terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Enfim, aconteceu. Lemmy se foi.

Relatos de amigos muito próximos dizem que um dia depois do Natal ele recebeu a notícia de que tinha um câncer muito agressivo. Tenho certeza absoluta que ele disse a si mesmo: “ah, foda-se! Agora chega! Não vou aguentar mais esta merda. Para mim, deu…” e, durante três dias, ele deu a ordem ao seu corpo: pare de funcionar! E Lemmy era tão poderoso que seu próprio corpo não teve coragem de contrariá-lo.

Lemmy se foi e ficamos privados de ouvir novamente a voz de Deus caso Ele fosse chegado em um litro de uísque e dois maços de cigarro todo santo dia. Quero acreditar que ele agora está aqui ao meu lado, com um copo de Jack Daniels e Coca-Cola em uma mão, um cigarro na outra, com as indefectíveis botas brancas e jaqueta de couro surrada, dizendo em meu ouvido “Viu como vale a pena ser genuíno, cagar e andar para o que as pessoas pensam ou esperam de você e viver do jeito que se deve?”

Sempre foi divertido pensar que Lemmy, Keith Richards, Ozzy Osbourne e Iggy Pop seriam os únicos a pisar nas baratas sobreviventes a uma hecatombe nuclear que mataria a todos nós, menos a eles. Hoje isto não é mais engraçado. Nenhum deles é imortal. Um dia, estaremos aqui lamentando a partida de cada um. Que pena…

Um dos últimos baluartes da trindade de artistas que pareciam indestrutíveis mesmo depois de décadas e décadas de todos os excessos que você possa imaginar em termos de drogas e bebidas, ao lado de Keith Richards e Iggy Pop, Lemmy vinha mostrando acelerado estado de deterioração física nos últimos meses mesmo para um cara de 70 anos de idade. O que começou com o surgimento de uma alergia a uma determinada fruta semelhante à framboesa – sim, é isto mesmo o que você acabou de ler! – se transformou em reações alérgicas cada vez mais graves e que acabaram afetando seu coração. Depois de uma cirurgia cardíaca e da imposição de uma mudança total no seu hábito etílico – ele tinha que parar de beber, cheirar e fumar de maneira radical e rápida -, Lemmy ameaçou deixar seus vícios de lado, mas não resistiu. Relatos dão conta que ele substituiu as doses cavalares de Jack Daniels com Coca-Cola que tomava diariamente por vodka com suco de laranja e que, digamos assim, ele não parou totalmente com tudo o que devia. Foi por isto que ele acabou desidratado e com distúrbios gástricos sérios no dia da apresentação do Motorhead na última edição do Festival Monsters of rock brasileiro, o que o levou a uma internação em um hospital de São Paulo.

É inexplicável. Bem, pensando com um pouco mais de racionalidade, talvez não seja tão inexplicável assim o verdadeiro fascínio que a figura de Ian “Lemmy” Kilmister exerce em qualquer pessoa que ame o rock and roll. E quando escrevo “qualquer pessoa”, não estou sendo bondosamente genérico, mas afirmando categoricamente que não há um ser humano roqueiro sequer que: a) não tenha o devido respeito e paixão pelo Motörhead; b) que não considere “Lemmy” como uma espécie de divindade.

No fundo, é fácil e difícil – e desconcertante – ao mesmo tempo entender porque a figura de Lemmy suscita reverência. Para isto, é preciso deixar de lado os pudores politicamente corretos e encarar a verdade: no fundo, bem lá no fundo, todos nós queremos ser como Lemmy.

Buscamos obter o mesmo grau de respeito que a sua figura e suas palavras causam nas pessoas. Buscamos causar a mesma sensação que Lemmy propicia quando entrava em qualquer ambiente: um silêncio que chegava a ser ensurdecedor. Buscamos envelhecer como Lemmy, dono de seu próprio nariz e sem a menor intenção de agradar a quem quer que seja.

Com seu inseparável chapéu preto, roupas de coloração idem e as inacreditáveis botas brancas, Lemmy era uma versão roqueira e real do cowboy sem nome eternizado por Clint Eastwood no cinema. Para os adolescentes, ele é um personagem de histórias em quadrinhos – ou videogame, se preferir – que ganhou vida. E se o Motörhead existiu até hoje é porque Lemmy comandou as coisas da maneira que levava a sua vida: integridade em relação a tudo aquilo em que acredita. Quer uma prova disto? Assista ao espetacular documentário “Lemmy (49% Motherfucker, 51% Son of a Bitch)”.

Nos shows, noventa minutos transcorriam com uma rapidez supersônica. A famosa saudação de abertura de cada uma das apresentações que a banda fazia – “Nós somos o Motörhead e  tocamos rock ‘n’ roll” – já faz parte do panteão das grandes frases da história da música, recebida com o mesmo entusiasmo dedicado a qualquer um dos 438 clássicos do repertório do trio. E quando você é testemunha de uma apresentação que começa com uma dobradinha do naipe de “Iron Fist” e “Stay Clean”, é inevitável sentir certa vergonha ao ver a palavra “rock” associada a grupelhos formados por gente sem talento e sem um pingo de carisma.

Ao lado de Lemmy estavam, nos últimos anos, o comedimento e exuberância sônica do guitarrista Phil Campbell – nos shows, havia um “momento solo” em que ele desfilava uma sucessão de notas surpreendentemente sublimes para o conceito ensurdecedor do trio. E atrás de ambos havia a energia aparentemente inesgotável do baterista Mikkey Dee, cuja fúria ao tocar seu instrumento fazia uma locomotiva desgovernada parecer um carrinho de supermercado com as rodinhas enferrujadas. Os dois formavam os adereços perfeitos para a mitológica presença de palco de Lemmy, tocando seu baixo como se fosse um violão de acampamento e extraindo timbres que qualquer baixista daria o braço esquerdo para conseguir. É impossível ouvir canções como “Going to Brazil”, “Ace of Spades” e “Overkill” e não chacoalhar o esqueleto como se estivéssemos tomando um banho gelado sentado em uma cadeira elétrica.

Certa vez, quando era editor das revistas Cover Guitarra e Cover Baixo, fiz minha única entrevista com Lemmy, uma das melhores em toda a minha carreira como profissional da música. Quando terminamos as questões a respeito de equipamentos e de todos os assuntos a respeito do Motörhead, ficamos ainda um bom tempo conversando sobre outros assuntos, incluindo os motivos que nos levaram a gostar de Beatles, psicodelia dos anos 60 e 70, livros e… ABBA! Foi inacreditável: passamos uns bons minutos discutindo a respeito de qual foi o melhor disco do quarteto sueco. Suas observações eram tão impagáveis quanto difíceis de entender – Lemmy tem um dos sotaques mais indecifráveis do planeta.

Em outra ocasião, ao entrevistar Dave Grohl na época em que estava lançando o disco de seu projeto Probot, ouvi a frase que resume perfeitamente o que Lemmy realmente representa no imaginário de cada um de nós. Quando perguntei a ele sobre a participação do baixista no projeto, Grohl explicou como aquilo havia acontecido e encerrou com a seguinte exclamação: “Pau no c… do Elvis Presley! O rei do rock é o Lemmy!!!”

por Regis Tadeu

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sábado, 26 de dezembro de 2015

Júpiter Maçã

O rock não é feito somente de ídolos, de grandes músicas e de discos maravilhosos. O rock é feito de heróis, de exageros, de falta de limites. É feito de alma, subconsciente, vísceras, transcendência. O rock é o virtuosismo da própria atitude, é sobre ultrapassar as convenções e demarcar sua trajetória atravessando o que se determina como regra.

Flávio Basso se chamava assim quando introduziu cabeça, corpo, alma e sacanagem dos Cascavelletes no cenário musical brasileiro na segunda metade dos anos 1980. Entre Jéssicas Roses, menstruadas, mortes por tesão e punhetinhas de verão, o escracho, o politicamente incorreto - duvido que a banda faria sucesso no mundo de vigilantes do comportamento alheio de hoje em dia -, um misto entre pornochanchada da Boca do Lixo, cachaça no Bar João, cara de pau e atitude punk tomou conta das rádios mais antenadas, chegando à trilha de novela da Globo e a programa infantil da Angélica. Sem pudores, Flávio tinha a mais pretensiosa banda sem pretensão do Brasil, que falava sobre o que realmente importava para seu público: sacanagem.

Fã de Syd Barrett, dos Beatles, do rock inglês e do rock psicodélico, o homem Flávio virou o mito Júpiter. Em 1996, lançou o maior álbum do rock gaúcho moderno. Sintonizado com Londres, letras absolutamente incríveis e uma inspiração única fizeram de "A Sétima Efervescência" um marco de inspiração na indústria do rock dos anos 1990. Diferente de tudo, lisérgico, arrebatador, o disco fez de Júpiter aquilo que Flávio sempre quis ser. A partir dali, o garoto adolescente que cantava sob um céu de blues passou a cantar na 7ª Efervescência Intergalática. O céu não era o limite, não havia mais limites criativos para o talento de Júpiter, que depois virou Apple, voltou a ser Maçã, cantou em inglês, português, chegou a ser Flávio por um dia, Júpiter para sempre.

O homem Flávio não suportou os excessos do mito Júpiter. Não suportou os excessos do rock, a angústia de querer viver rompendo a zona de conforto da caretice, vivendo como um incompreendido, um outsider, fora de seu tempo, dentro de seu mundo. Júpiter já era refém dos próprios excessos. Cambaleante, corpo frágil, visivelmente alterado em suas aparições públicas, o corpo por trás da alma nos deixou. Não é fácil viver nesse mundo chato. Mitos têm seu próprio mundo. O de Júpiter começava quando batia a sétima efervescência, num barato permanente que só parou quando Flávio caiu.

A alma Júpiter deve estar por aí, com gente legal, que curta Syd Barrett e os Beatles, onde as pessoas sejam mesmo afudê. Um lugar onde as pessoas sejam loucas e super chapadas, como ele, Júpiter. Que ele esteja num lugar do caralho! - por Carlos Guimarães_

Minha timeline no facebook se enche de posts de pesar sobre a morte de Júpiter Maçã, do quão genial ele era etc. Sem entrar na discussão do abuso do termo “gênio”, digamos que o gaúcho Flavio Basso, o Júpiter Maçã era um músico muito talentoso e inspirado sim. - por Alex Antunes

De minha parte, sou fã do álbum Hisscivilization, de 2002, que tem uns achados neopsicodélicos, como a longa e belíssima faixa eletrônica de abertura, “The Homeless and the Jet Boots Boy”. Também gosto de Uma Tarde na Fruteira (2007), este cantado em português, e que traz a canção definitiva da pós-tropicália, “A Marchinha Psicótica De Dr. Soup”, além de outra de suas melhores músicas, a delicada “Mademoiselle Marchand”, cujo clipe foi dirigido por meu amigo Cisco Vasques. (Na foto, Júpiter e Sonia Braga em outro filme de Cisco e Beto Brant, Kreuko – Mundo Invisível).

Posto isso, estranhei o flood jupiteriano nas redes por algumas razões. Primeiro, porque uma boa parte do tempo ele era uma figura mais chapada e folclórica do que propriamente genial.  Essa entrevista no programa de Rogério Skylab é um exemplo do quão sexualmente bobo e constrangedor ele podia ser (evidentemente Skylab, que é um falso maluco com uma perfeita noção de timing desconfortável e nonsense, faz a coisa funcionar – e chega a fazer uma pergunta jornalística, se uma queda de Júpiter do segundo andar de um prédio em 2012 foi acidente ou tentativa de suicídio. Júpiter finge que está dormindo).

Segundo, porque não se sabe bem onde estavam esses fãs exaltados todos antes dele morrer. Tudo bem, há um elemento que é o “fator gainsbourg”, ou “fator bukowski”: há artistas com quem fica bem mais fácil de se lidar depois de mortos. Vivos, não se sabe como usarão seus trunfos (provavelmente sendo inconvenientes ao extremo). Nos círculos feministas, e não só, a personalidade abusiva de Júpiter foi posta em questão. Recentemente ele teve que ser retirado de uma ocupação artística em São Paulo, a Ouvidor 63, para não conviver com mulheres com quem tinha um histórico de agressão. Essa discussão foi feita abertamente no coletivo. Mas não quero me focar no aspecto feminista (ou seja, criminalmente imputável) da questão, mas no “comportamento abusivo do gênio incompreendido” como um todo.

Creio que essa fantasia brianjonesiana/ sydbarretiana, que Júpiter abraçou, e que conduzia forçosamente à incapacitação e à morte precoce, tem uma conivência perversa dos fãs. Por um lado, ele foi realmente importante para uma geração que descobriu a psicodelia com seu primeiro disco solo, A Sétima Efervescência (1997). Acho o frisson em torno desse disco meio exagerado, mas certamente é um salto considerável em relação às bobagens repulsivas da sua banda anterior, os Cascavelettes.

A importância dessa transição para o público de Porto Alegre, no entanto, demonstra apenas como o Rio Grande do Sul é apegado aos mitos datadões do rock. Eu acho que fazia todo o sentido, na época, a vida no fio da navalha de Brian Jones, Jimi Hendrix, Janis Joplin, Jim Morrison, ou de Brian Wilson (que não morreu, só lesou – assim como nosso representante nacional, Arnaldo Baptista). Porque eles estavam realmente captando uma enorme energia social de transformação, no momento em que ia colapsar. Eles simplesmente colapsaram junto.

Também fazia sentido a descoberta pela indústria fonográfica de como “empacotar” e vender melhor a rebeldia, na época em que o Led Zeppelin, por assim dizer, era pago para quebrar quartos de hotel. Mas esse embate não faz sentido hoje – a não ser como reprodução romântica (ou mesmo trágica) de clichês. Júpiter Maçã não estava se embatendo com nada real. Poderia estar juntando e trocando seus trunfos na produção independente em novos discos e shows como fazem, digamos, bandas tão inquietantes quanto o Cidadão Instigado. Eu não disse que é fácil – mas que essa é a real aventura, não o recurso mais óbvio ao autocolapso, à autocondescendência. Claro, ele pode ser considerado vítima de uma doença, a da adicção a substâncias.

Mas a celebração um pouco descabida da sua “genialidade” me leva a crer que um contrato mórbido com seu público foi cumprido. Se a escolha desse destino de “bode sacrificial” já era meio besta para Kurt Cobain (que ao mesmo tempo repudiava e acreditava em seu estrelato), o que dizer dessa mesma encenação em escala ínfima e tropical? Reproduzo um relato de um amigo meu, então distribuidor de discos, que me parece colocar a questão na perspectiva correta, com todas as tags no lugar (automitificação, relação ambivalente com mulher, mico no gerenciamento de carreira).

Aí vai: “Eu o conheci uma única vez… e posso dizer que foi a reunião mais constrangedora que ja fiz. Ele estava muito doido e acompanhado de sua mulher na época tentando me ‘vender’ seu novo álbum. Os dois ficaram a reunião inteira discutindo na minha frente, e o Júpiter quase foi as vias de fato no momento em que a sua mulher discordou de uma de suas afirmações (a de que ele era melhor que o Caetano Veloso)… Ele ficou muito nervoso com ela, levantou da mesa agressivo e foi em sua direção… eu tive que intervir… Depois de meia hora de desculpas e já sem a mulher (que foi embora) continuamos… Gostava muito de sua música, mas confesso que não tinha muito saco para esse tipo de personalidade. RIP.”

Ao contrário dos nossos  hábitos santificadores cristãos, não vejo grandes problemas nas críticas pós-morte. Se esses são momentos de balanço, não vejo porque não meter alguns elementos mais sórdidos/ realistas – não para cotejar moralisticamente a obra com a vida, mas para entender como uma alimenta a outra, no que é o processo criativo. Idealizar alguém é mais desleal do que lembrar os erros, que são a única fonte real de aprendizado na vida.

Expandindo o que disse o meu amigo distribuidor, eu não só não tenho muito saco para esse tipo de personalidade, como acho que esse grau de autocondescendência “maldita” deixou de fazer qualquer sentido neste século. Simplesmente não interessa o quanto a figura em questão seja talentosa – ela tem mais é que segurar a barra, porque não existe mais um mainstream cultural sufocante, apenas o caos (que deveria ser seu elemento). E ninguém tem direito a designar a si mesmo como lixeira vibracional da sociedade.

Quem surfa nessa vaibe é porque está pendurado nos mitos culturais do século passado – ou na sua reprodução (cada vez mais) patética. Abaixo o salvo-conduto para o abuso dos “gênios” supostos e incompreendidos. É o crepúsculo do Zé Louquinho.

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segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Dias difíceis no Suriname ...

Plástico Lunar é uma banda sergipana, de Aracaju. E é uma das melhores bandas de rock em atividade no Brasil. Ponto.

Digo isso de forma absolutamente lúcida, pensada e repensada, e sem nenhum resquício de “bairrismo”. Pois bem: estabelecida esta verdade irrefutável, de fácil comprovação por qualquer um que se disponha a conhecer a música deles, devo dizer que acabaram de lançar o melhor disco já produzido por aqui. Ponto, de novo.

“Dias difícil no Suriname” teve uma longa gestação: começou a ser gravado em maio de 2012 e só foi finalizado dois anos depois. No processo, a banda perdeu um de seus principais componentes, o guitarrista Julio Andrade, que saiu para se dedicar a seu projeto principal, o duo The Baggios. Como fã, fiquei preocupado, pois era notória, nas apresentações que se seguiram, a dificuldade dos caras em se adaptar à uma nova formação, mais enxuta – normal, não deve ser fácil substituir um guitarrista como Julico. Mas sempre botei fé que iriam se ajustar. Só não sabia se a tempo de não prejudicar o novo álbum em gestação ...

Pois bem: o disco foi lançado há alguns meses, de forma virtual, e foi uma agradável surpresa. É magnífico! Já começa escancarando uma de suas principais influências, na “stoneana” “Todo pecado do mundo”, que abre com um excelente riff de guitarra. Julico toca nela e em mais quatro faixas. Em outras três, o auxílio vem de Rafael Costello, membro fundador, hoje morando em São Paulo. Little Mel, da Máquina Blues, aparece em “Labirinto”, e Fabrício Rossini em “A esperança”.

Foi assim, com uma ajuda providencial de amigos e ex-integrantes pra lá de talentosos, que a Plástico lapidou esta verdadeira obra-prima da música independente local. Que prossegue com uma velha conhecida, já lançada como single, a belíssima “Mar de leite azedo”. “Sentado no Arco-iris”, a terceira faixa, comprova, de certa forma, o talento dos caras, pois é uma composição de dois ícones do rock brazuca, Raul Seixas e Gileno Azevedo (da dupla “jovemguardista” Leno e Lillian), mas parece deles – e não sou só eu que tenho essa impressão: até hoje vejo gente se surpreender ao saber que se trata de um cover.  É, também, uma faixa bônus para quem comprar o disco físico, em CD, já que não havia feito parte do lançamento virtual por conta de imbróglios com a liberação dos direitos autorais.

O disco prossegue com “Cancioneiro”, uma robusta composição de Julico cantada por Marcos Odara, o baterista, que bate um bolão também como vocalista. É uma banda, aliás, que tem bons vocalistas de sobra – além de Daniel e Odara, Plástico Jr. também costuma entoar suas próprias composições.

“Quem diria”, que vem na sequencia, é uma emocionante ode ao aconchego do lar, com uma letra singela que Daniel compôs pensando em sua mãe. Emocionante. Daniel é um  compositor de mão cheia e excelente vocalista. Em parceria com Nara Loupe e Verlane Aragão, é o responsável por sete dos doze petardos que compõem o disco. O lado A – o disco foi pensado como um vinil – se encerra com outra dele – e dela, Nara – “Labirinto”, com uma letra psicodélica e surreal embalada por um ritmo cadenciado. Plástico Jr., baixo e voz, abre o que seria o lado B com a também psicodélica “Amanheceremos”, que tem uma perfomance marcante de Leo Airplane nos teclados. Leo Airplane que é, também, o produtor do disco, é bom que se diga...

“Algo forte” dá prosseguimento à viagem sonora de volta ao rock mais “hard”, com sensacionais riffs e solos de guitarra – quem? Ele, de novo. Julico. Mas a disputa é boa e Rafael Costello dá mais uma vez o ar de sua graça com mais uma levada tipicamente “stoneana” em “Persona non grata”. O solo é absolutamente sensacional, totalmente na tradição do melhor do rock “setentista”.

E então temos a mais pesada, “Quase desisto”, outra excelente composição de Julico, e “Nem aí”, mais uma de Junior – com uma letra totalmente “foda-se”, rock and roll! Encerrando tudo, a belíssima “A esperança”, levada no violão. Sintomático que o disco acabe com uma música com este nome. Temos esperança de que os dias passem a ser mais tranqüilos no Suriname e a banda siga em frente, apesar das dificuldades ...

Por fim, é preciso que se fale com um carinho especial sobre a concepção visual do projeto gráfico, com belíssimas artes conceituais produzidas por Thiago Neumann que valorizam muito o produto final. Salta aos olhos, também, a qualidade do material em que o digipack foi impresso. Impecável! Com direito, inclusive, a impressão na parte interna do envelope onde fica guardado o encarte. Um luxo! Bola dentro total da Rock Company, a gravadora paulistana que bancou o projeto.

“Dias Difíceis no Suriname”, o disco – físico, em CD - foi lançado em grande estilo no dia primeiro de novembro com uma apresentação concorrida no Teatro Atheneu. A gravadora promete para o início do ano que vem uma edição em vinil. Merece muito, tanta pela música, que soa sempre melhor quando ouvida através de uma agulha, quanto pela espetacular arte de “Cachorrão”.

Já tenho o CD, mas vou querer o LP! E se sair em k7, quero também ...

http://plasticolunar.com.br/

A.

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quarta-feira, 18 de novembro de 2015

30 Anos de “Psychocandy”

Nunca vou esquecer a primeira vez que ouvi “Psychocandy”, o primeiro disco do Jesus And Mary Chain. Foi mais ou menos na época do lançamento, ainda na década de 80 do século passado – acho que 1986. Eu tinha meus 15, 16 anos no máximo, e estava começando a mergulhar nesse universo vasto e, para mim, desconhecido, do rock and roll, pelo qual eu me interessei vendo o primeiro rock in rio na TV. A revista Bizz chegava lá na minha cidade – Itabaiana, 50 km de Aracaju, Sergipe – e serviu como guia. Foi em suas páginas que li sobre aquele grupo de escoceses malucos que só se vestiam de preto e estavam sempre com os cabelos desgrenhados. Estavam causando furor com shows ensurdecedores de 15 minutos nos quais tocavam de costas para o público...

Um amigo tinha o tal disco e eu fui lá na casa dele ouvir. Primeiro foi o estranhamento com a faixa de abertura, “Just like honey”: etérea, sussurrada, com uma gravação abafada e guitarras cortantes, mas nada demais, em termos de agressão sonora. A partir do momento em que a agulha chegou aos sulcos da musica seguinte, no entanto, foi um choque! Aquilo era algo realmente novo, mesmo para meus ouvidos já acostumados com Metallica, Slayer e Megadeth. Era muito, muito barulhento, mas ao mesmo tempo era doce, melódico. Pop, num certo sentido. Um doce psicótico – poucas vezes o título traduziu tão bem a sonoridade de um disco.

Não tinha, na época, bagagem musical suficiente para enquadrar mentalmente o que me entrava pelos ouvidos, mas hoje sei que se tratava de uma espécie de continuação do que vinha sido feito naquela década por bandas como The Cure e Echo And The Bunnymen, com seu pop "esquisitão", temperado com influências do radicalismo undeground do Velvet - especialmente do segundo álbum, "White Light/White Heat" - e do punk rock safra 77, de Sex Pistols e afins. “Psychocandy” é, na verdade, uma daquelas obras que inauguram um novo estilo, para o qual os críticos têm que se desdobrar para criar um rótulo – “shoegaze”, no caso. Um rótulo que, na verdade, só foi criado algum tempo depois, quando a atitude e a atmosfera sonora daquele álbum seminal foi lapidada por bandas como My Bloody Valentine, Ride e Slowdive.

Eu virei fã de grindcore, mas “psychocandy” segue sendo o disco mais barulhento que eu conheço – sim, mais que “From slavement to obliteration” ou as “peel sessions” do Napalm Death! É o único que eu não consigo ouvir inteiro no volume ao qual estou acostumado: chega um momento em que os ouvidos começam a doer ... 

É tipo uma serra elétrica lubrificada com mel. 

E é lindo!

A

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segunda-feira, 16 de novembro de 2015

DoSol 2015

Soubesse eu que meu ídolo e amado Adelvan Kenobi me concederia a honra de ocupar este nobre espaço com minhas impressões sobre o que vi no Festival DoSol no último fim de semana em Natal/RN, certamente eu teria ativado meu botão ‘repórter’ e teria pelo menos levado um bloquinho com caneta para facilitar essa tarefa hercúlea que tenho agora.

Porque é uma coisa de louco aquilo. Uma maratona inacreditável uma média de 30 bandas por dia se revezando, às vezes ao mesmo tempo, entre 4 palcos, espalhados por galpões em uma rua fechada na área portuária de Natal. O rock começa cedo, às 16h, e segue até a madrugada. No sábado, 07/11, terminou mais de 4h da manhã, com o show lotadaço do novo fenômeno “indie universitário” Figueiroas. Eu não sei de onde a galera tirou energia pra dançar lambada àquela hora naquele calor. Eu estava em frangalhos.

Skabong
Mas comecemos do começo...

Sábado – 07/11/2015 - Resolvi ir pro DoSol porque tive a chance de viajar junto com a galera da Skabong, aqui de Aracaju, que foi escalada pra tocar. Saímos na sexta à noite e chegamos no sábado. Portanto, perdemos a primeira noite do festival. Uma pena. Perdi o show do Cigarettes que eu posso dizer que há décadas que queria muito ver. Mas tudo bem.

No sábado, a maratona começava cedo e o Skabong(SE) era logo a segunda banda da programação. Tocaram ainda de tarde, pra uma plateia não muito numerosa, mas atenta, e fizeram o melhor show que puderam. Coeso, redondo e cheio de energia. A galera reagiu bem. Sou suspeita, mas gostei muito.

Moloko Drive
Depois disso, o que se segue é uma avalanche de shows que são um teste pra memória estética e pra dignidade física de uma roqueira desleixada e com problemas de saúde, como eu. Uma das primeiras bandas que eu lembro de ter chamado minha atenção foi o Moloko Drive(RN). Show bacana, maduro, composições instigantes. Impossível não relacionar o som deles ao estilo stoner do QOTSA, mas isso não chega a ser um problema. Gosto muito desse tipo de som. Me pegou de cheio. Acabaram de lançar disco pelo selo Mudernage.

Não vou listar os shows de um em um porque simplesmente não consigo me lembrar e/ou não prestei atenção. Então, faço a seguir uma seleção baseada na minha memória afetiva. Se lembro é porque curti. Ou quase isso.

Carne Doce
Próxima da lista que me capturou os sentidos foi uma banda de Goiânia chamada Carne Doce. Daquelas que você passa pra dar “um saque” e se pega dizendo “UAU”. Impossível não me conquistar a mistura de vocal feminino com um toque Elizabeth Frasier cantando em bom português e levadas viajantes a la Tortoise ou Hurtmold, pra ficar nas referências nacionais. Tudo muito bom, gostoso de ouvir, sem afetação, sincero. Certamente está no meu top 5.

Em seguida um show que eu há muito espero pra ver ao vivo. Acho que conheço o The Automatics(RN) há tanto tempo quanto conheço o Snooze (guitar band aqui de Aracaju que fez parte da minha vida por longos 13 anos), ou seja o tempo que devo ter nessa vida de indie rock. Como eu imaginava, não me decepcionaram. Guitar noise arrastado da melhor qualidade, fazendo jus a seus 14 anos de estrada. Showzaço.

The Automatics
Lembro de, ao menos, duas pessoas cantando no meu ouvido: ‘não perca o show da Marrero(SP)’. Fui lá conferir. Rock de macho, até nas caras e bocas do vocalista. Como diz na descrição do soundcloud deles: “Uma banda com raiva.” Hehehehe, deu pra perceber. Mais daquela pegada stoner, que apareceu muito pelo festival. Não estou reclamando. Gostei, só não entendi porque eles tocaram de novo no domingo.

Aláfia foi realmente um diferencial em meio a tanto rock raivoso. Outro daqueles momentos ‘UAU’. Fazem um groove sensacional, flertando com sonoridades da black music setentista, funk, rythm’n’blues, soul e por aí vai... A vocalista maravilhosa tem uma baita voz e ótima presença de palco. Me ganhou muito. Estão lançando o segundo CD, Corpura. Fodástico. Recomendo muito.

Thiago Petit
Do show do Thiago Pethit eu me lembro de ter tentando entrar pra dar aquele saque. Estava lotadaço e o público estava ensandecido. Bem na hora que eu chego, sobe um(a) fã no palco e tasca um beijo de língua na boca do cara. Nossa! Que susto. Já gostei. Nunca tinha sacado o som dele, mea culpa. Vou chover no molhado aqui se disser que o som do maluco é bacana. E o show? É insano. Prefiro me guardar pra outra vez que eu tiver visto só ele em outra oportunidade.

A essa altura eu já nem enxergava as pessoas direito e já tinha falado com umas três pessoas estranhas achando que eram gente conhecida. Estava perdida, tentando entender como eu tinha me perdido da minha carona quando me deparei com o show do novo “mito universitário”.

Figueroas "Lambada quente"
“Fofinha, fofinha, fofinha...” (Gosto de pensar que essa música é pra mim, hahaha). Figueiroas Lambada Quente! Mais de 3h da madrugada e aqueles roqueiros ainda tinha energia pra dançar lambada quente... não, infernal (calor da porra, hein, Natal?!).

O que eu entendo que rola ali é o seguinte: Dinho Zampier, meu brother alagoano de outros carnavais, é o talento musical que garante a precisão daquela estética que sai redonda, gorda, cheia de improvisos legais, enquanto isso o “Figueiroas” arrasa no personagem, dança mesmo, canta mesmo, se entrega. E a galera se entrega junto. Funciona demais. Fica constrangedor estar perto do palco e não se balançar ao menos. É sincero aquilo que rola ali. Não é apenas humor. Aquela música e aquela energia estão rolando ali de verdade. O público entende isso. Acho válido. Mas eu não sei dançar lambada.

Boys Bad News
Domingo – 08/11 - No domingo, uma outra banda tipo stoner sexy guitar rock fez um dos primeiros shows que eu consigo lembrar: Boys Bad News , do Maranhão. Nada muito inovador, mas foram bem no palco, pegada instigante, conquistaram o público, eu inclusa.

Provavelmente a que mais impressionou nesse dia, e não foi só a mim, foi a AK-47 (RN). O vocalista, Juão Nin, que também é ator, abriu o show com uma performance do lado de fora do galpão saindo de dentro de uma daquelas máquinas de fazer cimento em construção civil, gritando “índio viado, índio tóxico, índio trans”!

Dava pra entender uma sugestão de ativismo gay e ambiental aí, que logo se confirmou nas letras das músicas. Da betoneira ao palco, aquele homenzarrão imenso (e lindo!) soltou uma voz poderosíssima acompanhado por uma banda não menos de peso que deixou a mim e aos presentes de queixo no chão.

AK-47
O som da AK-47 é pesado, rasgado, gritado, ou “visceral”, como eles se descrevem na biografia do facebook. Aqui e acolá, há um flerte com batidas tribais. Bateria e percussão são bem pronunciadas, e as guitarras, óbvio, bem altas e com muita distorção. Difícil não associar ao que ficou conhecido como Nu Metal, mas o rótulo é pouco (como são todos) pra enquadrá-los. O disco novo, Anêmola, está disponível pra download na página da banda. Tem que conferir.

Seguem-se mais dois shows de rock de responsa altamente recomendáveis. Monster Coyote é uma banda nervosíssima de Mossoró, interior desértico do RN. Fazem uma mistura de metal stoner pesadíssimo. Cacete, porrada, pauleira. Basicamente isso. Gostei muito.

Water Rats
Os curitibanos do Water Rats mandam um punk de primeiríssima, meio setentão, ótimos vocais, ótimos riffs, impossível ficar parado. A galera tem bastante estrada e interage super bem com o público. Fizeram um show muito instigante.

Os gringos da DOT LEGACY parecem ter agradado geral. Eu devo ter escutado meio atravessada. Achei som de gringo fazendo gringuice. Franceses com cabelo crespo, pulando alto e fazendo careta devem fazer um sucesso por lá. Pra mim, de cara já é um ponto a menos. Ainda mais quando eu ouço, nem que seja um indício de tentativa, da famigerada experimentação, ou “mistura de ritmos”. Ah não! De novo isso? Quantos a gente num já viu desses por aqui né? Desculpaí. Curti não. Altamente esquecível.

Mad Monkees
Em um dado momento do domingo, Levi Marques (vocalista da Skabong) me chama pra ver o que tá rolando no palco “estúdio Petrobrás” – na verdade um container, do lado de fora dos galpões. Ele diz, meio chocado: “Você tem que ver isso!”

Era a banda Mad Monkees , do Ceará. E o que chamava a atenção era o baterista super mega feeling virtuose dando um show à parte. Comentei: “Lembrei do Babalu”. Entendedores entenderão. Banda foda e baterista mais ainda. Vale dar um saque no trabalho dos caras.

O show do DEAD FISH OFICIAL conseguiu provocar um fenômeno: esvaziou completamente todos os outros ambientes do festival. Estava TODO MUNDO lá. Hardcore nunca foi totalmente minha praia e eu nunca tinha animado pra ver um show desses caras, mas já que tava no bolo e pelo precinho fui lá conferir. Sim, um ótimo show, como eu imaginei. Público pirando, festival de mosh, bonito de ver e tal. Mas continua não sendo o tipo de som que me instiga. E em um festival como esse, eu, sinceramente, prefiro dar atenção às bandas que eu sei que não vou ter outra chance de ver. Me parece meio lógico.

Girlie Hell
Quase terminando a noite, sobem ao palco as roqueiras, super roqueiras, com muita pose de roqueiras, da Girlie Hell (GO). Não gosto da afetação que vejo em algumas bandas da safra goiana recente. Parecem, quase todas, muito preocupadas em ter a famosa “atitude roquenrol”. Torço um pouco o nariz quando vejo esse excesso (não são as primeiras), mas curti o som das meninas mesmo assim. Rockão clássico, composições legais, bom vocal. Se investirem mais na música e menos na pose tem futuro.

O ultimíssimo show que eu vi, esse eu lembro bem, foi dos cariocas da Confronto. Banda de metal hardcore respeitada, com 14 anos nas costas, suas letras de resistência dos oprimidos vieram bem a calhar pra encerrar essa imersão roquística nos lembrando bem de onde nós, roqueiros velhos e resistentes, viemos e porque continuamos fiéis a essa merda toda, mesmo sem ganhar nenhum tostão.

Texto: Maíra Ezequiel

Fotos: Rafael Passos

Juão Nin, vocalista do Ak-47, mitando no domingo


terça-feira, 10 de novembro de 2015

Morrissey, uma entrevista ...

Há uma espécie de penumbra de azar que parece perseguir Steven Patrick Morrissey nos últimos anos. Internações às pressas, tratamento contra um câncer, um disco de inéditas deixado de lado pela gravadora. Aos 56 anos, o ex-vocalista do Smiths luta para se manter na música, embora já não saiba mais por quanto tempo permanecerá nos palcos. A turnê que chegará ao Brasil a partir de 17 de novembro, e terá ainda mais três datas (outra em São Paulo, dia 21; no Rio de Janeiro, dia 24; e Brasília, dia 29), pode muito bem ser a última em um bom período de tempo. Em entrevista ao Estado, por e-mail (forma como ele há tempos costuma preferir se comunicar com jornalistas), Moz diz não ver razão para permanecer na estrada se não há novas músicas para apresentar.

World Peace Is None of Your Business, o mais recente disco de inéditas, lançado em julho de 2014, saiu após cinco anos desde Years of Refusal e uma briga intensa de Moz por um contrato com uma gravadora. Ele, ícone de qualquer adolescente que tenha tido o coração partido e encontrado alívio ao mergulhar nos versos dele com o Smiths durante os anos 1980, encontrou dificuldade em chegar a um contrato vantajoso — e se recusava a lançar o álbum de maneira independente.

Encontrou o que desejava com a Harvest, selo indie que integra a major Universal Music, mas a relação com a empresa foi conturbada. Morrissey reclamou que foi deixado de lado. "Abandonaram o álbum depois de uma semana de lançamento", escreveu ele na entrevista. E foi direto em críticas ao presidente da companhia, Steve Barnett, do melhor jeito Morrissey de ser. "Espero que ele engasgue ao comer uma bisteca", disse o vegetariano. "Sem novas músicas, não há mais sentido para turnês. Meus shows sempre foram um grande sucesso, mas os grandes selos somente estão interessados em vencedores de reality shows musicais e cantores que não desafiam ninguém."

Nos últimos dois anos, Morrissey desmarcou outras apresentações por razões diversas. A última turnê pelo Brasil, marcada para 2013, foi cancelada por "motivos pessoais". O inglês havia sido internado por intoxicação alimentar no Peru. Uma gripe obrigou-o a desistir de shows pela Europa em 2014 e, mais recentemente, ele revelou, em entrevista ao jornal espanhol El Mundo, que passou por várias intervenções cirúrgicas para retirada de tecidos cancerígenos. "Se eu morrer, morri", brincou, na época.

Morrissey está ferido — e com a cabeleira rala, segundo ele revelou, por causa da medicação contra o câncer -, mas ainda é afiado como sempre: "(Me reunir ao Smiths para o Hall da Fama do Rock) é algo tão inimaginável quanto assumir que eu me juntaria ao Led Zeppelin". O que, cá entre nós, é um alívio dos grandes.

Você passou por alguns problemas de saúde nos dois últimos anos, ocasionando alguns cancelamentos de turnê. Os fãs ficaram bastante preocupados. Como você está se sentindo agora?
Morrissey — Estou extremamente bem, mas sob o efeito de vários medicamentos. O que, obviamente, causa mais dano do que a própria doença! Mas não é algo que seja preocupante. Perdi muito cabelo por causa da medicação, mas o qual é o problema disso, certo?

Em sua apresentação mais recente antes dessa entrevista, em Cesena, na Itália, no dia 8 de outubro, você escolheu executar seis músicas do disco mais novo, do ano passado. Como essas músicas estão funcionando ao lado das clássicas?
Morrissey — As novas canções são mais populares do que as antigas. Nós tivemos garotos de 14, 15 e 16 anos na plateia. Eles estavam ali por causa de World Peace Is None Of Your Business. E isso é gratificante.

Há um ano, entrevistei Joe Perry, guitarrista do Aerosmith, e, no papo, ele questionava a importância de se lançar um novo disco, com novas canções, para um artista com tanto tempo na indústria e tantos hits, como ele e sua banda. Disse que os fãs só querem os clássicos. Isso foi algo que mantive na cabeça. Para um artista com tempo de estrada e músicas que são sucessos já garantidos, qual é a importância real ainda de compor canções e mostrá-las ao vivo?
Morrissey — Acho que é importante pelo senso de progresso, entende? Porque, de outra forma, se você permanecer com o mesmo material, pode parecer que sua fonte secou. Você vai parecer um esqueleto em uma cadeira de balanço.

Então, para você, até que ponto um artista deve seguir o desejo dos fãs pelas músicas mais clássicas, ou antigas? Há um limite?
Morrissey — Sim, existe um limite! Se você se deixar ser levado pelo público, você não passa de um fantoche de pano. Existe um equilíbrio muito sensível aí.

Vamos falar sobre o processo criativo de World Peace Is None of Your Business? Cinco anos depois de Years of Refusal, qual foi o ponto de partida, o primeiro conceito para esse disco?
Morrissey — Acredito ter sido o que se tornou conhecido como a Primavera Árabe. A palavra ‘primavera’ foi usada para determinar um novo começo, e a revolta do povo egípcio deu início a uma fascinante ebulição de eventos muito positivos ao redor do globo. As pessoas não precisam mais de um governo hostil para falar por elas. Continua ocorrendo na Síria, onde as pessoas buscam ver além do governo corrupto. A maior parte das coisas que sentimos não se reflete nos governantes que, supostamente, deveriam representar nossas vontades. Eles foram eleitos com a promessa de nos ajudar.

Pelo o que eu me lembro, você não ficou satisfeito com a forma que a gravadora Harvest trabalhou no seu disco. Li que você estava desapontado com a maneira como eles promoveram o álbum inédito. Como o marketing na indústria fonográfica mudou com o passar desses anos? Acha que cantores pop atuais seriam capazes de atingirem o mesmo sucesso nos anos 1980?
Morrissey — A gravadora simplesmente abandonou o disco depois da primeira semana de vendas! Eles não o promoveram e, mesmo assim, o álbum chegou ao segundo lugar das paradas no Reino Unido e no 14.º nos Estados Unidos. Ainda assim, eles não ajudaram. O selo tinha medo porque o disco era muito forte, muito combativo. E é uma grande tragédia, porque o álbum é muito poderoso. Mesmo que o chefe do selo, Seve Barnett, tenha dito que o disco era uma obra-prima, foi evidente que ele não sabia o que fazer com ele. O selo só sabe lidar e trabalhar com músicas que são sem graça. Hoje, o marketing é que dita as regras na música. Sucesso é comprado e, consequentemente, a música mundial está nesse estado moribundo graças a pessoas como Steve Barnett.

World Peace Is None of Your Business é um álbum poderoso nesse caráter combativo. Acredita que ele conseguiria ir mais longe se a gravadora tivesse trabalhado nele? O quão longe estamos falando?
Morrissey — Acho que não há dúvidas de que o disco explodiria em todas as partes do mundo, porque ele dialoga com absolutamente tudo o que ocorreu entre 2014 e 2015. E o faz de uma forma que ninguém mais fez. Estou surpreso pelo fato de Steve Barnett não ter sido demitido. Ele sempre será lembrado por ter enterrado World Peace is None of Your Business. E espero que ele engasgue ao comer uma bisteca.

Li no site True To You, que é uma espécie de site oficial seu, que não haverá mais shows no Reino Unido, já que não há planos para novos lançamentos musicais. Essa ideia ainda está de pé? E ela se estende para o resto do mundo? Seria essa a última turnê até o próximo acordo com uma gravadora e o lançamento de um novo disco?
Morrissey — Nós já fizemos muitos shows, especialmente no Reino Unido, mas sem novas músicas, não há mais sentido para isso. As turnês sempre foram um grande sucesso, mas os grandes selos somente estão interessados em vencedores de reality shows musicais e cantores que não desafiam a mente de ninguém.

Seus dois livros, uma autobiografia e o recente List of the Lost, tiveram bons números de venda. Você se considera um escritor?
Morrissey — Eu sou quem eu sou por causa da música. E isso se mantém dessa maneira mesmo que eu apenas cante no banho, e não mais para milhares de pessoas. Cantar é a realização mais pessoal que já experimentei.

No começo deste mês, o Smiths foi novamente indicado como um dos nomes possíveis para entrar no Hall da Fama do Rock and Roll Você já pensou sobre o que vai acontecer se a banda foi indicada?
Morrissey — Eu enfim tenho uma boa vida. Digo, hoje eu tenho uma vida melhor e mais bem-sucedida do que dos tempos que estive com o Smiths. Então, eu não entendo porque poderia haver alguma razão para eu ser sugado de volta para aquilo. É algo tão inimaginável quanto assumir que eu me juntaria ao Led Zeppelin.

NOTA: Sábado tem Morrissey no programa de rock - "me conte uma novidade", você deve estar pensando ...

19H, 104,9 FM em Aracaju e região
www.aperipe.com.br

Fonte: BEM PARANÁ
Sem crédito de autoria

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segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Circo Voador: A Nave de Maria Juçá

“Que merda é essa que você está fazendo? Esses imbecis não sabem tocar, não sabem cantar e essa p* de guitarra distorcida de uma nota só está destruindo meus tímpanos. Você está de sacanagem comigo. Estou com os ouvidos desatarrachados”

A bronca de Tim Maia era endereçada a Maria Juçá, produtora e programadora do “Rock Voador”, o espaço do Circo – sim, aquele mesmo, que nasceu no Arpoador e cresceu e na Lapa – que, todos os sábados, abria suas portas para o nascente novo rock nacional, sempre cuidando de evitar purismos e puritanismos e caprichar na mistura. Naquela noite trazia, ao lado do “síndico”, a banda pioneira do punk rock carioca Coquetel Molotov. E terminou bem, com um verdadeiro congraçamento nos camarins, para onde os punks se dirigiram depois de terem sido conquistados pelo carisma do maior soulman brasileiro – que se dizia, também, o primeiro “punk” do Brasil.

Arpoador, nos primórdios ...
Juçá não aprendia: quando promoveu o primeiro Festival punk do Rio de Janeiro, convidou os nomes mais representativos da nascente e incipiente cena local para tocar ao lado dos já consagrados – no underground, pelo menos – paulistanos do Ratos de Porão, Inocentes e Cólera. Mas convidou também, para abrir a noite, o Paralamas do Sucesso! E mais: com uma participação especial, em uma das músicas, de Paula Toller, do kid Abelha!!! A mistura, pra lá de heterodoxa – e indigesta, para os puristas – só deu certo porque Herbert Vianna era – é – muito gente fina e tinha bom transito entre todas as tribos.

Esta é apenas uma das muitas – muitas MESMO – histórias vividas ao longo do tempo – três décadas, e contando - sob a lona da Lapa. Histórias como a da apresentação do Titãs no início da carreira para apenas 13 pagantes; da noite em que Celso Blues Boy quase matou Serguei, usando-o como suporte para seu pedal de whah whah; do primeiro encontro de Raul Seixas com Marcelo Nova num show do Camisa de Vênus, em pleno palco; da primeira vez das bandas de Brasília, antes da fama, na Cidade Maravilhosa; do “Queremos”, um grupo de amigos “indie” que usou o Circo como suporte para fazer com que as bandas que só tocavam em São Paulo voltassem a se apresentar no Rio; dos sem noção que vira e mexe aprontam algo, como no episódio em que uma lata de cerveja foi arremessada na testa do inofensivo James Taylor; da dor de cabeça da produtora ao “peitar” Tim Maia quando ele(sempre ele!), às voltas com duas prostitutas, deixou de fazer o show programado para agosto de 1984 - Tim chegou a ficar “de mal” de Juçá, injuriado com a faixa em que estava escrito “Tim Maia está rouco, Tim Maia está louco” que ela colocou na porta do Circo; ou as lembranças dos bicões que infestavam os camarins para disputar com os artistas cervejas bebidas em copos plásticos - estratégia para fazer a loura render mais. Copos de plástico que, vejam só, foram usados, também, para servir champagne a Madonna – sim, ela mesmo! A diva-mor!

Juçá
Tudo isso e os já célebres “pitis” dos rockstars, do pop ao punk: de Lulu Santos, que se indignou ao saber que teria que dividir a mesma porta de entrada com o público – depois o Circo cedeu à pressão e criou uma entrada exclusiva para os artistas, devidamente batizada, claro, de “portão Lulu Santos” - a Jello Biafra, que exigiu um banho de Jacuzzi antes de subir ao palco – esta última tem uma explicação: Jello ficou “puto” porque havia pedido que seu nome não fosse associado ao dos Dead Kennedys, que já havia acabado, no material de divulgação. Como não foi atendido, fez a birra de propósito, como vingança, e acabou conseguindo o tal banho. Na banheira de Dado Villa Lobos ...

Na verdade sempre soube que tinha sido na casa do Renato Russo, mas segundo o relato de Alexandre Rossi, o “Rolinha”, no livro, foi na do Dado. Bom, ele deve saber mais do que eu, já que foi ele que levou o Jello lá. Ou não! Não há um compromisso rigoroso com a apuração dos fatos nos relatos, é tudo dito de acordo com o que vem à memória e transcrito, aparentemente, da forma em que foi dito. E muita coisa foi dita, por muita gente: mais uma vez a generosidade de Juçá se faz presente e ela praticamente se torna uma editora de seu próprio livro, cuja narrativa é entremeada de relatos de terceiros – muitas vezes com relatos “terceirizados” dentro dos próprios relatos “de terceiros”! O formato, não muito comum, poderia ter prejudicado a fluência do texto, mas não foi o caso, felizmente ...

É uma trajetória acidentada, cheia de altos e baixos, triunfos e “perrengues”. O pior deles foi, provavelmente, quando o Circo foi arbitrariamente fechado pelo prefeito César Maia, a pedido de seu sucessor/apadrinhado Luiz Paulo Conde, em represália à expulsão pelo público de sua comitiva, que insistia em comemorar lá a vitória na eleição, mesmo sem ter sido convidado. Detalhe: era dia de show punk, com Garotos Podres e Ratos de Porão. Juçá ficou na pior, psicológica e financeiramente – afinal, o Circo era, também, seu “ganha pão” – e chegou a fazer greve de fome na tentativa de ser pelo menos atendida em seu gabinete por “sua excelência” – acaba de falecer, o canalha. Espero que esteja devidamente instalado no inferno, no colo do capeta! Ela conta como foi: “Durante a minha luta pela volta do Circo, uma “brincadeira” que durou 8 anos, eu fiquei totalmente sem grana. Cheguei a vender sapato para poder me sustentar. Até morar com o ex-marido e a nova esposa dele eu fui… Foram momentos realmente difíceis. E nesse período eu entendi muito o que significa a fome, o você passar fome, o você não ter o que comer. Por isso, depois de tudo o que passei, eu tenho o hábito de dividir tudo. Todo dia, de alguma forma, eu divido algo com alguém. Uma comida, um dinheiro, alguma coisa”.

O filme
Não parece haver limites para o poder de barganha, jogo de cintura a energia criativa de Maria Juçá. Algo que você pode facilmente comprovar devorando o calhamaço de quase 700 páginas – 666, se descontados os índices e apêndices - que ela lançou ano passado de forma independente, sem editora – mas com apoios importantes, do Governo do Estado e da Ambev. Não é uma obra perfeita: faltou edição, o que se reflete em alguns erros de ortografia e no ritmo da leitura, muitas vezes prejudicado por uma certa desorganização na ordem em que os capítulos são apresentados. Mas nada que comprometa a obra como um todo.

“Circo Voador: A Nave” – o livro, é o relato de uma guerreira da cultura, querida e amada por todos que a conhecem e também pelos que, como eu, acompanham seu trabalho à distancia. Desde 1982.

Só fui conhecer o Circo Voador “in loco”, em carne e osso, recentemente. E vejam só: calhou de ter sido na noite do dia 20 de junho de 2013, no auge das manifestações de rua que tomaram o Brasil de assalto – e de surpresa. Fui para ver finalmente, também pela primeira vez, uma de minhas bandas favoritas, a Gangrena Gasosa, abrindo para o Cannibal Corpse. Em meio ao caos! Literalmente! A policia caçava os mascarados pelas ruas da Lapa, com a utilização, inclusive, de carros blindados, os famigerados “caveirões”. Bombas de gás lacrimogênico explodiam por todos os lados e a nuvem tóxica invadia o espaço do circo, que é aberto, o tempo inteiro, fazendo com que os shows tivessem que ser interrompidos inúmeras vezes para que os presentes pudessem se recuperar dos efeitos. Foi assustador, mas sensacional! Um verdadeiro Batismo de fogo.

Você, que nunca foi lá, precisa ir também! Pelo menos uma vez na vida! Encare isso como uma missão, como uma tarefa religiosa, igual à recomendação aos muçulmanos para que visitem Meca. Se não puder procure, pelo menos, ver o filme: “Circo Voador: A Nave” acaba de estrear em formato de documentário para o cinema. Não vi ainda, mas vou seguir o exemplo da Juçá e colocar aqui as impressões de quem sabe e viu, tanto o filme quanto incontáveis noites sob aquela lona mágica, devidamente relatadas em seu ofício de jornalista. Com apalavra, Marcos Braggato:

Era para ser um documentário, mas bem que tem roteiro de drama. Para ser levada às telas, a história da casa de shows que foi o embrião do rock brasileiro dos anos 1980 (e que recebeu todas as cenas dali pra frente) tem tantas idas e vindas, fins e recomeços, paixões e emoções que fica difícil de ser contada somente sob a ótica remissiva. Mesmo porque, no fundo, no fundo, o Circo Voador não é exatamente uma casa de shows - embora seja -, mas, como costuma se referir a ele a boss Maria Juçá, trata-se de um conceito, um projeto, agora convertido em uma saga cinematográfica intitulada “Circo Voador – A Nave”.

O doc cobre toda a história do Circo, desde a versão meteórica que tomou de assalto a Arpoador, durante o verão de 1982 e sua posterior “desautorização”, passando pelo pouso na Lapa e pela interrupção de oito anos, por conta de desmandos de políticos, até a estrutura definitiva que se tem nos dias de hoje. A diretora Tainá Menezes se valeu de um extenso trabalho de pesquisa, o que realça no filme a quantidade de imagens de shows da cada época abordada, e, diferentemente do usual em documentários dos novos tempos, não economiza com cortes abruptos, a pretexto de dar “dinâmica jovem” ou algo que o valha à narrativa.

Assim, é possível se deliciar com trechos longos como o da Blitz tocando no Circo do Arpoador ainda com um imberbe Lobão como baterista; uma performance de Luiz Melodia como dançarino, no meio de “Estácio, Holly Estácio”; Tim Maia usando a verve genial para reclamar dos “bicões” que invadiam seu camarim, verdadeira instituição da lona voadora; Barão Vermelho cantando “Eclipse Oculto” com Caetano Veloso, com direito a beijo em Cazuza no final; e o emocionante discurso de despedida de Rita Lee, entre outros. Depoimentos muito loucos como os de Tom Zé, que ainda aparece na inefável “noite das calcinhas”, em que colheu várias peças da plateia, tentam explicar o que, no fim das contas, é o Circo Voador. Tarefa realmente impossível, e que não é a intenção da produção.

Marcelo D2, malandro da Lapa nato e ex-vendedor de camisetas ali pelo Centro, conta como fazia pala pular a grade do Circo para participar do movimento, já que os tempos ainda eram de dureza. Marcelo Yuka, muito antes de ter banda, se virava no mesmo quesito, e por pouco não deu o primeiro mosh de cadeirante em show do Bad Brains. Ambos hoje têm o olhar diferenciado sobre a lona, o mesmo que o filme tenta mostrar, mais com a bem sacada edição de imagens, que de certa forma se completam por si só, do que com discursos por vezes obtusos. Acertadamente, não há narração no filme, só os depoimentos e a sucessão de registros de artistas sob a lona.

Pólo aglutinador da revolução do rock nacional nos anos 80, junto com a Fluminense FM, o Circo Voador, contudo, tem seu trecho mais prolífico abreviado no filme. Não são muitos os atores desse processo inseridos na história, sobretudo de outros estados. Para estes, destaque para as falas de Marcelo Nova, do Camisa de Vênus, e de Clemente, do Inocentes, que, porém, abordam mais o ecletismo da programação, provavelmente estimulados pelo roteiro, do que da importância da Circo Voador para o alavancar de suas carreiras. Temas como as famosas desavenças entre produtores e a criação da vizinha Fundição Progresso também ficaram de fora, mesmo porque a produção, toda independente, foi bancada pelo próprio Circo Voador - ressalte-se.

João Gordo aparece em destaque por ter sido escolhido para Cristo no episódio do fechamento ilegal do Circo, na noite em que os punks entusiastas de Ratos de Porão e Garotos Podres, aos gritos, expulsaram espetacularmente um grupo de políticos do Circo Voador. O então prefeito César Maia exorbitou do poder que tinha, atendeu a um capricho de seu sucessor eleito, Luiz Paulo Conde, falecido este ano, e mandou fechar o Circo. O próprio Maia aparece no filme se gabando do contrário, de ter reaberto o Circo Voador oito anos mais tarde, o que de fato aconteceu, mas só depois de muita luta da produtora Maria Juçá, que ganhou uma ação contra a prefeitura na justiça e só conseguiu a construção do Circo como é hoje depois de meticulosa costura política. Toda a questão é bem esclarecida em “A Nave”.

Regulado por questões de orçamento e disponibilidade de verbas, o documentário levou cerca de cinco anos para ser concluído, e - repita-se – não contou com o apoio de leis de incentivo á cultura, como é comum em produções cinematográficas no Brasil. Mais que a história sendo contada e registrada para todo o sempre, o filme é precisa oportunidade para as novas gerações perceberem como as coisas podem ser feitas do nada, desde que sejam simplesmente iniciadas. Assim como foi o rock brasileiro dos anos 80. E assim como foi e continua sendo com o Circo Voador. Para ver o trailer do filme, clique aqui.

Por fim, um “Bônus text”: Um relato saboroso – e recente, publicado originalmente no Blog do André Bracinsky – de Alexandre Rossi, o “Rolinha”, sobre sua visita à Disneylândia distópica de Banksy, em Londres. Para que você tenha uma idéia da verve do cara – tem muito texto dele no livro da Juçá. Na verdade ele é, praticamente, um co-autor do livro ...

“O Mais Despontador Parque Temático do Mundo. Quando descobri que Banksy, o cara que redefiniu o conceito de arte pra toda uma geração, havia montado uma subversão bizarra da Disneylândia, tive que ir lá ver qual era. E qual não foi minha surpresa quando descobri que ele não tava de sacanagem quando sugeriu que seria uma experiência tão desoladora em tantos sentidos.
Como se a superdesvalorização do real não bastasse pra te desanimar, conseguir uma entrada para o Parque de Depressão do Banksy era uma martírio indigno: os ingressos só eram liberados poucos dias antes, e gente do mundo todo disputava uma entrada pro Bemusement Park. Isso significa que, se eu quisesse pagar um preço minimamente razoável na passagem e hospedagem, comprando tudo com antecedência, teria que arriscar sem saber se iria conseguir entrar.

Penei por dias, acordando de madrugada pra ficar dando refresh a cada dois segundos no site pra conseguir comprar um ingresso, sem sucesso. A cada mudança de planos de viagem, eu entrava mais no vermelho, ou melhor, o vermelho entrava em mim. Comecei a achar que era mais uma formidável conspiração do Banksy pra esfregar o quão capitalista e otário estava sendo. E quase tive certeza disso quando os últimos ingressos acabaram. Se ele queria me desapontar, havia conseguido.

Por sorte havia gente muito mais capitalista do que eu. Os cambistas virtuais estavam vendendo ingressos a 400 libras, mas eu milagrosamente consegui um a 40. Quando o ingresso chegou, mais um desgosto: era pessoal e intransferível. Existia uma enorme probabilidade de me mandarem voltar da porta, o que seria realmente deprimente. Daí me lembrei de uma frase que estava estampada no material promocional do “parque”: “Não é arte se não tem o potencial de ser um desastre”. Ok, ao menos poderia emoldurar minha miséria e leiloar na Sotheby’s.

O parque ficava em Weston Super Mare, um balneário britânico que faz Cabo Frio parecer Sanit-Tropez. A pessoa mais jovem com a qual eu cruzei nas primeiras horas parecia o avô do John Cleese. O que eles entendiam como praia era uma lodaçal com uns quatro quilômetros do início do calçadão até o “mar”. Era uma espécie de Iguabinha britânica. O taxista falou que vários turistas ficam presos com lama até o joelho tentando dar um mergulho. É ali, naquele cenário desolador, que fica o que um dia foi o Tropicana - que chegou a ter uma das maiores piscinas da Europa - onde Banksy passava as férias com a a família e que agora estendia sua decadência por vários metros de orla, assombrando os passantes. Me lembrou o Albanoel, aquele parque temático que o Papai Noel de Quintino ergueu no caminho pra Angra e hoje ainda pode ser visto, abandonado, por quem passa na estrada.

Quando cheguei descobri, com espanto, que estavam vendendo ingressos na porta! VENDENDO INGRESSSOS! Pra que eu tinha me empenhado tanto? Foda-se: a três libras, valia a pena comprar um novo ingresso pra garantir que eu não tivesse que passar pelo aperto de ficar sofrendo na fila sem saber se ia conseguir entrar ou não.

Ao tentar entrar na fila, um típico lad, sentado na cerca, me barrou com um guarda-chuva como se fosse o pinguim do Batman, perguntando se eu sabia o que estava fazendo. Respondi que ia comprar ingressos e ele retrucou do jeito mais cínico: “E você acha que vai conseguir?” Já despido de toda a perspectiva, retruquei: “E o que eu tenho a perder?”. Ele só levantou o guarda-chuva complementando: “Não se anime, entrar na fila não significa que você vai conseguir. Provavelmente não vai”.

Não vou falar que os ingressos acabaram bem na minha hora pra não parecer que era pessoal. Eles acabaram bem na vez das minas que estavam na minha frente. Os Dislamalanders fecharam o guichê na cara delas, lamentando a falta de sorte, e saíram sem olhar pra trás. Eu saí da fila resignado, portando meu desonesto passe pro mundo da desanimação e da injustiça.
Já estava preparado pra não entrar, quando cheguei na porta, uma instalação do Americano Bill Barmisnki que parecia uma versão suecada – como no “Rebobine Por Favor” – de uma entrada de aeroporto com versões de papelão de um aparelho de raios-X. Tenho que dizer que fiquei desapontado quando a luz verde do scanner acendeu e o guardinha com chapéu de Mickey, com a feição mais apática que eu já vi, me mandou entrar. Mas eu nem tinha noção do quão desoladora ainda seria aquela experiência.

Dizer que o aquele lugar era deprimente configurava uma injustiça. A visão daquele castelo da Cinderela semidestruído – ou semiconstruído, sei lá - do coletivo inglês Block9, com um camburão no meio do chafariz, cercado pelos lambe-lambes com mensagens demotivacionais da ídola do Instagram Wasted Rita e dos sinais de trânsito da Jenny Holzer, faria aquele Gari Sorriso do carnaval carioca chorar copiosamente e o Solzinho feliz dos Teletubbies se pôr e nunca mais sair. E a trilha sonora expelida por aqueles alto-falantes em forma de corneta? Imagino que tenha sido o que aquele quarteto de cordas tocava enquanto o Titanic afundava. A chuva e o frio que castigavam aquela noite deixavam tudo ainda mais sorumbático. E pensar que eu havia empenhado até a última prega para chegar ali.

Logo fui procurar um lugar quente e seco e fugi pra galeria. Ao adentrar aquele galpão, que porrada! Foi como estar nadando no Tâmisa e ser abalroado pelo barco que os Sex Pistols alugaram pra tocar na comemoração do Jubileu da Rainha em 77. Me senti como o Alex de “Laranja Mecânica”, com aquela traquitana que mantinha os olhos abertos sendo submetido a um tratamento de choque ao som da Nona Sinfonia. Cada jato de spray, cada pincelada, cada pedaço de ferro retorcido estava ali com o intuito de te tirar do torpor consumista, te deixar desconfortável na condição de espectador, te dar um sacode existencial.

De cara, você era recepcionado pelo cogumelo atômico que era tipo uma casinha na árvore, criado pelo australiano Dietrich Wegner, também responsável por um feto exposto numa vending machine. Obras do espanhol Paco Pomet, do californiano Jeff Gillete e do palestino Sami Musa não nos deixavam esquecer do caos que assola o mundo hoje em dia. Uns quadros da série “Making Something Cool Every Day” do Brock Davis, do Josh Keyes e as colagens pop do Jani Lenonen davam um descanso colorido ao clima de ruína imperante. De vez em quando, alguém tentava interagir com as esculturas, como com a cadeira medieval do canadense Maskull Lassere, que parecia uma armadilha de urso, e com os padrões florais da lituana Severija Incirauskaité–Kriauneviciené aplicados a um carro que deu PT. Eis que, no meio daquele bruhahá, ouve-se uma versão esquizóide de “Staying Alive”. Seguindo a música, dou de cara com um daqueles carrinhos de bate-bate sendo guiado por um esqueleto com roupa de ceifador, obra do Banksy que ainda foi responsável por uma das esculturas mais fofas dali: uma sucuri com um Mickey sendo digerido no seu interior.

O último pavimento reservava o que havia de mais legal: Uma megamaquete mostrando uma cidade sitiada com nada menos que três mil micropoliciais montada por Jimmy Cauty, o cara que tacou fogo em um milhão de libras em uma performance no deserto. Na saída, ainda tinha umas três obras do Lu$h, um porralouca australiano que fez tanta merda que foi proibido de entrar na Inglaterra.

Ainda deu tempo de visitar o acidente com a carruagem de abóbora da Cinderela com uns paparazzi urubuzando o cadáver – que a inglesada olhava como se testemunhasse a morte da Lady Di - dar um rolê no Austronaut’s Caravan - um claustrofóbico trailer que emulava a gravidade zero criados pelos retardados Tim Hunkin e seu amigo Andy Plant - e vomitar um falafel sem glutén antes de ser enxotado por um cosplay do vocalista do Gossip com o humor pior que o daqueles garçons do Bar Lagoa.

Ainda sob o efeito de ter tido o que restava da minha inocência vandalizada por aquela holocáustica experiência, parti pra Veneza pra dar um confere na Bienal. Percorrer a pomposidade e suntuosidade do Arsenale e do Giardinno foi como padecer em um show de oito horas e meia do Emerson Lake and Palmer depois de ter visto os Ramones tocando no CBGB. Aquela ida ao Dismaland me deixou com a certeza que, como profetizou Gil Scott-Heron, a revolução não foi mesmo televisionada, mas grafitada, hypada e regurgitada na nossa cara.

E que cada geração tem a Disney que merece.

por Adelvan “Kenobi”
Marcos Braggatto
Alexandre Rossi

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sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Time Will Burn

“Não tínhamos o dinheiro das bandas de Brasília, nem o intelecto das bandas do Rio. O nosso lance era rock, botas e garotas. E só”. Nunca vi alguém resumir tão bem uma banda e suas intenções como fez o Luiz Gustavo, ex-voz e rosto do Pin Ups, da formação clássica, quando me explicava, em uma conversa muito rápida por email, o que e quem era o trio que gravou Time Will Burn em 1989. Disco que tem como data “oficial” de lançamento 1990, quando começou a ser distribuído, e que inaugurou uma estética nova da música pop no Brasil. Cantado em inglês de ponta a ponta e sangrando guitarras, causou efeito semelhante, em uma boa quantidade de adolescentes espalhados pelo país no início dos anos 90, ao atribuído por Brian Eno ao Velvet Underground & Nico, o primeiro da turma do Lou Reed: vendeu só 10 mil cópias, mas todo mundo que comprou o disco montou uma banda.

Ninguém sabe quanto Time Will Burn vendeu, nem os próprios integrantes, os três que gravaram o disco. Que também não sabem onde foram parar as masters do álbum – segredo que deve estar em algum lugar do cosmos com Lawrence Brenham (boatos dizem que ele já morreu), fundado da gravadora Stiletto, que lançou o disco.

Claro que o Pin Ups não é o Velvet Underground. Nem uma versão debochada do Jesus and Mary Chain de Santo André (SP), ou do Loop, do Thee Hypnotics ou Stooges. Embora seja engraçado e tentador vê-los, ao menos nessa primeira fase, bem ali no começo dos anos 90, como um escracho junkie e barulhento de toda uma estética do rock que a gente, no Brasil, tava começando a tentar entender, quando o pós-punk era deixado pra trás por uma turma que aumentava as guitarras no volume máximo e celebrava a si mesma.

Porque eles deram motivos pra isso, sobretudo quando, no ápice espetacular do deboche, ainda em 91, se viram no ar, ao vivo, no meio da tarde, no palco do programa Mulheres em Desfile, da TV Gazeta, com as “parceirinhas” Ione Borges e Claudete Troiano, tendo de dublar uma das músicas do álbum com um violão faltando corda. A história, uma das melhores já registradas no rock nacional, foi contada por eles mesmos nessa conversa extensa que tive com Zé Antônio, Marco Butcher e Luiz Gustavo, guitarra, bateria, baixo e voz do disco, que faz 25 anos agora em 2015.

Acho que é por esse tipo de coisa, além de inaugurar um gênero no país, que Time Will Burn seja tão significativo. Tosco, simples e áspero, é o retrato de uma banda que não se levava a sério, com músicos que dispensavam pretensões de vanguarda, e que estavam a fim mesmo era de birita, barulho, garotas e botas. Receita semelhante deu origem a um número incontável de discos absolutos do rock. Um deles veio à tona em 1985 sob o nome Psychocandy, estabeleceu uma estética a partir do mito de um pedal quebrado e da fusão da psicodelia de garagem com o pop das girl groups e hoje, 30 anos depois, botou a banda criadora pra rodar o mundo de novo executando-o de ponta a ponta. Isso depois de influenciar gerações desde seu lançamento.

Mexeu, obviamente, com a cabeça ainda adolescente dos três com quem conversei há alguns meses sobre o Time Will Burn – Zé Antônio e Marco Butcher (morando hoje nos EUA) toparam a conversa por mais tempo. Os desencontros online com Luiz Gustavo permitiram um papo ligeiro por email. O que não impediu o resgate de histórias que cercam o disco que deu origem a um circuito independente no país que por um tempo se chamou “alternativo”, de coloração internacional, que soube absorver influências diversas e pisou sem dó numa cena pop que encerrou os anos 80 pedindo penico.

Eu comecei perguntando pros três, em conversas separadas, se eles se lembravam das gravações do Time Will Burn, 25 anos depois do lançamento. Foi o suficiente. 

Luiz Gustavo – Lembro bem, apesar do barulho!
Marco Butcher - A coisa com o Time Will Burn na real começou com a ideia de gravar umas demos, se não estou enganado. Não acho que ele foi pensado pra ser um disco. Acho que aconteceu de ser um. As faixas foram gravadas em grupos separados, eu acho, então, na real, pra mim pelo menos é como se fossem fases diferentes dentro de um mesmo disco.
Zé Antônio - A gente era bem desorganizado, acho que nem tínhamos pensado em gravar um álbum. Naquele tempo as coisas eram bem mais complicadas, sem internet e a divulgação era quase toda via fanzines ou então em artigos de jornalistas mais antenados com o que estava rolando. Pra facilitar, sempre que possível a gente gravava algumas demos pra mandar pra onde fosse possível. Não tínhamos nenhuma noção de produção, os arranjos eram básicos, enfim, tudo bem ingênuo.
Luiz Gustavo - Metade das músicas do disco foi composta em uma semana, para o show de lançamento da revista em quadrinhos MONGA, A MULHER GORILA, no Madame Satã, em 88.
Marco Butcher - Acho que no final fez sentido, mas não vejo o Time Will Burn como um álbum pensado pra ser um álbum. Uma banda com três jovens explodindo de vontade de tocar e tentar trazer algo que fosse fora do contexto da época aí no Brasil.
Zé Antônio - Acho que desde o início sabíamos o que queríamos artisticamente, mas nosso equipamento era um lixo, e a gente não entendia absolutamente nada do mercado musical. A gente queria tocar… e tocar o mais alto possível.
Marco Butcher - Foi uma época boa, final dos 80. Era tudo mais na cara, mais real, menos domesticado. Cara, foi uma época bem importante pra gente, a banda tava num momento em que a gente respirava música, bebia música, comia música e, é claro, fazia música e show direto. Passávamos muito tempo juntos, os três trabalhando em songs ou matando o tempo falando bobagem, bebendo. O clássico, acredito, sempre atrás de discos. A Galeria do Rock nesse momento era meio que a segunda casa da banda.
Luiz Gustavo – É o nosso melhor trabalho.
Marco Butcher - Acho que com o Time Will Burn foi bem mais fácil, pois não tinha pressão, não tinha selo nem nada que fosse parecido com isso, saca? Era só a gente tentando gravar nossas músicas da forma que as tínhamos na cabeça. Já com o Scrabby foi totalmente diferente. Já éramos uma banda um pouco mais conhecida, com publico, com expectativas e tudo mais. Tudo isso muda muito as condições e a vibe dentro do estúdio, é claro. O Scrabby foi bem mais tenso de fazer. 

O COMEÇO

Zé Antônio - A banda começou de uma maneira esquisita. Eu tocava com uns amigos de Santo André mas nunca dava em nada. Desencanei e um dia vi um anuncio de duas garotas (Syl e Angie), querendo guitarrista para uma banda. Elas citavam muitas coisas boas como influência. Liguei pra elas marcamos um ensaio mas elas não tinham baterista. O Luiz sugeriu que ele poderia levar umas baquetas e marcar um ritmo, e lá fomos nós. Foram dois ensaios, mas uma delas não sabia nem afinar o baixo e a outra era muito desafinada. Quando eu disse pro Luiz que não ia rolar, ele me disse que era uma pena, pois a gente poderia tocar na festa do lançamento da Revista Monga, para a qual ele desenhava. O show seria no Madame Satã (naquele tempo o lugar era incrível), e tocaríamos antes do Ratos de Porão. Eu disse pro Luiz: “Vamos tocar, a gente arranja um baterista e um vocalista, eu toco guitarra, você toca baixo e nós dois fazemos umas músicas”. E assim foi. O Luiz nunca tinha pegado em um baixo. Eu fiz umas linhas, ele decorou, completei com a guitarra e ele escreveu as letras. Em três dias tínhamos as músicas. Ensaiamos mais uns três dias e tocamos com o maior volume que pudemos. Muita gente gostou, foi divertido, embora meu único pedal tenha sido roubado.
Antes do Luiz, tivemos outro vocalista, o André Benevides, gente boa, mas não tinha nada a ver com a gente. O que gravamos com ele, descartamos e nem pensamos em reaproveitar para o disco. Tentamos fazer mais alguns shows, mas logo percebemos que o André estava em outra. O Luiz assumiu os vocais e ficamos alguns meses trocando de baterista até que decidimos usar bateria eletrônica.
O único problema é que não tínhamos dinheiro pra comprar uma bateria eletrônica, hahahaha. Fomos em um estúdio, gravamos as baterias e íamos pros shows carregando um tape deck. A gente soltava a fita e tocava uma atrás da outra tentando não errar. Se deu certo? Não, hahahahaha, mas a gente tocava tão alto que ninguém percebia.
Arranjamos finalmente um baterista, que era menor de idade e quase foi pego pelo juizado umas dez vezes, até que um dia o Marquinhos nos chamou e disse que a bandas era boa, mas o baterista era uma merda. Perguntamos, “ok, conhece alguém a fim de tocar com a gente?” E ele respondeu: “Eu”. E assim ele entrou pra banda, daí viramos um trio.
Aquela época era tudo tão tosco que chamaram a gente pra tocar em uma festa na FAU, na USP. Dei o tape deck pro cara da mesa e fui pro palco. Não tinha nem retorno e eu e o Luiz ficamos no palco sem perceber que a bateria já estava rolando no PA. Perdemos umas três músicas.
Marco Butcher - Talvez o fato de morarmos em Sampa, que é uma cidade que acaba recebendo informações mais rápido e em maior quantidade, tenha feio a diferença no sentido de estarmos mais conectados com o que estava acontecendo no mundo naquele momento.
Luiz Gustavo - Só o Maria Angélica [Não Mora Mais Aqui] chegou perto de fazer algo de diferente na época. Time Will Burn foi divertido de se fazer, numa época difícil de fazer discos. Cada detalhe foi pensado com carinho. As brigas eram brandas e estavam apenas começando. Não fazíamos o tipo marginal, éramos muito educados e tímidos. Não tínhamos o dinheiro das bandas de Brasília, nem o intelecto das bandas do Rio. O nosso lance era rock, botas e garotas. E só.
Zé Antônio - Tínhamos certeza de como queríamos que a banda soasse, e principalmente de como não soasse, rsrsrs, mas o disco foi despretensioso, jamais planejamos algo do tipo. Só tivemos consciência disso quando alguns jornalistas começaram a dizer isso pra nós. 

AS GRAVAÇÕES E A ASSINATURA COM A STILETTO

Luiz Gustavo - Não lembro. Através do Tomas Pappon?
Zé Antônio – Um dia o Thomas Pappon falou sobre a possibilidade de um disco pela Stilletto. O orçamento era inexistente. Juntamos o pouco que tínhamos e fomos ao estúdio do Rainer Pappon pra gravar algumas músicas e completar o álbum. Eu, o Luiz e o Marquinhos dividimos a conta, e até hoje o Rainer reclama que o Marcos não pagou a parte dele, hahahaha. A gente não poderia perder a oportunidade. Gravar um disco era algo impensável.
O Pappon propôs o disco meio de sopetão, e nos demos conta de que não tínhamos tantas músicas. Entramos no estúdio pra completar a duração de um álbum. Algumas poucas músicas já existiam, e outras nós descartamos.
A verdade é que todas as gravações do álbum foram tratadas do mesmo jeito: como uma demo. A única faixa que teve um cuidado maior foi “Sonic Butterflies”, na qual colocamos efeito na voz, e mesmo assim foi algo bem tosco, rsrsrs.
As gravações eram muito simples. Ensaiávamos em um estúdio com um Tascan de quatro canais e nos virávamos com isso, do jeito que dava. O máximo que a gente conseguia era usar um reverb na voz.  Quando o Thomas sugeriu o estúdio do irmão, achamos que tudo seria diferente, afinal o cara era um profissional respeitado. Mas a verdade é que ele não entendeu nosso som, nossa barulheira e a impressão que eu tive é a de que ele nos queria fora de lá o mais rápido possível. O diálogo era sempre o mesmo: “Ficou bom?” E ele respondia: “Tá ótimo, vamos pra outra!”
Marco Butcher - Me lembro do convite do selo para lançar o play. Na época esse mesmo selo estava cuidando de alguns artistas bem Legais como os Bad Seeds e, se não me engano, cuidando também do lançamento do Sister, do Sonic Youth, aí no Brasil. Hahah, eram outros tempos, celebrávamos tudo.
Zé Antônio - O Lawrence [Brenhan, proprietário do selo] adorou, ele entendia o que estávamos fazendo, mas ele era um cara muito maluco. Várias vezes fomos pra lá esperando uma reunião pra falar do segundo disco (que ele nunca lançou), e acabávamos saindo bêbados de tanta champagne e whisky que rolava naquela gravadora. Se a gravadora tivesse continuado, teríamos lançado mais um disco com eles, mas a Stilleto fechou de uma maneira bem suspeita e o Lawrence sumiu do mapa. Alguns anos depois ouvi um boato de que ele morreu na Inglaterra. Pra você ter uma ideia, ligamos durante uns dois meses pra lá e uma secretária sempre dizia que ele estava ocupado. Um dia eu e o Luiz fomos até a Stiletto e o local estava vazio, só com uma coitada atendendo o telefone e dizendo que ele estaria em reunião. E, com essa história, a master do Time Will Burn também sumiu.
Marco Butcher - Estávamos sempre por lá [na Stiletto]. Até porque tínhamos amigos trampando ali e tals. Como o Luis e a Claudia. Gente que a gente conhecia da noite. O Lawrence sempre tava tentando agitar coisas. Por um tempo acabou virando meio que um ponto pra gente resolver promo, fotos, shows, enfim, tudo que na época tava no pacote de cuidar do disco.
Luiz Gustavo - Eu acabei me envolvendo com a amante dele [Lawrence] na época. Ele era um cara inflamado, mas muito engraçado e bem enrolador. 

O LANÇAMENTO

Zé Antônio - As histórias mais bizarras vieram depois do Time Will Burn. Nessa época eu e o Luiz éramos muito focados na música. O Marquinhos era o mais desencanado, faltava em ensaios e shows, mas ele é foda, sempre soube o que fazer sem que a gente precisasse falar nada.
Marco Butcher - Me lembro que eu e o Luiz tomamos um porre no dia que saiu o disco. No Retrô, se não me engano. Acho que fomos até lá e pedimos pro DJ tocar na pista ou algo assim. Na época era incrível pensar em algo nosso tocando num club, nas caixas grandes. Saudoso Toninho, se não me engano. Era um dos DJs que estavam sempre por lá.
Zé Antônio – [O disco foi lançado no] Final de dezembro de 89. Mas só começou a ser distribuído em janeiro de 90, por isso para nós foi 90, e comemoramos só agora os 25 anos.
Luiz Gustavo - Lembro de quando o disco foi lançado. Fomos antes para um boteco na rua Maria Antônia comemorar com os amigos.
Zé Antônio - Porra, se lembro. Foi incrível! Era algo inacreditável. A DJ que mais nos ajudou foi a Elaine. Ela tocava sempre o nosso disco e muita gente conheceu assim. Umas três músicas acabaram virando hit na pista do Retrô, mas a gente também não saia de lá.
Quando o Jesus and Mary Chain veio tocar aqui pela primeira vez [1991] o baixista, Douglas Hart, acabou no Retrô e conheceu a banda ouvindo naquela pista. Naquela época acabamos indo ao hotel pra conversar com ele, demos o disco, etc. Mas parou por aí.
O lançamento do disco também aconteceu no Retrô. Foram três dias de show e casa cheia, inacreditável…
Luiz Gustavo - Fizemos uns 100 shows só no Espaço Retrô.
Zé Antônio - Fizemos vários shows do Time Will Burn, mas lançamento propriamente dito só mesmo no Retrô. Tocar as músicas era fácil, tudo muito simples. Deixávamos algumas de fora, “Sonic Butterflies”,”Hard To Fall” e “These Days”, por serem mais calmas. Os shows eram muito enérgicos e a gente completava com versões do MC5 e Stooges.
Marco Butcher - Cara, tocamos tanto, não parávamos nunca. Na época, rolava muito show no interior e em cidades como Santos e outras. Íamos muito a Curitiba, Porto Alegre, estávamos sempre viajando e tinha um lance que era o tal comboio, amigos vindo na cola pros shows fora de Sampa. Isso era engraçado. Coisas do rock, hahaha.
Era o começo e as coisas estavam rolando bem no sentido que conseguíamos armar shows e tals. Isso ajudou a promover o álbum um pouco mais.
Zé Antônio - Antes do disco já tínhamos alguns amigos e fãs que sempre estavam nos shows, mas depois isso aumentou bastante. É claro que não me comparo a nenhuma banda grande, mas para uma banda alternativa nos anos 90 até que era um público bom. A 89fm chegou a tocar algumas musicas, fizemos um show pra rádio no Aeroanta, que depois foi transmitido na íntegra, aparecemos em alguns programas de tv, artigos em jornais, revistas e fanzines… tudo isso ajudou muito. E também começamos a tocar fora de S.Paulo. 

NA TV: CLIP TRIP E MULHERES EM DESFILE (TV GAZETA), MATÉRIA PRIMA (TV CULTURA)

Zé Antônio – com o Beto Rivera [Clip Trip] foi ok, meio impaciente mas ok. No Mulheres em Desfile [atual Mulheres] foi bizarro. O Cesinha, divulgador da Stiletto, nos ligou um dia antes pra avisar que deveríamos estar no programa em determinada hora e isso era tudo o que sabíamos. Fomos achando que seria uma entrevista. Ao chegar, um produtor perguntou “cadê a trilha do playback?” Começamos a rir. O Cesinha deu um jeito e disse que poderiam tocar o disco. A gente nunca tinha feito isso. Como poderíamos fazer playback sem nenhum instrumento? O cara arranjou um violão e eu joguei a bomba pro Luiz, que começou a dublar toscamente e a girar o violão, que só tinha umas três cordas, hahaha. Foi um dos piores momentos do programa, com senhoras da audiência reclamando dos nossos cabelos, das nossas roupas e da minha bota, que tinha um furo na sola e o câmera deu close. Enfim, um desastre pra produção, mas nos divertimos bastante.
Marco Butcher - Bota furada ou era eu ou o Luiz, hahaha, sempre. Muito bom! Usávamos as botas até derreter, literalmente. Quanto mais velhas melhor, no velho esquema Keith Richards.
Luiz Gustavo - Lembro bem do Mulheres em Desfile porque fui eu que dublou, de pé, tocando um violão velho, enquanto o resto da banda ficou sentada atrás de mim balançando os pés.
Marco Butcher - Ah sim, Serginho [Groisman, apresentador do Matéria Prima] eu lembro, tocamos ao vivo, mas os outros dois… nem ideia. Ah pera, umas minas, claro. Meio culinária, né? Hahaha, nossa, isso, eram as parceirinhas: Claudete Troiano e Ione Borges, hahah, típico programa da tarde, tv aberta. Nossa, como vc sabe todas essas coisas?
Zé Antônio - Na TV Cultura, fomos duas vezes, uma delas no programa do Kid Vinil [Boca Livre], gravado no Teatro Franco Zampari, que foi ótimo. Eram três bandas; nós, o Gueto e outra que faltou. A produção sugeriu ao Gueto que tocasse em dois blocos e eles se recusaram, nós topamos e o Luiz tocou sentado porque esqueceu a correia do baixo e o Gueto não quis emprestar de jeito nenhum. Depois muita gente comentou achando que a gente tava fazendo gênero Velvet Underground, mas não foi nada disso.
Mas o pior foi no programa do Serginho Groisman, nem lembro qual era o nome, acho que era Matéria Prima. Lembro que chovia pra cacete e um monte de fãs do Pin Ups foram até lá mas não puderam entrar, pois a plateia era de escolas. Com a chuva um dos ônibus não apareceu e a produção não teve alternativa, liberou a entrada de todo mundo.
O Serginho já entrou irritado dizendo que ninguém poderia sair do lugar durante as músicas. O aviso não adiantou nada. Lembro que um dos nossos amigos, o Gringo, que depois seria eternizado na música “Caminha (que aqui é de Osasco)”, do Defalla, saltou da plateia, caiu em cima de um câmera e chamou todo mundo que invadiu o palco. Intervalo, broncas, ameaças e tudo se repetiu no segundo bloco, hahahaha.
Depois tinha uma parte séria, de perguntas. Não me lembro o assunto, mas tinha um sociólogo comentando algo e o Serginho foi justamente no Gringo e perguntou o que ele achava. A resposta veio logo: “O que eu acho do que?” O Serginho ficou transtornado, passou a mão na cabeça dele e disse: “Inteligência rara esse moleque”, hahahahaha.
Anos depois voltamos pra gravar na Cultura, mas já com outra formação. Acho que ficamos banidos por um tempo, hahahahaha. 

MATÉRIA NA REVISTA BIZZ EM ABRIL DE 1991 E A SUPOSTA ARROGÂNCIA

Luiz Gustavo – Eu não lembro dessa matéria.
Zé Antônio - Isso era bem complicado. Muita gente nos ajudou naquela época, o Marcel Plasse, Kid Vinil, [Fernando] Naporano, o Jefferson de Souza, (posteriormente muitos jornalistas foram importantes, mas isso já em outros álbuns).  Mas, por outro lado, muitas das bandas da geração anterior à nossa eram formadas por jornalistas, e rolava uma certa disputa por espaço, então por várias vezes fomos ignorados. O Alex Antunes era um dos que ficavam à parte de tudo isso… ainda bem que lembrei.
Mas a matéria da Bizz froi problemática. Ela aconteceu na Stilletto entre muitas garrafas de Chandon e, como conhecíamos o jornalista, ficamos relaxados, respondendo alguns absurdos por brincadeira antes de dar a resposta séria. É claro que ele sabia disso, mas por algum motivo colocou só as bobagens e passou uma imagem absolutamente arrogante da banda. Foi a primeira vez que tive consciência do quanto as entrevistas podiam ser editadas e manipuladas
Se as respostas ao menos tivessem sido colocadas em um contexto bem humorado, talvez as pessoas entendessem, mas não foi isso que aconteceu.
Marco Butcher - Era uma cena muito pequena. Algumas poucas pessoas que gostavam ou conheciam esse tipo de sonoridade. Bandas como o Killing Chainsaw ou mesmo o Second Come do Rio. Era uma ou outra, mas acho que elas vieram um pouco depois da gente.
Zé Antônio - A verdade é que naquela época poucas bandas se ajudavam. Tínhamos uma ligação forte com o Killing Chainsaw, Mickey Junkies, etc… mas muita gente adorava falar mal. Era difícil. Hoje acho que isso colaborou muito para que aquela cena tão interessante não tenha atingido o respeito necessário. Quem vê de longe, hoje em dia, terá outra leitura, mas quem viveu aquilo tudo sabe do que eu estou falando.
Marco Butcher - Acho que [gravar o disco foi] um felling de se sentir parte de algo real naquele momento. Um registro físico de nossas ideias. Não era uma demo, era um vinil. Difícil explicar, mas enfim, tinha toda uma mitologia em volta do vinil. Ainda existe, mas não me afeta mais. 

AS COMPARAÇÕES COM O JESUS AND MARY CHAIN. INCOMODAVA?

Zé Antônio – Absolutamente. Jesus sempre foi uma das grandes influencias da banda. A gente meio que queria parecer com eles, é só ver nossos cabelos, rsrsrsr. Negar isso seria desleal. Amávamos todas essas bandas que você citou. Faltou Spacemen 3, que a gente também ouvia muito.
Nós sempre ouvimos muita coisa, até hoje somos todos viciados em música. É impossível não absorver nada, imagem e sonoridade também, referencia estéticas etc..
Marco Butcher - Falta de informação sempre incomoda, né? Acho que sim e não, sei lá. A gente ouvia eles da mesma forma que ouvia Stones ou MC5 ou Birdland ou os Velvets. Então acho que não, eu gosto do primeiro dos Jesus e os singles, os primeiros. Depois nah, acho um porre.  Psychocandy, isso, gosto desse. De resto não ligo não.
Loop, taí, acho que nessa época ouvíamos mais Loop do que Jesus. Eu gosto do Taste, do Telescopes. Depois nah, mas isso eu vim a perceber depois. Popeira Manchester horrível pra boi dormir, tô fora. Nunca entendi o que rolou com essa banda. O Taste é um disco bom. Daí quando ouvi o segundo álbum [The Telescopes, 1992], affe, muito ruim demais. Tipo uma popeira com batidinha balaco baco safada! Deletei geral da minha vida, rsrsrsr. Mas Loop sempre foi classe, tenho todos, se puns. Adoro, Loop é demais. Não ouço há anos, mas taí na coleção, muita coisa pra ouvir. 

O ‘MITO’ JUNKIE. BANDA-PROBLEMA? SHOWS EM SANTOS E O AMPLIFICADOR DE CARRO

Zé Antônio - E o pior é que a maioria das histórias é real. Mas não que nós fossemos diferentes da molecada daquela época, alguns amigos eram muito mais loucos que qualquer um de nós, mas por ter banda tínhamos mais atenção. É claro que em um determinado ponto percebemos a importância disso, mas o estrago já estava feito e daí, relaxamos.
Luiz Gustavo – Não era mito.
Zé Antônio – Que eu me lembre, após a Bizz rolou uma fama de arrogante, mas de encrenqueiros até que não. Pelo menos eu nunca soube. Éramos tranquilos pra tocar com o que tivesse, fiz show com guitarra plugada em um tojo de carro e rolou do mesmo jeito. No final a fama até que foi boa, hahaha.
Marco Butcher - Santos. Me lembro disso. Na Ilha. Fazíamos shows ali direto. Na época sempre tinha um clube novo rolando ali. Era bem bizarro na real. Fechava um, abria outro, nunca era o mesmo, mas sempre na ilha.
Zé Antônio – o Tojo foi aqui em São Paulo mesmo. Não lembro o nome do lugar mas foi uma noite de histórias incríveis, hahahaha. Estávamos no palco, o dono nos pressionando pra começar o show e ninguém sabia do Luiz. De repente abre a porta do banheiro e o Luiz sai de lá junto com a mulher do dono hahahahahah! A noite terminou com um amigo, o Raul, que normalmente é um doce de pessoa, totalmente alterado destruindo o lugar.
Marco Butcher - Lembro que uma vez um amigo marcou um show pra gente na Baixada [Santista], não lembro em que cidade. Daí fomos, tudo bem. Quando chegamos lá, não conseguíamos achar o amigo nem o lugar. Quando finalmente achamos, era uma lambateria. OBA era o nome, hahahah. Três músicas ou quatro depois de começarmos, o dono nos pagou pra não tocar mais. Talvez essa seja a única memória q eu tenha de shows, não lembro mesmo.
Zé Antônio - Santos realmente rendeu muuuuitas histórias, mas essa da lambateria foi em Itanhaém. Nunca havíamos tocado fora de São Paulo e um amigo arranjou um show naquela cidade. Perguntamos onde e a resposta era sempre a mesma: “um lugar que eu dou som de vez em quando, confia em mim”. Faltando apenas alguns dias pro show ele disse: “o lugar se chama Lambateria Oba, mas no dia eu vou discotecar e só vai público de rock”. Mentira, é claro. Tinham uns gatos pingados pra nos ver, mas começou a chegar o público da casa sem entender quem eram os estranhos.
Entramos no palco, tocamos uma única música e então senti alguém agarrar o meu braço. Era o dono do lugar, que me puxou para um canto e disse: “o cachê tá aqui, tem até um pouco a mais, mas pelo amor de Deus, parem de tocar agora!” E foi o que aconteceu, hahaha.
Pra completar, voltamos de carona no carro de uma amiga, Tania, que chorou metade do caminho depois de atropelar um pobre tatu.
Marco Butcher - Sim, o povo da casa. Tinha um ou outro surfista e tals, mas nah, casais e tals.
Zé Antônio - Não no clube, mas em boates da ilha, que normalmente eram alugadas para shows alternativos. Rolou de tudo. Uma vez o palco eram em L, em volta da cabine de som. Chegamos lá e não tinha nenhum amplificador, as guitarras iriam ser ligadas diretamente na mesa de som. Eu avisei que não rolava, mas depois de muita insistência liguei e queimei três canais da mesa. O DJ, puto da vida só repetia uma frase: “Eu falei que não dá pra ter banda, tem que ser sexta romântica!!” hahahaha
Outra vez o Farofa, do Garage Fuzz, nos ligou perguntando se a gente ia mesmo tocar em Santos, pois tinham vários cartazes na cidade de uma festa na praia das vacas. E era mentira. Pegamos os instrumentos, lotamos um carro e fomos pra tal festa. Na entrada, dissemos: Somos o Pin Ups, que vai tocar aqui, não é isso? Os caras não sabiam o que fazer, inventaram desculpas de que o cartaz estava pronto e não deu pra falar com a gente e coisas do tipo. Ofereceram open bar, mas a bebida era tão ruim que fomos embora. Lembro do Luiz se divertindo pondo fogo nas coisas com a vodca que eles serviam. 

A ENTRADA DA BAIXISTA ALÊ BRIGANTI

Zé Antônio – O Luiz queria só cantar, ter mais espaço no palco. Pensamos em algum baixista, mas não sabíamos quem. Um dia cheguei no Retrô e o Marquinhos veio com a Alê e disse: “essa é a nossa baixista, já falei com ela tá tudo certo”.
Lembro que fiquei muito irritado e até hoje me culpo pelo quanto eu hostilizei a Alê nos primeiros ensaios e shows. Fui bem mal educado com ela e me arrependo. Mas logo ficamos muito amigos e eu percebi que eu fui ranzinza, ela tinha tudo a ver com o Pin Ups. E, de todos que passaram pela banda, a Alê é minha amiga mais próxima. 

O LEGADO DO TIME WILL BURN. HOMENAGEM A THE NAIL WILL BURN, DO LOOP? 

Marco Butcher – Tem muita coisa que não me lembro mesmo, já fiz tanta coisa depois disso. Tanto disco, banda, lugares, enfim… vira um bolo total tudo. Haha, é tempo demais, e trabalhos demais entre aquilo e hoje. Eu não tenho nem ideia. Eu não tenho o disco por exemplo. Ou, se tenho, não faço a menor ideia onde está. Numa das pilhas de disco pela casa.
Não faço nem ideia de quantas cópias vendemos. Mais de mil, com certeza, mas fora isso não sei dizer mesmo. Acho que na época a tiragem mínima era de mil cópias.
Zé Antônio - O nome da banda foi sugerido por mim, mas o do álbum foi pelo Luiz. Talvez seja inspirado no Loop, mas só ele pode responder isso rsrsrs.
Em relação ao álbum… Sou muito crítico com tudo o que faço então é claro que quando ouço o Time Will Burn penso que gostaria de gravar tudo de outra maneira, com mais guitarras e cuidados de produção. Mas tenho um carinho enorme por esse álbum. Ele abriu muitas portas para a banda e selou a amizade com o Luiz Gustavo e a Alê, me proporcionou histórias, e momentos inesquecíveis.
Em relação à importância, acho que só comecei a perceber isso quando alguns músicos citaram o disco como influência e pessoas que eu nunca havia visto lembravam do Time Will Burn. Na época isso nem passava pela minha cabeça. Fico realmente feliz em saber que algumas pessoas acham que de alguma forma ajudamos a pavimentar algum caminho para bandas novas, mas prefiro ouvir do que falar sobre isso. Se realmente deixamos algum legado, tudo o que passamos valeu a pena.
Marco Butcher - Na real, eu nunca penso em Pin Ups, man. Não sou do tipo saudosista, tampouco me apego a discos ou bandas, acho que minha relação com música é diferente disso. Gosto de estar em movimento e só, sempre tentando trazer algo. Não sei dizer se muito lá atrás. Mas não é algo em que eu pense ou tome como referência pra minhas coisas nem nada. Acho bacana que as pessoas olhem pro Time Will Burn e tenham essa química com ele. Eu tenho, mas é em outro sentido, foi nosso primeiro álbum. Mas nunca olhei pra trás e parei pra pensar no que ele fez ou deixou de fazer pela cena, ou isso ou aquilo.

NOTA: Amanhã tem "Time Will Burn" no programa de rock
19H/104,9 FM em Aracaju e região
www.aperipe.com.br

por Filipe Albuquerque

BEM PARANÁ