Então, quando a esposa, amiga e musa de Lou, a artista performática Laurie Anderson, foi um pouco descuidada demais sobre a saúde dele no começo do ano (depois de seu transplante de fígado em maio, ela disse: “Isso é muito sério. Ele estava morrendo... Não acho que ele vá se recuperar totalmente...” — uma declaração que ela revisou um dia ou dois depois), nunca me ocorreu (e provavelmente para muitas outras pessoas) encarar as palavras dela com muita seriedade. Como uma pessoa dessas pode morrer? Como alguém que parece ser feito de pedra pode envelhecer e morrer?
Não foi a primeira vez que Lou Reed me perturbou. Falei com ele por telefone uns cinco anos atrás e essa continua sendo a entrevista mais tensa que já conduzi em 16 anos de jornalismo. Também foi — para minha vergonha — a única vez que bati o telefone na cara de um entrevistado sem avisar e com muito tempo de entrevista ainda pela frente (para dar um contexto, isso foi muito pior do que as duas entrevistas durante as quais fui esfaqueado). Depois da entrevista, senti que tinha alguma ideia de como é se envolver num acidente sério numa nave espacial em órbita geoestacionária ou ser sequestrado por um grupo paramilitar. Fiquei surpreso por não ter desenvolvido transtorno de estresse pós-traumático. No entanto, quando coloquei a fita para tocar, eu me senti imediatamente envergonhado; ficou claro que, apesar de ter me levado até o limite da paciência, ele realmente me deu toda a informação que eu precisava para escrever meu artigo. Pensando agora, talvez fosse possível identificar alguns sinais de um senso de humor muito seco em funcionamento, talvez até de um jogo — apesar de eu ter falhado vergonhosamente em entender quais eram as regras.
por Bob Gruen, com John Cale, Patti smith e David Byrne |
Lou Reed nasceu em março de 1942 e, durante a maior parte de sua vida adulta, sintetizou o tipo de pessoa movida por um dínamo de impulsos conflitantes, ao ponto de parecer um cara desconfortável consigo mesmo. A narrativa popular de Reed como músico é a seguinte: ele era parte do Velvet Underground, que era barulhento e de vanguarda; depois, ele partiu para a carreira solo, lançando discos de glam rock no começo dos anos 1970; depois ele se estabeleceu em sua senilidade levemente chata de cantor e compositor aprovado pela South Bank Show. A verdade, no entanto, é muito mais complexa. Em nenhum momento de sua carreira ficou claro se ele era um artista de ruptura, um enrolador do hip rock ou um compositor sério — ele sempre transitava por esses modos de ser; em geral, quando era pior para aqueles à sua volta, seus críticos e até seus fãs.
Quando era adolescente, Reed gravou seu primeiro single como vocalista do The Shades em 1959. Era uma música doo-wop chamada “Leave Her”, mas isso não era só um modismo. Ele voltou ao rock dos anos 1950 no LP Coney Island Baby em 1975 e deixou seu amor por essa formula clara em 1989, quando introduziu Dion ao Rock & Roll Hall Of Fame.
Mais tarde, quando estava na Universidade de Syracuse, ele foi exposto à cena então florescente do free jazz e, na formatura, conheceu John Cale, que o apresentou à música e teoria de vanguarda de La Monte Young e John Cage. No entanto, paralelo a esse Reed, também existia um compositor do selo Pickwick, que escreveu um hit satirizando as danças da moda chamado “The Ostrich”.
E Lou continuou confundindo a maioria de seu público. Ele era a estrela do country rock do Growing Up In Public dos anos 1980? Ele era o poeta de vanguarda de boina do The Raven de 2002? Ele era o velho estadista do rock pesado que usou o Metallica como banda de apoio em Lulu de 2011, dois anos antes de sua morte? Ele era o autor supremo do pop adulto que, em 1990, apareceu em Songs For Drella?
Espero que tenha ficado claro no final de sua carreira é que ele não estava sendo hesitante, fútil ou indeciso. Ele estava simplesmente seguindo o caminho de sua mente, de seu próprio jeito; recusando-se a terminar seus dias como curador de sua reputação como membro lendário da banda de rock Velvet Underground. Ele percebeu o que muita gente não consegue: que quando você é a porra do Lou Reed, você pode — e deve – e precisa, mesmo — fazer o que quiser.
Descanse em paz, Lou. E obrigado.
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