Boom Boom Kid converte show vazio em palco lotado na noite de estreia do Goiânia Noise; Ex-Cordel, Lirinha mostra promissora carreira solo.
De repente, a ideia. Em vez de um show vazio, com os poucos fãs à distância, o vocalista do Boom Boom Kid, Carlos Rodríguez, pára tudo, convida todos a subir no palco e converte a apresentação, até então fria e burocrática, numa festança de anotar em caderninho. Até o iluminador, que esquecera às luzes sobre o público acessas, resolveu voltar ao trabalho. Foi o que ajudou a salvar a noite de abertura do Goiânia Noise Festival, que começou ontem, no Centro Cultural Oscar Niemayer. Isso porque, com o fraco comparecimento do público, em uma noite de curadoria mal resolvida e pouco segmentada, o festival – literalmente – não engrenou.
Para aqueles que ocuparam a inexplicável faixa de palco deserta durante toda a noite, entre banda e público, no entanto, a coisa foi diversão pura, com direito a roda de pogo, tombo, estrebucho e até a retirada de um dos adesivos invasivos que decoravam os monitores de retorno. E olha que o argentino Boom Boom Kid nem é um dos grupos mais agitados de todo o festival. O baixista e o guitarrista do grupo tocam meio paradões no palco, deixando para Rodríguez, de perfil andrógino - usa uma blusinha de bolinhas da vovó e desnuda “seios”-, a tarefa de agitar o público. Com o advento da abertura do palco para a plateia se viu sumido na multidão e teve que dar a volta para chegar á frente do palco, em mais de uma vez, sacudindo os bem cuidados dreadlocks. De longe o melhor momento da sexta no GNF.
Outra surpresa da noite foi o show de Lirinha, ex-líder do Cordel do Fogo Encantado. Embora ainda um pouco preso ao grupo que lhe projetou, ele parece agora estar numa franca transição para uma sólida carreira autoral como cantor pop. A formação da banda foge do óbvio com dois percursionista/bateristas, dois teclados, sendo um pilotado por Astronauta Pinguim, e o guitarrista do Devotos (para sempre do Ódio), Neilton. O show surpreende por uma qualidade musical rara em bandas do gênero, com uma sonoridade densa realçada pela performance física de Lirinha, que se remexe como um Arnaldo Antunes robótico do século 21. Só falta o menino ser mais cantor e menor declamador de versos para a coisa deslanchar. Além de músicas do disco de estreia – e que dá nome ao show -, “Lira”, o repertório inclui uma ou outra música do Cordel, e ainda “Lágrimas Pretas”, gravada por Pitty no projeto 3 Na Massa, e que virou parte do show do Agridoce.
Também com sonoridade climática, o Mapuche, de Santa Catarina, arrastou para o palco Palácio da Música, na parte interna do local, todas as nuvens negras que rondavam Goiânia desde cedo. Explica-se que o grupo investe pesado no pós punk inglês voltado para o lado deprê das coisas detonado após o suicídio de Ian Curtis – e lá se vão mais de 30 anos. A bateria é eletrônica misturada com acústica, num resultado mais orgânico que eletrônico, dos mais originais. No violão, Isaac Varzim solta uma voz soturna – em inglês, claro – que parece o chamado das trevas ao vivo e a cores. O arremate com “She Unsaid” coroou uma apresentação original, mas trouxe o alívio de ter-se evitado o suicídio coletivo das parcas almas que viram o trio em ação.
Com o foco na década anterior, o trio Space Truck vem com um hard rock clássico repleto de referências a Deep Purple, Queen, Rush e adjacências. A ideia é boa, mas os irmãos Rogério (voz, baixo e teclado) e Rodrigo Sobreira, que comandam a banda, precisam melhorar e compor músicas melhores, mais colantes, que não dependam tanto dos arranjos para cativar o ouvinte; são moços, vão evoluir. O rock pesado da outra banda argentina, o PEZ, também sofre do mesmo problema: a falta de boas músicas. O trio se esforça para quebrar o gelo Brasil/Argentina, até canta um música num razoável português, mas é pouco. É certo que tinha pouca gente no show deles, mas também não precisava o vocalista Ariel Minimal mandar todo mundo ouvir Xuxa, né?
Problemas na organização do festival que silenciaram o Palco Esplanada – que iria até às 22h – mais cedo acabaram criando um bloco metal extremo no Palco Palácio da Música, com o Worst e o Kamura. O primeiro é um supergrupo do metal de São Paulo, que inclui o baterista mão de aço Fernandão. O grupo fez uma apresentação afiada, com o som calcado numa mistura de Pantera com hardcore NY, e teve boa reposta do público, pequeno, mas participativo. O problema é que as letras confundem agressividade com violência gratuita. De Goiânia, o Kamura segue o mesmo caminho sonoro: porrada na moleira com crossover de HC e metal. O público curtiu mais o Worst.
Quem se estrepou com os atrasos e vai-e-vens do festival foi o local Chimpanzés de Gaveta, que ficou por último, tocando na alta madrugada deste sábado. Uma pena que o funk rock de big band esboçado pela banda tenha uma recepção tão discreta. Assim como o Mortuários, que tocou praticamente para ninguém num dos poucos shows do Palco Esplanada, ainda com o sol claro. Mas esse ainda tem que melhorar muito para fazer jus ao posto de “banda que tocou no GNF”.
Impulsionado pela grife midiática, o duo Madrid reuniu boa presença de público e até que não decepcionou. Ainda mais se lembrarmos que as bandas anteriores dos dois (Adriano Cintra, Cansei de Ser Sexy, e Marina Vello, Bonde do Rolê) não passam de projetos terríveis que só serviram para queimar o filme da música brasileira no exterior. Até um baterista hologramínico “tocou” em num vídeo. Não chega a ser uma banda de verdade, mas, ao menos dessa vez, há músicas.
A 18ª edição do Goiânia Noise Festival prossegue hoje, sábado, dia 10, com bandas como Crucified Barbara, Autoramas e Lord Bishop Rocks, entre outras, e vai até domingo. Clique aqui para saber tudo sobre o festival.
Marcos Bragatto viajou á Goiânia á convite da produção do festival.
Rock Em Geral
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