quinta-feira, 18 de abril de 2013

Mais uma dose

‘Dias de Luta’, livro que melhor explica o rock brasileiro dos anos 80, tem relançamento 10 anos após à primeira edição; autor Ricardo Alexandre explica os detalhes. Fotos: internet.

 

por Marcos Bragatto

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Se você conhece a década de 1980 no rock nacional a partir de festinhas trash cujo nome não vale grafar e acha que aquela é que foi a geração perdida, você está fazendo isso de modo errado. Mas a história está te dando uma nova oportunidade de descobrir, tintim por tintim, como tudo aconteceu e o porquê de o rock ter dominado as paradas musicais no Brasil naquele período. É que o livro “Dias de Luta - O Rock e o Brasil dos Anos 80″, do jornalista Ricardo Alexandre, está sendo reeditado, quando a edição inicial completa (já?) uma década.

Sim, na década de 1980 o playlist das grandes rádios era rock de cabo a rabo, as bandas nacionais lotavam casas de shows de diversos portes, as novelas tinham rock na trilha sonora, o cinema ia atrás do rock e até as vinhetas de final de ano da “Globo” eram protagonizadas por artistas de rock e narradas pelas locutoras da rádio rock da época, a Fluminense FM. Foi a Flu FM, junto com o Circo Voador, que catapultou essa história, comum a outros países em períodos pós ditadura, e que foi desaguar improvável verão do rock do Rock In Rio.

É por aí a maior sacada de Ricardo Alexandre, que conta a história do rock nacional do período, abraçado pela juventude, contextualizando com as mudanças políticas e sociais pelas quais nosso País passava. E isso sem soar aquela coisa chata de livros de história. Para saber os detalhes dessa redição de “Dias de Luta”, falamos com o autor, que explica o que há de diferente da edição original, o cruzamento com o mundo virtual (veja aqui o site, com imperdíveis podcasts temáticos), e os novos projetos, que inclui um livro sobre o rock da década de 1990. Leia abaixo o resumo do papo, travado via e-mail:

NOTA DO EDITOR DESTE BLOG: Antes, gostaria de dizer que já li o livro, na edição original, e recomendo muito. Em mim, que vivi a época, despertou um saudosismo tão grande que me fez ter vontade de comprar discos que ouvi muito via FM mas que reneguei posteriormente e nunca imaginei ter em minha coleção, como Kid Abelha, Leo Jaime e Ritchie. Confesso que comprei o do Ritchie ...

Rock Em Geral: O que foi acrescentado de conteúdo inédito nessa nova edição do livro “Dias de Luta”?
Ricardo Alexandre: Na edição em papel, o texto foi revisto, e atualizado e corrigido onde era necessário. O projeto gráfico é totalmente novo – e, curiosamente, mais próximo da minha ideia original de 2002, vencida pela sugestão da editora. Há um novo prefácio, escrito em 2012 e um apêndice com uma sugestão de playlist com as 50 músicas mais importantes daquela história. Nessas, o livro ganhou 40 páginas. Mas o grande objetivo da edição em papel era trazer a obra de volta às lojas. A edição em e-book, prevista para junho, esta sim, vem cheia de extras, como o áudio das entrevistas originais, testes de capa, anotações etc.

REG: Desde quando o livro estava fora de catálogo e por que isso acontece?
Ricardo: Se não me falha a memória, a tiragem original se esgotou em dois anos. No nosso caso, aconteceu que a DBA é uma editora especializada em livros de arte e projetos de conteúdo para marcas, e 4 mil exemplares de um livro de jornalismo foi considerado uma boa venda, o suficiente para ficarem satisfeitos – mas não o bastante para que decidissem bancar nova impressão e distribuição. Depois de cinco anos, os direitos do livro voltam para o autor – e, estranhamente, nem a editora nem eu cogitamos relançá-lo desde 2007. Esse desejo só apareceu quando se aproximava a efeméride dos 10 anos da publicação original.

REG: Houve mudança de editora nesse período. Deu trabalho liberar a reedição do seu próprio livro?
Ricardo: Não, de forma alguma. Sempre tive uma relação excelente com a editora DBA, especialmente com o amigo Alexandre Dórea, que ajudou tanto quanto pode, em detalhes muito valiosos do processo. De mais a mais, os direitos eram meus.

REG: Lembrando da edição original, assim como o surgimento do rock no início dos anos 80 é bem explicado, faltou uma explicação para a queda do movimento, na década de 90. Você chegou a mexer nessa parte? Ou nem concorda com esse ponto de vista?
Ricardo: Não, não mexi em nada da estrutura do livro – apenas detalhes ao longo de todo o texto para corrigi-lo e atualizá-lo. Eu lembro da crítica do Rock em Geral à edição original, havia algumas reservas justamente à ideia de que aquela geração havia se deixado cooptar pela mpb (leia a crítica aqui). Hoje eu acho que você estava certo, acho que isso é uma das coisas que mais me incomodaram no processo de revisão do livro – mas por honestidade histórica, eu preferi deixar como estava. Atualmente, creio que essa visão, de que o rock brasileiro deveria seguir peitando Caetano e Gil, era muito ingênua e muito injusta com ambos os lados. Isso posto, acredito que a derrocada do movimento está, sim, registrada, em seu estranhamento com a indústria, em sua autocondescendência, em seu experimentalismo, em sua soberba, nas drogas, nos fins de algumas bandas, e em sua inabilidade de renovar-se diante de uma geração de entertainers totalmente subservientes à indústria (axé music, sertanejos, pagodeiros etc).

REG: Você está trabalhando num livro sobre o rock dos anos 90. Será parecido com o “Dias de Luta?” Dê mais detalhes sobre o projeto:
Ricardo: Não, será totalmente diferente. Na verdade, sempre me perguntavam sobre a “continuação” do “Dias de luta”, desde 2002, e eu dizia que um projeto assim seria impossível por definição, já que o eixo do primeiro livro é o ponto de vista de alguém que olhava para aquela geração de fora, como um espectador comum. Nos anos 90, eu estava envolvido desde a primeiríssima hora, como jornalista. Mas decidi usar essa característica como ponto de partida de um novo projeto. Começa em maio, em forma de blog, dois capítulos por semana. Em primeiríssima pessoa, as aventuras de um moleque jundiaiense na última dentição do rock brasileiro, “Almost Famous” total. Ao final de 50 capítulos, reunimos tudo e lançamos em papel. Vai se chamar “Cheguei Bem a Tempo de Ver o Palco Desabar”.

REG: Algum outro projeto em andamento?
Ricardo: Quero tentar estabelecer a “Tudo Certo Conteúdo Editorial” como uma boa parceira para quem tem plataformas e precisa de conteúdo, esse é o grande projeto. Tenho feito coisas com TVs, com aplicativos, rádio. Espero que dê certo.

REG: Há quem enxergue que o rock nacional está em baixa no mercado. Você pensa dessa forma ou aponta a diluição das novas formas de se ouvir música a culpada pela falta de referências nos nossos tempos?
Ricardo: Acho que há de se “fatiar” essa questão. Primeiro, porque o que costumamos chamar de rock brasileiro hoje não obedece mais o padrão de música-jovem-dominada-por-guitarras. Acho que a linhagem do rock brasileiro dos anos 80 veio dar no Curumin, na Céu, no BNegão, coisas que dificilmente tocariam numa rádio rock. Em segundo lugar, porque o rock que sobra, aquele evidentemente roqueiro, ou acabou virando música de criança (Restart, NXZero, Charlie Brown Jr) ou virando algo que, a despeito da qualidade, não dialoga muito com o pop (Vespas Mandarinas, Diablo Motor). Mas não acho que a questão esteja aí. Na minha opinião, a grande diferença é que nos anos 80 todo mundo precisava, em algum momento de sua fase inicial, enfrentar e provar-se para um público que não era o seu. Seja no Napalm, no Rock Voador ou no Chacrinha, aquela banda radical de pós-punk socialista precisava fazer dançar e cantar junto. Hoje, com a internet,sua música chega ao mesmo tempo no sertão nordestino e nas capitais do sul. Qualquer banda tem a ilusão de encontrar “fãs” em qualquer lugar que pisa, sem nunca ter de fato rompido o terceiro escalão. Aí é que está a diferença. Temos grandes bandas no underground e, desde o Skank, não temos uma banda de influencias roqueiras no mainstream.

REG: Você foi o editor da “Revista Bizz” na última fase. Como avalia essa experiência hoje, seis anos depois, e, afinal, por que a revista deixou de ser publicada?
Ricardo: Foi a materialização de um sonho, sem nenhum bônus e com todo o ônus de uma estrutura gigantesca como a da editora Abril. Durmo absolutamente tranquilo de termos feito um ótimo trabalho ali, editorialmente falando. Talvez tenha sido a equipe mais talentosa, e certamente a mais apaixonada com quem já trabalhei. Mas poderia ser ainda mais talentosa e mais apaixonada que o resultado seria o mesmo: não consigo imaginar saída para uma revista profissional sobre música num mundo ultrassegmentado, 2.0, em que a informação circula tão livre. Espero do fundo do coração estar errado, mas não vejo muito futuro para revistas de música. 

REG: Você está no comando de um estúdio de criação editorial, chamado “Tudo Certo Conteúdo Editorial”. Como funciona e quais os projetos envolvidos nesse trabalho?
Ricardo: A criação da Tudo Certo foi uma forma que me ocorreu de continuar gerindo jornalistas, revelando gente nova e talentosa, e harmonizando diferenças, coisas que eu gosto muito de fazer e que sempre fiz com sucesso. Mas eu não quero ser editora, nem produtora, não posso nem sei empenhar esforços e recursos em áreas para as quais não tenho preparo. Então eu faço parcerias, com emissoras de TV, com escritórios de marketing, com quem tenha plataforma, enfim, e precise de conteúdo apurado e confeccionado com cuidado e capricho. Os primeiros frutos disso foram os documentários para a Globosat, “Napalm: O som da cidade industrial” e “Júlio Barroso, Marginal conservador”, feitos para o canal BIS. Estou trabalhando em um aplicativo infantil para uma marca de smart-TVs, num filme para uma televisão regional e no livro contando a história da 89FM. E conversando muito, com muita gente bacana, o que me dá um enorme prazer também.

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