sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Play Fast or Don´t



Nosso correspondente informal no velho mundo ( esse mesmo, muito bem acompanhado na foto acima ) demorou mas postou em seu blog suas impressões sobre o Festival "Play Fast or Don´t". Devidamente autorizados, reproduzimos o texto abaixo:

Por Juliano Mattos
Fonte: http://errocrasso19.blogspot.com/

É Quinta-Feira, dia 3 de Setembro. Eu chegara a Praga há dois meses, e desde então já havia ido ao Karlovy Vary International Film Festival, ao Obscene Extreme Fest e acabara de chegar de uma viagem de três semanas entre Polônia, Lituânia, Letônia, Estônia e Finlândia. A sensação era a de que mais uma vez o Verão longe de Portugal fora gratificante em todos os sentidos, superando o do ano passado, até. Fisicamente, a exaustão remetia-me à cama ou, quanto muito, aos passeios virtuais na Internet. Mentalmente, havia a ideia de que a “preguicite” não poderia me impedir de desfrutar dos meus últimos dias de férias na capital checa.

Todavia, era a véspera do Play Fast Or Don’t (PFOD), um festival que não tem a logística e estrutura do Obscene Extreme, mas que musicalmente interessava-me mais. Sobretudo este ano, com um set list absolutamente avassalador. Parecia que os organizadores do festival haviam levado em conta o meu gosto pessoal para criarem o cartaz. Comparativamente ao ano passado, quando também tive a oportunidade de ir ao festival, o PFOD mostrava uma grande evolução. Creio que este ano ele firmou-se definitivamente como uma das principais referências da cena Crust europeia e até mundial.

Uma das coisas mais esperadas por mim para o Verão era o PFOD, de forma que o cansaço e o desgaste logo deram lugar à ansiedade e ao entusiasmo. À noite eu iria encontrar-me no centro de Praga com a Kate, o meu irmão Ivan e sua namorada, Andreia. A ida deles à Rep. Checa fora motivada única e exclusivamente pelo PFOD, dando sequência a uma tendência de turismo musical que nos últimos anos contagiou alguns amigos portugas. Não posso dizer que também seja o meu caso, porque as minhas idas à Rep. Checa não têm absolutamente nada a ver com festivais musicais. São apenas eventos simultâneos à minha estadia por lá, e eu não desperdiço as oportunidades.
A Martina, mais uma vez, decidira não ir ao festival. Eu sempre a convido, embora relutante devido ao risco que isso acarreta. Se ela estivesse inteirada acerca do meio musical em questão, para mim não haveria qualquer problema em leva-la, mas como não é o caso…Já a levei a vários shows de Crust no Klub 007 Strahov, mas creio que ela ainda não esteja preparada para um festival de dois dias. Enfim…

À noite, dirigi-me ao centro da cidade para encontrar os três turistas musicais. O combinado fora ajuda-los a encontrar um hostel barato para passarem a noite. O avião atrasara e só os encontrei duas horas após o combinado, junto ao Národní Divadlo (Teatro Nacional). Dali, ainda houve tempo para iniciar o meu irmão na cerveja checa (Pilsner Urquell) antes da despedida às portas do primeiro hostel encontrado, que por sorte era muito barato. Voltaríamos a nos encontrar às 11 horas da manhã seguinte e logo partiríamos, de trem, para Hradec Kralové.

Já no trêm, fizemos a viagem de cerca de uma hora e meia ao sabor de cerveja quente. De fato cerveja quente não é boa e lugar algum do mundo, mas como o objetivo era chegar ao festival já etilicamente alegres, ela serviu para o cumprir. O trêm não tinha cabines, tivemos o azar de não viajarmos no célebre comboio com cabines, autênticos quartos de hotel ambulante. Os vagões assemelhavam-se aos ônibus, com poltronas duplas em sequência. A Kate passou a viagem toda arrotando. Seus arrotos são brutais, e as pessoas olhavam-na enojadas. Até eu, de fato.

Chegando em Hradec Kralové, e depois de sermos ajudados por uma senhora checa que nos indicou o ônibus para o letiště (aeroporto), lá íamos em direção ao PFOD. No mesmo ônibus iam muitas pessoas com o mesmo destino, então em cerca de 20 minutos chegávamos ao destino e bastou segui-las. Era preciso caminhar ainda uns 15 minutos até ao recinto exato do festival. Eu já conhecia o local, afinal foi ali que vira Offspring no festival Rock For People de 2008. Sim, já sei! Offspring é uma merda comercial! Mas ver um show de Offspring não era mais do que mera curiosidade por tratar-se de uma banda referencial no período em que eu iniciava-me nestas andanças do Rock e do Punk. O Show foi uma perfeita merda…a nostalgia não bateu porque eles quase não tocaram músicas antigas.

Chegamos no local e logo montamos a nossa tenda. O espaço reservado para comportar o festival era enorme, muito maior do que o do ano passado. Havia um grande terreno do aeroporto aparentemente abandonado ou utilizado somente para eventos musicais, e uma cerca nos separava do aircraft show, que decorreria em simultâneo ao festival. Para quem não sabe, trata-se daqueles eventos de manobras de aviões militares. A própria organização do PFOD, em seu site, aconselhara que todas as pessoas chegassem na Sexta-Feira porque os acessos rodoviários circundantes ao aeroporto seriam cortados devido ao evento. A ideia de ter aviões fazendo manobras arriscadas sobre a minha cabeça não me soava nada bem, e por diversas vezes suei frio, abrindo sorrisos amarelos enquanto tremia de medo. O Ivo, um colega meu checo, crustie das antigas, quarentão, casado e pai de uma moça pouco mais nova que eu, não compareceu ao PFOD por medo dos tais aviões. Confesso que ponderei várias vezes o mesmo.

Nesse primeiro dia os pilotos treinavam para o evento do dia seguinte, e o faziam sobre nossas cabeças. Poucos minutos depois de chegarmos e montarmos a tenda, já estávamos sentados nas mesas no meio dos checos e bebendo cerveja. Sentamos ao lado de dois rapazes de Ostrava, cidade do Nordeste do país, junto à fronteira polonesa. Em poucos minutos já éramos amigos, embora nenhum deles falasse inglês. Não importa! Nesse tipo de festival há linguagens alternativas que superam a questão do idioma. Os nossos diálogos resumiam-se a pequenos monossílabos e uma mistura bizarra de inglês com checo. Mas a linguagem do álcool é universal, então nos entendíamos perfeitamente na partilha de cerveja, vinho checo e vinho do Porto, que a Kate trouxera com ela. Foi já aí que tive a primeira grande decepção com o festival. A cerveja escolhida para este ano parecia cerveja espanhola de tão ruim que era. Seu nome era Crakonos, oriunda de Trutnov e datada de 1582. Uma cerveja de quase 500 anos! É tempo suficiente para aprenderem a fazer uma cerveja boa, a Pilsner Urquell não tem nem 200 e é aquele suco de cevada cremoso e maravilhoso. Foi até difícil acreditar que a Crakonos era checa, de fato foi a primeira cerveja checa ruim que bebi. Era muito aguada, sem sabor, sem consistência, sem fervura…Falando assim até pareço especialista em cerveja, quando na verdade fui meio straight edge até 2006.

De qualquer forma, a cerveja não poderia estragar o ambiente, sobretudo quando nossos amigos de Ostrava começaram a nos pagar as rodadas. A Andreia já estava ceguinha. A coitada bebera um suposto vinho oferecido por um dos nossos amigos checos e apagou de vez. Isso em menos de uma hora! Eu ficava cada vez mais alegre, já atrevia-me a falar checo para além dos monossílabos e olhava para as manobras dos aviões com a esperança de caírem ou se chocarem. A cada vez que passavam por nossas cabeças, parecia que o efeito do álcool era cortado pelo do medo, mas quando eles passavam mais adiante, acompanhávamos as manobras implorando, aos gritos, que explodissem. O pior de tudo era o barulho que eles faziam. Era estremecedor, parecia os trovões das tempestades que tinham ocorrido em Praga no começo de Julho. Sempre que os aviões passavam, rasantes, emanavam um barulho ensurdecedor que transmitia a sensação de que estavam caindo. E caindo em minha direção. Eu gelava! Olhava à minha volta e via outras pessoas fingindo o gelo que também sentiam na barriga, enquanto outros desfaziam-se em gargalhadas. Mas a grande maioria ignorava totalmente.

Os shows já haviam começado, mas as primeiras bandas não nos despertavam interesse. Era melhor estar ali fora convivendo e bebendo. Nesses festivais o mais gratificante é o convívio com pessoas que nunca vimos na vida mas que parecem ser nossos melhores amigos. E para fazer amizade com os checos não há lugar melhor do que sentado numa mesa e bebendo aquilo que eles veneram: cerveja. Em Praga acontece o mesmo. Um bar lotado é uma comunhão, uma irmandade. Parece que durante o ritual etílico todos os tabus e comportamentos padrões da sociedade desfazem-se. Poderia ser sempre assim. A vida poderia ser uma festa…

Então, em meio aos copos, finalmente encontro a Petra, vocalista da banda grind Idiots Parade, da Eslováquia. A conhecera no PFOD de 2008, quando ela me espancava no meio do mosh durante o show de Unhole Grave. Trocáramos mensagens via Myspace e combináramos que desta vez iríamos beber e “moshar” juntos, já que no Obscene Extreme não nos havíamos cruzado, embora a banda dela tivesse tocado lá e eu estivera no mosh. Ela também parecia uma amiga de longa data, era a primeira vez que nos falávamos pessoalmente e já parecíamos os melhores amigos um do outro. A Petra é muito simpática, o problema é que ela também não falava inglês. Ela nem conseguia ter diálogos curtos, com frases simples. Eu já sabia, porque suas mensagens no Myspace sempre foram esquisitas, óbvias traduções automáticas grosseiras no tradutor do Google. Mais uma vez, apelei para o meu checo, que é até razoável quando estou “alegre”. O checo está para o eslovaco como o português para o castelhano, são similares.

O idioma (ou a falta dele) pode ser uma barreira em conversas formais, mas em festas ele não faz muita falta, afinal todos os diálogos tendem a acabar em goles, abraços e gargalhadas. E foi assim durante todo o festival, com a linguagem gestual e a linguagem etílica preenchendo a lacuna do poliglotismo.

A primeira banda que vi foi Social Chaos, do Brasil. É um crust/grind já bastante batido e sem nada de novo, como disse o meu amigo Adelvan do Programa de Rock de Aracaju. Mas não é preciso ser original para ser bom, certo? A banda tem um som potente e super veloz, gostei bastante, como já gostava nas gravações. Mas já ali, nas primeiras bandas, havia algo errado com o som, que estava uma grande porcaria. Pensei que isso seria resolvido ao longo do festival, mas não foi. Durante todo o festival o som esteve horrível, de forma que todas as bandas, por mais diferentes que fossem, soavam iguais. A única banda que conseguiu de certa forma esquivar-se um pouco disso foi Infame, banda barcelonesa com vocalista brasuca. Sua enorme quantidade de solinhos fez com que algo diferente saísse daquela aparelhagem que só emitia um ruído grave que impossibilitava distinguir os instrumentos. No fim do festival, fiquei com a sensação de que Infame fizera a melhor apresentação, porque foi a única, talvez ao lado de Guided Cradle, que conseguira soar um pouco diferente das demais.

Infelizmente a qualidade sonora do festival acabou por estragar um pouco o ambiente para quem estava muito interessado nas bandas. Eu fiquei super desiludido, porque não é qualquer dia que temos a oportunidade de desfrutar de um cartaz tão bem preenchido, repleto de grandes bandas da cena crust mundial. Mas olhando à minha volta, os checos pareciam não ligar muito para isso, e faziam a festa. Deve ser por estarem tão acostumados em ver grandes festivais repletos de grandes bandas que não dão o mesmo valor que dá alguém que não está acostumado com isso. Para nós, de Portugal, foi uma oportunidade única. Talvez para os checos tudo não passou de apenas mais um festival, sabendo que no próximo ano haverá mais, fora os que acontecerão até ao próximo PFOD.
Outro ponto negativo do festival foi o cancelamento de Iskra, banda canadense de anarco-crust/grind/blackmetal. Ao lado de Guided Cradle era a banda que eu mais queria ver. Eu soubera do cancelamento antes do festival, até escrevera ao pessoal da banda questionando acerca do cancelamento da atuação no PFOD, resposta que obtive do guitarrista Wolf, que me avisara acerca de alguns problemas que levaram a banda a cancelar não apenas a atuação no PFOD, mas toda a tour europeia, prometendo tentar fazer a tour no Inverno ou na Primavera.

No primeiro dia do festival, Social Chaos, Ruidosa Inmundicia e Infame foram as únicas bandas que vi com maior atenção, visto que a maior parte do tempo passei fora do bunker, babando nas bancas de distribuidoras. Mais uma vez o antro do consumismo de material musical underground estava montado e ninguém resistia, tão pouco eu, que não voltei para Praga sem levar umas “lembrancinhas” comigo.

Ruidosa Inmundicia não era novidade para mim. Eu já havia visto a banda austríaca em 2005 num festival anarco-punk na cidade de Évora, em Portugal. Trata-se de um hardcore ultra rápico e melódico com vocal feminino e letras em castelhano devido à proveniência da vocalista, que é chilena. As músicas da banda dificilmente ultrapassam 1 minuto. Fica um pouco a sensação de que as músicas acabam quando estamos começando a entrar no ritmo, mas particularmente gosto muito.

Já Infame é uma banda muito energética. Seu crust’n’roll cheio de passagens melódicas bem grudentas são típicas da cena crust de Barcelona. Alguns chamam de crust melódico, ou neo-crust, numa linha semelhante à cena de Portland, com bandas como Tragedy. Mas Infame tem uma base rock’n’roll muito forte, e além disso possui o Robertinho, cujo vocal não deixa dúvidas para ninguém acerca de sua proveniência. É o típico vocal do HC brasileiro. Infame caiu nas graças do público, que delirou com a apresentação da banda. Eu nunca a tinha visto ao vivo e me surpreendi pela positiva. Foi sem qualquer dúvida uma das duas melhores bandas do festival. A outra fica a critério pessoal de cada um. Para mim foi Guided Cradle.

Curiosidade: antes de Infame começar a tocar, quando já estavam no palco preparando o som, o vocalista Robertinho vira-se para mim e diz: “vai lá chamar o teu irmão para ver o nosso show, cara. Você sai do bunker e vira à esquerda, ele está ali sentado, sozinho, com um copo na mão”.

Lá vou eu à procura do irmão caçula, e encontro o desgraçado sentado no chão ao lado do trailer de cerveja, delirando, totalmente cego, e em frente dele há um checo enorme, em pé, olhando para ele com desdém e fazendo algumas perguntas em checo. Chego para leva-lo para dentro do bunker e ele diz-me que precisa beber água. Seus olhos não fixavam nada, parece que flutuavam dentro de suas órbitas oculares. Estava completamente cego, depois de passar o dia bebendo a horrorosa Crakonos. Tive de o levar meio que à força para ele não partir o coração do Robertinho.

Após Infame, houve o prometido baile dos anos 80, com um DJ passando clássicos daquela década. Foi engraçado ver os crusties todos se deliciando com A-Ha, Madonna, Michael Jackson, Cyndi Lauper e cia. Mas foi ainda mais engraçado quando o DJ passava clássicos locais, ou seja, pop checo dos anos 80. Aí só os checos entendiam, o resto ficava pensando “pô, eu não lembro dessa música”. Curti o baile apenas cerca de uma hora, e depois fui dormir. Eu não havia dormido nada na noite anterior e queria estar preparado para a grande sequência de grandes bandas do dia seguinte. A Kate madrugou com o pessoal de Social Chaos. Juntos, eles usaram e abusaram de LSD e outros “medicamentos”, de forma que na tarde do dia seguinte os caras de Social Chaos ainda estavam totalmente alucinados, e partiram, de carro, para Bratislava, onde tocariam à noite, completamente cegos. A melhor lembrança que tenho da banda é quando vejo seu carro se distanciar, com os braços do baterista de fora, se despedindo de…ninguém!

Voltando atrás, acordei com o barulho estrondoso dos aviões sobre a minha tenda. A cada vez que um deles passava, eu me cagava todo. Foi o que me fez acordar mais cedo e procurar abrigo dentro do bunker. O problema é que havia um vento tão forte que várias tendas já tinham sido arrancadas do chão e levadas por ele. A nossa não teve o mesmo destino porque eu peso 70 Kg. O solo onde estávamos era o que chamamos em Geografia de litossolos, ou solos esqueléticos, com pouca espessura de terra cobrindo rochas, As estacas não afundavam e as tendas ficavam soltas. Tivemos sorte por termos mochilas demasiado pesadas para não permitirem ao vento levar a tenda. Outra sorte foi não ter chovido, porque com um solo daqueles, qualquer chuvinha seria suficiente para o saturar e alagar tudo.

Durante a manhã e parte da tarde, tivemos de conviver ali com os aviões e suas manobras suicidas. As estradas estavam cortadas e a já referida cerca separava o recinto do festival do recinto dos aviões, que estava lotado de gente. Alguns crusties estavam junto à cerca observando os aviões. Mesmo dentro do bunker, durante os concertos, era possível ouvir o rasgo sonoro daquelas máquinas, que ofuscava as guitarras de qualquer banda, ainda mais com aquele som horrível.

A primeira banda que acompanhei foi Infekcja, da Polônia. Uma banda muito legal, como quase todas as bandas polonesas. Pessoalmente, a cena crust/grind/fastcore do leste europeu é a minha favorita. Polônia, rep. Checa e Eslováquia estão muito bem servidas. O problema era o som, que continuava horrível. As bandas sucederam-se e nada do som melhorar. A apresentação de Infekcja foi lamentável por causa disso, e eu já começava a desconfiar de que o som não iria melhorar.

Selfish (Finlândia), The Arson Project (Suécia), Stolen Lives (Rep. Checa), Instinct of Survival (Alemanha), Nuclear Death Terror (Dinamarca), Extinction of Mankind (Reino Unido), Hellkrusher (Reino Unido), Riistetyt (Finlândia), Morne (EUA) e Yacopsae (Alemanha) apresentam-se e soam iguais, com óbvia exceção de Morne, claro. Morne é morno, parece Amebix, super lento e dá vontade de dormir, mas é legal em certas circunstâncias. De resto, só se ouvia um ruído grave e mais nada. Eu olhava para o sujeito responsável pela mesa de som e o queria esganar, mas eu não sabia se era um problema técnico ou um problema da própria acústica do bunker.

Não poderei comentar a apresentação de nenhuma dessas bandas porque a minha memória não as consegue distinguir. Eu estive lá no mosh, mas não consigo recordar-me de uma única música. Só me recordo do ruído.

No entanto, presenciei algo fantástico, uma verdadeira aula de libertinagem e pouca vergonha que não deixa nada a dever ao Obscene Estreme Fest. Durante a apresentação de Hellkrusher, o vocalista de Riistetyt, um velhote com seus cinquenta e tantos anos, mostrou ser um grande conquistador. Ele estava na lateral direita do palco, numa conversa que imagino ter sido picante com uma mulher que não aparentava ser nem finlandesa, nem checa. De repente, e aos poucos, ele começa a tirar a roupa dela, lamber seus seios caídos e roçar em suas partes íntimas enquanto ela delirava. Então ele tira a sua própria camisa, ela entrelaça as pernas no corpo dele, e começam a fazer movimentos de pura excitação. Isso na frente de todo mundo e durante a apresentação de uma das mais emblemáticas bandas europeias. Eu e Ivan observávamos aquilo e nos divertíamos. Cheguei a pensar que eles iriam acasalar ali mesmo, na frente de todos, mas guardaram o coito para mais tarde, num local reservado. De qualquer forma, foi suficiente para eu e Ivan concluirmos que o velhote finlandês era O CARA. Como se não bastasse ser vocalista de uma das mais antigas e influentes bandas do hardcore europeu.

Voltando ao que importa (porque a situação acima referida é de interesse exclusivo do casal envolvido), foi frustrante não desfrutar do show de Hellkrusher! A cada música que passava, eu comentava com alguém se eles já haviam tocado essa ou aquela música. Não dava para saber, era tudo ruído grave e mais nada.

Até que vem Guided Cradle. Três dias antes eu enlouquecera no Klub 007 Strahov. A apresentação deles lá havia sido perfeita, absolutamente brutal! Era a volta deles a Praga depois de irem morar em Portland, EUA. O som estava limpinho, ouvia-se perfeitamente cada instrumento, cada acorde, e ao vivo eles conseguem ser ainda melhores do que nas gravações.

Foi no show que a banda deu no Klub 007 Strahov que eu convenci-me de que Guided Cradle é a melhor banda de crust da atualidade.

Voltando ao PFOD, eu sabia que o som continuaria a mesma merda. Se não havia melhorado até então, não melhoraria mais. Mas abstraí-me desse detalhe, dei a minha máquina fotográfica para meu irmão, e fui curtir. Corri logo para subir no palco e pular. Repeti o ritual quatro ou cinco vezes, até que quase quebrei a perna num salto direto para o chão. Fiquei mais moderado, mas voltei a subir e pular. Era uma loucura total! Dezenas de pessoas subiam no palco e saltavam ao mesmo tempo.

Guided Cradle é uma banda recente, possui apenas dois álbuns, o que é uma garantia de que toca sempre os seus clássicos. E por ter uma estrutura musical diferente, mais complexa e com passagens mais trabalhadas, solos, etc, até que deu para compreender alguma coisa no meio daquele ruído grave.

No final, gostei muito, mas ao mesmo tempo fiquei muito feliz por ter ido no concerto deles três dias atrás, porque naquele show eu pude curtir a música da banda, pude contempla-los enquanto músicos, pude ver a técnica e saborear o som. Eu pensei: “no show do Klub 007 eu não me mexi um único instante, sempre com os olhos colados nos caras tocando. Agora será a desforra”.

Após o show, eu estava exausto, todo sujo e dolorido. Ainda faltava Violent Headache (Espanha), Dirty Power Game (Itália) e Antimaster (México). Eu queria muito ver Dirty Power Game, afinal é a principal influência musical de Winston Smith, a minha banda (que anda adormecida há tempos). Só que o som me impediu de curtir. Eu estava lá com o meu irmão e não entendíamos nada. Olhávamos sempre um para o outro sem saber quais músicas eles estavam tocando. Para se ter uma ideia do estado do som, a apresentação da banda italiana acabou sem a gente saber se ela havia tocado o seu grande clássico, também intitulado Dirty Power Game. Frustrante! A qualidade sonora do festival apresentava-se ainda mais decadente no caso de bandas com sonoridade mais pesada, como é o caso do crust/grind de Dirty Power Game.

Assisti Violent Headache e Antimaster já totalmente acabado. A primeira banda até achei legal e curti um pouco, mas a segunda me fez dormir. Não culpo a banda, até porque já a conhecia e ouço com entusiasmo suas gravações. Culpo o som e o fato de eu já estar totalmente desfeito àquela altura do campeonato. Fazia um pouco de frio e começava a chuviscar. A Kate esteve cega o dia todo, não a vi em show nenhum, exceto no de Guided Cradle. Ivan também já acusava sinais de fraqueza e sua namorada já estava na tenda.

Fomos dormir, exaustos.

Chegando na tenda, encontramos as duas moças dormindo. A Kate sabia que só havia lugar para três pessoas, e havia garantido que algum de seus muitos admiradores arranjaria lugar para ela dormir. Tentei acorda-la, mas ela estava desmaiada. A enorme mistura de drogas leves e pesadas deixaram-na apagada. Tentei puxa-la para fora da tenda, sem piedade, mas não consegui. O jeito foi dormirmos todos juntos ali dentro, uns sobre os outros, com mochilas no meio e chão frio.

Até que aparece o Robertinho, vocalista de Infame, e a leva dali para fora. Para onde, não sei. Fiquei imensamente agradecido e adormeci, já mais confortável.
No dia seguinte, foi acordar, desmontar a tenda, e ir embora. E não houve nada de interessante na viagem de regresso para merecer alusão além do fato de termos viajado, finalmente, no célebre comboio de cabines, no qual passamos a viagem toda no corredor, com a janela aberta, sentindo o ar fresco na cara enquanto observávamos a paisagem rural checa.

Mas uma vez em Praga, a loucura continuou. Foram mais três dias de total boêmia, dias mergulhados em álcool, num exagero poucas vezes atingido por mim. Ivan, Andreia e Kate dormiram na casa da Martina, para meu desespero, que via-me obrigado a responsabilizar-me pela estadia daqueles três na casa da checa. No final, até deu tudo certo.

Durante esses três dias fomos certamente mais de 10 vezes ao Hany Bany, o meu bar favorito em Praga. Lá, conhecemos um estadunidense residente em Praga, que tratou de nos pagar lanches e bebidas. Durante os passeios por Praga, nos quais eu era guia turístico dos três, conhecemos dois finlandeses em Vyšehrad, um rapaz e uma moça. Também o levamos para o Hany Bany, e lá o rapaz, de nome Tofu, desafiou a Kate a tomarem absinto. O absinto original é de cor verde e proibido em Portugal e na maioria dos países da Europa devido à substância alucinógena Artemisia Absinthium. Creio que no Brasil o absinto também é proibido, pelo menos o absinto original. Já na Rep. Checa, ele é legal e bebido normalmente nos bares. A Kate, obviamente, aceitou o desafio.

No último dia da estadia dos três turistas portugas, chegamos a ir 4 vezes ao Hany Bany, e quando não estávamos lá, estávamos andando pela cidade sempre com garrafas de Pilsner ou Staropramen na mão. À noite, ainda fomos jogar bilhar com a Martina. Foram três dias surreais, para finalizar com chave de ouro as minhas férias longe de Portugal.

No dia 9 de Setembro os três portugas regressam ao Porto, numa viagem de avião com escala em Madrid. Eu só voltaria a Portugal duas semanas mais tarde, e ainda tive a oportunidade de ver um show aberto (gratuito), na Staroměstské Náměstí (a praça principal do centro histórico de Praga), do sérvio Goran Bregović.

Apesar da desilusão com o PFOD devido à qualidade sonora, valeu a pena e o convívio criado compensou o fato de não ter sido possível desfrutar das apresentações das bandas.

Ivan reconheceu que a cerveja checa é melhor (muito melhor) que a portuguesa, e escolheu Praga como sua cidade favorita.

No próximo ano, esperamos estar de volta a Praga, ao Play Fast Or Dont e inclusive ao Obscene Extreme.

Parece que o turismo musical entre Portugal e Rep. Checa veio para ficar.

PS: Quero fazer uma dedicatória a duas pessoas. Uma delas é o Ivo, o velhote crustie checo que não foi ao PFOD devido à sua fobia. Sei o quanto ele lamentou não ter ido, e espero encontra-lo lá no próximo ano. A outra pessoa é o Adelvan Kenobi, grande personagem e impulsionador da cena roqueira de Aracaju. Fica aqui reiterada a minha vontade de um dia partilharmos pessoalmente uma gig, seja aí na terra dos papagaios e dos cajus, seja aqui na “zoropa”.

2 comentários:

  1. Valeu, Adelvan.

    Escrevi o texto na correria, mas espero que você tenha gostado. Apesar dos apesares referidos nele, gostei muito do festival e pretendo voltar no próximo ano, vê se aparece também, a cerveja fica por minha conta :-)

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  2. "vê se aparece também" - put\z, preciso fazer isso um dia, cara. Deve ser de fuder, um rolê pela Europa ...

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