas mãos: é praticamente o mesmo roteiro seguido durante a turnê The Head on the Door, do ano passado. Um pouco decepcionado, pergunto a LoI Tolhurst se não vai haver nenhuma música nova. Ele confirma.
No ginásio, o público já está entrando. Os alto-falantes tocam música de Brian Eno, Bob Marley, uma seleção de músicas tradicionais irlandesas, Kate Bush. O ginásio está cheio. As 21 horas, as luzes se apagam. Um instrumental de 5 minutos, estrondoso, leva a platéia ao delírio, enquanto a fumaça invade o palco dominado por uma luz azul. A música é "Relax", gravada por Robert Smith e Steve Severin (The Glove). A excitação está num ponto de não-retorno quando as cinco silhuetas aparecem em seus postos. A luz rasga o palco com os primeiros acordes de "Shake Dog Shake". Da esquerda para a direita: Porl Thompson (guitarras, teclados, eventualmente um baixo ou um saxofone), Robert Smith (vocais, guitarra, Simon Gallup (baixo), Laurence Tolhurst (teclados). No fundo, Boris (bateria). O que aconteceu durante essa primeira noite deverá ficar por um bom tempo na memória de quem estava presente. O público surpreendeu o próprio grupo, cantando e batendo palmas em ritmo, não apenas durante a execução das músicas mais conhecidas, como "Inbetween Davs", mas também quando o grupo interpretava canções inéditas no Brasil: "Faith", faixa-título do terceiro álbum do Cure, foi o momento alto de todos os shows.
Mais tarde, Robert Smith dirá: "Fui pego de calças curtas. A gente não tocava essas canções há sete meses. Eu tinha esquecido as letras e o público me ajudou. Não consigo acreditar. Aquela gente estava realmente selvagem". A segunda noite correu sob o mesmo modelo que a precedente, agora com um assédio cada vez mais intenso dos fãs entre o hotel e o ginásio. O Cure como um todo está mais tranqüilo. A provinciana Porto Alegre deu a melhor recepção possível a essa banda de provincianos ingleses.
Domingo, 22, sala de espera VIP do aeroporto de Porto Alegre, antes do embarque para o Rio. Olho com certa curiosidade Robert Smith. Ele se botou num canto da sala. Está sozinho, recolhido. A banda, no Rio Grande do Sul, apresentou principalmente músicas conhecidas no país. Em compensação, tocaram uma mundialmente inédita: "Whv Can´t I Be You?", no segundo bis. Uma forma de presentear e homenagear este público.
Robert medita, mergulhado profundamente num mundo que é só dele. Olho para os outros: Simon, Lol, Porl e Bons conversando entre si. Esta cena fria se repete em várias oportunidades.
No avião, resolvo quebrar o gelo distribuindo alguns jornais ingleses. Assim, eles passam a viagem inteira lendo e fazendo comentários. Porl Thompson me surpreende de novo, depois do skate: ele não se separa de uma bolsinha a tiracolo de pelúcia preta, em forma de ursinho.
A estada no Rio corre na maior discrição. Ninguém sabe que o grupo está hospedado no Hotel Rio Palace. Andy, autor de várias capas, está aí. Ele veio fazer fotos da banda para o novo álbum: a capa do LP Kiss me, Kiss me, Kiss me, que terá na frente o dose de um olho. Vontade de pôr a mão numa fita deste álbum é que não falta.
Segunda, 23 de março, 16 horas. O ambiente na coletiva de Imprensa é de confusão. As perguntas correm desencontradas, desinformadas, desinteressantes. Na mesa, Robert, Lol, Porl, Simon e Bons trocam folhas de papel com desenhos e frases com piadas sobre o que está acontecendo. As coisas se arrastam até a última pergunta, proferida por um jornalista carioca e dirigida a Smith: "Quem é a verdadeira Mary (a namorada de Robert)? Simon ou Laurence?" A entrevista é interrompida. Este acontecimento merece alguns comentários. Não se questiona o direito dos jornalistas fazerem todas as perguntas que desejarem, inclusive as mais polêmicas, a partir do momento que todo o trabalho de informação já foi feito. Neste caso, ironia e agressividade não tiveram o menor efeito - se voltaram contra seu próprio autor e, mais grave, sujaram a imagem de toda a classe profissional ali presente, comprometendo o trabalho de muitos jornalistas no decorrer do resto da turnê.
Depois de uma tarde movimentada, a banda entra no ônibus para um passeio de ida e volta até a entrega de prêmios da BIZZ. Chegaram, subiram no palco para receber o troféu e foram embora: "Não entendemos muito o que estava acontecendo, mas achamos divertido", dirá Lol, de volta ao hotel.
No bar, consigo finalmente conversar com Smith. As minhas perguntas vão imediatamente ao assunto: o novo álbum. Mas como descrever canções para alguém que não as ouviu? Robert profere as palavras luminosas: "Vamos ouvir este disco já. Assim você vai ter algo consistente para informar". Dito e feito. Meu coração está a mil por hora quando subimos com Lol. Simon e Georges (um jornalista francês, da revista Best) até o quarto de Robert. Sento no chão, perto do gravador que há de derramar durante duas horas a íntegra dos novos trabalhos do Cure. Uma sensação de privilégio me domina, logo superada pelo interesse crescente pela música. O novo disco do Cure me parece o que fizeram de melhor. Ao longo das dezoito faixas, descubro grande variedade de estilos, do funk à balada mais romântica. A voz de Robert está mais afiada do que nunca. Fica uma certeza: os rapazes são mestres em construir canções pop sob medida.
Terça-feira, 24 de março, 12h30. Estou no saguão de entrada com as minhas malas. Desde ontem à noite a banda manifestou o desejo de viajar de ônibus para Belo Horizonte, dispensando o avião. A idéia mostra muito exatamente o espírito da banda: aceitam se encaixar dentro do sistema... até certo ponto. Dentro dele, procuram agir com o máximo de liberdade possível. Mas, desta vez, a máquina é mais forte, e acabamos tomando o caminho do aeroporto. O vôo é chato e sem histórias. A chegada ao hotel Real Palace, idem. Estou no meu quarto há minutos quando toca o telefone.Arthur Couto Duarte, editor do Gass, o único fanzine digno desse nome no Brasil, me espera na recepção. Não foi difícil convencer Simon e Laurence a dar uma entrevista. Os músicos fazem algumas revelações: Laurence conta que a mãe dele morreu durante as gravações do LP Pornography. Talvez seja uma explicação das mais convincentes para a depressão daquele álbum. Pergunto a Simon se ele chegou alguma vez a assistir a um show do Cure quando estava separado da banda (82/85). Sim. Bastante empolgado, ele conta essa experiência: "Da platéia, consegui entender o verdadeiro sentido do grupo, aquilo que ele sempre representou, e tive vontade de voltar". É a primeira vez que vejo Simon tão sério. Para, maiores detalhes, leiam o Gass nº 9.
A conversa é tão interessante que continua no meu quarto com Laurence e Bruno, um integrante da equipe técnica. De todos os membros da banda, Laurence "Lol" Tolhurst talvez seja o mais comunicativo, prestativo. Muito engajado, ele representa uma espécie de garantia de que o Cure nunca irá perder seu espírito anticonformista. É o guardião da integridade do grupo... Em compensação, Simon Gallup é o curinga, o brincalhão da banda. E freqüente vê-lo surgir de repente do camarim dando gritos grotescos e dizendo coisas incompreensíveis. É também o último a se levar a sério: "Não sou obrigatoriamente um baixista", diria ele. "Gosto de ser baixista porque estou no Cure."
Quarta-feira, 25 de março. Esta cidade, aparentemente tão pacata, nos saúda com uma manifestação de rua dos bancários. Na frente do hotel a bagunça é geral. Não se sabe mais quem é fã e quem é manifestante. À tarde, deixamos o hotel para conhecer o Mineirinho. Pouco antes da chegada, o ônibus quebra. Todos terminam o trajeto de carona. Em compensação, único show previsto em terras mineiras teve correr sem maiores surpresas, cm um ginásio cheio em 70%.
Na volta ao hotel, um drama. Descubro que o Cure vai voltar ao Rio de Janeiro de ônibus descubro também que, por ordem de Chris Parry - o empresário) da banda e dono da Fiction Records -, não vou poder participar dessa viagem.
Quinta-feira, 26 de março. Tenho pouco tempo para reverter a situação. Minha passagem de avião está marcada para as 13h15. Não tem jeito. O manager é mais teimoso que todos os mineiros ali presentes. "Você vai ter mesmo que voltar de avião..."
Rio de Janeiro, meia-noite. Apesar da longa viagem. Boris Williams vai dar uma esticada na boate do hotel. Dos cinco, é aquele que se encaixa mais no "espírito rock´n´roll pronto-para-todas..." Recebo o recado de que a minha entrevista exclusiva com Robert Smith está confirmada para o dia seguinte, ás 15 horas.
Sexta-feira, 27 de março. As 15h30, Smith está à minha frente. Calmo, circunspecto, procura sempre as palavras antes de responder a uma pergunta. Ele mostra uma clareza fora do comum em suas análises. Sem dúvida, uma inteligência brilhante e refinada. 17h30: a entrevista termina. Antes de entrar no elevador, ele se volta para mim e grita: "Muito boa!" Tenho apenas cinco minutos para pegar minhas coisas mio quarto. No saguão de entrada do hotel, encontro Robert de novo. Ele me entrega as duas fitas do, novo álbum: "Você precisa ouvir isso melhor..." No ônibus, a caminho para o Maracanãzinho, meu walkman está no último volume.
O calor que abafa o ginásio vai ficando cada vez mais forte à medida que o público vai entrando. PeIa primeira vez vejo os músicos sofrerem. A temperatura deve beirar os 40 graus. O concerto que se segue talvez o mais memorável da turnê. Para falar a verdade, do ponto de vista técnico, as coisas não andaram muito bem. O encordoamento das guitarras, dilatado pela temperatura, desafinou os instrumentos. Mas tudo passou despercebido pela maioria dos espectadores que lotavam o Maracanazinho. Entre os pontos altos do show, ninguém vai esquecer o momento de graça que aconteceu durante a execução de "Faith". A batida envolvente foi acompanha pelas palmas da platéia, com milhares de isqueiros se acendendo em ritmo. Essa Robent Smith e seus curados não vão esquecer tão cedo. Um arrepio de beleza e comunhão entre o artista e a platéia. De repente, lembro que a canção tem por título "Fé´´... uma coincidência? De volta ao hotel, tranco-me no quarto e fico ouvindo as fitas até altas horas da madrugada.
Sábado, 28 de março. Acordo com o gravador a meu lado. Fico trancado até a hora da saída do ônibus, de medo que alguém lembre que estou com essas fitas de volta... Já nos camarins do ginásio acontece o que eu temia - Mick, o chefe da equipe técnica, diz que "Robert está pedindo as fitas de volta... Só me resta devolver. O segundo show, ajudado por uma temperatura mais amena, foi melhor tecnicamente. A vibração do público, ainda que impressionante, não chegou a atingir o estado de graça da véspera.
Domingo, 29. Dia de descanso. Nos vários bares do hotel e na piscina, todos aproveitam. 16 horas: um comboio de três carros sai para o Maracanãzinho. Lá, uma dificuldade: o diretor do ginásio impõe uma condição. Só seria permitida a entrada na tribuna de honra de terno e gravata (!!!???). Vencidas as dificuldades, outra surpresa espera a banda: nosso famoso beijoqueiro - que provavelmente adivinhou o nome do novo disco - se precipita no momento oportuno sobre Simon Gallup, errando o alvo. Violentamente rechaçado pela segurança, ele consegue, no entanto, voltar ao ataque e tenta agarrar Boris Williams. Finalmente, ele é expulso do local. 21 horas: todos se reúnem no lounge principal, à espera do início da festa que a Polygram oferece à banda na boate do hotel.
O ambiente não poderia ser melhor. Aproveito pana fazer algumas perguntas a Porl Thompson. O universo dele é a música e um instrumento - a guitarra. Seus modelos: Jimi Hendrix e Jimmy Page. Conta com orgulho que possui uma das vinte Fender Telecaster 1957 que existem no mundo. Confessa que odeia os teclados quando questiono sua postura um tanto quanto displicente no palco em relação a este instrumento. E capaz de agarrar um saxofone e até um baixo quando for preciso, mas não abre mão da guitarra. No ano que vem, quer deixar os teclados.
Segunda-feira, 30 de março. É com dificuldade que consigo emergir da cama. Cancelada a entrevista coletiva em São Paulo, a banda resolveu curtir o sol carioca por mais um dia. Mesmo assim, resolvo voltar a São Paulo, onde a redação desta revista está me chamando aos gritos.
Terça-feira, 31 de março. Hoje, envelheço na cidade. Trintão. É duro. Passo o dia articulando uma idéia que me persegue desde o início da turnê: já que todos eles gostam da comida indiana, reunir a banda para um jantar no Govinda, um dos melhores restaurantes desta metrópole. As dificuldades são grandes. Oficialmente, para a recepção do hotel Hilton, o Cure ainda não chegou em São Paulo. Impossível conseguir qualquer tipo de confirmação ao convite já feito no Rio.
17 horas: consigo finalmente um consigo com Robert Stephenson, o relações-públicas do grupo. A princípio, tudo bem. Mas nada oficial. 20 horas: bato à porta do camarim no ginásio do lbirapuera. Chris Perry está doente e ficou no hotel. Arranco finalmente um "0K" de Malcolm Ross. O ambiente que precedeu o primeiro show paulista foi o mais tenso de toda a turnê.
22h30: retiro-me antes do final do show. Corro até minha casa e, num instante, chego de táxi no hotel, com namorada, roupa nova e tudo. 23h30: a banda começa a chegar ao salão. 23h50: Malcolm Ross me avisa que Robert Smith não vai poder ir. Meia-noite: Robert Smith, em pessoa, aparece e confirma sua presença. 00h10: todo mundo no ônibus. Sirvo de guia.
00h35: vejo, como num sonho, o staff completo de BIZZ recebendo a banda. Vamos logo ao que interessa: um jantar delicioso está à espera. Definitivamente, o mais incrível aniversário da minha vida!
O disco novo: um duplo de várias faces e viagens
Como um presente especial para o nosso repórter, Robert Smith mostrou com exclusividade, em primeiríssima mão, a fita do novo disco Kiss Me, Kiss Me, Kiss Me, inédito no mundo inteiro. Deve ser lançado ainda em maio na Inglaterra e um mês e meio depois aqui no Brasil. Jean-Yves registrou as Impressões - e a emoção - de ser o primeiro jornalista a conhecer o mais recente trabalho do Cure. Vamos a ele...
LADO 1
"The Kiss"
Introdução de guitarra, lenta, sintetizadores envolventes. O clima retoma o período de Faith e Pornographv.
"Catch"
Uma canção muito leve, com uma mistura de violino e sintetizadores tocando violino, tudo sugerindo fragilidade. Tocada nos dois últimos shows em SP.
"Torture"
Uma balada mais pesada, com uma linha de baixo muito criativa que vai sendo envolvida, aos poucos, pelos sinths. Envolvente e hipnótica. Tocada no último show, em SP.
"If Only Tonight We Could Sleep"
Começa com uma guitarra dialogando com uma cítara, num tom de balada que lembra viagens. Os efeitos de guitarra caem como chuva, bem psicodélica com efeitos de flauta sintetizada.
LADO 2
"Why Can´t I Be You?"
O hit do LP. Funk com batida lembrando "Modern Love" (D. Bowie), naipes sintetizados. Robert canta com uma voz enraivecida, estranhíssima - ele nunca cantou assim. Apresentaram várias vezes durante a turnê.
"How Beautiful"
Uma balada com guitarras leves e linha de baixo simples e criativa. De repente, entram sintetizadores com timbre de acordeão: Remember that day in Paris"... A voz intercala com acordeão e violino sintetizado.
"Snake Pit"
Batida oriental e hipnótica, longa introdução, com solos de guitarra dialogando ao longe, meio no fundo, e baixo firme e seguro. Os instrumentos vão envolvendo aos poucos, num clima de viagem psicodélica, com sonoridades indianas.
"Hey You"
Rock mais clássico. Brilhante intervenção de sax de Porl Thompson, ritmo rápido.
LADO 3
"Just Like Heaven"
Baixo, guitarra e sintetizador numa balada meio roqueira, lenta e alegre.
"Hot Hot Hot"
Funkaçot Guitarra â la Chic, Robert barbariza com a voz: "Hey, hey, hey yes I like it". Envolvida por um diálogo entre o sintetizador e o trompete.
"All I Want"
Rock-balada mais pesado, introdução com guitarra saturada e baixo.
"One More Time"
Canção lenta, sintetizadores flutuantes, lindas sonoridades melancólicas nos arranjos.
"Like Cuckatoos"
Balada viajante, ele canta com a boca bem próxima do microfone. Robert não conseguia cantar essa música, só foi conseguir sentado no escuro dentro do estúdio. Os sintetizadores lembram música de câmara. É a preferida dele.[
LADO 4
"King Sugar"
Nesta, a bateria em ritmo afro domina. Introdução com sax e linhas de baixo sempre inesperadas e criativas.
"Perfect Girl"
Balada em ritmo 3/4, leve e luminosa.
"1000 Hours"
Outra balada lenta, introdução com sintetizadores. Triste, lembra New Order.
"Shiver and Shake"
Rockão à la New Order, clima paroxístico.
"Fight"
Outra canção pesada, rock lento, lindo e envolvente com clima de revolta, quase uma marcha. E a preferida do grupo como um todo.
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( Revista Bizz # 021 – Abril de 1987 )
por Jean Yves de Neufville
BIZZ - Qual é o papel de um rock star no mundo, hoje? Ele está aí para divertir apenas, ou ele pode transformar as pessoas, tendo nisso uma certa responsabilidade?
Smith - É uma pergunta realmente difícil. Eu nunca quis ter qualquer tipo de responsabilidade. Não estou casado, não tenho filhos. Na verdade possuo apenas poucas coisas, odeio a idéia de estar preso pelas coisas. Eu poderia viver em qualquer lugar. Isto não me incomoda. Só pelo fato de estarmos vendendo mais discos agora, dizer que a nossa responsabilidade aumentou me soa um tanto injusto. Sinto responsabilidade diante das pessoas para quem o Cure representa alguma coisa. É algo difícil de ser explicado, mas quando recebo cartas das pessoas dizendo "não se esqueça de gente", pessoas gritando atrás da gente, fotografando... penso então que é verdade. A parte do grupo da qual gosto é que as coisas que fazemos têm valor para uma série de pessoas por diversas razões, mas não acho que sou desse tipo de pessoa, não me sinto um pop star. Eu não gosto de ser alvo de muita atenção. Para falar a verdade, eu acho muito difícil suportar isso, após certo tempo... A maioria das pessoas que se consideram pop stars são irresponsáveis no pior sentido, pois dão um exemplo que não deve ser copiado, como se nada importasse a não ser o sucesso. Há muita gente assim que reduz, tudo a uma questão de sucesso. É horrível. O que o Cure tem feito, ao longo dos anos, é tentar tornar bem claro que o importante é o que está envolvido na maneira como as coisas são feitas. Esse disco mesmo, não me importaria... Espero que certas pessoas gostem dele pelas mesmas razões que eu, pelo que ele é e não porque temos uma imagem assim-assado e somos um grupo que de repente ficou popular. Não gosto de pensar sobre isso. Esse é o exemplo que sempre dei para as pessoas à nossa volta. Nunca fiz nada de que me arrependesse depois. Na minha vida pessoal sim, mas com o grupo não. Não gosto de aparecer em público gritando ou vomitando de bêbado, mas também não quero me sentir como um missionário que vai percorrer o mundo todo e se meter em assuntos políticos. É algo completamente diferente de sentar e colocar seus pensamentos e emoções em forma de canção... Isso não implica em responsabilidade em outras áreas. E agora as pessoas vêm, cada vez mais, perguntar o que eu penso sobre isso e aquilo.. Eu não quero falar sobre nada disso! Não me sinto indicado para isso!
BIZZ - Por mais que eu tente lembrar, nenhuma de suas canções tem conteúdo político. O que você acha de certas tomadas de posição como aquela de Morrissey, o líder dos Smiths, que tentou justificar o suicídio de alguns fãs?
Smith - Em primeiro lugar, não me sentiria confortável usando o grupo como um mero veículo há algo no Cure que está além e transcende a política. Muita gente considera a política como a realidade, como o que afeta as pessoas no plano da vida real. A música afeta as pessoas nos planos da emoção e do intelecto. Em segundo lugar, se você tem uma certa sensibilidade, se você sente uma certa compaixão, não precisa que venham lhe ensinar o beabá da política, que existem direitos humanos básicos, que as pessoas têm de ter liberdade e que se isso não acontece é uma injustiça. Sempre relutei em me envolver até em coisas como Greenpeace (movimento ecológico para o qual o Cure já contribuiu), pois tenho uma consciência aguda de que... não gosto de política partidária. Você mencionou os Smiths, não gosto deles, não gosto do Morrissey, do modo como se alinharam com o movimento vegetariano... O movimento é muito maior que o grupo e há pessoas que podem acabar desprezando o movimento porque desprezam o grupo! Posso imaginar gente dizendo, depois de nosso envolvimento: "Odeio o Greenpeace, porque odeio lhe Cure". Por isso prefiro colaborar de uma maneira anônima. Só depois que o movimento descobriu que eu era o "famoso cantor do Cure" que começou a vir atrás de mim e eu aceitei, porque poderia parecer que não tinha coragem de me envolver. Fez mais bem do que mal, mas o que eu temia aconteceu, gente dizendo: "O Cure e o Greenpeace foram feitos um para o outro, eles vivem num mundo irreal". Por isso, não nos envolvemos com política. E claro que, como indivíduos, fora do grupo, estamos envolvidos. Outra coisa é que nós mesmos temos nossas divergências nesse sentido, não existe um "pensamento político" do Cure... Estamos todos entre o centro e a esquerda, mas há os mais radicais e os nem tanto. Imagino Laurence como o mais radical. Então não posso virar porta-voz e ficar dizendo o que é certo e errado. Um deles vai discordar. Temos grandes discussões, quando não estamos trabalhando, sobre coisas como política, religião... Não - atrapalha nosso relacionamento. E um comportamento normal do ser humano, mas não tem nada a ver com o que eu canto. Não quero discussões e crises sobre o que eu canto.
BIZZ - Encontrei num dicionário de Inglês a palavra "cure". Você sabia que uma das definições da palavra, na gíria, é "pessoa excêntrica "?
Smith - O quê? Em inglês?
BIZZ - Em inglês, no dicionário Harrap´s Shorter...
Smith - Eu não sabia disso. Que dicionário mesmo? Nunca ouvi ninguém usar a palavra nesse sentido, não deve ser comum. Deve ser gíria antiga. É curioso.., num sentido de "excentricidade idiota". Já disse isso antes num outro contexto, eu nunca consigo camuflar meus instintos. Se eu quero fazer alguma coisa, acabo agindo como um guerreiro em relação a ela - é algo que chegou a me criar problemas na escola. Então se não tivesse hoje essa liberdade, se não estivesse num grupo, não sei... Não gosto de pensar no que poderia ter acontecido comigo então. Com certeza, há cem anos atrás, não seria muito bem tratado. Quer dizer, a arte, a criatividade, sempre foi uma saída para as pessoas que não conseguem aceitar certos horrores da vida real. Mas me considero uma pessoa estável, embora não "certinha" do ponto de vista padrão da sociedade. A gente pode até pensar no que aconteceria se todo mundo se recusasse a encarar os absurdos da vida cotidiana. As pessoas dizem que sou excêntrico, mas não me acho nem um pouco. Só quando me comparo com os considerados "normais", mas... em comparação em com as pessoas de quem eu gosto e com as quais me dou bem, talvez eu seja o mais equilibrado do momento!! Dentro do grupo, então...
BIZZ - O que você achou da reação do público brasileiro? Foi uma surpresa ver as pessoas cantando?
Smith - Sim. Isso me surpreendeu muito, o fato de saberem as letras. Eu estava preocupado... Não sabia se entendiam mesmo. Belo Horizonte tinha um público estranho, as pessoas que estavam na frente do palco pareciam estar se divertindo a valer, mas o resto - visto do palco - parecia bem menos exaltado, em comparação a Porto Alegre. Acho que Porto Alegre foi provavelmente mais do que selvagem...A primeira noite foi inacreditável...Tem sido great para falar a verdade. Fiquei muito contente de termos vindo de ônibus de Belo Horizonte para o Rio. Foi uma ótima decisão... Pudemos parar, sair, subir pelas colinas. Foi a primeira vez que realmente sentimos estar num país estranho, quando paramos numa cidadezinha do lado da estrada. Senão teria sido aquela história, de carro até o aeroporto, do aeroporto pro hotel... Até ontem eu não tinha percebido como este é um país horrivelmente pobre. Há uma miséria assustadora que não conseguimos ver do ônibus, na cidade. Quero dizer, é espantoso quando você pega a estrada e percebe toda a extensão de terras e que, ao mesmo tempo, não há nada ali, é louco! Estou surpreso com a diferença da cultura. Acho que isso explica a reação do público. Acho que nunca viram algo como o que a gente faz ao vivo. E uma experiência incomum e fico feliz que a reação seja tão boa.
BIZZ - Entre as músicas que tocam antes de vocês entrarem no palco fiquei sabendo que é uma fita sua, tinha Brian Eno...
Smith - Chieftains...
BIZZ - Bob Marlev...
Smith - ... Nick Drake, Billie Holiday...
BIZZ - Uma canção da Madonna, estou errado?
Smith - Não é Madonna... Não sei o nome...
BIZZ - São seus favoritos?
Smith - Obviamente eu gosto das músicas que estão nas minhas fitas. Eu sempre achei que quando as pessoas chegam para ver um show é legal ter uma atmosfera. Quando tocávamos em lugares menores, tínhamos até um jogo de luz preparado para isso... É legal criar um clima, em vez de subir direto para o palco, sem se preocupar com nada, tratando o público como gado. Infelizmente, pelo tamanho dos lugares em que temos tocado agora, o máximo que podemos fazer é tocar um pouco de música que eles possam curtir, mas é também um complemento. Eu jamais tocaria algo do Echo & the Bunnymen, por exemplo, pois daria margem a comparações. Na minha cabeça, posso enxergar semelhanças entre Eno, Billie Holiday e os Chieftains, mesmo que muita gente não consiga. São coisas que me fazem feliz, na estrada e não antecipam nada do que nós vamos tocar. Fiquei muito surpreso com as pessoas batendo palmas e dançando quando começava a tocar Chieftains, foi genial. Isso só comprova que há semelhança, há coisas do folclore irlandês que soam parecidas com certas coisas da música folclórica brasileira.
BIZZ - Você vê essas semelhanças? Quer dizer, com os Chieftains, é uma relação estranha... o Cure com música folclórica, tradicional...
Smith - Pra falar a verdade, eu geralmente gosto da música tradicional de qualquer país. E o que disse na entrevista coletiva aqui, quando dissemos que a única música brasileira de que gostávamos de fato era o samba, a salsa (?)... - o tipo de música que não conseguiríamos ouvir em Londres. Para as pessoas daqui, pode passar despercebido, mas para mim é algo novo e interessante. Antes de virmos para cá, passei um mês na Irlanda - não ia para lá desde que era moleque - e ouvi os Chieftains e outras bandas tocando aquelas músicas nos bares. E ótimo! Você senta, toma um drinque e os vê tocando o que bem entendem. Não é turismo, é diversão pura. Gosto muito da música tradicional da Espanha, é linda!
BIZZ - Você teve tempo de ouvir aquela fita que te dei de presente? (Cabeça de Nego, LP de João Bosco)
Smith - Não... não tive. Eu ia ouvir todos os meus cassetes no ônibus e aí tive de ficar dando entrevistas. E depois o pessoal no ônibus queria dormir, não dava pra tocar nada. Mas estou interessado...
BIZZ - ...Você pode me dizer as suas dez mais?
Smith - Não. O que eu posso fazer é dizer as dez que me vierem à cabeça, mas amanhã essas dez já serão outras. Há tantas coisas, por razões tão diferentes... Eu começaria com duas da minha infância, os dois primeiros compactos de que me lembro... "Help!" dos Beatles - eu tinha quatro ou cinco anos e minha irmã mais velha ficava pulando pela casa ao som dos Beatles e dos Stones... Me lembro que cresci ouvindo esses e coisas mais hard, como os Bluesbreakers de John Mayall, os Yardbirds, Captain Beefheart, que era o que meu irmão gostava. Me lembro bem do "Help!", até hoje acho genial, é o tipo de coisa que quis fazer com "Boys Don´t Cry", música pop bem sonhadora, que também os Buzzcocks e muitos grupos britânicos tentaram reproduzir... Outra que eu gostava muito quando era criança: "These Boots Were Made for Walking", com a Nancy Sinatra. Também adoro até hoje, tenho numa dessas fitas comigo, principalmente pelo bumbum-bum (cantarola a linha de baixo descendente da música). Uma canção alegre e safada! Muitas outras coisas, é difícil escolher..., Me lembro quando "Purple Haze" chegou em primeiro lugar nas paradas, meu irmão punha sem parar. Gosto muito de Jimi Hendrix - eu gosto tanto das coisas dele principalmente pela atmosfera. Era um mestre e me inspirou muito no meu jeito de tocar guitarra. Eu nunca quis tocar como ele, mas queria ter aquela liberdade de fazer o que viesse à cabeça, isso é o mais poderoso... Também gosto muito, dessa mesma época, de "Ruby Tuesday", com os Rolling Stones... Esse era o tipo de música que ouvia em casa com meu irmão, minha irmã e os amigos deles... mesmo que eu estivesse no meu quarto, à noite, dava para ouvir, eles tocavam no último volume... Foi assim até os anos setenta, até pintarem os primeiros compactos do Marc Bolan e "Life on Mars?" de David Bowie - essa é genial. Me lembro da primeira vez que ouvi, é um marco da minha adolescência. Todos os compactos do Gary Glitter também, são todos geniais, tenho todos, mas o especial é "Do You Wanna Touch" - nós costumávamos tocar essa, então tenho uma admiração particular por ela. Aí já temos seis... O próximo lote teria de ser da época punk, e meus favoritos seriam "Pretty Vacant", com os Pistols, de arrebentar. Mas... tem tanta coisa... ´Hanging Around" dos Stranglers... tenho tudo isso até hoje nesses cassetes... e os últimos dois, do pop mais atual: "Everything´s Gone. Green" do New Order - para mim, a melhor coisa que eles fizeram - e... e... dez não yão ser suficientes.., vá lá, "Killing Moon" do Echo & the Bunnymen... Para falar a verdade, eu só pararia quando chegasse no número cem... Há uma média de cinco compactos por ano que eu guardo como momentos preciosos, e é isso. Esqueço com facilidade o resto das paradas. A maioria dos sucessos é tão chata!
BIZZ - Há partes da história do Cure - e da sua história - que a maioria das pessoas aqui desconhece. Você poderia falar sobre Blue Sunshine, o LP que você gravou com Steve Severin, o baixista dos Banshees?
Smith - Quando toquei com os Banshees pela primeira vez, isso em 79, fiquei muito amigo do Severin, mas depois não ouvi mais até a gravação de Faith, em Londres. Ele apareceu com Richard Jobson (N. da R.; vocalista/letrista dos Skids, que depois montou o Armourv Show) e começamos a falar que devíamos fazer algo juntos. Eu sempre gostei do jeito dele tocar baixo. Mas nada aconteceu até eu voltar a participar dos Banshees, e Siouxsie partir com Budgie para fazer o Feast (N. da R.: LP que o casal gravou sob a alcunha The Creatures). Foi a oportunidade que tivemos de ficar os dois num estúdio. Nós fizemos só para ver o que ia acontecer - a idéia inicial era gravar só um compacto, só tínhamos uma canção composta e nada mais. Não me lembro muito do que rolou, para falar a verdade esse período ficou borrado na minha memória, estávamos totalmente bêbados o tempo todo. Ficávamos bebendo e gravando a noite inteira, uma curtição. O disco é muito bom - parte dele é muito boa. Começou com uma brincadeira e foi se tornando uma coisa muito séria, no fim estávamos realmente preocupados com a recepção que ele teria, mas não fizemos nenhuma promoção, além de algumas entrevistas para a televisão inglesa, junto com a garota que cantava. Eu achei que, se eu cantasse, ficaria parecido com o Cure. Ela é uma ótima bailarina, mas uma cantora razoável algumas canções ela fez legal, outras nem tanto -, mas queríamos uma voz feminina. No conjunto quando o álbum saiu, não aconteceu nada, por isso pensamos: "Bem, nós nos divertimos muito, mas nunca mais trabalharemos juntos de novo". Acabou acontecendo. Gravamos algumas coisas pra um segundo álbum, que se chamaria Music for Dreams, que deve estar em alguma gaveta na casa do Severin.
BIZZ - Ao mesmo tempo, virou um disco cult, por assim dizer...
Smith - E, é engraçado, parece até que anda sendo relançado em lugares onde o Cure vem se tornando popular. Nunca ganhei um tostão em cima desse disco, mas não me importo, considero-o um bom disco. É uma pena não termos investido mais uma grana para fazer um vídeo, teria chamado mais atenção.
BIZZ - Tem também aquela trilha sonora do filme Carnage Visors...
Smith - E, isso acabou saindo no lado B do cassete do Faith. Não sei se saiu realmente em todos os países em que foi lançado; naquela época, as edições de nossos discos eram bem menores, em número limitado. Tenho um comigo aqui se você quiser ouvir. É muito bom, até hoje acho uma das melhores coisas que fizemos, é todo instrumental. O filme era um desenho animado - para falar a verdade, não saberia dizer sobre o que é, acho que ninguém sabe -só Rick, o diretor, e ele nunca contou pra gente. É um cara estranho, muito, muito estranho. Me lembro sempre dele, cabelos bem compridos, oclinhos redondos, muito alto, sempre vestido de preto e quieto. O filme era muito violento, ele o fez na garagem de sua casa.
BIZZ - E a reação do público, durante a exibição?
Smith - Todo mundo odiou, de verdade, Hoje em dia, as pessoas dizem: "Me lembro bem, um filme genial". Mas na época ninguém gostou, as pessoas se sentiram ameaçadas por ele, de uma certa forma... Bem, estamos fazendo um filme agora, mostrando o Cure ao vivo, mas obviamente é bem diferente, com uma idéia que eu sempre tive. É engraçado, quando estávamos excursionando para promover o Pornography, fizemos um outro filme, chamado A Lock, com pessoas de verdade. A música que fizemos pra ele é atonal, eu ficava sentado num piano martelando e em cima disso jogamos efeitos e microfonia... horrível. Não tinha mais que oito ou nove minutos também foi odiado. Essa trilha nunca foi lançada por que... se você ouvisse.., é uma barulheira mesmo, sem sentido algum.
BIZZ - Esse novo filme com o Tim Pope já foi comparado ao do Pink Floyd em Pompéia... Mesmo os videoclips que ele dirigiu para o Cure têm esse clima de delírio, de desregramento dos sentidos, que parece casar perfeitamente com a música do grupo...
Smith - Ele é um desses caras estranhos também. Quando o conheci, soube no ato que ele ia fazer um belo trabalho com a gente. Ele pegou um lado da minha personalidade que estava diluído no grupo e que as pessoas nunca tinham enxergado antes, uma espécie de "palhaço relaxado". Ele pegou isso e tornou bem óbvio. Em relação ao filme, a comparação que eu faria.., bem, não existem muitos filmes de bandas tocando ao vivo que não foram encenados, com uma artificialidade horrível do tipo "vejam este grupo, eles fazem sucesso mesmo, veja que jogo de luz". E o que Tim tentou fazer com a gente foi colocar a platéia como se fosse ela que estivesse no palco. Há coisas que eu gosto muito, nas quais entravam as mesmas técnicas que ele usava nos clips. Como quando tocamos. "Close to Me", ele entra no palco e fica correndo, enfiando a câmara na cara de todo mundo, e eu tentando fugir dele. Coisas assim, que lhe ocorrem na hora. É um filme realmente divertido, para mim foi a primeira vez que vi como realmente é um show nosso. Adoro, já assisti algumas vezes. E claro que quem não gosta do Cure não vai gostar...
BIZZ - Voltando à sua música, acho que ela é simultaneamente simples e criativa. Onde esses pontos se encontram? E um processo complexo?
Smith - A canção em si, a base, é muito fácil e simples, eu já sei se vai funcionar ou não. Esse é meu trabalho - saber se vai funcionar. Por outro lado, no estúdio pode ser simples ou complexo, depende do tipo da canção, do que eu quero fazer, de quem vai tocar nela. Uma canção como "lhe Kiss", do disco novo, vem de uma idéia bem simples e básica mas que, ao mesmo tempo, vai acumulando instrumentos, uma muralha sonora - essa era a atmosfera que eu queria... A canção é simples, a melodia, as tônicas, é tudo bem simples, mas na hora de conseguir esse clima foi difícil pra c *! Porque eu tinha que manter em foco tudo aquilo, enquanto punha a guitarra num só take. Fiquei dois dias só me preparando para isso, queria que fosse a coisa mais potente que eu já tivesse feito. Já uma canção como "Catch" é tão simples que a fizemos numa só tomada. Nós não sabíamos disso, mas assim que tocamos percebemos que não havia nada nem a acrescentar nem a tirar.
BIZZ - Uma das mais complexas me parece ser ´A Forest´...
Smith - Esse é o aspecto que a coisa adquire quando se entra no estúdio, das possibilidades que se têm na mão - que eu odeio, para falar a verdade - de poder fazer tudo o que você quiser. Eu sempre achei que a gente não devia gravar nada que não pudesse ser reproduzido no palco, até um certo ponto. Não há muita produção no trabalho do Cure. Canções como "AlI Cats Are Grey´´ não ficariam tão boas. Por outro lado, se não tivessem aquele som cheio, poderiam ficar até banais. Mas atualmente eu prefiro a música mais limpa e seca, por isso o disco novo não tem muita produção. O som tem de ter sua individualidade. Isso é que é importante. E por isso, acho, que não há ninguém fazendo overs das músicas do Cure, acho que ninguém conseguiria direito. Não sei por que exatamente; o que concluo é que há algo ali além da canção em si.
BIZZ - Para finaliza, você é otimista em relação a situação mundial??Estamos vendo uma civilização morrer ou nascer? Você é juiz neste mundo?
Smith - Às vezes, sinto o mundo como um lugar bem pequeno. Outras vezes é imenso, com grandes diferenças entre os povos. Ainda assim, é pequeno em relação às pessoas que eu encontro, elas se parecem bastante. E difícil aceitar que haja um punhado de gente determinando o futuro de todas essas pessoas. Com certeza, onde eu vivo, na Grã-Bretanha, há uma forte tensão social já há uns, seis, sete anos... algo vai acontecer, está acumulado. Tenho medo desse tipo de tensão numa escala internacional, principalmente do confronto entre a União Soviética e os Estados Unidos, porque o futuro do mundo inteiro está em jogo. Me parece que o Ocidente tem de aceitar que a administração soviética é, aparentemente, mais flexível e menos perigosa que a americana, se os russos forem vistos como indivíduos e não como inimigos. Isso por eles mesmos. A impressão que se tem é que, por trás da Cortina de Ferro, existe apenas uma grande massa. Imagine essas pessoas com liberdade de criação, parece que está acontecendo. No momento em que isso se transformar também em liberdade de comunicação, a guerra se torna bem mais distante. Estes anos que estamos vivendo é que vão definir para que lado a coisa vai. O problema é que basta um telefonema para começar a destruição. Me preocupa o fato desse dinheiro estar sendo gasto com armas e não com educação, saúde, arte e cultura. Mas na Grã-Bretanha alguma coisa vai acontecer, já devia ter acontecido antes que a direita tomasse o poder...
Quarta-feira, 1º de abril. Uma surpresa: para o seu penúltimo show, o Cure modificou radicalmente o roteiro, substituindo seis canções, e toca pela primeira vez "Catch", uma deliciosa balada. Quinta-feira, 2 de abril, no camarim. Alguns instantes antes do show, uma palavra final do homem:
"Passei a maior parte do tempo dividido entre duas situações totalmente opostas: a primeira no meu quarto, cortinas fechadas, tentando ficar sozinho. Porque assim que eu ponho o pé fora dali já começam a me puxar, a me entrevistar, a me fotografar. Tem sido bem esquizofrênico. Eu gostei da excursão por várias razões. A principal é que fiquei realmente surpreso de ver como as pessoas aqui são expansivas e calorosas. A gente tinha uma situação de conforto no hotel, mas na rua tínhamos de assinar autógrafos. Não dá para recusar essas coisas. Talvez tivesse sido melhor se tivéssemos vindo há um ano, quando não haveria tanta gente em cima. E, aí, a gente poderia sair para ver as coisas. Eu gostaria de voltar".
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O ÚLTIMO DESEJO DO CURE ( Revista Bizz # 081 – Abril de 1992 )
por Anamaria G. de Lemos
Três anos depois do lançamento de Disitegration- sem contar os mixes de Mixed Up -, o Cure está prestes a revelar os frutos de seis meses passados no Manor Park Studio, perto de Oxford.
Wish ("Desejo") é produzido, como sempre, por David Allen. Contém doze faixas de puro Cure. Com músicas como "A Letter To Elise" e "Cut", este é um dos trabalhos mais românticos de Robert Smith e seus colegas, tanto nos temas -corações quebrados e amores frustrados - como no som das guitarras, dos pianos e daquela voz. Para quem achava que Smith é a pessoa mais deprimida do planeta, "Wendy Time" e especialmente "Friday I´m in Love" chegaram para destruir o mito.
Os cinco chegam no final da tarde: Smith, Simon Gallup, Porl Thompson, Boris Williams e Perry Bamonte. Os dois primeiros falam, os outros três consomem várias garrafas de cerveja mexicana.
Como vocês se sentem, às vesperas do lançamento do disco novo?
ROBERT SMITH - Bem, o ambiente, fazendo este disco, estava maravilhoso. Moramos na mesma casa durante seis meses, e agora nenhum de nós quer ir embora! Vai ser duro nos arrancar do estúdio. O disco ia se chamar Swell (que significa tanto "inchar" quanto "legal"), mas no último minuto mudamos de idéia.
Como vocês escolheram as músicas para o disco?
RS - Como sempre: ouvimos as demos de cada um, dando notas de zero a vinte. Gravamos 25 faixas, só vamos usar doze... mas isso não quer dizer que as outras treze não sejam boas...é que elas não se encanaram bem na atmosfera do disco. Sempre pensamos em termos do disco que estamos gravando; jamais guardamos músicas de uma outra época para uso futuro. Acho que, já que as musicas nascem juntas, devem crescer juntas.
O que você tocou desta vez?
RS - Usei o baixo de seis cordas novamente... mas também usei muito uma Gibson semi-acústica, que é uma guitarra maravilhosa. Esse disco realmente "voltou" às guitarras. Dos efeitos, nem vale a pena falar... são apenas diferentes caixas. (risos) A maior parte dos efeitos ficou por parte de Porl. Resolvemos tirá-lo da jaula desta vez (risos).
Vocês foram influenciados por alguma banda neste disco?
RS - Acho que não. Admitir influências é como confessar um roubo (risos). É claro que ouvimos música, compramos discos..
SIMON GALLUF - Mas jamais pensamos em outras bandas quando compomos.
O que vocês têm ouvido?
RS - Ride, Curve, Levitation.
SG - Lush...
"Wendy Time" é dançante...
RS - Sempre tivemos consciência da presença da dance music. O disco Mixed up prova isso... se você pede ao Paul Oakenfold para remixar suas músicas, já sabe o que esperar. Resolvemos nos arriscar antes nos preocupávamos demais, mas agora estamos mais confiantes.
Como você descreveria os temas do Wish?
RS - Não conseguiria resumi-los. Há desde músicas de amor ate músicas de ódio. A maioria das músicas é baseada em experiências pessoais ,mas, se eu tivesse feito tudo aquilo sobre o que canto, não estaria aqui e, sim, morto ou preso (risos). Neste disco, tentei melhorar minhas letras. Eu as escrevo apenas para complementar a musica.
Você está consciente da repetição de certos temas em suas músicas?
RS - Claro, e isso me perturba. Mas ao mesmo tempo é um desafio. Quando as pessoas dizem "parece o Cure", parece até uma condenação! Fazemos aquilo que gostamos e queremos fazer. Se as mesmas coisas me incomodam, ano após ano (Smith vai ficando bravo), não há nada que eu possa fazer. Escrevo sobre aquilo que me afeta, coisas das quais não posso fugir. Mas acho que elas têm um apelo universal. As pessoas entendem o que canto. Com este novo disco, me sinto muito menos possessivo e preocupado do que com os outros. Ele é tão variado...
Você ainda se empolga com os shows?
RS - Estou mais empolgado do que nunca. Senão, não estaria planejando esta turnê. Antigamente a gente tinha que tocar ao vivo, para promover o disco, mas acho que as coisas mudaram. Mesmo se não fizéssemos uma turnê, isso não afetaria as vendas. Mas eu ainda adoro subir num palco.
Vocês se vêem quando não estão trabalhando?
RS - Sim... mas nunca saímos juntos pensando "Puxa, somos uma banda!" (risos) Saímos como amigos. Mas a amizade faz parte da música: somos socialmente compatíveis. Há três anos atrás, com o Lol na banda, as coisas eram diferentes. Todos nós o desprezávamos. Agora gostamos de estar juntos e de nossa música.
O que você acha dos fãs que se vestem como você?
RS - Acho que eles fazem isso para poder se reconhecer, se identificar entre si, mais do que com a banda. Já raspei a cabeça três vezes e eles continuam com cabelos espetados.
Você já ouviu falar dum grupo australiano que imita o Cure (as bandas cover não são maia só no Brasil)?
RS - Já! Nós vamos tocar lá... quem sabe eles possam abrir para a gente! (risos)
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MORTE FELIZ ( Revista Bizz # 148 – Novembro de 1997 )
por Thomas Pappon, de Londres
O líder do Cure se prepara para festejar quatro décadas neste mundo em 1999. Seus planos? Ao apagar das velinhas, acabar com o grupo.
Ele não quer virar Mick Jagger e é o primeiro a admitir que teria vergonha de um show do Cure com Robert e Simon (Gallup) aos 50 anos, cantando "Boys Don’t Cry". Mas ainda faltam dois anos e o Cure continua firme como prova viva de que é possível ter apelo de massa - mais de 25 milhões de discos vendidos no mundo inteiro - mantendo a "independência" .
O grupo está lançando Galore ("em opulência"), uma coletânea com todos os seus singles desde 1987. De cinza-escuro, com a tradicional cabeleira de espanador, olhos pintados, sem batom, com um coraçãozinho de prata pendurado no pescoço e extremamente gentil, Robert Smith recebeu SHOWBIZZ em Londres, no mesmo hotel em que havia ficado pela primeira vez em 1983, quando tocou no Royal Albert Hall, como guitarrista daquele inesquecível show do Siouxsie & The Banshees eternizado no álbum/vídeo Nocturne. Do quarto, vê-se um parque e um palácio, o de Kensington, onde morava uma princesa chamada Diana.
Você ficou tocado pela morte da princesa Diana?
Sim, fiquei. Surpreendentemente. Todo mundo ficou, porque todos achavam que conheciam Diana muito bem, por causa da superexposição na mídia. Até eu, que nunca me interessei pela família real.
A semana após a morte dela foi única neste país, estranha. Eu estive seriamente tentado a vir a Londres para o funeral dela, só para sentir de perto a emoção das pessoas. Não a conheci pessoalmente, mas creio que a grande simpatia que as pessoas nutriam por ela veio da confrontação dela com a família real. Ouvi falar de gravadoras fazendo acordos para botar seus artistas em discos-tributo a Diana, porque esses álbuns, mesmo sendo beneficentes, vão ter promoção. É repugnante.
Galore é um mero ajuntamento dos singles, em ordem cronológica. Por que não foram adicionadas raridades ou sobras de estúdio, para tornar a coletânea mais interessante para quem já possui os álbuns?
A gravadora queria que a coletânea se chamasse Greatest Hits. Mas se algum dia for lançado um disco com esse nome, pode estar certo de que será a minha escolha pessoal das melhores músicas do grupo - e não uma coletânea dos sucessos comerciais. Eu cheguei a compilar um CD com os lados B e as sobras de estúdio para juntá-los a Galore, mas a gravadora achou que isso confundiria as pessoas.
O trabalho é dirigido àqueles que não compram discos do Cure. E eu entendo isso, é o que acontece com certos grupos. Por exemplo, não adquiro álbuns do Depeche Mode, mas compraria uma coletânea de singles deles.
"Wrong Number", a última música, é inédita, não?
Nossa gravadora nos EUA insistiu para que o álbum tivesse um single novo. Lá eles quase não lançam singles e os fãs, que já possuem as outras músicas, terão de comprar o disco ou o single importado (nota do repórter: que nem no Brasil!). Mas eu esperei um bom tempo, até que tivesse um trabalho novo para apresentar. Fizemos o vídeo dele semana passada, novamente com Tim Pope, que eu não via fazia cinco anos. Algumas cenas tiveram que ser cortadas, cenas com cobras, nós mascarados de diabos. Se fosse outra banda, não havia problema. Mas é que o Cure é considerado dark, e todo mundo iria fazer associações com satanistas, esse tipo de coisa.
Você se divertiu nas vezes em que esteve no Brasil?
Sim. Preferi a primeira vez, em 1987. Em vários sentidos. Saí muito mais. O ano passado eu estava muito doente, com uma forte infecção viral, e a viagem de avião acabou comigo. Achei que fosse morrer. Não gostei do primeiro show, não foi legal. Depois passei dois dias na cama e outros dando dezenas de entrevistas. Não deu para curtir, uma pena. Quero voltar assim que tivermos coisas novas.
Então a história de que você teria comido uma lingüiça estragada num boteco de estrada entre São Paulo e Rio não é verdadeira?
Na verdade comi uma lingüiça excelente! Acho que inventei essa história para que o meu mal-estar não fosse exagerado pela mídia, tipo "Robert Smith está morrendo!" Nos últimos vinte anos, a imprensa disse que eu estava morrendo umas três vezes.
Você faz alguma atividade física?
Jogo futebol quando estou em turnê. O estilo de vida do Cure nunca foi salutar. Mas hoje em dia não bebo nem fumo quando estou em casa.
Há um grande entra-e-sai no grupo. Até que ponto os outros membros são fundamentais no "som" do Cure?
Depende. O Simon (Gallup) compôs várias músicas. Por outro lado, não dá para medir as contribuições de Boris (Williams) ou de Jason (Cooper) na bateria, por exemplo. As músicas do Cure soariam diferentes se as formações fossem outras. Mas a essência da música estaria lá, porque eu escrevi pelo menos 95% dela. O Cure não existiria sem mim. A partir do Disintegration, os outros tiveram uma influência maior. Mas acho que um dos aspectos mais importantes do Cure foi diluído no processo. A partir de agora as coisas vão voltar a ser como eram. Voltarei a ser um ditador. Se os outros não gostarem, sinto muito.
Lol Tolhurst (co-fundador do Cure, expulso por Smith em 1989) foi à Justiça contra você. Por quê?
Oficialmente, Lol questionou meu direito legal de botá-lo pra fora do grupo. Ele também achava que teria uma parte sobre os direitos dos discos do Cure em que não toca. Queria receber royalties por Wish (1992). Argumentou que as pessoas comprariam discos do Cure porque esperavam ouvir Lol Tolhurst. Por isso, perdeu o processo. No final, a disputa acabou sendo sobre quem deveria ter o direito de usar o nome "The Cure" (Tolhurst e Andy Anderson, outro ex-Cure, formaram a banda Orpheus). Ele tentou se aproximar, mas não sacou que nossa amizade se desintegrou três anos antes de ele sair do grupo.
Você tem medo de ser processado pelos outros sete ou oito ex-Cures, a exemplo do que aconteceu com Morrissey e Johnny Marr, processados - e derrotados - pelo baterista dos Smiths?
Por quê? O esquema do Cure é tão justo!Todos fizeram muito dinheiro com a banda, porque todas as composições são creditadas a todos os integrantes, em qualquer das formações - exceto no The Head On The Door (1985) e no novo single, "Wrong Number". Faço isso exatamente porque não quero brigar por dinheiro.
O Cure toca músicas de outros?
Gravamos "Purple Haze", do Jimi Hendrix, para um álbum-tributo. E fizemos uma versão de "Young Americans" do David Bowie para o disco da (rádio alternativa londrina) X-fm. A do Bowie tocamos às vezes num bis, quando estou bêbado. Mas nosso forte é justamente o fato de o nosso som ser único, e não ter a ver com nenhuma outra banda.
Você sai bastante à noite?
Raramente. Só vou a clubes com o resto da banda, quando estou em turnê. Não vivo em Londres há dez anos. Saio à noite para ir ao pub, encontro as pessoas normais que freqüentam o local. Prefiro esse tipo de companhia. Não tenho mais idade para ir a lugares onde as pessoas poderiam me reconhecer.
Tem planos de ter filhos com Mary?
Não. Nós nunca quisemos ter filhos, desde que nos encontramos. Gosto do nosso estilo de vida, e não gostaria de ter de me preocupar com outra pessoa. Confesso que isso é meio egoísta. Tenho 27 sobrinhos e me acostumei a ser tio. Não tenho a responsabilidade de lhes ensinar o que devem e o que não devem fazer, não saberia fazer isso.
Você gravou um disco solo entre 1988 e 1989, todo acústico, inspirado no cantor folk Nick Drake. Esse trabalho será lançado?
Duas faixas estavam nessa coletânea de raridades que eu queria incluir no segundo CD para Galore. Elas se chamam "Ariel" e "The Four Of Us", saíram em disco pirata, mas não sei se quero lançar o trabalho todo. Quando ouço esse material hoje, após a banalização do sampler e dos seqüenciadores, sinto que ele é ingênuo demais. Não tem mais a ver comigo, parece trabalho de outra pessoa. São canções depressivas, foram feitas numa época em que eu estava de baixo-astral, quase desistindo de fazer música. Nos anos 80 eu passei por vários períodos de profunda depressão. Não me sinto mais assim, já faz vários anos. Me sinto mais equilibrado hoje.
Qual é o seu álbum predileto do Cure?
Disintegration (1989). Talvez pela forma como foi feito, pela atmosfera. Eu sabia cada nota, cada som que queria. Estava obcecado, eu vivi e respirei esse disco com muita dor e sacrifício.
A crítica babou com o novo álbum do Radiohead, OK Computer. E você?
Eu tive uma certa resistência. Sempre desconfio quando a mídia toda elogia. E gosto tanto de The Bends - o álbum anterior deles -, um dos discos mais fantásticos que eu já ouvi... Eu deixava de ir ao pub para ficar ouvindo esse disco pela terceira vez consecutiva. É difícil fazer algo melhor. O Mellon Collie, dos Smashing Pumpkins, eu também achei fantástico. Mas OK Computer tem muitas passagens que lembram rock progressivo, que eu odeio.
E do Oasis, você gosta?
Eles tocaram num show conosco recentemente em Los Angeles, no festival de aniversário da rádio K Rock. O Cure era a atração principal. O Oasis era a terceira banda e o Radiohead, a sexta. Tenho simpatia pelos irmãos Gallagher. Os dois são torcedores do Manchester City (time que há alguns anos caiu para a segunda divisão inglesa), o que é melhor do que torcer para o Manchester United.
Bom, pelo menos o Manchester City é melhor que o Queens Park Rangers (o time de coração de Robert Smith, também na segunda divisão).
Fuck you!
Você tem planos especiais para a passagem do milênio? O que vai fazer na noite de 31 de dezembro de 1999?
Estarei fazendo 40 anos em abril de 1999, e, no dia do aniversário, pretendo acabar com o Cure. Haverá um eclipse total do sol, o primeiro em trinta anos, na Cornuália (no sudoeste da Inglaterra) e já reservei um hotel para esse fim de semana. Mas ainda não pensei sobre o Ano-Novo. Normalmente fico em casa. Prefiro encher a cara e falar merda com amigos.
Como assim "acabar com o Cure"? Você está falando sério?
Sim, estou. Será o fim do grupo. Quero fazer algo diferente quando estiver com 40 anos. Se não tomar essa decisão em definitivo, o Cure simplesmente irá se arrastar por aí. Quero ter orgulho do legado do Cure. Vou continuar a fazer música e a escrever letras, mas não vejo sentido em manter um grupo apenas por conveniência.
Os fãs vão sentir muita falta do grupo. Eu vou sentir. Sou muito nostálgico, e me sinto rompendo com minha adolescência. Tenho planos de fazer música para filmes. Gosto do anonimato associado a esse tipo de trabalho. O Tim Pope (que dirigiu vários clipes do Cure e o longa O Corvo 2) já andou conversando comigo a esse respeito.
Você participou do show dos 50 anos do David Bowie no Madison Square Garden. Bowie ainda te inspira?
Bowie era a minha maior inspiração, ao lado de Nick Drake, Jimi Hendrix e Alex Harvey. É o único artista vivo que já exerceu um impacto emocional sobre mim. Encontrei com ele pela primeira vez fazia uns três anos, quando nos entrevistamos mutuamente para um teste de transmissão da X FM.
Eu estava bebaço e fui extremamente petulante, ficava interrompendo as respostas dele e enchendo o saco. Quando cheguei em casa me senti um idiota, achei que nunca mais teria a chance de conversar com ele novamente. No início deste ano ele me ligou, do nada, me perguntando se não queria participar do concerto dele. Ele tinha gostado da minha atitude!
NA COZINHA COM ROBERT SMITH ( Revista Bizz # 07 – fev. de 1986 )
por Pepe Escobar
A cozinha da Fiction Records é branca. Imaculada. Ficamos íntimos. Trocamos impressões durante uma hora, enquanto esperava a chegada de Robert Smith. Ele mesmo, o dândi incurável. E normal. "Fat Bob" (Gordo Bob), como o chamam os amigos, também deu um chá de cadeira - branca - quando foi entrevistado para a capa da Face inglesa. Ele não anda de relógio. Nunca. Adora dormir até tarde. Mas dessa vez demorou porque estava trabalhando: tirando fotos promocionais em supermercado.
As histórias sobre pose de superstar são mito. Me pagou uma cerveja e foi extremamente adorável. E uma das pouquíssimas cabeças pensantes no universo do rock e pop. Uma pessoa refinada, civilizada. Alguns dias depois, o Cure deu um show impecável no Camden Palace, com neve lá fora, antes de partir para uma excursão européia: A história da banda vocês já conhecem - saiu na BIZZ de dezembro. Agora vamos conhecer Bob Smith.
Bob - Gostaria muito de tocar no Brasil. Você acha que haveria muita gente interessada em nos ver?
BIZZ - Sem dúvida! Nas principais cidades, o grande sonho de muitas bandas é fazer um som inspirado no Cure. De dois anos para cá, virou um verdadeiro culto.
Bob - My God!... (sorriso, olhinhos revirados).
BIZZ - Soube que você adora futebol, especialmente a Seleção do Brasil. Como é essa história?
Bob - É o melhor time. Acompanho desde a Copa de 70, quando jogava aquele , fantástico Jazinho (nota: ele quis dizer Jairzinho). Acompanho todas as Copas. Mas não torço pela Inglaterra.
BIZZ - Por quê? Algum preconceito contra o time do seu país?
Bob - Não. Contra o técnico. Nunca escolhem um bom técnico.
BIZZ - Você não parece um esnobe. Como é o seu relacionamento com a imprensa musical inglesa, que vive te atacando, e à sua "pose"?
Bob - Na verdade, eu nunca cheguei a ler jornais e revistas de música. Só lia quando era adolescente. Os bem idiotas, tipo Smasb Hits; ou Melody Maker, para saber das fofocas. Nós tratamos a imprensa com reverência. O problema éque a maior parte das pessoas que escrevem na imprensa de música é estúpida. Não gosto delas.
BIZZ - Músicos frustrados?
Bob - Seres humanos frustrados! Acho que nos odeiam porque nunca estivemos na moda. E somos difíceis de categorizar. Não existe muita coisa a escrever sobre o Cure.
BIZZ - Há um verso belíssimo em "The Blood": "Estou paralisado pelo sangue de Cristo". Foi uma visão ou você o premeditou?
Bob - Esse verso foi muito mal interpretado. É sobre uma bebida, acho que portuguesa, The Tears of Christ...
BIZZ - Lacrima Christi.
Bob - Isso mesmo. Me deram uma garrafa e eu bebi inteira, em quinze minutos... De repente, comecei a ter visões! Achei que "as lágrimas de Cristo" seria muito sentimental para um verso. Blood of Christ é bem mais agressivo. Foi uma licença poética. Adoro o rótulo na garrafa: tem uma madona segurando um bebê e uma garrafa na outra mão... É o melhor uso da Santa que vi nos últimos tempos...
BIZZ - Como é a sua relação com drogas? O LP Blue Sunshine foi baseado em uma série de viagens de ácido, não? Além do filme em si...
Bob - Eu nunca vi o filme. Severin também não (nota: Steve Severin, baixista de Siouxsie, com quem Robert gravou o LP). O filme não saiu na Inglaterra. Nós sabíamos sobre o que era. É, esse disco teve muito a ver com drogas. Agora eu tento não tomar drogas.
BIZZ - Parou com tudo?
Bob - Quase tudo. Bem, mas se eu continuar a falar assim, nunca vão me deixar tocar no Brasil... Tomar drogas, de qualquer jeito, pode chegar a ser estúpido. Álcool é droga, não? E eu bebo demais. Parei com cigarros, pelo menos. Era meu pior vício.
BIZZ - Muita gente no Brasil associa suas imagens - e até mesmo o som - a viagens de ácido, especialmente em "The Top".
Bob - Não necessariamente. Algumas dessas canções são ligadas a alucinógenos ou à psicodelia. Mas são poucas. Não rende muito escrever canções sobre drogas.
BIZZ - Esse romantismo dark do Cure foi premeditado de alguma maneira? É uma brincadeira? Algumas pessoas o tomam muito a sério.
Bob - Antes, chegou a ser uma coisa séria. Em Seventeen Seconds, Faith e Pornography tínhamos uma visão particular do mundo...
BIZZ - Uma cosmologia?
Bob - Tínhamos uma idéia do que queríamos fazer, como deveria ser o som, como gostaríamos que as pessoas nos vissem. Depois de Pornography, achei que estava ficando pesado demais. Começamos a atrair muita gente com tendências suicidas, ou gente muito oprimida. Isso tudo só refletia um lado nosso. Depressivo. Não havia diversão. Aí começamos a investir em outro lado de nossa personalidade, em canções como "The Walk" ou "Lovecats". Tudo muito mais "leve"... Agora, no último álbum, acho que estamos bem balanceados.
BIZZ - The Cure, agora, é a banda que você tinha na cabeça quando começou?
Bob - Nunca pensei sobre isso. Quando começamos, o Cure que eu tinha na cabeça era o de Three Imaginary Boys. Tudo depende muito de como eu me sinto, porque eu fico na frente, tenho que explicar coisas para as pessoas...
BIZZ - As principais decisões na banda são suas?
Bob - São. Tínhamos uma espécie de arranjo democrático, antes. Mas dava muita confusão. Hoje, as pessoas confiam em mim para tomar as decisões certas. Claro, se elas deixam de confiar, podem ir tocar em outro lugar. De qualquer maneira, todos estão envolvidos. As discussões são todas em comitê. Eu tento, nas decisões, não cometer muitos erros...
BIZZ - Você geralmente faz os vídeos do Cure com o Tim Pope. Como vocês os roteirizam?
Bob - No primeiro nós tínhamos um story board. Depois, como nós nos conhecemos tão bem, o grupo decide como quer aparecer, e todas as decisões técnicas ficam com Tim. Durante a gravação temos algumas idéias e improvisamos.
BIZZ - Foi assim com aqueles pares de meias em "In Between Days"?
Bob - Foi, Mas não gosto daquilo. Terrível...
BIZZ - Com tanta excursão pelo mundo, você encontra tempo para si próprio, para relaxar?
Bob - Os primeiros seis meses de 85 nós passamos gravando, um pouco aqui, um pouco ali. Não fizemos muita coisa. Fiquei em Londres esse tempo todo. Depois ficou mais difícil - tivemos que começar a sair, tocar. Eu adoro ficar trabalhando e compondo no estúdio. E também gosto de tocar no palco. O único problema é que para isso você tem de ficar viajando... Depois de algum tempo, enche. Nos Estados Unidos, então, é insuportável.
BIZZ - O que você acha que o Cure representa para um garoto americano lá no meio do country ultrareacionário?
Bob - O fantástico na América é que lá há gosto para tudo. Na middle America, acho que o Cure tem todas as chances de ser muito mais odiado do que em qualquer outro lugar. As pessoas que gostam de nós são basicamente do mesmo tipo, onde quer que a gente vá.
BIZZ - Sem dúvida. A garotada brasileira não sabe exatamente o que você está falando nas letras, mas isso não importa.
Bob - Sim, como na Alemanha, onde a banda é muito popular. No Japão eles traduzem as letras nos discos. Aí começamos a publicar os originais. Antes, não nos importávamos muito em imprimi-los.
BIZZ - Como é sua relação com a indústria da música? Você é obrigado a suportá-la, muito a contragosto?
Bob - Nós sempre trabalhamos com a mesma pessoa, Chris Parry (nota: o diretor da Fiction Records). Nós lhe dizemos o que queremos. E ele dá o recado para o resto. Depois de trabalharmos tanto tempo juntos - uns oito anos -, e depois das pessoas também saberem de nossa relação com a Polydor, nos deixaram em paz. Já sabem que não fazemos o que não queremos. Decidimos desde o dia da assinatura do contrato que nunca pegaríamos dinheiro de gravadora. Portanto, não somos obrigados a fazer nada. Só na América existem problemas. Lá, as pessoas querem que você faça sucesso, que seja uma estrela. Eu odeio esse sistema. E uma experiência horrível similar à do Japão. Tentam fazer com que você se sinta "deferente". Na Europa não acontece. Não sou reconhecido na rua, e não espero que as pessoas me tratem de outro jeito. Somos um dos únicos grupos que conseguiu escapar das manipulações da indústria. Foi esperteza, mas foi também muita sorte.
BIZZ - Fale das suas influências literárias.
Bob - Muitas e variadas. Acabei de ler o escritor argentino... Jorge Luis Borges...
BIZZ - Que ótimo! O que você leu?
Bob - Labirintos. Brilhante. "Toda novidade é esquecimento." Ele tem um pensamento brilhante. Tudo que é novo já foi esquecido. Quanto às influências, qualquer um que você mencionar eu provavelmente gosto. Meu passatempo favorito é ler. Eu prefiro ler a ouvir música.
BIZZ - E quando você compõe, compõe primeiro a música ou as letras?
Bob - Depende. Às vezes é uma frase de cabeça. As vezes estou vendo televisão e de repente: Ah! Isso soa bem! Eu vou para o gravador e balbucio uma melodia... Encontro música muito mais facilmente do que palavras. Para mim é mais natural compor boas melodias. É difícil, depois de você ler bons autores, como Dylan Thomas, Joyce, achar que escreveu algo suficientemente bom. De qualquer maneira, 90% do que escrevo não uso. É a razão pela qual não soltamos muitos discos.
BIZZ - Você geralmente escreve depois de tomar umas e outras?
Bob - Geralmente sim. Ou quando me sinto muito cansado e acordo no meio da noite. As vezes eu me esforço. Em Pornography eu fiquei uns quatro ou cinco dias só bebendo água, e de jejum. Aí me forcei a escrever. Mas nunca vou conseguir fazer isso de novo. Há uns cinco meses que não escrevo nada. Geralmente escrevo depois do Natal, porque fico irritadíssimo...
BIZZ - O que você gostaria de fazer fora das ligações perigosas com a indústria da música?
Bob - A única coisa que estou fazendo no momento é um livro...
BIZZ - Fragmentos, excertos?
Bob - Não, pior... É mais ou menos uma série de contos. Eu não tenho ambições. Prefiro sempre imergir no que estou fazendo no momento. Não consigo me imaginar planejando alguma coisa. Eu costumo "cair" nas coisas. Produção, talvez pintura, qualquer coisa. Estrela da natação internacional...
BIZZ - Como te afeta o status de celebridade? Se 6 que afeta...
Bob - Não afeta. Só antes dos shows, quando fica aquele monte de gente em volta, pedindo autógrafo, fazendo perguntas. É um pouco estranho. No restante do tempo, me deixam em paz. Hoje fui ao Selfridge´s (nota: conhecida rede inglesa de lojas de departamento) e ninguém falou nada. Isso tudo é um mito que a m(dia gosta de perpetuar. Faço tudo o que faria normalmente: ir para casa, ver TV, sair até o pub da esquina. A única vantagem, acho, é a de ganhar dinheiro fazendo uma coisa que da prazer. Mas de repente você começa a pensar em si mesmo na terceira pessoa. Por isso, durante algum tempo, saí do Cure e fui tocar com os Banshees. Eu só conseguia olhar para mim e me ver como Robert Smith, do Cure, e não como eu mesmo.
BIZZ - Quando você é confrontado com essa mitologia, fica com raiva?
Bob - Sim, quando as pessoas esperam uma certa atitude minha. Por exemplo, há pouco, em Nova York, nós passamos o dia inteiro na Tower Records, autografando discos. Foi muito chato. Mas havíamos prometido. De noite houve o concerto. Foi ótimo. Saímos e voltei para o hotel às seis da manhã, completamente bêbado. Às onze da manhã recebo um telefonema da recepção - alguém queria que eu descesse para uns autógrafos. Eu disse: "Não dá, estou muito cansado". Logo depois vem uma carta lá de baixo dizendo: "Você não passa de uma estrela metida. Nós viemos aqui só para falar com você, e você não se digna a nos receber". Como é possível explicar? Por isso não me promovo como alguém famoso.
BIZZ - Para encerrar: o que você tinha na cabeça quando resolveu montar uma banda? Auto-expressão? Um jogo? Flerte com a fama?
Bob - Originalmente, era uma coisa muito séria. Eu tinha 16 anos. Fui ver os Stranglers. Achei ótimo. Pensei: Gostaria de estar na banda Pensei mais um pouco e vi que dava para montar uma banda própria. Eu queria ser visto como uma alternativa - fora do consumismo musical. Nós não somos assim tão diferentes, tão revolucionários, tão radicais. Mas, enquanto nossa diferença em relação ao que está aí estiver clara, estou feliz. Fazemos nosso trabalho a sério, mas também nos divertindo. Senão ser(amos apenas amargos, como o Fali, por exemplo. Houve também uma outra razão para montar uma banda: eu nunca queria ter que acordar cedo de manhã...
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ROBERT SMITH ( Revista Bizz # 014 – Setembro de 1986 )
por Phillipe Blanchet
"Minha cara é estúpida, minha maquiagem é estúpida!" - O ano de 1986 já é um marco na história de Cure. Depois de quase dez anos compartilhando uma semi-obscuridade fora do continente europeu, com grupos conterrâneos e contemporâneos seus como os banshees e os bunnymen, excursionam pelos estados unidos com sucesso (ver ao vivo desta mesma edicao) decorrente das vendagens imprevistas de The Head on The Door e da recém-lancada coletânea de compactos, standing on a beach (título extraido de um dos versos do primeiro compacto gravado pela banda, killing an arab). Robert Smith já havia dado uma simpaticíssima e abrangente entrevista a pepe escobar (publicada na bizz numero 7), que por sua vez dera a ficha completa do grupo na edicão de BIZZ número 5. É pouco? Para o número cada vez maior de fãs do cure que se correspondem com nossa redacao,sim.
Então, aplacando a insaciável sede dos curemaníacos brasileiros, segue esta entrevista dada - pouco antes do embarque para a turnê nos Estados Unidos ao repórter Phillippe Blanchet, da revista francesa Rock & Folk, adquirida com exclusividade para BIZZ.
BIZZ - Por que uma coletânea de compactos a esta altura do campeonato? É um balanço da carreira?
Smith - Não, nem um pouco. De fato, esta escolha não depende de razões puramente artísticas - é que atingimos a marca de treze compactos, o número certo para fazer um LP. Um a mais e seria impossível! Assim, é o momento certo juntando com o vídeo dos clips para esses compactos (Staring at the Sea) e um livro que deve ser lançado em breve, aproveitamos para oferecer ao público todo um material sobre o Cure. Resumindo, estes últimos seis meses foram colocados sob o signo da retrospectiva. Um pouco demais até! Não acho que se deva perder tempo demais com o passado. A gente acaba ficando logo complacente.
BIZZ - Você está trabalhando para um novo LP?
Smith - Sim. Já compus uma boa dúzia de músicas...
BIZZ - Na mesma linha que The Head on the Door?
Smith - Não, queremos um som bem diferente. The Head on the Door é um disco bastante luminoso o próximo será, sem dúvida, mais agressivo. No o momento, as demos que temos estão bem hard, com um som de baixo bem distorcido. Havia uma ou duas músicas do gênero em The Top "Shake Dog Shake", por exemplo. Quero muito que o nosso próximo disco seja mais pesado, talvez para que sintam mais a nossa presença, um pouco como no palco.
BIZZ - Quando começam as gravações?
Smith - No mês de agosto. Em julho, vamos dar um giro de três semanas pelos Estados Unidos, depois daremos alguns shows na França, na Itália e na Espanha. Não mais do que isso: não quero perder tempo demais com turnês. Já sei que é um meio eficiente de matar o grupo. Assim que tivermos acabado essa série de shows, ficaremos isolados durante seis semanas num estúdio no sul da França. O disco deve estar pronto no final de setembro ou começo de outubro. Depois disso, talvez alguns shows, mas pouca coisa. Não vejo por que seríamos obrigados a ficar sempre excursionando só pelo fato de sermos um grupo. Mais uma vez, foi o que destruiu o Cure no passado. Não faço questão de recomeçar. Vamos construir outras coisas, só isso.
BIZZ - Um filme. por exemplo?
Smith - Sim, é um dos nossos projetos. A gente gostaria de fazer um filme, um filme estranho para o cinema. Algo mais elaborado que um clip, com enredo e tudo... Incluiremos, sem dúvida, trechos do show em Fréjus, que vamos filmar.
BIZZ - Vocês têm circulado bastante nos últimos tempos. Você tem a impressão de que o Cure tem públicos diferentes conforme cada país?
Smith - Uma pergunta difícil de responder. Com certeza, as reações do público são muito diferentes de um país para o outro. Acho que isso se deve antes de tudo à maneira como a imprensa nos apresenta. Na França, por exemplo, fomos vistos com freqüência nestes últimos dois anos o que pode ter atraído um público que gosta mais da gente pelo nosso visual do que pela nossa música, o que é muito peculiar. Nunca experimentamos antes esse tipo de fenômeno. Para alguns, passamos a imagem de pessoas sombrias. Ao contrário, nos Estados Unidos, somos realmente vistos como um pop group. Gosto desses contrastes. Na época de Pornography ou de Faith (os discos realmente mais somhrios do grupo, ao contrário de uma apresentadora da TV brasileira que ousou afirmar em cadeia nacional que o Pomography era "mais alegrinho" N. da R.). parecíamos a mesma coisa para todos. Era lógico, naquele momento, mas seria terrível estarmos hoje presos à armadilha de uma imagem, de uma uniformidade de gostos. Atualmente, se você colocar cinco pepessoas que gostam do Curenuma mesma sala, cada uma lhe dará uma razão diferente por gostar do Cure sem que, ao meu modo de ver, uma delas tenha mais valor que as demais.
BIZZ - A curemania a que assistimos no momento tende a irritar os fãs de primeira hora. O que você acha disso?
Smith - É muito esnobismo acreditar que o Cure mudou porque tornou-se um grupo popular. Não sei por que a nossa popularidade fora da Inglaterra de repente se multiplicou por dez. Não fizemos nada de especial para isso. Eu não mudei, continuo dizendo as mesmas coisas e me comportando da mesma maneira. The Head on the Door não foi gravado para ganhar novos fãs. Era apenas o LP seguinte do Cure. Nunca fizemos nada que me tirasse a vontade de estar no Cure. Nada que seja desprezível. Há tão poucos grupos assim, além do Cure! Sem dúvida: New Order, Echo & the Bunnymen, os Banshees... Acho que, na sua maioria, as pessoas percebem que sempre tivemos a mesma atitude. Pode-se gostar do A-Ha, mas por trás não há nada, é vazio, não existe. Somos diferentes.
BIZZ - O que não impede vocês de aparecer no Champs-Elysées (programa popular da televisão Francesa)!
Smith - Sim. E fizemos a mesma coisa na Alemanha, num programa com o Limahl, um troço horrendo. Sabemos que são uma merda todos esses lances. Mas, quando você faz discos para os outros, tem de participar de alguns desses programas, de vez em quando. Senão, você fica tocando sozinho no seu quarto, e isto é horrível. Chegamos no Champs-Elysées completamente bêbados, recusamos o aceno idiota ao sair do carro e permanecemos fiéis ao que somos, durante as gravações. Podemos participar até um certo ponto, mas nunca tivemos nada em comum com o chamado mundo pop. A única coisa interessante nesse programa era o nosso grupo. O resto era terrível. Agora, se tivesse acontecido alguma outra coisa boa durante o programa, eu teria apreciado. Não acho que sou o melhor, mas o Cure é melhor que a maioria das coisas que se ouve por aí. Isto dito, não sou um bom crítico na matéria porque não costumo assistir a esse tipo de programa. Sei que são muito populares, quem sabe alguém descobriu o Cure justamente nessa ocasião. Quando eu era garoto, vi Alex Harvey, Roxy Music ou Oavid Bowie na TV. Eu devia ter uns treze anos e me lembro bem. Eram, sem dúvida, diferentes do resto.
BIZZ - Como você reage quando cruza com fãs fantasiados de Robert Smith, com o mesmo cabelo, a mesma maquiagem?
Smith - Tenho sentimentos divididos, muito confusos. Será que eu devo me orgulhar disso?
BIZZ - Você dá muita importância à sua imagem, seu visual?
Smith - Acho que estou melhor com este corte de cabelo do que na época do Seventeen Seconds (80), em que eu parecia um skin head agressivo e maldoso. Mas não levo meu visual muito a sério. Vou cortar meu cabelo curtinho neste verão, para as filmagens. Minha cara é estúpida, minha maquiagem é estúpida... Para ser honesto, não ligo a mínima!
BIZZ - A mesma coisa para as roupas?
Smith - Sim. Por outro lado, devem ter certa importância para os fãs, porque na nossa última visita a Paris fotografaram os meus sapatos! (risos) De fato, temos um traje de palco, confeccionado por um amigo, que vestimos sem parar durante um ano e meio. A calça que estou vestindo neste exato momento data de Seventeen Seconds desde então, eu a levo e só... Também sempre calço tênis porque gosto de jogar futebol. Na escola eu já usava só isso. É confortável! Há anos que eu não piso em uma butique de Londres. Antes, eu ia na Johnson´s, em King´s Road, comprar ternos. Hoje, tudo que eu uso é Mary quem compra. Ela me diz se fica legal ou não.
BIZZ - Você fala de Mary, a sua garota. Ela tem alguma influência sobre o grupo?
Smith - Não diretamente. Ela não se interessa pelo Cure. Ela foi a Paris com a gente e se sentiu horrorizada com tudo aquilo. Não a incentivo a vir comigo. Pelo contrário, procuro mantê-la afastada do Cure. Ela é muito crítica com tudo que faço detesta alguns LPs, embora tenha gostado do último. Quando gravamos "Charlotte Sometimes", pedi que ela fosse comigo. Ela nunca tinha estado num estúdio. Ela sentou num canto enquanto eu cantava... A influência deve acontecer em outro nível. É verdade que a maioria das coisas que andei compondo ultimamente foram diretamente influenciadas por Mary.
BIZZ - Você é visto com bastante freqüência na companhia de crianças. Por quê?
Smith - Adoro ficar com a molecada. Não consigo acreditar que eu tenho vinte e sete anos.Se você se sente completamente espontâneo e natural, você vivê em outro tempo. Com as crianças é perfeito. Tenho seis sobrinhos e sempre fico com eles. Jogo futebol com eles.
BIZZ - Você também poderia ser pai!
Smith - Não, não! Nunca terei filhos prefiro os dos outros. Ser pai me faria crescer. Não tenho nenhum senso de responsabilidade: Com os moleques do meu irmão não tenho esse tipo de problema. Posso ter com eles uma relação privilegiada. Eles assistem a muitos dos meus shows, sobretudo na Inglaterra, e viajam numa velha caravana. Freqüentemente, após os shows, eles fazem comentários sobre a minha voz ou a respeito da música. São meus melhores críticos.
BIZZ - Dizem que de vez em quando você pode ser muito agressivo, colérico até. É verdade?
Smith - Era mais no passado, principalmente com Simon (Gallup), meu melhor amigo. Penso que, quanto mais próximo você está de alguém, mais você pode ser violento com essa pessoa. Mas sempre evitei ser agressivo em público, numa casa noturna por exemplo, mesmo quando estava bêbado. Acho isso detestável.
BIZZ - Você tem tempo de ler e ir ao cinema?
Smith - Sim. Acabo de ler Convite ao Suplício de Nabokov. Fora isso, hoje à noite, com o grupo, vamos ver A Volta dos Mortos Vivos e Re-Animator no cinema. Adoro! Boto a mão na frente dos olhos quando é horrível demais e peço para os outros me avisarem quando a cena acabar! Buuu!
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