“Não tínhamos o dinheiro das bandas de Brasília, nem o
intelecto das bandas do Rio. O nosso lance era rock, botas e garotas. E só”.
Nunca vi alguém resumir tão bem uma banda e suas intenções como fez o Luiz
Gustavo, ex-voz e rosto do Pin Ups, da formação clássica, quando me explicava,
em uma conversa muito rápida por email, o que e quem era o trio que gravou Time
Will Burn em 1989. Disco que tem como data “oficial” de lançamento 1990, quando
começou a ser distribuído, e que inaugurou uma estética nova da música pop no
Brasil. Cantado em inglês de ponta a ponta e sangrando guitarras, causou efeito
semelhante, em uma boa quantidade de adolescentes espalhados pelo país no
início dos anos 90, ao atribuído por Brian Eno ao Velvet Underground &
Nico, o primeiro da turma do Lou Reed: vendeu só 10 mil cópias, mas todo mundo
que comprou o disco montou uma banda.
Ninguém sabe quanto Time Will Burn vendeu, nem os próprios
integrantes, os três que gravaram o disco. Que também não sabem onde foram
parar as masters do álbum – segredo que deve estar em algum lugar do cosmos com
Lawrence Brenham (boatos dizem que ele já morreu), fundado da gravadora
Stiletto, que lançou o disco.
Claro que o Pin Ups não é o Velvet Underground. Nem uma
versão debochada do Jesus and Mary Chain de Santo André (SP), ou do Loop, do
Thee Hypnotics ou Stooges. Embora seja engraçado e tentador vê-los, ao menos
nessa primeira fase, bem ali no começo dos anos 90, como um escracho junkie e
barulhento de toda uma estética do rock que a gente, no Brasil, tava começando
a tentar entender, quando o pós-punk era deixado pra trás por uma turma que
aumentava as guitarras no volume máximo e celebrava a si mesma.
Porque eles deram motivos pra isso, sobretudo quando, no ápice espetacular
do deboche, ainda em 91, se viram no ar, ao vivo, no meio da tarde, no palco do
programa
Mulheres em Desfile, da TV Gazeta, com as “parceirinhas” Ione
Borges e Claudete Troiano, tendo de dublar uma das músicas do álbum com um
violão faltando corda. A história, uma das melhores já registradas no rock
nacional, foi contada por eles mesmos nessa conversa extensa que tive com Zé
Antônio, Marco Butcher e Luiz Gustavo, guitarra, bateria, baixo e voz do disco,
que faz 25 anos agora em 2015.
Acho que é por esse tipo de coisa, além de inaugurar um gênero no país, que
Time
Will Burn seja tão significativo. Tosco, simples e áspero, é o retrato de
uma banda que não se levava a sério, com músicos que dispensavam pretensões de
vanguarda, e que estavam a fim mesmo era de birita, barulho, garotas e botas.
Receita semelhante deu origem a um número incontável de discos absolutos do
rock. Um deles veio à tona em 1985 sob o nome
Psychocandy, estabeleceu
uma estética a partir do mito de um pedal quebrado e da fusão da psicodelia de
garagem com o pop das girl groups e hoje, 30 anos depois, botou a banda
criadora pra rodar o mundo de novo executando-o de ponta a ponta. Isso depois
de influenciar gerações desde seu lançamento.
Mexeu, obviamente, com a cabeça ainda adolescente dos três com quem
conversei há alguns meses sobre o
Time Will Burn – Zé Antônio e Marco
Butcher (morando hoje nos EUA) toparam a conversa por mais tempo. Os
desencontros online com Luiz Gustavo permitiram um papo ligeiro por email. O
que não impediu o resgate de histórias que cercam o disco que deu origem a um
circuito independente no país que por um tempo se chamou “alternativo”, de
coloração internacional, que soube absorver influências diversas e pisou sem dó
numa cena pop que encerrou os anos 80 pedindo penico.
Eu comecei perguntando pros três, em conversas separadas, se eles se
lembravam das gravações do
Time Will Burn, 25 anos depois do lançamento.
Foi o suficiente.
Luiz Gustavo – Lembro bem, apesar do barulho!
Marco Butcher - A coisa com o
Time Will Burn na real começou
com a ideia de gravar umas demos, se não estou enganado. Não acho que ele foi
pensado pra ser um disco. Acho que aconteceu de ser um. As faixas foram
gravadas em grupos separados, eu acho, então, na real, pra mim pelo menos é
como se fossem fases diferentes dentro de um mesmo disco.
Zé Antônio - A gente era bem desorganizado, acho que nem tínhamos
pensado em gravar um álbum. Naquele tempo as coisas eram bem mais complicadas,
sem internet e a divulgação era quase toda via fanzines ou então em artigos de
jornalistas mais antenados com o que estava rolando. Pra facilitar, sempre que
possível a gente gravava algumas demos pra mandar pra onde fosse possível. Não
tínhamos nenhuma noção de produção, os arranjos eram básicos, enfim, tudo bem
ingênuo.
Luiz Gustavo - Metade das músicas do disco foi composta em uma
semana, para o show de lançamento da revista em quadrinhos MONGA, A MULHER
GORILA, no Madame Satã, em 88.
Marco Butcher - Acho que no final fez sentido, mas não vejo o
Time
Will Burn como um álbum pensado pra ser um álbum. Uma banda com três jovens
explodindo de vontade de tocar e tentar trazer algo que fosse fora do contexto
da época aí no Brasil.
Zé Antônio - Acho que desde o início sabíamos o que queríamos
artisticamente, mas nosso equipamento era um lixo, e a gente não entendia
absolutamente nada do mercado musical. A gente queria tocar… e tocar o mais
alto possível.
Marco Butcher - Foi uma época boa, final dos 80. Era tudo mais na
cara, mais real, menos domesticado. Cara, foi uma época bem importante pra
gente, a banda tava num momento em que a gente respirava música, bebia música,
comia música e, é claro, fazia música e show direto. Passávamos muito tempo
juntos, os três trabalhando em
songs ou matando o tempo falando bobagem,
bebendo. O clássico, acredito, sempre atrás de discos. A Galeria do Rock nesse
momento era meio que a segunda casa da banda.
Luiz Gustavo – É o nosso melhor trabalho.
Marco Butcher - Acho que com o
Time Will Burn foi bem mais
fácil, pois não tinha pressão, não tinha selo nem nada que fosse parecido com
isso, saca? Era só a gente tentando gravar nossas músicas da forma que as
tínhamos na cabeça. Já com o
Scrabby foi totalmente diferente. Já éramos
uma banda um pouco mais conhecida, com publico, com expectativas e tudo mais.
Tudo isso muda muito as condições e a
vibe dentro do estúdio, é claro. O
Scrabby foi bem mais tenso de fazer.
O COMEÇO
Zé Antônio - A banda começou de uma maneira esquisita. Eu tocava com
uns amigos de Santo André mas nunca dava em nada. Desencanei e um dia vi um
anuncio de duas garotas (Syl e Angie), querendo guitarrista para uma banda.
Elas citavam muitas coisas boas como influência. Liguei pra elas marcamos um
ensaio mas elas não tinham baterista. O Luiz sugeriu que ele poderia levar umas
baquetas e marcar um ritmo, e lá fomos nós. Foram dois ensaios, mas uma delas
não sabia nem afinar o baixo e a outra era muito desafinada. Quando eu disse
pro Luiz que não ia rolar, ele me disse que era uma pena, pois a gente poderia
tocar na festa do lançamento da Revista Monga, para a qual ele desenhava. O
show seria no Madame Satã (naquele tempo o lugar era incrível), e tocaríamos
antes do Ratos de Porão. Eu disse pro Luiz: “Vamos tocar, a gente arranja um
baterista e um vocalista, eu toco guitarra, você toca baixo e nós dois fazemos
umas músicas”. E assim foi. O Luiz nunca tinha pegado em um baixo. Eu fiz umas
linhas, ele decorou, completei com a guitarra e ele escreveu as letras. Em três
dias tínhamos as músicas. Ensaiamos mais uns três dias e tocamos com o maior
volume que pudemos. Muita gente gostou, foi divertido, embora meu único pedal
tenha sido roubado.
Antes do Luiz, tivemos outro vocalista, o André Benevides, gente boa, mas
não tinha nada a ver com a gente. O que gravamos com ele, descartamos e nem
pensamos em reaproveitar para o disco. Tentamos fazer mais alguns shows, mas
logo percebemos que o André estava em outra. O Luiz assumiu os vocais e ficamos
alguns meses trocando de baterista até que decidimos usar bateria eletrônica.
O único problema é que não tínhamos dinheiro pra comprar uma bateria
eletrônica, hahahaha. Fomos em um estúdio, gravamos as baterias e íamos pros
shows carregando um tape deck. A gente soltava a fita e tocava uma atrás da
outra tentando não errar. Se deu certo? Não, hahahahaha, mas a gente tocava tão
alto que ninguém percebia.
Arranjamos finalmente um baterista, que era menor de idade e quase foi pego
pelo juizado umas dez vezes, até que um dia o Marquinhos nos chamou e disse que
a bandas era boa, mas o baterista era uma merda. Perguntamos, “ok, conhece
alguém a fim de tocar com a gente?” E ele respondeu: “Eu”. E assim ele entrou
pra banda, daí viramos um trio.
Aquela época era tudo tão tosco que chamaram a gente pra tocar em uma festa
na FAU, na USP. Dei o tape deck pro cara da mesa e fui pro palco. Não tinha nem
retorno e eu e o Luiz ficamos no palco sem perceber que a bateria já estava
rolando no PA. Perdemos umas três músicas.
Marco Butcher - Talvez o fato de morarmos em Sampa, que é uma cidade
que acaba recebendo informações mais rápido e em maior quantidade, tenha feio a
diferença no sentido de estarmos mais conectados com o que estava acontecendo
no mundo naquele momento.
Luiz Gustavo - Só o Maria Angélica [Não Mora Mais Aqui] chegou perto
de fazer algo de diferente na época.
Time Will Burn foi divertido de se
fazer, numa época difícil de fazer discos. Cada detalhe foi pensado com
carinho. As brigas eram brandas e estavam apenas começando. Não fazíamos o tipo
marginal, éramos muito educados e tímidos. Não tínhamos o dinheiro das bandas
de Brasília, nem o intelecto das bandas do Rio. O nosso lance era rock, botas e
garotas. E só.
Zé Antônio - Tínhamos certeza de como queríamos que a banda soasse, e
principalmente de como não soasse, rsrsrs, mas o disco foi despretensioso,
jamais planejamos algo do tipo. Só tivemos consciência disso quando alguns
jornalistas começaram a dizer isso pra nós.
AS GRAVAÇÕES E A ASSINATURA COM A STILETTO
Luiz Gustavo - Não lembro. Através do Tomas Pappon?
Zé Antônio – Um dia o Thomas Pappon falou sobre a possibilidade de um
disco pela Stilletto. O orçamento era inexistente. Juntamos o pouco que
tínhamos e fomos ao estúdio do Rainer Pappon pra gravar algumas músicas e
completar o álbum. Eu, o Luiz e o Marquinhos dividimos a conta, e até hoje o
Rainer reclama que o Marcos não pagou a parte dele, hahahaha. A gente não
poderia perder a oportunidade. Gravar um disco era algo impensável.
O Pappon propôs o disco meio de sopetão, e nos demos conta de que não
tínhamos tantas músicas. Entramos no estúdio pra completar a duração de um
álbum. Algumas poucas músicas já existiam, e outras nós descartamos.
A verdade é que todas as gravações do álbum foram tratadas do mesmo jeito:
como uma demo. A única faixa que teve um cuidado maior foi “Sonic Butterflies”,
na qual colocamos efeito na voz, e mesmo assim foi algo bem tosco, rsrsrs.
As gravações eram muito simples. Ensaiávamos em um estúdio com um Tascan de
quatro canais e nos virávamos com isso, do jeito que dava. O máximo que a gente
conseguia era usar um reverb na voz. Quando o Thomas sugeriu o estúdio do
irmão, achamos que tudo seria diferente, afinal o cara era um profissional
respeitado. Mas a verdade é que ele não entendeu nosso som, nossa barulheira e
a impressão que eu tive é a de que ele nos queria fora de lá o mais rápido
possível. O diálogo era sempre o mesmo: “Ficou bom?” E ele respondia: “Tá
ótimo, vamos pra outra!”
Marco Butcher - Me lembro do convite do selo para lançar o play. Na
época esse mesmo selo estava cuidando de alguns artistas bem Legais como os Bad
Seeds e, se não me engano, cuidando também do lançamento do
Sister, do
Sonic Youth, aí no Brasil. Hahah, eram outros tempos, celebrávamos tudo.
Zé Antônio - O Lawrence [Brenhan, proprietário do selo] adorou, ele
entendia o que estávamos fazendo, mas ele era um cara muito maluco. Várias vezes
fomos pra lá esperando uma reunião pra falar do segundo disco (que ele nunca
lançou), e acabávamos saindo bêbados de tanta champagne e whisky que rolava
naquela gravadora. Se a gravadora tivesse continuado, teríamos lançado mais um
disco com eles, mas a Stilleto fechou de uma maneira bem suspeita e o Lawrence
sumiu do mapa. Alguns anos depois ouvi um boato de que ele morreu na
Inglaterra. Pra você ter uma ideia, ligamos durante uns dois meses pra lá e uma
secretária sempre dizia que ele estava ocupado. Um dia eu e o Luiz fomos até a
Stiletto e o local estava vazio, só com uma coitada atendendo o telefone e
dizendo que ele estaria em reunião. E, com essa história, a master
do Time
Will Burn também sumiu.
Marco Butcher - Estávamos sempre por lá [na Stiletto]. Até porque
tínhamos amigos trampando ali e tals. Como o Luis e a Claudia. Gente que a
gente conhecia da noite. O Lawrence sempre tava tentando agitar coisas. Por um
tempo acabou virando meio que um ponto pra gente resolver promo, fotos, shows,
enfim, tudo que na época tava no pacote de cuidar do disco.
Luiz Gustavo - Eu acabei me envolvendo com a amante dele [Lawrence]
na época. Ele era um cara inflamado, mas muito engraçado e bem enrolador.
O LANÇAMENTO
Zé Antônio - As histórias mais bizarras vieram depois do
Time Will
Burn. Nessa época eu e o Luiz éramos muito focados na música. O Marquinhos
era o mais desencanado, faltava em ensaios e shows, mas ele é foda, sempre
soube o que fazer sem que a gente precisasse falar nada.
Marco Butcher - Me lembro que eu e o Luiz tomamos um porre no dia que
saiu o disco. No Retrô, se não me engano. Acho que fomos até lá e pedimos pro
DJ tocar na pista ou algo assim. Na época era incrível pensar em algo nosso
tocando num club, nas caixas grandes. Saudoso Toninho, se não me engano. Era um
dos DJs que estavam sempre por lá.
Zé Antônio – [O disco foi lançado no] Final de dezembro de 89. Mas só
começou a ser distribuído em janeiro de 90, por isso para nós foi 90, e
comemoramos só agora os 25 anos.
Luiz Gustavo - Lembro de quando o disco foi lançado. Fomos antes para
um boteco na rua Maria Antônia comemorar com os amigos.
Zé Antônio - Porra, se lembro. Foi incrível! Era algo inacreditável.
A DJ que mais nos ajudou foi a Elaine. Ela tocava sempre o nosso disco e muita
gente conheceu assim. Umas três músicas acabaram virando hit na pista do Retrô,
mas a gente também não saia de lá.
Quando o Jesus and Mary Chain veio tocar aqui pela primeira vez [1991] o
baixista, Douglas Hart, acabou no Retrô e conheceu a banda ouvindo naquela pista.
Naquela época acabamos indo ao hotel pra conversar com ele, demos o disco, etc.
Mas parou por aí.
O lançamento do disco também aconteceu no Retrô. Foram três dias de show e
casa cheia, inacreditável…
Luiz Gustavo - Fizemos uns 100 shows só no Espaço Retrô.
Zé Antônio - Fizemos vários shows do
Time Will Burn, mas
lançamento propriamente dito só mesmo no Retrô. Tocar as músicas era fácil,
tudo muito simples. Deixávamos algumas de fora, “Sonic Butterflies”,”Hard To
Fall” e “These Days”, por serem mais calmas. Os shows eram muito enérgicos e a
gente completava com versões do MC5 e Stooges.
Marco Butcher - Cara, tocamos tanto, não parávamos nunca. Na época,
rolava muito show no interior e em cidades como Santos e outras. Íamos muito a
Curitiba, Porto Alegre, estávamos sempre viajando e tinha um lance que era o
tal comboio, amigos vindo na cola pros shows fora de Sampa. Isso era engraçado.
Coisas do rock, hahaha.
Era o começo e as coisas estavam rolando bem no sentido que conseguíamos
armar shows e tals. Isso ajudou a promover o álbum um pouco mais.
Zé Antônio - Antes do disco já tínhamos alguns amigos e fãs que
sempre estavam nos shows, mas depois isso aumentou bastante. É claro que não me
comparo a nenhuma banda grande, mas para uma banda alternativa nos anos 90 até
que era um público bom. A 89fm chegou a tocar algumas musicas, fizemos um show
pra rádio no Aeroanta, que depois foi transmitido na íntegra, aparecemos em
alguns programas de tv, artigos em jornais, revistas e fanzines… tudo isso
ajudou muito. E também começamos a tocar fora de S.Paulo.
NA TV: CLIP TRIP E MULHERES EM DESFILE (TV GAZETA), MATÉRIA PRIMA (TV
CULTURA)
Zé Antônio – com o Beto Rivera [
Clip Trip] foi ok, meio
impaciente mas ok. No
Mulheres em Desfile [atual
Mulheres] foi
bizarro. O Cesinha, divulgador da Stiletto, nos ligou um dia antes pra avisar
que deveríamos estar no programa em determinada hora e isso era tudo o que
sabíamos. Fomos achando que seria uma entrevista. Ao chegar, um produtor
perguntou “cadê a trilha do playback?” Começamos a rir. O Cesinha deu um jeito
e disse que poderiam tocar o disco. A gente nunca tinha feito isso. Como
poderíamos fazer playback sem nenhum instrumento? O cara arranjou um violão e
eu joguei a bomba pro Luiz, que começou a dublar toscamente e a girar o violão,
que só tinha umas três cordas, hahaha. Foi um dos piores momentos do programa,
com senhoras da audiência reclamando dos nossos cabelos, das nossas roupas e da
minha bota, que tinha um furo na sola e o câmera deu close. Enfim, um desastre
pra produção, mas nos divertimos bastante.
Marco Butcher - Bota furada ou era eu ou o Luiz, hahaha, sempre.
Muito bom! Usávamos as botas até derreter, literalmente. Quanto mais velhas
melhor, no velho esquema Keith Richards.
Luiz Gustavo - Lembro bem do
Mulheres em Desfile porque fui eu
que dublou, de pé, tocando um violão velho, enquanto o resto da banda ficou
sentada atrás de mim balançando os pés.
Marco Butcher - Ah sim, Serginho [Groisman, apresentador do
Matéria
Prima] eu lembro, tocamos ao vivo, mas os outros dois… nem ideia. Ah pera,
umas minas, claro. Meio culinária, né? Hahaha, nossa, isso, eram as
parceirinhas: Claudete Troiano e Ione Borges, hahah, típico programa da tarde,
tv aberta. Nossa, como vc sabe todas essas coisas?
Zé Antônio - Na TV Cultura, fomos duas vezes, uma delas no programa
do Kid Vinil [
Boca Livre], gravado no Teatro Franco Zampari, que foi
ótimo. Eram três bandas; nós, o Gueto e outra que faltou. A produção sugeriu ao
Gueto que tocasse em dois blocos e eles se recusaram, nós topamos e o Luiz tocou
sentado porque esqueceu a correia do baixo e o Gueto não quis emprestar de
jeito nenhum. Depois muita gente comentou achando que a gente tava fazendo
gênero Velvet Underground, mas não foi nada disso.
Mas o pior foi no programa do Serginho Groisman, nem lembro qual era o nome,
acho que era Matéria
Prima. Lembro que chovia pra cacete e um monte de
fãs do Pin Ups foram até lá mas não puderam entrar, pois a plateia era de
escolas. Com a chuva um dos ônibus não apareceu e a produção não teve
alternativa, liberou a entrada de todo mundo.
O Serginho já entrou irritado dizendo que ninguém poderia sair do lugar
durante as músicas. O aviso não adiantou nada. Lembro que um dos nossos amigos,
o Gringo, que depois seria eternizado na música “Caminha (que aqui é de
Osasco)”, do Defalla, saltou da plateia, caiu em cima de um câmera e chamou
todo mundo que invadiu o palco. Intervalo, broncas, ameaças e tudo se repetiu
no segundo bloco, hahahaha.
Depois tinha uma parte séria, de perguntas. Não me lembro o assunto, mas tinha
um sociólogo comentando algo e o Serginho foi justamente no Gringo e perguntou
o que ele achava. A resposta veio logo: “O que eu acho do que?” O Serginho
ficou transtornado, passou a mão na cabeça dele e disse: “Inteligência rara
esse moleque”, hahahahaha.
Anos depois voltamos pra gravar na Cultura, mas já com outra formação. Acho
que ficamos banidos por um tempo, hahahahaha.
MATÉRIA NA REVISTA BIZZ EM ABRIL DE 1991 E A SUPOSTA ARROGÂNCIA
Luiz Gustavo – Eu não lembro dessa matéria.
Zé Antônio - Isso era bem complicado. Muita gente nos ajudou naquela
época, o Marcel Plasse, Kid Vinil, [Fernando] Naporano, o Jefferson de Souza,
(posteriormente muitos jornalistas foram importantes, mas isso já em outros
álbuns). Mas, por outro lado, muitas das bandas da geração anterior à
nossa eram formadas por jornalistas, e rolava uma certa disputa por espaço,
então por várias vezes fomos ignorados. O Alex Antunes era um dos que ficavam à
parte de tudo isso… ainda bem que lembrei.
Mas a matéria da
Bizz froi problemática. Ela aconteceu na Stilletto
entre muitas garrafas de Chandon e, como conhecíamos o jornalista, ficamos
relaxados, respondendo alguns absurdos por brincadeira antes de dar a resposta
séria. É claro que ele sabia disso, mas por algum motivo colocou só as bobagens
e passou uma imagem absolutamente arrogante da banda. Foi a primeira vez que
tive consciência do quanto as entrevistas podiam ser editadas e manipuladas
Se as respostas ao menos tivessem sido colocadas em um contexto bem
humorado, talvez as pessoas entendessem, mas não foi isso que aconteceu.
Marco Butcher - Era uma cena muito pequena. Algumas poucas pessoas
que gostavam ou conheciam esse tipo de sonoridade. Bandas como o Killing
Chainsaw ou mesmo o Second Come do Rio. Era uma ou outra, mas acho que elas
vieram um pouco depois da gente.
Zé Antônio - A verdade é que naquela época poucas bandas se ajudavam.
Tínhamos uma ligação forte com o Killing Chainsaw, Mickey Junkies, etc… mas
muita gente adorava falar mal. Era difícil. Hoje acho que isso colaborou muito
para que aquela cena tão interessante não tenha atingido o respeito necessário.
Quem vê de longe, hoje em dia, terá outra leitura, mas quem viveu aquilo tudo
sabe do que eu estou falando.
Marco Butcher - Acho que [gravar o disco foi] um
felling de se
sentir parte de algo real naquele momento. Um registro físico de nossas ideias.
Não era uma demo, era um vinil. Difícil explicar, mas enfim, tinha toda uma
mitologia em volta do vinil. Ainda existe, mas não me afeta mais.
AS COMPARAÇÕES COM O JESUS AND MARY CHAIN. INCOMODAVA?
Zé Antônio – Absolutamente. Jesus sempre foi uma das grandes
influencias da banda. A gente meio que queria parecer com eles, é só ver nossos
cabelos, rsrsrsr. Negar isso seria desleal. Amávamos todas essas bandas que
você citou. Faltou Spacemen 3, que a gente também ouvia muito.
Nós sempre ouvimos muita coisa, até hoje somos todos viciados em música. É
impossível não absorver nada, imagem e sonoridade também, referencia estéticas
etc..
Marco Butcher - Falta de informação sempre incomoda, né? Acho que sim
e não, sei lá. A gente ouvia eles da mesma forma que ouvia Stones ou MC5 ou
Birdland ou os Velvets. Então acho que não, eu gosto do primeiro dos Jesus e os
singles, os primeiros. Depois nah, acho um porre.
Psychocandy,
isso, gosto desse. De resto não ligo não.
Loop, taí, acho que nessa época ouvíamos mais Loop do que Jesus. Eu gosto do
Taste, do Telescopes. Depois nah, mas isso eu vim a perceber depois.
Popeira Manchester horrível pra boi dormir, tô fora. Nunca entendi o que rolou
com essa banda. O
Taste é um disco bom. Daí quando ouvi o segundo álbum
[
The Telescopes, 1992], affe, muito ruim demais. Tipo uma popeira com
batidinha balaco baco safada! Deletei geral da minha vida, rsrsrsr. Mas Loop
sempre foi classe, tenho todos, se puns. Adoro, Loop é demais. Não ouço há
anos, mas taí na coleção, muita coisa pra ouvir.
O ‘MITO’ JUNKIE. BANDA-PROBLEMA? SHOWS EM SANTOS E O AMPLIFICADOR DE
CARRO
Zé Antônio - E o pior é que a maioria das histórias é real. Mas não
que nós fossemos diferentes da molecada daquela época, alguns amigos eram muito
mais loucos que qualquer um de nós, mas por ter banda tínhamos mais atenção. É
claro que em um determinado ponto percebemos a importância disso, mas o estrago
já estava feito e daí, relaxamos.
Luiz Gustavo – Não era mito.
Zé Antônio – Que eu me lembre, após a Bizz rolou uma fama de
arrogante, mas de encrenqueiros até que não. Pelo menos eu nunca soube. Éramos
tranquilos pra tocar com o que tivesse, fiz show com guitarra plugada em um
tojo de carro e rolou do mesmo jeito. No final a fama até que foi boa, hahaha.
Marco Butcher - Santos. Me lembro disso. Na Ilha. Fazíamos shows ali
direto. Na época sempre tinha um clube novo rolando ali. Era bem bizarro na
real. Fechava um, abria outro, nunca era o mesmo, mas sempre na ilha.
Zé Antônio – o Tojo foi aqui em São Paulo mesmo. Não lembro o nome do
lugar mas foi uma noite de histórias incríveis, hahahaha. Estávamos no palco, o
dono nos pressionando pra começar o show e ninguém sabia do Luiz. De repente
abre a porta do banheiro e o Luiz sai de lá junto com a mulher do dono
hahahahahah! A noite terminou com um amigo, o Raul, que normalmente é um doce
de pessoa, totalmente alterado destruindo o lugar.
Marco Butcher - Lembro que uma vez um amigo marcou um show pra gente
na Baixada [Santista], não lembro em que cidade. Daí fomos, tudo bem. Quando
chegamos lá, não conseguíamos achar o amigo nem o lugar. Quando finalmente
achamos, era uma lambateria. OBA era o nome, hahahah. Três músicas ou quatro
depois de começarmos, o dono nos pagou pra não tocar mais. Talvez essa seja a
única memória q eu tenha de shows, não lembro mesmo.
Zé Antônio - Santos realmente rendeu muuuuitas histórias, mas essa da
lambateria foi em Itanhaém. Nunca havíamos tocado fora de São Paulo e um amigo
arranjou um show naquela cidade. Perguntamos onde e a resposta era sempre a
mesma: “um lugar que eu dou som de vez em quando, confia em mim”. Faltando
apenas alguns dias pro show ele disse: “o lugar se chama Lambateria Oba, mas no
dia eu vou discotecar e só vai público de rock”. Mentira, é claro. Tinham uns
gatos pingados pra nos ver, mas começou a chegar o público da casa sem entender
quem eram os estranhos.
Entramos no palco, tocamos uma única música e então senti alguém agarrar o
meu braço. Era o dono do lugar, que me puxou para um canto e disse: “o cachê tá
aqui, tem até um pouco a mais, mas pelo amor de Deus, parem de tocar agora!” E
foi o que aconteceu, hahaha.
Pra completar, voltamos de carona no carro de uma amiga, Tania, que chorou
metade do caminho depois de atropelar um pobre tatu.
Marco Butcher - Sim, o povo da casa. Tinha um ou outro surfista e
tals, mas nah, casais e tals.
Zé Antônio - Não no clube, mas em boates da ilha, que normalmente
eram alugadas para shows alternativos. Rolou de tudo. Uma vez o palco eram em
L, em volta da cabine de som. Chegamos lá e não tinha nenhum amplificador, as
guitarras iriam ser ligadas diretamente na mesa de som. Eu avisei que não
rolava, mas depois de muita insistência liguei e queimei três canais da mesa. O
DJ, puto da vida só repetia uma frase: “Eu falei que não dá pra ter banda, tem
que ser sexta romântica!!” hahahaha
Outra vez o Farofa, do Garage Fuzz, nos ligou perguntando se a gente ia
mesmo tocar em Santos, pois tinham vários cartazes na cidade de uma festa na praia
das vacas. E era mentira. Pegamos os instrumentos, lotamos um carro e fomos pra
tal festa. Na entrada, dissemos: Somos o Pin Ups, que vai tocar aqui, não é
isso? Os caras não sabiam o que fazer, inventaram desculpas de que o cartaz
estava pronto e não deu pra falar com a gente e coisas do tipo. Ofereceram open
bar, mas a bebida era tão ruim que fomos embora. Lembro do Luiz se divertindo
pondo fogo nas coisas com a vodca que eles serviam.
A ENTRADA DA BAIXISTA ALÊ BRIGANTI
Zé Antônio – O Luiz queria só cantar, ter mais espaço no palco.
Pensamos em algum baixista, mas não sabíamos quem. Um dia cheguei no Retrô e o
Marquinhos veio com a Alê e disse: “essa é a nossa baixista, já falei com ela
tá tudo certo”.
Lembro que fiquei muito irritado e até hoje me culpo pelo quanto eu
hostilizei a Alê nos primeiros ensaios e shows. Fui bem mal educado com ela e
me arrependo. Mas logo ficamos muito amigos e eu percebi que eu fui ranzinza,
ela tinha tudo a ver com o Pin Ups. E, de todos que passaram pela banda, a Alê
é minha amiga mais próxima.
O LEGADO DO TIME WILL
BURN. HOMENAGEM A THE NAIL WILL BURN, DO LOOP?
Marco Butcher – Tem muita coisa que não me lembro mesmo, já fiz tanta
coisa depois disso. Tanto disco, banda, lugares, enfim… vira um bolo total
tudo. Haha, é tempo demais, e trabalhos demais entre aquilo e hoje. Eu não
tenho nem ideia. Eu não tenho o disco por exemplo. Ou, se tenho, não faço a
menor ideia onde está. Numa das pilhas de disco pela casa.
Não faço nem ideia de quantas cópias vendemos. Mais de mil, com certeza, mas
fora isso não sei dizer mesmo. Acho que na época a tiragem mínima era de mil
cópias.
Zé Antônio - O nome da banda foi sugerido por mim, mas o do álbum foi
pelo Luiz. Talvez seja inspirado no Loop, mas só ele pode responder isso
rsrsrs.
Em relação ao álbum… Sou muito crítico com tudo o que faço então é claro que
quando ouço
o Time Will Burn penso que gostaria de gravar tudo de outra
maneira, com mais guitarras e cuidados de produção. Mas tenho um carinho enorme
por esse álbum. Ele abriu muitas portas para a banda e selou a amizade com o
Luiz Gustavo e a Alê, me proporcionou histórias, e momentos inesquecíveis.
Em relação à importância, acho que só comecei a perceber isso quando alguns
músicos citaram o disco como influência e pessoas que eu nunca havia visto
lembravam do
Time Will Burn. Na época isso nem passava pela minha
cabeça. Fico realmente feliz em saber que algumas pessoas acham que de alguma
forma ajudamos a pavimentar algum caminho para bandas novas, mas prefiro ouvir
do que falar sobre isso. Se realmente deixamos algum legado, tudo o que
passamos valeu a pena.
Marco Butcher - Na real, eu nunca penso em Pin Ups, man. Não sou do
tipo saudosista, tampouco me apego a discos ou bandas, acho que minha relação
com música é diferente disso. Gosto de estar em movimento e só, sempre tentando
trazer algo. Não sei dizer se muito lá atrás. Mas não é algo em que eu pense ou
tome como referência pra minhas coisas nem nada. Acho bacana que as pessoas
olhem pro
Time Will Burn e tenham essa química com ele. Eu tenho, mas é
em outro sentido, foi nosso primeiro álbum. Mas nunca olhei pra trás e parei
pra pensar no que ele fez ou deixou de fazer pela cena, ou isso ou aquilo.
NOTA: Amanhã tem "Time Will Burn" no programa de rock
19H/104,9 FM em Aracaju e região
www.aperipe.com.br
por Filipe Albuquerque
BEM PARANÁ
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