Quando eu comecei a fazer fanzines, começava as cartas que mandava aos meus contatos com o cabeçalho: “Cu do Mundo, tanto de tanto de mil novecentos e tanto”. Hoje pode parecer exagerado – e era - “pero no mucho”. Um poeta disse que “o sentimento mais provinciano que existe é o desejo de sair da província”. Quando comecei a viajar mais fui percebendo que Sergipe não era exatamente essa merda toda que eu imaginava, e que alguns dos problemas que tínhamos por aqui não eram exclusividade nossa. Compreendi também que muita coisa que me incomodava, como a escassez de opções de entretenimento e uma programação cultural mais diversificada, eram características típica dos locais “longe demais das capitais”, não tinha como evitar – não dá pra exigir de Aracaju a mesma movimentação de São Paulo, Rio, Londres ou New York. São mundos diferentes. Ou você se adapta ou tem que se mudar mesmo.
Me adaptei, mas sempre com o sentimento de que poderia melhorar, e muito. E melhorou. Meio que aos trancos e barrancos, sempre batendo num muro de limitações provocadas por nossa posição geográfica, situação econômica e pensamento médio provinciano mesmo, mas aos poucos temos avançado. A Aracaju de hoje é MUITO, mas MUITO diferente mesmo da de 15 anos atrás, e a maioria das coisas, felizmente, mudou para melhor. Especialmente no que toca à movimentação cultural. Há 15 anos seria impensável, por aqui, algo como a última Sessão Notívagos, que reuniu numa mesma noite a exibição de “GUIDABLE”, documentário produzido de forma totalmente independente e que conta a Historia do Ratos de Porão, banda pioneira do punk-rock e Hardcore no Brasil (e na America latina), e um show, no hall do cinemark, em plena madrugada, dentro do maior shopping Center da cidade, da Karne Krua, também pioneira no estilo, em Sergipe, e provavelmente uma das mais antigas ainda em atividade em todo o nordeste.
Verdade que o número de pessoas presentes poderia ter sido maior pois estava acontecendo, na mesma noite, um grande Festival de bandas cover que tem atraído um público significativo e, certamente, tirou da Sessão Notívagos alguns (muitos) prováveis pagantes. Mas também não foi nenhuma tragédia: no final tudo correu relativamente bem (pelo menos aparentemente). Porque apesar do perigo, para os produtores, de se estar dividindo publico numa cidade pequena como a nossa, não dá pra ficar refém dos eventos de maior porte. É preciso CRIAR opções, e isso a Sessão Notívagos (e o Cine Cult, em geral) tem feito com louvor. Lembrando ainda que na mesma noite ocorreu, lá mesmo no cinemark, mas um pouco mais cedo, o encerramento do Festival Curta-Se.
Mas vamos ao filme em si: Excelente. Uma verdadeira passada a limpo na carreira da banda, pela visão dos próprios membros da mesma e de algumas pessoas que fizeram parte daquela historia. História que é narrada em ordem cronológica, partindo do início literalmente no lixo (catavam latas na rua e as esvaziavam para montar a primeira bateria) até as extensas e recorrentes turnês pelo mundo afora. E tudo contado de forma absolutamente descontraída, desencanada e apaixonante. Um verdadeiro banquete para os fãs, e uma peça rara de humor involuntário (ou não) e curiosidades para os leigos.
Não tem como não se encantar e cair na gargalhada com a tosquice de figuras como Jão e Jabá, autênticos representantes daquela já velha tribo homenageada até pelo ex-ministro “Zelberto Zel” na “clássica” “punk da periferia”. Nota-se que o filme foi feito sem muitos recursos (não há depoimentos de Max do Sepultura, por exemplo, certamente porque ele mora nos Estados Unidos e a produção não tinha como ir lá filmar sua participação), mas isso não só não compromete o resultado final como se encaixa perfeitamente na trajetória dos próprios retratados, uma banda absolutamente pobre de recursos que conseguiu se destacar no talento e na raça.
Chama a atenção a análise deles próprios sobre seus discos, com opiniões sinceras e precisas. Também acho o “Descanse em Paz” estranhíssimo: eles estavam tentando experimentar o crossover com o metal sem o devido talento e virtuosismo para os solos e riffs que o estilo exigia, o que resultou num som extremamente original. A banda fala que não gosta do resultado final, mas os fãs adoram o disco. Eu sou fã e assino embaixo – aliás foi o primeiro disco do Ratos que tive. Lembro que minha irmã, adolescente na época, achava a capa horrível, chegou a sonhar com aquela mulher morta. Quando eu queria irritar ela era só mostrar a capa. Também acho o “Brasil” o auge da carreira da banda (eles curtem muito apesar de, pelo que entendi, preferirem o “Carniceria tropical”, que pode até ser o mais bem gravado de todos, mas não tem o repertorio perfeito do “Brasil”). E também acho o “Just another time in massacreland” o mais fraco, com o som mais descaracterizado. Também, assim como a banda, não curto muito o “Anarkophobia”, com suas musicas exageradamente longas e “metalizadas” (“Vivendo Cada Dia Mais Sujo e Agressivo” é mais feliz na dosagem do crossover), e acho o “RDP Vivo” muito bom, muito bem gravado.
O comportamento do publico durante a sessão não foi o de exemplares cavalheiros de origem britânica, mas a mim não chegou a incomodar não. A não ser num momento em que uma garota pareceu achar que havia se transformado na Mulher Invisível e permaneceu por alguns longos minutos em pé na minha frente. E a “maresia” em plena sala de cinema foi até interessante – parecia que o filme tinha cheiro.
O show da Karne Krua, que aconteceu logo depois da sessão, em plena madrugada, no Hall do cinemark, foi quase perfeito. Depois de sanados alguns problemas com o som já no início, engataram um pique ininterrupto de grandes clássicos e excelentes composições mais novas com a pegada vigorosa e precisa dessa nova formação, que está dando uma revigorada, um “novo gás”, no som da banda. O publico curtiu, a ponto de abrir uma roda de pogo inusitada, dado o cenário. Foi um show curto e grosso (até demasiadamente curto, mas mesmo assim satisfatório), encerrado com a faixa-título do eternamente adiado novo disco, “Inanição”, um verdadeiro “neoclássico” da Karne, no mesmo nível de canções marcantes da historia da banda, como “cenas de ódio e revolta”, “o vinho da história”, “suicídio” ou “instantes irreversíveis”. O único fato negativo foi um episodio lamentável que Roberto, o produtor da Sessão, relatou ao microfone, de que os seguranças do shopping haviam pego uns moleques fumando maconha nos corredores do nobre estabelecimento comercial e, ao invés de tomarem suas providencias, foram reclamar a ele, como se ele tivesse poder de policia ou fosse, de alguma forma, responsável pela situação. Segundo o próprio chegou a ser ameaçado pelos nobres guardiões da segurança privada, aos gritos de “você não sabe o que é cultura”.
Patético.
por Adelvan Kenobi
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Outra resenha, retirada do blog http://ninguemvaileressamerda.blogspot.com/
por [Kleber]
Bom, nunca resenhei nenhum filme por aqui. Mas a ocasião é especial por se tratar de algo que fez e ainda faz parte da minha vivência. Estamos falando do documentário “Guidable: a verdadeira história do Ratos de Porão”. São 121 minutos divertidíssimos, informativos (pra quem gosta da banda) e ainda tem uma lição de moral no fim (quase uma fábula). O filme foi rodado entre os anos de 2007 e 2008 pela proutora Black vomit. Se é a verdadeira história do Ratos de Porão eu não sei dizer. E sei dizer menos ainda se é um bom documentário no tocante a sua produção. Enquanto algumas bandas e artistas investem um bom dinheiro para que suas histórias sejam exibidos nas grandes salas, como é o caso dos Paralamas do sucesso e do "ilustre" deputado Frank Aguiar, dá pra notar que Guidable foi um filme de baixo orçamento. Mas isso não é algo tão essencial a se considerar, até porque não existe uma relação diretamente proporcional entre a qualidade de um filme e seu orçamento. Não imaginaria a História do Ratos de Porão narrada em forma de um longa-metragem, como o que foi feito para contar as peripécias burguesas de Cazuza, por exemplo. Não há nada de novo na forma de contar a História do grupo. A narrativa é linear e tem como eixo a discografia do RDP. O bom é por ser uma síntese sobre a memória de três décadas dessa importante banda do rock/hardcore brasileiro através da seleção de fontes, que geralmente se encontram dispersas na internet, em revistas, arquivos pessoais e na cabeça dos próprios integrantes e entrevistados. Destaque para a riqueza dos depoimentos que não mascaram os conflitos existentes entre antigas formações da banda e das considerações feitas por figuras do punk nacional, como o Redsón do Coléra. Em certos momentos o filme ganha um ar de terapia de grupo com platéia quando ouvimos as queixas e mágoas acumuladas por 30 anos.
Tudo isso são constatações óbvias e essa que vêm é mais ainda: Narrar a História do RDP é a narrar um pedaço da História do movimento punk no Brasil e as dificuldades de se “viver” da música e da arte independente. Eu poderia até ir mais longe e dizer que o documentário fornece um exemplo sobre os malefícios do abuso de drogas descrito pela boca dos próprios integrantes do RDP, mas acho que seria uma lição muito boba e fácil, até por que eu fiz mais rir do que refletir sobre isso. Vamos deixar essas lições para outros segmentos da cena alternativa que tem mais propriedade para falar sobre o assunto. O documentário foi apresentado em Aracaju na sessão Notívagos do Cine Cult, na virada do dia 03 para o dia 04 de Outubro. Reclamou-se da data e do choque com outros eventos da cidade. Bom, se quisermos tanto sair da nossa suposta “condição provinciana” não podemos agir como tal e achar que por ser cidade pequena todo organizador tem que marcar eventos em dias diferentes pra todo mundo possa assistir e não chocar com mais nada. Uma característica do circuito cultural de grandes cidades é justamente a possibilidade de escolher aonde ir.
Quanto ao filme, destaco alguns pontos. São hilárias as passagens sobre as “baianagens” (palavra do guitarrista Jão) da primeira turnê do RDP na Europa ou as apresentações do RDP no Gugu e em programas infantis para cumprir obrigações contratuais com a gravadora Eldorado.Tudo isso tá no youtube. Mas, uma coisa em especial me toca nesse documentário. O fato de ser a história de uma banda de pobres. Parece que é mais gostoso ver um monte de caras saídos da merda ganharem o mundo fazendo o que gostam ao invés de celebrar o sucesso dos bem nascidos. Em qualquer lugar presenciamos isso e a forma como esse tipo de banda enche a boca pra dizer que batalharam muito tempo. Na verdade sempre tiveram todas as condições de mudar de estado, comprar boa aparelhagem e um monte de amigos infiltrados nos grandes canais de comunicação. Aqui em Aracaju a coisa é mais escancarada, por que tudo é tratado no personalismo e de forma bem aberta. Perdoem a leitura meio classista, mas eu acho que quem tem ou já teve banda e já juntou dinheiro do trabalho pra comprar um pedal de guitarra, um amp, um kit de pratos de bateria ou gravar uma demo sabe do que estou falando e se identifica com as histórias sobre não tocar por falta de material ou não ter dinheiro pra prensar seu próprio material etc e tal.
A sessão apresentada no shopping Jardins terminou com o show da Karne Krua, que também tem uma longa estrada e, inevitavelmente, era a banda ideal para fechar a noite. Gostaria de terminar com um leve exercício de colunismo social destacando como digno do “porão” o comportamento de algumas pessoas. Fumaram quando pediram que não fumassem, falaram alto durante o filme incomodando quem queria assistir, levantaram e passaram toda hora na frente da tela. Teve cara que saiu de casa pra dormir durante a sessão e colocar os pés na cadeira das pessoas em frente. E durante o show conseguiram o impossível: chamar mais atenção do que a atração da noite fumando um baseado que podia ser apreciado melhor em outro lugar. Seria ótimo se o público amadurecesse junto com o crescimento do cenário alternativo. Na verdade, seria o ideal, mas vivemos a arte do possível.
fAZ TEMPO QUE ESPERO A RESENHA. sÓ ACHEI AGORA! KKK é, EU SOUBURRO MESMO...
ResponderExcluiraBRAÇO (COM CAPS LOCK E TUDO)!
Eu devia ter avisado também - se der pra publicar ainda, fique a vontade. Mi Casa, su casa.
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