As Notas explicativas são atuais e de minha autoria.
Adelvan.
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MOUTH STRANGER ZINE: Quando surgiu a banda ?
SILVIO: Em 85 teve o final de uma banda que eu fazia com Almada, era a “sem Freio na língua”, daí a intenção era fazer uma coisa mais suja, mais agressiva.A gente escolheu uma temática ligada ao anarquismo e misturada com o lance do Hardcore, surgiu a Karne Krua, em 1985.
MSZ: Qual a origem do nome “Karne Krua”?
SILVIO: Esse nome, mais uma vez, foi eu e Almada que selecionamos entre uns 40 ou 50 nomes. Colocamos e acabamos escolhendo, vendo assim o que tinha a ver com a proposta da banda. Em cima desse nome que a gente escolheu criamos sentidos de “porque karne krua?” Em relação ao nuclear, à repressão policial ... o nome é uma coisa voltada que somos carnes cruas (o povão), as pessoas que sofrem com as armadilhas do tal sistema. Por tudo isso nós, na época, não tínhamos nome melhor do que este. “Karne Krua” representa bem os objetivos da banda.
MSZ: A banda já passou por quantas formações?
SILVIO: a gente já passou por 8 formações (NOTA: Isso em 1995, é bom lembrar). A atual é: Ronnie – Bateria; Marlio – baixo (na época da entrevista Marlio ainda era da Karne Krua, hoje toca no Câmbio Negro HC de Pernambuco); Marcelo – guitarra e eu, Silvio – vocal.
MSZ: No início, qual era o objetivo de cada um ?
MARLIO: Eu entrei na banda de cara, não conhecia nada em termos musicais. Conheci a Karne Krua e já fui entrando (NOTA: que frase mais sugestiva). Foi uma oportunidade muito grande pra mim e eu aproveitei.
RONNIE: Já comigo foi diferente, porque eu já curtia mas não tinha uma aproximação. De repente, comecei a tocar em algumas bandas locais. Silvio me conheceu tocando na “Expresso Suburbano” e surgiu a oportunidade, em 1992.
MARCELO: Eu cheguei em Aracaju no final de 84, foi conheci Silvio e Tonho (Almada) e a moçada que fazia o movimento. Vim de São Paulo, do ABC paulista, conhecia o movimento punk, skin, quer dizer, eu já vinha de uma realidade diferente do que estava acontecendo aqui. Eu nem esperava que quando chegasse em Aracaju iria conhecer pessoas que estivessem no movimento. Conheci Silvio na Sem Freio na língua, que era ele, Tonho Almada e Sardão. Tinha outras bandas, como “Perigo de vida”, “H2O”, “The Merdas” que era Silvio, Elder ... Foi quando Silvio surgiu com a proposta de montar uma nova banda. Era ele, Almada e Vicente “Coda” na guitarra. A galera já conhecia o movimento punk e outras bandas como Cólera e Ratos de Porão, que são “das antigas”, já vinham do movimento do SESC Pompéia. Mas então, daí a gente se uniu e começou a fazer um som Hardcore. A Karne Krua tem muita história.
SILVIO: Na época o meu objetivo inicial, quando formei a karne Krua com Almada, era expressar o que existia em termos de cultura local, uma cultura estagnada, que tinha seus artista, como até hoje você pode ver isso, monopolizando todo o circuito, de secretarias e tudo o mais. Então o objetivo da gente foi, além do lance libertário e da propaganda anarquista, punk, era fazer com que em Aracaju se visse alguma coisa que fosse vanguarda mesmo, e eu acho que na época a gente foi muito vanguarda. Nós fazíamos som para pessoas que não sabiam o que era rock, muito menos Hardcore. Tava me lembrando um dia desses que a gente fazia musicas novas até na hora do show. Meu objetivo maior foi expressar meus sentimentos anarco-libertários, objetivando o lance de Aracaju, que era mexer com a cultura musical que existia. Esse objetivo que coloquei na Karne krua serviu, porque na época a gente mexeu com muita coisa, tipo os órgãos de cultura, onde não entra mais ninguém a não ser os que vivem ali mamando.
MSZ: Com relação ao primeiro disco, lançado em abril de 1994, como foi e como está sendo a divulgação?
SILVIO: Foi muito difícil fazer esse lance do disco assim. Nós não somos uma banda financiada por altos selos, foi um apoio que a gente encontrou de uma pessoa que é amiga da gente, que acreditou no trabalho e fez o disco. E os resultados estão vindo lentamente, mas numa boa. A repercussão, em termos de revistas, foi boa, e atualmente estamos tentando divulgar o disco fora do país, já com alguns contatos com selos e distribuidoras. Em termos de saída do disco, estamos recebendo muitas cartas de fanzines, de pessoas do Maranhão, do Pará, do Piauí, do Brasil todo. Há um aspecto de contato direto. Como a gente tem um fanzine, está sendo um contato banda e público, e está sendo muito legal.
MSZ: Nesses 10 Anos de estrada, qual foi a pior situação que a Karne Krua já enfrentou?
SILVIO: Vou dizer uma que é bem individual: foi no final de 1992, quando tivemos a saída inesperada de dois integrantes. Saiu Ronnie e Valdeir e me vi numa situação ... tudo bem, eu faço parte da banda, mas não sou eu apenas. Se fosse só eu e Marlio a banda não seria uma banda. Então olhei pra Marlio e disse: “porra, bicho, e agora?”. Não queríamos que a banda acabasse naquele momento, então foi uma situação difícil pra cacete, mas como a família Karne Krua é grande, voltaram à banda antigos integrantes e a situação foi resolvida rapidamente.
RONNIE: Situação fodida ... foi uma mão que passamos lá em São Cristóvão. Levamos o maior baculejo. Isso foi bem cedo, a gente estava já pra ficar numa boa, daí 7 horas da manhã fomos tocar, todo mundo morgado. Foi foda.
MARLIO: O foda foi ir a Maceió sem ter assistência nenhuma e ainda por cima ter que dormir na rodoviária. Foi falta de organização da parte deles.
MARCELO: Esse lance do que foi pior é muito relativo, tantas coisas aconteceram que fica difícil escolher alguma.
MARLIO: Veio logo na mente essa lembrança.
RONNIE: Porque tem pouco tempo, daí a gente sempre lembra das dificuldades. Banda não é chegar assim e encontrar tudo de mãos beijadas, a gente toca porque gosta.
SILVIO: A pior situação foi quando o carro forte do Banco do Brasil parou aqui na porta de Marlio e nos pagou altas granas (risos). Até hoje a gente vive numa boa.
MARCELO: Silvio mesmo ganhou na sena três vezes. Marlio ganhou na loteria esportiva. A gente vive muito bem, muita mulher (mais risos).
MSZ: Quem é casado ? Quem não é ? Falem um pouco do dia-a-dia de vocês.
SILVIO: Casado, 31 anos, tenho filho, me fodo diariamente pra ver se ganho dinheiro, mas o Real me colocou lá pra baixo. Não estudo, tenho uma loja com Marlio e sou fanzineiro.
RONNIE: 20 anos, saindo de altas viagens de estudos, mas ao mesmo tempo não consegui passar os meus objetivos, que era entrar na faculdade. Mas estou tentando alguma coisa. Não trabalho e não tenho compromisso com ninguém.
MARLIO: Tenho 25 anos, trabalho, sou casado. Só.
MARCELO: Tenho 27 anos, sou artista gráfico mas atualmente estou desempregado, porque a situação não está nada boa pra ninguém, a não ser pros deputados, que ganham 8 mil por mês, 13º, 14º, 15º. Desemprego do caralho, e a moçada ganhando muito pouco.
MSZ: Como vocês vêem o movimento aqui na capital sergipana ?
SILVIO: Quando as pessoas falam em movimento procuro entender isso de uma forma geral, desde o pessoal que batalha no Movimento punk com o lance da panfletagem até o pessoal que curte Heavy Metal. Acho que melhorou, rolam mais shows. Quando começamos tocávamos em lugares com aparelhagem super precária, hoje tem bandas que tocam com uma aparelhagem legal. O que deve melhorar mais é a cena libertária, o lance dos fanzines, exposições, como já está sendo feito pelo Ailton (NOTA: vulgo “casca grossa”, infelizmente já falecido), panfletos ligados ao movimento punk. Foi uma coisa forte que aconteceu em Aracaju. No começo pesava muito, saca ?
MSZ: O que vocês acharam da organização (?) e da credibilidade (?) do projeto “Metal in concert” nos shows que não aconteceram (P.U.S. e RxDxPx)? (NOTA: Ele está se referindo à primeira vez que as citadas bandas vieram à cidade e levaram um calote da produção do evento – saiba mais AQUI.)
MARCELO: No cenário nacional acontece muito disso. A nível de nordeste isso fica muito mais próximo de acontecer, pois aqui os recursos são menores. Apesar da mídia divulgar, fica dependendo de pessoas que não têm responsabilidade e tentam organizar as coisas de uma forma e acabam colocando os pés pelas mãos. E isso só vem pra piorar as coisas pro lado da gente, pois agora fica difícil arrumar espaço, patrocínio. Mesmo a gente não estando envolvido, perde credibilidade.
SILVIO: Um show que realizei, tive dificuldade para conseguir local. Fui em lojas e tive a mesma dificuldade. Não acreditavam. As únicas que acreditavam eram aquelas pessoas que conheciam meu caráter, por coisas que fiz. A credibilidade quem dá é o público, agora as pessoas deveriam realmente ver pra não ficar “babando o ovo” de pessoas que só estiveram presentes em Aracaju pra detonar. Dizem o contrário, mas estas pessoas só contribuíram negativamente em termos gerais, de amizade, inclusive. São pessoas que não servem para a cena alternativa de lugar nenhum, pessoas que só vivem a fofocar. Dá-se credibilidade a quem merece. No show que fiz recentemente, pessoas não foram porque pagaram para ver o Ratos de Porão. Porra, isso é mal pra caramba. Onde colei cartazes, vi pessoas arrancando no dia seguinte, isso é foda demais.
MSZ: O que vocês esperam desses políticos?
TODOS: Nada !
SILVIO: Meu tataravô, minha tataravó, o caralho, todos esperaram desses caras. Eu queria lembrar que eles podem aumentar o salário deles, isso não interfere nos gastos lá em Brasília. Já no trabalhador vai influir tudo, vai descentralizar tudo. Eles aumentam o deles quando querem, eles estão com a caneta na mão, é bom que as pessoas lembrem disso.
MARCELO: é ... enquanto houver ilusão, as pessoas vão sempre acreditar num “salvador da pátria”.
MSZ: Nesta edição temos uma matéria que aborda o tema “guerra”. O que vocês têm a falar sobre o assunto ?
MARCELO: A máquina de guerra é uma instituição, então não pode haver guerras sem armas, e nós precisamos vender armas. Mas para vender armas tem que haver guerra, então a cabeça dos que comandam, dos que fazem a cúpula do poder, está aí, tomando conta dos nossos ideais.
SILVIO: Gostaria de lembrar “Rumores de guerra”, da Karne krua, uma música que tem uma letra muito forte. O tema é bastante usado por várias bandas que fazem letras deste tipo, ela é muito atual. Porque você vê guerras de ambição, países brigando por um pedaço de terra, pessoas morrendo inocentemente. Tem uma frase que representa bem os desejos de guerra, que diz assim: “jovens que não se conhecem se matam por homens que se conhecem e não se matam”. Isso é a síntese da guerra: a guerra é a decepção e a vergonha do homem. Como está acontecendo na Bósnia, na Chechênia, em vários países.
MARCELO: Temos um som na banda que hoje não tocamos mais, que é “Indústria bélica”, a letra fala assim: “Industria bélica não para de aumentar/a fome e a miséria não vai parar”.
RONNIE: a guerra já é um lance arcaico, os homens já vêm com estas guerras de altos tempos, já viajavam em um detonar o outro por causa da mulher do cara, por exemplo.
MSZ: O que vocês acharam do apoio do Mouth Stranger zine às bandas sergipanas?
SILVIO: Acho legal. Também faço fanzine e apoio muita banda de fora, de outros estados, divulgo pra caramba. . Já fiz flyers de divulgação para várias bandas e eu acho que essa atitude dos fanzines muito legal. Tem que ser a cena daqui, pois o fanzine é daqui, levando para todo o Brasil.
MARCELO: Apesar de tudo é bom saber que existe pessoas que acreditam nas coisas e têm boa vontade de divulgar, então é fundamental. Sem divulgação não rola nada. Como é que você vai saber das coisas se você não obtem a informação? Então é de grande importância, é muito boa a atitude do fanzine de vocês.
MSZ: Um recado aos leitores do zine.
SILVIO: Acredite que você pode fazer alguma coisa de positivo, acredite que ninguém é mais que ninguém, acredite na simplicidade, acredite no rock and roll, na liberdade de expressão, no anarquismo, no socialismo. Acredite em tudo que possa levar a uma modificação na sociedade. Só isso.
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Adoro vcs cara! sou fan do programa,acho as ideias de vcs um barato.Eu estou na escuta...(Murilo).
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