Conheci
Vicente Coda em algum momento da década de noventa do século passado num show
na extinta Organtecc, loja de skate situada na Avenida Barão de Maruim que
eventualmente abria sua pista para apresentações de artistas alternativos
locais. Já no primeiro encontro me pareceu uma figura, no mínimo, excêntrica -vestia
uma touca e um colar com um CD pendurado no pescoço, um figurino “exótico”
mesmo para aqueles tempos de “funk metal”. A primeira impressão se confirmava a
cada novo encontro, nos quais ele estava sempre com um novo projeto em mente e
meio que “atirando para todos os lados”, ora no campo da musica, ora das artes
plásticas, ora na literatura – esta última, que eu saiba, ficou apenas na
intenção.
Coda é,
com orgulho (ele sempre frisa), pioneiro do cenário “roqueiro” local, que
nasceu (ou renasceu, não sei, não conheço nada do rock sergipano pré-anos 80) na
onda “new wave” que sacudiu o Brasil com a redemocratização, na metade da década
de oitenta. Foi um dos fundadores da Karne Krua, pioneira banda punk sergipana
que é, atualmente, a mais antiga em atuação ininterrupta (nunca parou) no
nordeste. Sempre inquieto, logo cedo abandonou os limites do rock baseado nos
três acordes básicos em prol de algo mais suingado e experimental, fundando bandas como
Fome Africana, Blow up, Sopro da Arte, orelha de Van Gogh (nome emprestado de
um antigo grupo baiano)e, agora, a “paraphernalia”.
Com o tempo e a convivência – nem sempre tranqüila,
vez por outra nos estranhamos - aprendi a, no mínimo, respeitar a perseverança
e a força de vontade de Vicente Coda. Acho que nunca conheci, em toda a minha
vida, alguém que acreditasse tanto em seu próprio trabalho. Gostando ou não do
que ele faz, é preciso reconhecer que ele é “gente que faz”. E isso já é muito,
neste cenário cultural desértico em que vivemos. Não foi diferente com seu novo
projeto, cuja gênese acompanhei e posso testemunhar que já nasceu sob o signo
do experimentalismo hermético, com um espírito de “foda-se”. “É para poucos
mesmo”, ele não cansava de repetir.
Não sei
se é para mim. Em termos de cultura “Beatnik”, sou quase um neófito. Ouço falar
desde que me conheço como gente, mas só fui conhecer com alguma profundidade
recentemente, quando finalmente li “on the Road”, a Bíblia beat escrita por
Jack Kerouac. Gostei muito, mas talvez fique só nisto mesmo. Eu reconheço: sou
limitado e tenho dificuldade em ler poesia, o que certamente me manterá
afastado de boa parte da produção desta turma – e taalvez, por tabela, da
inteira compreensão da obra de Vicente Coda.
Devo
dizer, no entanto, que me surpreendi com o resultado final de seu ousado (ou
pretensioso, dependendo do ponto de vista) CD duplo, “A Viagem de Christine ao
Universo da Beat Gemeration”. Para além do título pomposo e da mistura
aparentemente sem pé nem cabeça da História de Alice no país das maravilhas com
a daqueles intelectuais drogados e largados, “siderados” e sexualmente
liberados, certamente muito à frente do seu tempo, há uma boa produção, com
bons arranjos emoldurando faixas que geralmente são, não sei se propositalmente
ou fruto da personalidade ansiosa e inquieta de seu autor, apenas esboços de
músicas e/ou poemas musicados.
Se eu
dissesse que já ouvi o disco inteiro, na sequencia e de cabo a rabo, de uma vez
só, como Vicente me recomendou, estaria mentindo. Mas no que ouvi, encontrei
bons momentos, principalmente na percussão eletrônica pesada mesclada a
fraseados de violão e bons riffs de guitarra de algumas faixas – não me
perguntem qual, por favor, é complicado! Não me confundam! Já a voz continua sendo um problema, como
também o são algumas letras demasiadamente carregadas de clichês ...
Ou não!
Vicente Coda acha que pode cantar, e porque não poderia? Faz o que tu queres,
há de ser tudo da lei. Ele quis, correu atrás e fez! Fez inclusive um, com o
perdão do linguajar chulo, “puta show”, sexta-feira passada, no Teatro Atheneu.
“Whit a little help” from many
friends, é preciso frisar, mas fez! Acreditou e fez. Eu, que tenho o
costume de valorizar aqueles que vivem aquilo em que acreditam, fiz questão de
prestigiar. Fui lá, comprei meu ingresso, sentei na minha confortável cadeira
(uma delícia o teatro depois de reformado, poltronas fofinhas e ar condicionado
geladinho) e me diverti entre amigos, dentro e fora do palco.
Achei a
primeira parte do show, em alguns momentos, bem chata, mas aos poucos, à medida
que o espetáculo evoluía rumo a passagens menos “herméticas” e mais musicais/teatrais,
fui me deixando envolver pelo clima de celebração valorizado pela boa produção
e, mais uma vez, pelo evidente talento de todos os que contribuíram para a
empreitada. Viajei nos solos de guitarra de Cleo, nas batidas disparadas pelo
DJ Leo Levi, na percussão de Ton-Toy, nas levadas de baixo de João Valiatti, nas
cordas de Constantino (em dueto com Silvio Campos), nos sopros envenenados de
José Gentil, nos backing vocais oníricos da musa Alice Nou, nas intervenções de
atores espalhados pela platéia e no belo dueto entre dois dos fundadores do
rock sergipano, Luiz Eduardo, da Crove (Horrorshow) e Silvio “suburbano”, “Imperador
do Hard Core” e membro fundador da Karne Krua, da Maquina Blues, Words
Guerrilla, Sartana, Logorreia, Casca Grossa, Cruz da Donzela e ET Cetera ...
Viajei
porque é uma viagem. Embarquei porque quis embarcar. Quem não quiser, não
precisa. Ninguém é forçado a nada – ou, pelo menos, não deveria.
Achei o
disco interessante.
Gostei
do show.
É isso.
A.
Nenhum comentário:
Postar um comentário