Morreu na manhã desta segunda-feira (3/12) o idealizador do Garage,
Fabio Costa. Ele tinha diabetes e há anos sofria com a doença, chegando
a ser internado várias vezes. Nos últimos tempos, fazia hemodiálise e a
situação se agravou causando o falecimento. Fabio tinha 53 anos.
Fábio Gordo ou Fábio do Garage, como era chamado, era torneiro
mecânico e iniciou no meio do entretenimento com uma equipe de rock, que
fazia som mecânico no subúrbio do Rio na década de 1970. Trabalhou com
Raul, outro pioneiro do underground carioca, na década de 1980, no
Caverna I, em São João de Meriti, e também no Caverna II, em Botafogo,
ao lado do Canecão. Depois, junto com Hans Júnior, passou a tocar o
Garage Art Cult, na Praça da Bandeira, exibindo vídeos e, a partir de
1992, realizado shows.
O Garage foi o principal palco do underground carioca na década de
1990. Passaram (começaram) por lá nomes como Planet Hemp (Marcelo D2
chegou a morar na casa); Los Hermanos, que tocou o hit “Anna Julia” pela
primeira vez no local, em 1999; Angra, um dos recordes de bilheteria; Soutien Xiita, No Sense, Gangrena Gasosa, Endoparasites, Anschluss, The Mist e
Korzus, entre tantos outros. Foi ainda palco de bandas internacionais
como Buzzcocks, DRI, Madball, Kreator, Exodus, Varukers e Agnostic Front.
Fechado há muitos anos, a casa está sob cuidados do empresário Leo
Feijó, que, segundo consta, tenta reabri-la, mas esbarra em questões
legais. Por outro lado, o endereço do Garage, a Rua Ceará, na Praça da
Bandeira, é há muitos anos point da juventude interessada em rock, que
curiosamente chama a região de “Garage”. Mesmo com a saúde debilitada,
Fabio vinha realizando, com a ajuda de amigos, as “Noites do Garage”, no
Teatro Odisseia.
Sobre o "Garage": O Garage
fez fama na década de 1990 por revelar os nomes da nova safra do rock
carioca, além de se tornar parada obrigatória para bandas de outros
estados e até para grupos com certa projeção, que faziam questão de ter
no currículo uma passagem por essa verdadeira lenda viva do underground.
A pacata Rua Ceará, durante a semana, era um local de pequeno e
tradicional comércio, com moradores de antigas casas que remetiam à época
do Império. Mal iluminada, à noite era um local aparentemente sinistro (a
rua passa por cima de um canal e por baixo dos trilhos da ferrovia),
mas tão tranquilo que nunca se teve notícia de ocorrência policial na
região. Seguindo o exemplo, o Garage era talvez o único local de shows de medio porte no mundo que não
tinha seguranças fixos - e raramente sentia-se a falta deles.
Quando Fábio Costa chegou ao Garage, em 1989, e começou a passar
vídeos de rock, com ênfase no heavy metal, jamais poderia pensar que
faria história no rock nacional, resistindo aos altos e baixos de todos
os seus segmentos e sustentando uma cena nem sempre tão forte, muito
menos lucrativa para quem se propunha a investir no meio. Hans Júnior era o
dono da casa, que se chamava Garage Art Cult, antes de Fábio chegar.
Ele negociou o espaço junto ao Moto Clube do Brasil, que funcionava
durante a semana no subsolo, e parte da arrecadação era repassada aos os
proprietários. O primeiro show aconteceu com Endoparasites e Anschluss, em setembro
de 1992. A madeira
usada na construção do palco foi comprada com um cheque pré-datado, e o dinheiro para cobrir o borrachudo saiu da bilheteria dos primeiros eventos.
Mesmo com uma trajetória de sucesso, Hans Júnior deixou o clube em
1992, após problemas com o show do Kreator, que teve produção do Garage
mas acabou rolando na antiga quadra da Estácio de Sá, por questões de
espaço. A partir daí começou um verdadeiro entra e sai de sócios,
permanecendo somente Fábio, até o fim.
No início, dado o boom do heavy metal no Brasil, que levou a reboque o Sepultura
(que nunca tocou no Garage, diga-se) ao sucesso internacional, era esse
o estilo predominante, com casa cheia todo final de semana.
Pode-se considerar essa fase, entre 1993 e1994, como o auge, sendo shows
de bandas como Korzus, The Mist e Angra os mais concorridos.
Em 1994, o clube tentou decolar o próprio selo, que chegou a lançar a
coletânea “Garage Voices”, com Freaks?, Unmasked Brains, Scars Souls e
Go Ahead!. Perdido na transição entre vinil e CD, e com a tradicional
falta de verbas, o Garage Records acabou não indo adiante.
Como nada dura para sempre, o metal deixou de ser o estilo
predominante no mercado, e o Garage passou a abrir espaço para todas as
novas bandas do novo rock brasileiro, versão anos 90. Ao mesmo tempo,
com a falta de espaço para shows de médio porte no Rio de Janeiro, os
produtores passaram a ver no Garage uma opção também para eventos
internacionais. O primeiro foi o Buzzcocks, que teve grande repercussão na mídia (veja foto aqui e aqui). Depois viriam DRI (fotos aqui e aqui), Madball , por duas vezes, Exodus, Seaweed, Varukers, Agnostic Front e Earth Crises.
Em 1995, o então prefeito César Maia “desapropriou” as casas que
compunham a Vila Mimosa, tradicional prostíbulo que funcionava junto à
Praça Onze, e alojou as meninas de vida fácil nos arredores
da Rua Ceará. Esse fato acabou trazendo um movimento maior para a
região, entre táxis transportando clientes e policiais que sempre rondam
locais desse tipo.
Em 1997, o clube Balaios, também com sede na Rua Ceará, e composto
por motoqueiros e suas envenenadas Harley Davidson, inaugurou o bar
Heavy Duty, que, com temática típica de motocicletas, roupas de couro e
muito heavy metal rolando, passou a atrair grande número de
frequentadores. Somando a isso os vários bares pé-sujos que já
funcionavam no local, estava criado o Baixo Ceará. Mesmo atraindo um
movimento muito maior, esse público não frequentaria o Garage, e não era
raro de se ter shows com lotação média e a rua lotada, sobretudo aos
sábados.
Nos tempos das vacas magras, o Garage esteve para fechar várias
vezes, e Fábio "gordo" buscou as saídas mais criativas e
inusitadas para que isto não acontecesse. A mais comum foi organizar os chamados “SOS Garage”,
reunindo bandas com razoável apelo de público, que doavam a bilheteria pra
o pagamento das dívidas.
Numa dessas crises, porém, Fábio acabou repassando a
casa para um novo sócio que transformaria o local numa casa de forró,
aproveitando certo frisson sustentado pelas academias de dança da classe
média carioca. A casa chegou a ser reformada, ganhou um novo bar e um
mezanino, além de uma pintura típica, com sertanejos e caatingas
espalhadas pelas paredes. Com duas semanas de eventos fracassados, o
clube voltou para a mão de Fábio - mas por pouco tempo, infelizmente.
O Garage em fatos e números
Início, só com vídeo: final de 1988
Primeiro show do Garage: 4/9/1992, com Endoparasites e Anschluss
Bandas: mais de 1000
Shows: mais de 4 mil
Shows oficialmente mais cheios (público): Korzus, Angra e Planet Hemp com Black Alien
Show mais cheio (bandas): mais de 20, em 6/9/1993, no aniversário; não dava para entrar, até a rua estava lotada
Banda que mais tocou: Cabeça, “umas 30 vezes”, segundo Fábio.
Demos e discos recebidos: + de 2 mil
por Marcos Bragatto
reg
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