por Franchico
Os céticos vão ter que engolir essa: Haih ou Amortecedor, o disco novo d’Os Mutantes, honra o legado da maior banda do rock nacional. Mesmo sem contar com 2/3 dos membros fundadores (Arnaldo Baptista e Rita Lee), o grupo arregimentado pelo remanescente Sérgio Dias (ao lado do baterista original Dinho Leme) se provou apto a levar adiante o nome e o legado do combo roqueiro / tropicalista surgido em 1966.
Lançado no exterior em 2009, Haih ou Amortecedor só agora chegou ao mercado nacional, via Coqueiro Verde, o selo independente presidido por Léo Esteves, filho caçula de Erasmo Carlos e atual gravadora do Tremendão – um motivo de orgulho para Sérgio.
A espera valeu a pena. Em Haih estão conservadas – não em formol – todas as características que tornaram os Mutantes famosos: a experimentação, o humor irreverente, a excelência instrumental, as referências à cultura popular brasileira, os arranjos caleidoscópicos.
Certamente, a assinatura do Mutante honorário Tom Zé em sete das 13 canções do disco ajudou bastante nisso. Jorge Benjor, outro antigo parceiro da banda, também marca presença na (hilária) faixa O Careca.
Ultra-viajandão, mas muito divertido e de som bastante heterogêneo, graças à variedade de vozes e ritmos apresentados, o disco é de audição fácil para quem se dispuser a embarcar na viagem neo-Mutante.
Curiosamente, o conceito central do álbum é um tanto obscuro. Ele abre com o presidente russo Vladimir Putin discursando. E termina com os hinos do Brasil, da Rússia e dos Estados Unidos misturados, em uma mixagem meio confusa. Mas o miolo, as canções entre um extremo e outro, deverão satisfazer até o mais desconfiado fã das antigas.
As faixas de Tom Zé em parceria com Sérgio, especialmente Amortecedor, 2000 e Agarrum, Anagrama e Bagdad Blues poderiam estar facilmente em qualquer álbum antigo da banda (ou até do próprio Zé). Já O Mensageiro, balada folk escrita e cantada por Sérgio Dias, é a faixa mais acessível do disco e poderia até tocar em rádios – se estas ainda tocassem música e não apenas jingles.
Outro destaque é Singin’ The Blues, da cantora neo-Mutante Bia Mendes, em parceria com Erasmo, um divertido rock no estilo da Jovem Guarda.
Haih... Ou Amortecedor / Mutantes / Coqueiro Verde / R$ 24,80
A ENTREVISTA
Sérgio Dias, 60 anos em 1º de dezembro, está numa boa, bicho. Sem se incomodar com os que o criticam por tocar adiante sua própria versão d’Os Mutantes – para muitos, um sacrilégio sem o irmão Arnaldo e Rita Lee – ele conseguiu, de qualquer forma, lançar um disco bastante elogiado pela imprensa internacional desde o lançamento, em 2009. O bom disco, as críticas favoráveis e a coesão do grupo atual – após as saídas de Zélia Duncan e Arnaldo – o deixaram confiante para seguir adiante, sem se intimidar com o peso do legado que o nome Mutantes carrega. Nesta entrevista por telefone, de sua casa em Henderson (cidade vizinha a Las Vegas), ele se emociona ao falar de Tom Zé, Gal Costa e do último show da banda por aqui, em 1972. Dica: vale buscar na internet o vívido relato do grafiteiro local Miguel Cordeiro sobre este show (leia aqui: http://www.miguelcordeiroarquivos.blogger.com.br/2006_10_01_archive.html).
Sérgio, você ficou satisfeito com o resultado final do álbum? Pretende continuar gravando discos d'Os Mutantes com essa formação atual?
Sérgio Dias: Fiquei muito feliz pois fizemos do jeito que queríamos, livres, sem olhar para trás, do jeito que tinha que tinha que ser, quase todo em português. Eu não esperava uma reação tão forte no estrangeiro. Estamos com 4, 5 estrelas em todos os grandes veículos, como Mojo, Village Voice, Uncut, The Guardian, New York Times. Com certeza, vamos continuar. Em maio ou junho estamos entrando em estúdio aí no Brasil para gravar disco novo . E vai ser no meu estúdio em São Paulo, o Zorg.
Mesmo sem Rita e Arnaldo, o CD soa muito Mutantes. Foi uma consequência do trabalho com antigos colaboradores, como Tom Zé e Jorge Ben Jor?
SD: O Tom Zé foi o melhor parceiro que eu já tive na minha vida. Gênio é pouco, não tem palavra para descrever. Ele me chama de baraúna e ele é pau ferro. Uma preciosidade do Brasil, e ter tido a sorte de encontra-lo agora... Por que antigamente, não tinha bagagem intelectual nem para dizer bom-dia e agora nossa parceria ficou tão bonita! É um tamanho amor, tamanho amor, é uma coisa que estava escrita nas estrelas, como diria Tetê Espíndola. E acho que vai durar por muito tempo. Ele é um Mutante também, assim como somos todos um pouco Tom Zés.
Por que o disco demorou tanto de sair no Brasil? Lá fora saiu em 2009, não foi isso?
SD: Num sei, bicho. O Brasil é um pouco difícil de entender nessas coisas. Na época (2009) estávamos sob contrato com a Sony, mas na hora H, deu para trás. E eu num ia perder tempo de ficar batendo em porta de gravadora. Então nos direcionamos para cá (para os EUA), aonde tínhamos uns 4 ou 5 selos interessados, aí eu tive de passar para um advogado. Por que era gente amiga, como Mike Patton, Sean Lennon... No Brasil eles não acreditaram no disco por causa da saída do Arnaldo e da Zélia. Mas Os Mutantes é uma coisa maior do que as pessoas, é mais sério do que eu, Arnaldo, Rita ou qualquer coisa do gênero. Acredito que (a mudança de gravadora) foi para melhor. Saindo pelo Coqueiro Verde, para começar, estamos na companhia do Erasmo, que é uma das pessoas que eu mais respeito em termos de integridade, constância e pedigree. Estamos em casa.
O disco começa com Vladimir Putin discursando e termina com os hinos da Russia e do Brasil misturados. Haih é um disco conceitual? Faz parte do conceito? Por que Putin? Por que o hino russo?
SD: Na verdade, no fim do disco, tem os hinos do Brasil, da Rússia e dos Estados Unidos misturados. Foi uma coisa que a gente que viveu na Guerra Fria, da rivalidade entre a União Soviética e os EUA. Diante de tudo que está acontecendo no mundo, achamos que seria legal lembrar aos americanos como era interessante ter um adversário a altura no tabuleiro de xadrez. O que eles tem agora? Chavez? Naquele época, com o Khrushchov (Nikita Serguêievitch Khrushchov, líder da União Soviética entre 1953 e 1964) aconteceram coisas muito interessantes. Acho que os americanos estão dando uma importância excessiva ao Taleban, em termos históricos, não tem mais ninguém com o peso de uma União Soviética. Quando eles estavam competindo, era lindo, a corrida espacial a trouxe muitas coisas positivas.
Na capa de Haih há um corvo fotografado por você e no encarte você aparece com um traje que lembra um corvo. E na música O Mensageiro você canta: "Eu sou o corvo negro".
SD: Mas eu sou o corvo negro mesmo, entende? Todo mundo esperava que a gente viesse em tecnicolor, muita corzinha, paz & amor. Mas as coisas não são mais assim. O corvo bica seu olho, mas também é um elemento mágico, tem toda uma aura de mistério. Desde Edgar Allan Poe, né? O corvo fala! É um bicho da pesada! Não ia rolar um periquito! É muito porrada esse disco, é muito forte para ser outra coisa. E eu sou o corvo negro, por que fui o arauto dessa situação nova, uma coisa muito boa. Jogaram os Mutantes de novo na minha vida e agora não dá mais para tirar.
Além da experiência natural de 40 anos de carreira, o que mais diferencia o Sérgio Dias da primeira encarnação dos Mutantes do Sergio Dias de hoje?
SD: Num sei, cara, é difícil dizer, eu me vejo como a mesma pessoa, exatamente igual. Meus ideais, minha luta de ser honesto com o que faço, me sinto o mesmo garoto. Às vezes fico dormindo aqui, me sinto cansado, mas o tesão e o sonho são a mesma coisa. Minha mãe, quando já tava com 80 e tantos, me falava que o corpo parava, mas a cabeça continuava igual. Eu sinto exatamente isso, por isso é um grande barato encontrar o Tom Zé, ele é uma criança. Tom Zé é a fonte da juventude.
Quando veremos um show dos Mutantes em Salvador?
SD: Cara, que saudades da Bahia! Com certeza estamos loucos para tocar aí! Agora as pessoas ai tem que ser um pouco mais ativas para que possamos fazer isso. Não dá para entrar num carro e ir. Mas a vontade é imensa! No que depender da nossa vontade... Bicho, nunca esqueço do nosso último show em Salvador, na Concha Acústica (28 de fevereiro de 1972)! Eu não lembro do show no Barbican, mas lembro desse! Ficamos hospedados em Itaparica e ainda vimos um show do Luiz Gonzaga! Uma coisa que não tem parâmetro! Quando a gente vê o que sai daí hoje em dia... Coitado do Brasil.
Qual foi a última coisa boa que você ouviu do Brasil?
SD: Pô, tem tanta coisa, mas sou meio ruim de nomes. Tenho a maior vergonha disso. A Zélia Duncan é maravilhosa. Tanta gente cheia de potencial para a música. O Brasil ainda é maior manancial do mundo, musicalmente. A gente só precisa retomar de onde paramos desde o maldito golpe de estado que arrasou com nossa cultura. Você tem o Lula Queiroga... Tanta banda que tá começando com a atitude completamente livre, assim que acabaram as majors – graças a deus. A liberdade retornou, então eu vejo a garotada se libertando dos formatos de verso-bridge-refrão, essa coisa idiota. Vi muita coisa interessante, mas minha memória não funciona, cara, foi muito LSD! Só sobrou o (neurônio) Tico. O Teco foi embora! (Risos)
Depois de vocês, em termos de influência, uma das bandas que mais marcou a garotada atual foi o Los Hermanos. Conhece?
SD: Não tive tempo de ouvir tão profundamente Los Hermanos, por que eu tava ocupado para ouvir tudo. Agora mesmo, estou gravando uma música para uma obra do meu irmão Claudio, chama Gea. Tô tratando como se fosse um filme. Ando sempre muito ocupado, é difícil de parar, pesquisar, não dá tempo.
Vocês estão fazendo shows em Las Vegas? E depois?
SD: Não, eu moro aqui em Henderson, Nevada, na pontinha de Las Vegas. Toda a nossa estrutura se centrou aqui. Agora estamos indo para a Austrália e Indonésia, uma turnê grande por lá. Nunca pensei em tocar lá na vida. Depois disso, em julho, vamos para a Europa. Já tem show marcado na Inglaterra. Em maio e junho vamos ao Brasil, e em 2012, no Rock in Rio Madri. Ah! E em setembro, tocamos com Tom Zé no Rock in Rio do Rio!
Será que numa dessas não rola uma passagem pela Bahia? (Nota: O Blog "Rock Loco" é pilotado por um jornalista baiano).
SD: A Bahia é a terra onde nascemos! Caetano, Gil, Gal... Meu Deus, que saudade louca que eu tenho da Gal! A gente precisa ir aí de qualquer jeito! Diga isso na matéria!
Entrevista maravilhosa.
ResponderExcluirmuito boa entrevista!
ResponderExcluirparabéns e obrigado!