Poucos jornalistas de música são tão reverenciados no Brasil quanto Fabio Massari. Não por acaso, ele é carinhosamente conhecido como “Reverendo” – desde os tempos em que apresentava o programa Lado B na MTV Brasil. O fato é que poucos jornalistas especializados – talvez nenhum –
conhecem tão bem os subterrâneos da música pop planetária quanto
Massari. E isso é facinho de comprovar: basta uma passada de olhos em seu novo
livro, Mondo Massari, uma coletânea de textos e entrevistas que acaba de
chegar às livrarias.
A seguir, entrevista por email com o Reverendo, onde ele fala um pouco de si mesmo, do livro, Frank Zappa, Islândia, MTV Brasil e – com inesperado entusiasmo – do nosso querido rock baiano. Mais uma da "Escarro Napalm Unauthorized reproductions" - #sqn: O Franchico já me autorizou a reproduzir qualquer texto de seu blog, desde que dados os créditos e postados os links, evidentemente ...
Pode nos contar um pouco sobre como você começou nesse negócio de ouvir rock – e depois, de escrever sobre isso?
Fabio Massari: Acho que dá pra dizer que começou naturalmente, sem
forçação de barra ou com algo que tenha deflagrado o interesse. Minha
família não é, digamos, musical – mas a vitrola estava lá e discos
circulavam. E curti rádio desde sempre: música e todo tipo de conversa,
falação mesmo, programas esportivos, humorísticos etc. Sou radialista de
formação e predileção! O rock chegou no embalo de Elvis, Beatles, Secos
& Molhados, Elton John, Suzi Quatro, Raul Seixas e, claro, Alice
Cooper: aqui sim, o momento de revelação, transformação. Muscle Of Love
(1973) é o LP que inaugura minha coleção (pelo menos decidi assim num artigo para a saudosa revista General), marco-zero (ainda que não tenha sido o primeiro de fato).
Desde os tempos da MTV, você era, volta e meia, referido como
especialista em Frank Zappa (1940-1993), compositor de rock com bagagem
erudita e sobre quem você escreveu o livro Zappa: Detritos Cósmicos.
Como você avalia o seu legado?
FM: Zappa tinha mesmo essa “bagagem erudita”, ainda que haja
divergências entre especialistas quanto à intensidade desses “estudos”.
Acho que era tudo mais intuitivo e a pesquisa era conduzida à sua
maneira, sem muito envolvimento com formatos acadêmicos. Mas ele se
deliciava com outros gêneros e subgêneros. Nas suas composições (vale
lembrar que se definia pura e simplesmente como “American composer”)
tinha de tudo: jazz, blues, psicodelia, colagens vanguardistas,
marchinhas mil e... no fim das contas, sua música não se parecia com
nada disso. Além das possibilidades infinitas do legado, acho que
destaca-se a postura de um artista em plena sintonia com seu tempo, que
não tinha medo de encarar os “atrasa-lado” corporativos e que se
dedicava à sua arte – e aos fãs – com todo o carinho e respeito do
universo.
Lembro que no Lado B vc entrevistou em uma ou duas ocasiões a banda baiana brincando de deus,
pioneira do indie rock brasileiro (e orgulho de parte dos doidões
locais, fãs do chamado - por aqui, de forma meio jocosa - "rock
triste"). Você tem alguma lembrança da brincando de deus? Considera
relevante alguma outra banda da cena baiana?
FM: Como assim? Mas é claro! O rock triste fez muito parte da trilha
sonora do Lado B (e atividades televisivas com nossa chancela). A
brincando de deus era uma das prediletas, sempre muito legal encontrar o
pessoal – e nos batemos muitas vezes nos festivais da vida. O Messias
(Bandeira, vocalista) sempre foi um cara muito interessante de
entrevistar e de conversar na camaradagem, fora das câmeras. Sempre teve
um discurso elaborado, consistente, pensava a banda, a cena em
contextos bem demarcados. Era mesmo bem interessante. Aliás ele foi um
dos responsáveis por irmos cobrir a cena in loco, no histórico festival Boom Bahia.
Na verdade, esse momento anos 90 me pareceu muito “quente” para a cena
local. De minha parte, curti muito várias bandas. Estão todas aqui
(cassetes, CDs e uns vinis legais). (Dr.) Cascadura (clássico ainda subestimado) e Dead Billies (a certa altura, a melhor banda “ao vivo” do país, talvez do planeta). E Inkoma, Lisergia, Dois Sapos & Meio, Saci Tric, Crac!, Úteros em Fúria e Treblinka. E a mais espetacular gema discográfica (CD-R) da divisão baiana da minha coleção: Guizzzmo! Viva o Grande Irmão (referência a Rogério Big Brother - ou Big Bross -, produtor local).
A geração da qual a brincando de deus fez parte - a primeira turma do
indie brasuca, incluindo Pin Ups, PELVs, Killing Chainsaw, Low Dream,
Second Come e Mickey Junkies, entre outras - é hoje meio que
desconsiderada pela geração pós-Los Hermanos: por que cantavam em inglês
e não reverenciavam nossa MPB, entre outras razões. Como você vê isso?
Essa geração merece uma revisão crítica?
FM: Deveria existir uma revisão crítica e pronto. São muitos vetores
nesse gráfico das percepções críticas. É possível que haja pontos de
contato entre essa turma 90’s com os “pós-Los Hermanos”. A questão é a
falta de “estudos” nesse sentido, aquele velho papo de resgatar algo das
nossas heranças culturais. E do ponto de vista do mercado também: onde
estão os discos comemorativos, especiais, boxes com fotos e textos?
Você escreveu um livro sobre o rock islandês, Rumo à Estacão
Islândia. Porque? Ele é de fato extraordinário? Ou você foi movido pelo
exotismo da coisa?
FM: O projeto era, acima de qualquer coisa, pessoal, de corte
discográfico-existencial! Investigação que poderia ter sido na Nova
Zelândia ou Bahia. Discos e personagens e algumas de suas histórias. No
caso da Islândia, ela possui cena riquíssima de sons e é um lugar
loucamente belo!
Ainda existe lugar nas rádios comerciais para programas como os seus ou só na internet?
FM: Nas comerciais o espaço é cada vez menor, sem dúvida, mas não é
impossível. Na net o que mais existe é espaço para programas autorais,
convencionais ou não.
Qual foi o critério de seleção para os textos do livro?
FM: Mondo Massari reune o material que produzi com essa marca. Programa
da MTV (no livro conto do surgimento e dou uma amostra das entrevistas),
colunas na Rolling Stone e Yahoo. A segunda parte traz entrevistas do
programa ETC, que apresentei na Oi FM
até o começo de 2012. Como o ETC quase se chamou Mondo Massari,
fecha-se um ciclo: TV, revista, net e rádio. Um diário de bordo geral da
minha Enterprise pessoal.
Como foi para você ver a MTV Brasil acabar no ar?
FM: Trabalhei lá de fevereiro de 1991 a fevereiro de 2003: 12 anos de
muita coisa legal realizada, tudo certo e resolvido. Foi legal ter
participado da despedida. Só tenho curiosidade para saber o que vai ser
do arquivo da MTV Brasil: Que fim vai levar? Quem vai levar e para fazer
o que?
Que grande banda ou ídolo (vivo) vc gostaria de entrevistar mas ainda não teve oportunidade? E o que vc perguntaria à ele (ela)?
FM: Não sei nem por onde começar! David Bowie e Tom Waits e Les Claypool e Robbie Robertson...
Grandes selos costumam ser associados a grandes cenas. Seattle, Sub Pop. Madchester, Factory. Bay Area, Alternative Tentacles. E por aí vai. Que outras cenas / selos ainda pouco conhecidos você poderia nos recomendar?
FM: Essence Music, de Juiz de Fora.
Você tem alguma antena escondida acoplada à nuca? Aonde posso conseguir uma pra mim também? Ou é de nascença?
FM: Se tenho ainda não percebi nem localizei; mas se tenho, tenho certeza de que vossa excelencia também tem!
PROSA CATIVANTE DO REVERENDO CONSERVADA NAS PÁGINAS DE MONDO MASSARI
Nos anos 1990, quando a informação era privilégio apenas de rádios, TVs e
jornais, quem queria ouvir o que havia de melhor, mais novo e
instigante no rock planetário tinha destino certo: o programa Lado B, da
MTV Brasil. O apresentador, um sujeito magro, simpático e muito bem falante, era o jornalista e radialista Fabio Massari.
À frente do Lado B, o Reverendo Massari catequizou gerações de jovens
que hoje tentam seguir seus passos na incessante busca pelos – como ele
costuma dizer – “bons sons”. Busca que ele jamais cessou, como se pode ver nesta preciosa coletânea
sob a chancela Mondo Massari – que já foi programa na MTV (pós-Lado B) e
coluna na Rolling Stone e Yahoo.
Está aqui, conservado para a posteridade, o cativante (e criativo)
discurso oral do radialista, que fala do que há de mais obscuro e
interessante na música pop com tanta propriedade que é impossível não
querer ouvir os artistas que ele recomenda.
No livro, entrevistas com gente do porte de John Cale, Marianne
Faithfull, Karlheinz Stockhausen e Glen Matlock, além de bandas
maneiríssimas como Yo La Tengo, X, Television, The Bellrays, The Mars
Volta, Cavalera Conspiracy, The Kills e muitas outras. Há ainda relatos
de shows (The Police em 1982), artigos, resenhas e muito mais.
Uma bíblia dos bons sons para aficionados e neófitos.
por Franchico
rock loco
#
Nenhum comentário:
Postar um comentário