segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Uma viagem a Yamoth, o planeta sagrado da rainha da morte ...

Minha amiga Catarina Cristo uma vez falou uma coisa que não me saiu mais da mente: “o rock me emociona”. A mim também. O rock e, também, o talento, essa coisa misteriosa que parece aflorar do nada em pessoas aparentemente abençoadas pelos deuses desde o berço.  Thomas Edison dizia que talento é 1% inspiração e 99% transpiração. Entendo o que ele quis dizer: que por trás de uma obra bem executada há sempre muito trabalho acumulado. Mas que há quem parece ter nascido para ser Mozart e quem vai morrer sendo Salieri, isto há! Como explicar Jimi Hendrix, por exemplo? Apenas como fruto de treinamento exaustivo? Acho que não. Imagino quanto gente já praticou o dobro que ele e não chegou a uma fração de sua genialidade ...

Sábado passado eu tive mais uma demonstração de talento explícito, em estado bruto. Foi no bom (mais ou menos, né) e velho Capitão Cook, encerrando a noite de lançamento do disco “Coração Metrônomo”, da Renegades of punk. Para o azar dos incautos que foram embora mais cedo, três guris (não sei qual a média de idade deles, mas não parece passar dos vinte e poucos anos, senão menos) sacaram de seus instrumentos na, esta sim, boa e velha formação básica do rock, um Power trio, e foi como se os espíritos de Jack Bruce, baixista e vocalista do Cream, Tony Iommy e Bill Ward, respectivamente guitarrista e baterista do Black Sabbath, baixassem misteriosamente à nossa frente ...

Pedro Ivo, Thiago Alef e Lillian Lessa formam a Necronomicon, banda alagoana de rock pesado com forte influência dos sons emitidos nos anos 60 e 70 pelos nomes supra-citados, além de generosas pitadas de rock progressivo e, nas letras, do que foi escrito pelo mestre do horror H. P. Lovecraft. São, acima de tudo, muito talentosos, mas tem mais: são “do rock”, como fica evidente na entrega com que executaram suas longas composições nos cerca de 60 minutos de apresentação madrugada adentro - com direito, inclusive, a um espetacular solo de bateria e a uma divertida intervenção de um figura magrinho e perfomático que, pelo que entendi, é o “manager” deles. No “recheio”, um excelente “set” composto apenas de músicas próprias, a maioria de seu segundo disco, “The Queen of Death”, a ser lançado em breve em glorioso vinil.

A perfomance do trio foi tão perfeita que fica até difícil destacar algo. Pedro, que além de cantar e tocar baixo é uma espécie de líder informal do grupo, é acompanhado por Thiago, igualmente brilhante na tarefa de espancar sem dó nem piedade as peles da bateria, e por uma garotinha aparentemente tímida e introspectiva que se comunica basicamente através de riffs poderosos e soturnos. O nome dela é Lillian, mas resolvi rebatizá-la como Antonia – Antonia Iommy. Sensacional! Se já chegaram a este nível em inicio de carreira, é de se imaginar o que pode vir por aí, caso persistam e não se deixem abater pelo estruturalmente raquítico e desestimulante cenário independente brasileiro. Em todo o caso, posso afirmar sem medo que Alagoas já tem mais um nome com potencial para ser registrado na história das grandes bandas do rock nacional, ao lado do Mopho ...

Foi foda! Quem perdeu esta segunda oportunidade de vê-los (já haviam se apresentando por aqui no inicio do ano durante o carnaval, no festival Grito rock) tem a obrigação, a partir do momento em que lê estas mal traçadas linhas, de se arrepender amargamente. Corra atrás e ouça, mas saiba que ao vivo é ainda melhor - mesmo sem a presença dos teclados, que criam belissimos climas nas gravações de estúdio.

Antes, tivemos os anfitriões da Renegades executando seu punk rock nervoso e energético sob o brilho de luzinhas de pisca-piscas natalinos usados para decorar a bateria e os pedestais dos microfones – grande sacada. Simples, bonito e eficiente. Como a banda em si, aliás. Também difícil destacar algo, mas eu chamaria a atenção para a versão de “o inimigo”, das Marcenárias, e para a tiara de oncinha e a glamourosa guitarra azul brilhante de Daniela, que a toca com uma energia e desenvoltura desconcertantes. Excelente!

Abrindo a noite, Alunte. Banda nova, primeira apresentação. Precisam amadurecer, claro, e isto só acontecerá com mais experiência de palco, mas mandaram bem, com um som potente que remete ao grunge dos anos 90, tanto na forma quanto na execução, desencanada e desleixada. Rock, enfim.

Fim.

A.

Chuck Berry, American Music Master.

"Meus dias de cantor passaram", diz Chuck Berry

Homenageado do Hall da Fama do Rock lamenta seus problemas de saúde e elogia Barack Obama.
 
Chuck Berry fez algo raro: concedeu uma entrevista. Visitando Cleveland para aceitar o prêmio American Music Masters do Hall da Fama do Rock, o músico de 86 anos se encontrou com os jornalistas no escritório do museu antes de conhecer a exibição que celebra a sua vida. 
 
Sentado ao centro de uma mesa de conferência entre seu amigo Joe Edwards e seu filho Charles Berry Jr., vestindo um chapéu de capitão e uma jaqueta do Hall da Fama do Rock, Berry se mostrou humilde, revelador e divertido. “Deixe-me fazer uma declaração”, ele disse, no início. “O fato de eu ter ficado 48 anos na frente da bateria tem tido um efeito nos últimos quatro meses, que é um soluço toda a vez que eu falo a verdade”. E a sala explodiu em risos.

Em dado momento, a Rolling Stone EUA perguntou a Berry o quanto o país evoluiu desde que ele começou a tocar em lugares segregados no sul do país. Berry refletiu por um momento. “Eu nunca pensei que um homem com aquelas qualidades, características e tudo o que ele tem, [poderia] ser nosso presidente”, disse ele. “Meu pai dizia: ‘Talvez você não viva para ver esse dia’, e eu acreditei. Graças a deus eu vivi”. Berry parou por alguns segundos enquanto seus olhos se enchiam de lágrimas. “Desculpem-me”, ele disse.

O momento mais emocionante foi quando ele discutiu seu próprio futuro. Explicando que não ouve bem, o ícone do rock se virou para o amigo Edwards. “Se você não se incomodar, Joe, pode explicar [as perguntas] para mim porque estou ouvindo muito pouco. Estou pensando no que vai ser o meu futuro”, ele disse, levantando o dedo. “Isso é uma novidade!”

Os jornalistas pediram que Berry explicasse mais. “Bom, eu vou dar a vocês um pouco de poesia”, ele disse. “Dar uma canção? Eu não posso fazer isso. Meus dias de cantor passaram. Minha voz se foi. Minha garganta está gasta. E meus pulmões se vão rápido demais. Acho que explica tudo.”

O jornalista do St. Louis Post Kevin C. Johnson argumentou que as pessoas ainda pagam para ver Berry mensalmente no St. Louis’ Blueberry Hill. “Deixe-me lhe dizer o que é isso”, disse Berry. “Eles têm um ótimo momento de lembranças. E eu espero que eu continue melhorando a memória deles, porque ela parece muito fraca, como eu disse, entendeu?”

por PATRICK DOYLE
rolling stone 
 

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

# 246 - 20/10/2012

The Meteors disputa com o Cramps o honroso título de banda fundadora do "psychobilly" - uma espécie de rockabilly com pegada punk e temática mórbida. Na verdade não disputa: Cramps perde por WO, já que se recusava a se rotular como tal. E, na verdade, seu som estava muito mais para o garage rock que para o que se convencionou chamar posteriormente como psychobilly. O programa de rock do último sábado abriu com um cover dos Meteors para "paranoid", do Black Sabbath. A faixa está no novo disco deles, "Doing the Lords work" /// Também nova é a cover do Laibach para "Ballad of a Thin man", de Bob Dylan. É uma das faixas inéditas da nova coletânea dos eslovenos, "An introduction to" /// Quando perguntaram numa entrevista do Laibach se eles se incomodavam em estar sendo “copiados” pelo Rammstein, eles responderam: “O Laibach não acredita em originalidade. Portanto, não há muito que eles pudessem ‘roubar’ de nós. (…) De todo modo, hoje nós dividimos o território: o Rammstein parece uma espécie de Laibach para adolescentes e o Laibach é um Rammstein para gente grande.”

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(*) A Eslovênia é um país pequeno até para os padrões europeus, com área menor que a de Sergipe e pouco mais de 2 milhões de habitantes. Encravada entre a quina oriental dos Alpes e o Mar Adriático (você acertou: a paisagem é de tirar o fôlego!), formando uma cunha entre a Itália e a Áustria, fez parte desta última durante mais de 600 anos. Mas apesar de a influência austríaca ser obviamente muito grande após uma ocupação tão longa, os eslovenos não são um povo germânico: sempre foram e ainda são um povo eslavo, aparentado mesmo é com seus vizinhos croatas, com os sérvios e búlgaros, e mais distantemente com os tchecos, poloneses e russos. A Eslovênia costuma ser confundida com a Eslováquia (com a qual nem faz fronteira), o que deixa os dois povos furiosos, embora os dois nomes de fato queiram dizer exatamente a mesma coisa: “terra onde vivem eslavos”. Mas o nome é recente: até 1918, a Eslovênia era uma província do Império Austro-Húngaro chamada “Carníola”. O nome “Eslovênia” tinha sido cunhado poucas décadas antes, por um movimento nacionalista, justamente para enfatizar a identidade eslava do país, dominado durante séculos por um povo germânico.

Depois do colapso do Império Austro-Húngaro na I Guerra Mundial, durante a maior parte do século XX a Eslovênia foi parte da Iugoslávia, sendo uma das seis repúblicas que constituíam aquele instável país que só existiu por poucas décadas. A Iugoslávia era uma colcha de retalhos frágil demais, mantida unida em torno de apenas um homem, sua mão de ferro e seus ideais pan-eslavos um tanto megalomaníacos: o marechal e ditador supremo Josip Broz, apelidado de “Tito”. Quando este morreu, em 1980, a Iugoslávia começou a se desintegrar, e em 1991, a Eslovênia foi a primeira república a pular fora, numa curta guerra de independência em que um pequeno exército formado do nada praticamente na hora da batalha derrotou as forças iugoslavas muito mais numerosas e bem equipadas em apenas 10 dias, com pouquíssimas baixas – um feito militar que até hoje causa admiração. Depois, não se envolveu quando seus ex-companheiros da federação iugoslava se trucidaram em guerras de uma selvageria raramente vista; enquanto eles se aniquilavam, a Eslovênia trabalhava em paz e prosperava. E depois de em menos de um século passar duas vezes pela experiência de fazer parte de países maiores que arrotavam grandeza mas acabaram desmoronando completamente, a pequena Eslovênia vem andando muito bem sozinha, e só ladeira acima: entrou logo para a União Europeia, para o Tratado de Schengen, para a Zona do Euro e hoje é de longe o mais próspero e bem-sucedido país ex-comunista da Europa Oriental, o único que já atingiu um padrão de vida comparável ao dos vizinhos ocidentais.

Estética militar, idioma alemão e letras cínicas que frequentemente têm temas e linguagem típicos de regimes totalitários ainda evocam em muitos uma associação imediata com o nazismo, e por isto o Laibach foi acusado de neonazista (assim como de comunista radical) em várias ocasiões. Mas o Laibach não é para quem tem QI baixo (em entrevistas, eles se divertem respondendo ambiguamente, com a cara mais séria do mundo: “Somos fascistas tanto quanto Hitler era pintor.”). O músico e crítico inglês Richard Wolfson matou a charada brilhantemente: “O método do Laibach é extremamente simples, eficaz e horrivelmente propenso a ser mal interpretado. Antes de mais nada, eles absorvem os maneirismos do inimigo, adotando todos os ornamentos sedutores e símbolos do poder do Estado, e depois exageram tudo até a beira da paródia. Em seguida, eles mudam o foco para assuntos com altas cargas emocionais — o medo que o Ocidente tem dos imigrantes da Europa Oriental, os jogos de poder da União Europeia, as analogias entre a democracia ocidental e o totalitarismo.” Ou seja, o Laibach discute tudo que artistas engajados de verdade deveriam discutir (embora pouquíssimos consigam fazer de forma tão brilhante) e exatamente tudo que nenhum regime totalitário de verdade gosta de ver discutido.

Por isto chega a ser pueril achar que o Laibach prega o totalitarismo, de direita ou de esquerda, simplesmente por causa da estética radicalmente engajada deles. Aliás, eles também se apropriam com frequência de símbolos trabalhistas e da estética do realismo socialista, levando também a acusações de que eles teriam saudades do comunismo iugoslavo. Isso seria muito incoerente num grupo que foi muito perseguido nos tempos do comunismo por sua ousadia – inclusive a de, durante um show em Zagreb (capital da Croácia e na época a segunda maior cidade da Iugoslávia), projetar no palco ao mesmo tempo um conhecido filme de propaganda do regime e outro pornográfico, levando a momentos em que o então recentemente falecido e ainda cultuado ditador Tito aparecia na tela ao mesmo tempo que um pênis… A polícia política não gostou nada, é claro. Os membros do grupo tiveram que sair do país e passar um tempo trabalhando como operários na Inglaterra e Irlanda do Norte, antes de voltarem e entrarem fundo na cena artística semiclandestina da Iugoslávia e especialmente da Eslovênia. Mas já tinham seus fãs atentos em toda a Europa e a fama crescia de boca em boca.

O Laibach começou em 1980, mesmo ano em que Tito morreu, na cidadezinha eslovena de Trbovlje (não, não errei a digitação! – pronuncia-se mais ou menos “terbôulhe”), de menos de 20 mil habitantes. O que viria a ser o Laibach era apenas o braço musical de um movimento que também incluía grupos de artes plásticas e teatro de vanguarda, numa abordagem multimídia que já seria ousada para a época em Londres ou Amsterdam, quanto mais num grotão da então Iugoslávia. A primeira performance anunciada do grupo já foi proibida antes de acontecer, dentre outros motivos porque os cartazes de divulgação misturavam as “cruzes suprematistas” de Kazimir Malevich (pintor russo que, como todos os expoentes da arte moderna, era considerado “contrarrevolucionário” e “burguês”, portanto banido em regimes comunistas) com imagens nacionalistas e de propaganda do regime. Nessa época, o grande gênio por trás do Laibach era um jovem chamado Tomaž Hostnik. Infelizmente, Hostnik sofria de depressão profunda e se matou em dezembro de 1982, aos 21 anos de idade. Mas apesar de sua curta vida e mais breve ainda passagem pelo grupo, foi ele que criou o conceito do Laibach, que se mantém até hoje.

Apesar desses reveses iniciais, o grupo não desanimou, mudou-se para Ljubljana e lá, em Zagreb e Belgrado, começou a se firmar na cena cultural iugoslava. Passou o resto da década de 1980 à mercê dos humores do regime, que ora proibia o trabalho do grupo, ora o usava para mostrar ao Ocidente como seu país era “moderno e liberal”. O período de exílio foi ótimo para eles, porque fizeram muitos contatos valiosos em Londres. Um deles foi o celebrado bailarino e coreógrafo de vanguarda Michael Clark, e foi assim que eu conheci o Laibach: em 1988, Clark apresentou-se no Brasil como uma das atrações do Carlton Dance Festival, com a absolutamente genial coreografia No Fire Escape in Hell (“não há saída de incêndio no inferno”), que foi uma das coisas que mais me deixaram completamente PASMO de tudo que já vi na vida. Na Europa, Clark apresentava a coreografia com o Laibach tocando ao vivo no palco; no Brasil, foi com uma gravação, mas mesmo assim, a combinação daquela dança hipnótica e perturbadora com aquela música densa e provocante me deixou achatado. O Laibach tocava o que só muito depois vim a descobrir serem músicas de Nova Akropola, um dos seus últimos álbuns gravados em esloveno, pois naquela época eles já estavam começando a cantar mais em alemão e ocasionalmente em inglês.

Fiquei obcecado em conhecer mais sobre a banda, mas o único disco do Laibach que achei na época aqui no Brasil foi Opus Dei, um dos seus mais polêmicos, por vários motivos. Primeiro, porque eles fizeram um cover de Live Is Life (sic), uma música pop bobinha, “para cima” e completamente alienada que fazia sucesso na época com a banda austríaca Opus. Na mão do Laibach, sem mudar uma vírgula na letra, o que parecia uma conclamação a aproveitar a vida só curtindo virou uma mobilização de massa histérica por um regime totalitário, só com o tratamento musical que eles deram. E eles ainda fizeram uma versão em alemão, Leben Heißt Leben, com letra parecida, mas de tom completamente niilista. Ainda mais provocante foi o que eles fizeram com One Vision, do Queen, que ganhou uma letra em alemão (meus anos de Goethe-Institut e o encarte me ajudaram muito!), um andamento de marcha wagneriana e o título de Geburt einer Nation (“O Nascimento de uma Nação”) – referência ao famoso filme esteticamente revolucionário mas asquerosamente racista de D. W. Griffith (basta dizer que o título original era para ser O Homem da Klan – sim, a KKK, e ele era o mocinho do filme!!!). Geburt einer Nation era apresentada com um videoclipe pela primeira vez usando uma estética definitivamente emprestada do nazismo – o que além de ser chocante por si só, surpreendeu muita gente que até então pensava que eles eram comunistas roxos… E ainda havia Leben/Tod (“Vida/Morte”) com o provocante e praticamente único verso: “Há uma vida antes da morte.”

Ao ouvir Opus Dei, algo dentro de mim rejeitou o que parecia ser óbvio e nem por um momento acreditei que eles fossem neonazistas – as entrelinhas eram ainda mais eloquentes que os versos; a ironia e a caricatura flutuavam no ar junto com o som. Poucas vezes vi um disco tão curto quanto Opus Dei sair tanto do banal. Eles simplesmente fazem com sutileza e classe a denúncia que Roger Waters tentou fazer berrando (e falhou) em The Final Cut, usando uma estética para lá de ousada e alternativa e aquele método de provocação que Wolfson explicou tão bem. Por exemplo, a letra em alemão de Geburt einer Nation tem praticamente o mesmo significado da letra inglesa de One Vision, mas por ser em alemão e usar aquela estética, versos como “uma só raça”, que em inglês soa como “a raça das pessoas não importa”, passa a sugerir “só uma raça sobrevivente ou dominante (depois de aniquilar as outras)”. Isso faz o ouvinte refletir sobre um monte de coisas: como a mentalidade dos vencedores se impõe, em como estereótipos culturais se perpetuam, como é fácil manipular informações e até a arte, e como o aparentemente liberal e democrático sistema político e cultural do Ocidente está mais próximo dos métodos do totalitarismo do que imaginamos – o que é um dos temas centrais da obra do Laibach. O grupo foi forjado no totalitarismo comunista da Iugoslávia, um país que, como toda a Europa Oriental, caiu numa ditadura de extrema esquerda sem escalas logo depois de sair de uma traumática ocupação pelo outro extremo (os nazistas); eles ganharam Ph.D. nisso e dedicaram suas vidas a expor as entranhas dos métodos de controle do poder através da sua arte, brutal e refinada ao mesmo tempo. É uma tarefa para poucos, muito poucos!

A disponibilidade de material do Laibach no Brasil sempre foi paupérrima e foi só depois do amplo acesso à Internet que pude voltar a acompanhar o que o Laibach andou fazendo estes anos todos – e não foi pouca coisa. Continuam ativíssimos depois de 32 anos de carreira e arrebatando críticos e público. Recentemente abriram shows para a turnê europeia de Marilyn Manson e na opinião de muitos, ofuscaram o astro supostamente principal. Continuam baseados em Ljubljana, mas viajam muito e produzem muito. E lembra-se que eu falei que eles eram associados a um grupo de artistas plásticos e dramáticos? O movimento, chamado Neue Slowenische Kunst (“Nova Arte Eslovena”, em alemão), ou simplesmente “NSK”, também continua ativíssimo e tão celebrado e cultuado quanto seu braço musical.

por Goytá*

DAQUI

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The Meteors - paranoid
Laibach - Ballad of a thin man

Mopho - Ao vivo - O amor é feito de plástico
Mott The Hoople - Sweet Jane (Live at Hammesmith Odeon 1973)
Neil Young - Ao Vivo - Rockin´in the free world
Dee Purple - Mistreated - Live at Califonia Jam 1974

Metallica - Battery
Slayer - War ensamble
Sepultura - Troops of Doom

Air - Sexy Boy
New Order - True Faith
The Flaming Lips - My Cosmic Autumn Rebellion

45 Anos de "Arnold Lane", "See Emily Play" & "The Piper at the gates of dawn"
Pink Floyd:

# Arnold Lane =
# See Emily Play =

# Astronomy Domine =
# Lucifer Sam =
# Matilda Mother =
# Flaming =
# Power R. Toc H. =
# Take up thy stethoscope and walk =
# The Gnome -
# Chapter 24 -
# The Scarecrow -
# Bike -

= Stereo
- Mono

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Celebrando Robert Plant

Led Zeppelin foi a banda mega por excelência: excessos, magia negra, jato particular, etc. Queria eu que Iron Maiden e Metallica tivessem acabado na hora certa. Banda depois de dez anos vence a validade. Vira pantomima, entretenimento, o que você quiser, menos rock, nem no Rio nem em lugar nenhum. Springsteen pelo menos é um indivíduo, não uma turminha de faz de conta, reciclando eternamente hits empoeirados. Plant é igualmente dono de seu nariz. Anda numa trip muito louca — mais uma — mergulhado em ritmos americanos de raiz, tambores africanos e tal. Sinal que continua vivo e procurando, parabéns. Plant não vai fazer o show que a turma que pagou R$ 500 espera. Não toca pandeiro pros fãs sambarem. Faz o que está a fim, e joga umas bananas pros macacos na audiência, uns três ou quatro clássicos do Zep. Certo ele.

Uma amiga das antigas me convoca: “Vamo lá!” Me conta que sua vida mudou quando assistiu no cinema The Song Remains the Same, documentário com o Led Zeppelin ao vivo, Rio de Janeiro, fim dos 70. Descobriu O ROCK, e Plant foi o primeiro homem de sua vida, o símbolo sexual que a desvirginou. Era enchimento, provoco... mas, sim, Plant era um deus grego, ou talvez ninfa celta pré-rafaelita, andrógino e muito macho, lindo e loiro e sedutor e natural. Led Zeppelin era o bicho.

Em entrevista a Rodrigo Carneiro no Valor, Castor Daudt, do DeFalla, explica muito bem: "Eles criaram os parâmetros para todas as bandas de hard rock e heavy metal que se seguiram... Tinha o cantor sexy, o guitarrista gênio descolado, o baixista nerd e o baterista alucinado". Faltou dizer que tinha um gênio da composição no comando, Jimmy Page, o guitarrista mais importante de sua geração, que inclui Clapton e Hendrix, pra começar.

Eu não me apaixonei por Plant no cinema nem nunca. Só me rendi ao Led Zeppelin muitos anos depois da banda acabar. Eles sempre estiveram por ali, cercando, "o Led", falavam os cabeludos, mas era banda para os irmãos mais velhos dos meus amigos, e, muchocho, som de bicho-grilo. A ficha começou a cair junto com os preconceitos, lá por 1985. Em 1990, cometi meu primeiro artigo sobre o Led Zeppelin para a Folha.

Chutava o pau, comparando a vitalidade e a riqueza criativa da coleção Remasters com a bunda-molice, unha encravada do lamuriento rock amoreco da crítica da época, Morrissey etc. Gigantes andavam sobre a Terra nos 70, eu dizia em 90. Hoje, parecem everests. O rock ficou pequeno.

Dispenso a orgia mitômana nos shows brasileiros de Plant. Mas confesso uma certa tentação de ir a um cinema assistir Celebration. É o filme do show que reuniu Plant, Page, John Paul Jones e o filho de John, Jason Bonham, por uma única noite, em 2007. Hoje, é o lançamento mundial em DVD, Blu-Ray, vinil e tal. Mas também será exibida em cinema, aqui no Brasil, dias 30 de outubro e 3 de novembro. Metal pesado no conforto de poltronas reclináveis?

Pipoca e Led Zeppelin combinam? Talvez trufada? Talvez com a amiga? A principal razão do Led Zeppelin ser esse mito intocável é Plant. Sempre se negou a vender a lenda em troca de uns caraminguás. Resistiu valente a se tornar cover de si mesmo. Tentações não faltaram, nem pressão de Jimmy Page. Nunca topou ressuscitar a banda ou gravar novo material. Cedeu de leve e raramente.

Vi a dupla reunida em São Paulo na turnê Unledded, 1996*, reinventando o melhor do Led Zeppelin para outra Era, com forte acento étnico. Belo show, sem fedor de defunto, contendo uma Kashmir mais épica que a original, o que em princípio é impossível. As memórias vivem e me bastam. Led Zeppelin, nunca verás nada igual. Plant, muito menos. Faz o que quer. Rasga dinheiro. Escolheu o caminho onde ninguém vai. É louco, louco dos meus. Sabe o segredo. He asks no quarter...

* NOTA DO EDITOR (ADELVAN): Também vi esse show e foi uma experiencia transcedental! Lembro que estava sentado no piso do estádio (Hollywood rock, pacaembu, são paulo), totalmente esgotado, mas ao ouvir os primeiros acordes da guitarra de Jimmy Page - provavelmente o som de guitarra mais cristalino que já penetrou meus tímpanos - esqueci completamente o cansaço ...

por  André Forastieri

r7


domingo, 21 de outubro de 2012

So young ...

“What are we?”, perguntou o vocalista do Suede, Brett Anderson, dando a deixa para o público cantar o refrão de um dos grandes hits do primeiro disco da banda. E, aquela altura, após a décima música do setlist, a resposta era totalmente óbvia: “we’re sooo young!” berraram muitos e muitos jovens que já passaram há tempos dos 30, alguns até perto dos 45 que o próprio Brett completou este ano.

Dezenove longos anos se passaram desde que o Suede lançou seu (homônimo) disco de estreia e o show no Planeta Terra, seu primeiro no Brasil. Mas a banda, como ficou claro esta noite, parece ter uma relação meio diferente com o tempo.

Depois de uma breve introdução instrumental, todos entraram logo, com exceção dele, que chega caminhando lentamente, sabendo exatamente o impacto que sua presença provoca nos fãs. Brett Anderson pisa no palco e, magicamente, é como se fosse algum lugar entre 1994 e 1998 novamente.

Sem conversa, sem tempo para sequer trocarem olhares, todo mundo ali já sabe o que fazer. Começam então os primeiros acordes de She, a música que há muito tempo abre os shows do Suede. Na sequência, um dos maiores hits da carreira, Trash, além de Filmstar, Animal Nitrate e We Are The Pigs. Tudo direto, sem respiro.

Na última dessa sequência, aliás, Anderson mostra claramente que os anos e os excessos (e foram muitos) não estragaram sua potência vocal, um dos grandes trunfos da banda. O que é mais do que comprovado em The Wild Ones, o primeiro momento “tranquilo” do show, no qual ele canta sentado em um cantinho do palco.

Mas um show do Suede não é exatamente um lugar para se descansar. Apesar de um “oi, São Paulo” e um ou dois “obrigado”, ninguém parou, em momento algum. As músicas são emendadas umas às outras, o ritmo nunca cai e a banda parece usar uma energia armazenada sabe-se lá como desde os anos 90. A dinâmica entre os integrantes, aliás, é impressionante. Todos realmente sabem quando e como agir e ninguém dá sinais de cansaço.

Após pouco mais de uma hora, vem a despedida ao som de The Beautiful Ones, outro de seus maiores hits, com Brett agradecendo por eles terem sido convidados a tocar aqui e dizendo que foi adorável.

Cumprindo o que havia prometido, a banda não apresentou músicas novas, mas deu aos fãs exatamente o que eles esperaram 19 anos para ver: uma coleção invejável de clássicos, saídos de quatro dos seus cinco discos (eles nunca tocam nada de A New Morning, o disco de 2002 que assumidamente não gostam).

Caso continuem cumprindo a palavra, é só esperar agora que voltem em breve. Depois de demorar tanto para chegar à América do Sul, eles disseram na entrevista coletiva de sexta (19) que tinham adorado o show no Chile e usariam a apresentação no Planeta Terra como uma espécie teste com os brasileiros. A julgar pela reação do público, já devem ter se decidido.

por Fabiana de Carvalho,

Veja a seguir o setlist:

She
Trash
Filmstar
Animal Nitrate
We Are The Pigs
The Wild Ones
The Drowners
Killing of a Flashboy
Can't Get Enough
Everything Will Flow
So Young
Metal Mickey
New Generation
Saturday Night
Beautiful Ones

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

"Eletrokarma", dos Mamutes, por Silvio Campos

De cara um dos melhores álbuns de rock and roll que escutei nos últimos tempos! Temos em Aracaju um dos maiores representantes do rock "setentista" atualmente no Brasil. O som é  loucura, curtição, psicodelia, sexo, som, drogas - viagem mesmo! As influencias escorrem por todo o álbum e é tudo de muito bom gosto: Thin Lizzy, Deep Purple, Atomic Rooster, Led Zeppelin, Grand Funk e ACDC, além das referências a bandas nacionais como Casa Das Maquinas, Secos e Molhados,  Joelho de Porco, Mutantes, Golpe de Estado e O Peso, dentre outras.

O som, por mais que esteja trampado, cheio de arranjos, ainda passa aquela coisa bacana de garagem, sem deixar vestígios de uma banda amadora - muito pelo contrario: o som é muito maduro e a banda sabe em que terreno está pisando na execução dos temas. O vocalista mostra uma certa malandragem na voz, isso evidencia a grande evolução do mesmo, que consegue boas melodias e variações nas interpretações. A voz tem caracterizado bastante o som da Mamutes, se tornando uma das principais responsáveis pela originalidade do produto final. As guitarras esbanjam excelentes melodias, puro sentimento, com riffs estupendos. Ao final, completa-se com a cozinha: bateria e baixo pulsando firmemente, tudo muito rock.

São 10 temas de um conteúdo rock incrível, difícil é aceitar um trabalho como esse num simples envelope, uma veia inchada pronta para ser penetrada com uma seringa carregada de rock n roll da melhor qualidade. Alem disso a Mamutes é prá fuder também!!!! Em “Dama de Branco” cabe um belo Streep tease, tem algo muito sensual  naquilo ali, “Eu e Minha Guitarra” a segunda faixa é uma pancada hard, ai mora uma áurea ACDC, muito destacável  também temos a perola “Eletrokarma” a qual da titulo ao trabalho, nota dez e a referencia prá mim é o velho Deep Purple, já “Noturna” traz com eles a influencia na cara do Thin Lizzy, que melodia maravilhosa e envolvente, sentimento da porra!!!! dez!!!! acredito ser a musica mais elaborada da Mamutes, em seguida temos a dureza com uma certa ginga e feeling “O Olho Azul”, seguindo o cd temos outra perola “Os Olhos da Cabra”, esta entre as três melhores composições da banda, puro rock e mostra a pegada da banda, baixo e bateria marcantes e firme em toda a musica, perfeita,  já o hit “ Fora de Controle” mostra a cara rockeira que a Mamutes tem e a qual a mesma segue, é o que chamamos de musica rockeira toda!  Então isso é um álbum tipo coletânea, só tem musica boa, vai ser difícil a propria banda supera-lo,  na minha opinião. 

Ao final do cd temos as duas ultimas: “Te Deixando Meu Bye Bye” - um adeus a uma paixão que se foi. Agora é cair no rock, na estrada, legal demais e fecha a bolachinha “Tudo No Seu Tempo” essa é a referencia ao Led Zep. deles e claro com um toque de soul music e até funk, sem muitos comentários, ótima  musica e performance da banda, e para não dizer que esqueci da faixa três “Cabeça De Mamutes” ao escutar o cd aumente o volume  nessa faixa e incomode a quem quiser com essa avalanche ROCK da Mamutes, esse enorme animal feito de puro alicerce rock n roll.

                                                                                                                       (Silvio Campos)

Existem cópias físicas do CD da Mamutes à venda na Freedom.
Se preferir, baixe AQUI.
A Freedom é a loja de Silvio, e fica na Rua Santa Luzia, 151 - centro - próximo à Catedral Metropolitana.
Em Aracaju.
Silvio, além de proprietário da Freedom, faz blues e rock há cerca de 30 anos com as bandas:
Karne Krua
Veneno de Cobra
Máquina Blues
Words Guerrila
Cruz da Donzela
Casca Grossa
Tempestuous
Sublevação
Logorréia
etc



# 245 - 13/10/2012

A tarde em que Mike Patton trocou figurinhas com Max Cavalera, conheceu o rock brasileiro, escapou de dar entrevista – e se revelou um cara absolutamente normal.

O quarto é uma puta zona: meias e moletons se espalham pelo chão, a cama desarrumada está atulhada de discos e CDs, as paredes são cobertas de dezenas de fotos e pôsteres de tudo que é banda de metal, de Black Sabbath a – principalmente – Sepultura. Natural. O dono do quarto é Max Cavalera, cantor e guitarrista do quarteto mineiro que inverteu a lógica paul-simoniana do mercado fonográfico mundial ao exportar thrash metal para o primeiro mundo.

Há menos de uma semana em São Paulo, depois de uma vitoriosa turnê europeia, Max tem hoje em seus bagunçados aposentos um convidado especialíssimo: Mike Patton, do Faith No More. No dia do último show do FNM no Brasil, Mike passou a tarde no quartel-general dos Cavalera, no bairro de Santa Cecília, ouvindo as novidades que Max acabara de trazer de viagem (Pearl Jam, Primus etc.) e descobrindo as maravilhas do passado punk paulistano. “This is cool”, diz Mike de uma antiguidade do Olho Seco. Max mostra a capa do LP Screw You, do DeFalla. Mike gargalha: “This is waaaay cool!”

E nós – nós sendo eu, Carlos Eduardo Miranda e o fotógrafo Rui Mendes –, que catzo estamos fazendo em meio a este amigável encontro de titãs? Nada, porque já desisti de entrevistar Mike. Pô, é a última tarde livre do cara no Brasil. A última coisa que ele quer é dar entrevista. E, pensando bem, não tenho muito o que perguntar, apesar de ter sido um dos primeiros a encher a bola do Faith No More neste país. Afinal, entre MTV, jornais e revistas, todo mundo já perguntou tudo para Patton. Se ele gosta da mulher brasileira, o que ele acha de macumba, da Rosane Collor, seus filmes/grupos/tênis/políticos prediletos etc. etc. Foi uma over total.

Melhor relaxar e entrar no clima carnaval da banda. O soundcheck até que rendeu umas abobrinhas – já na viagem, no ônibus da banda, engatei um papo com o Roddy sobre o Kraftwerk. Mostrei o Entrevistão de setembro e tal. No Olympia, vi os caras escaparem das minas que cercavam a entrada; almoçarem o rango da peãozada da MTV, que ia gravar o show (frango, arroz, feijão, salada e Coca-Cola; Big Jim Martin arrotava sem parar); e fazerem uma passagem de som bacaninha, com Zombie Eaters, We Care A Lot e uma música nova. Era um punk-progressivo (existe?) que eles tocaram nos shows e ainda estavam meio que compondo (“e se a gente fizer um break aqui?” etc. Deu pra sacar que o Roddy manda mais do que parece).

Num intervalo da passagem do som apareceu uma vozinha, sussurrando “Varig flight 510 to São Paulo and Recife, now boarding... gate 8”. Opa, os caras samplearam um aeroporto? Não, Mike Patton é que é um imitador bom pra cacete. O cara é bem legal também. Molecão, boa praça, nem um pouco impressionado com seu status sexual entre as ninfetinhas brazucas. Só quer se divertir, só quer good clean fun.

E é porque o cara é legal que eu desisto definitivamente de tentar estragar o último dia livre dele. Melhor deixar o papo rolar sem gravadores nem blocos. Só peço duas coisas: que ele tire uma foto com o Max, e que diga como está a produção do novo disco do FNM – provavelmente a única coisa que ninguém perguntou ao vocalista. “Você sabe tanto quanto eu, cara. Já compusemos umas dez canções, e cada uma aponta para um lado. O que vai entrar no disco não sei.”

Você disse numa entrevista para a Bizz que estava mais para Commodores que Black Sabbath.
“Gosto dos dois. Todo mundo na banda gosta de umas coisas meio estranhas, a não ser o Jim Martin, que só ouve som pesado. Nas músicas novas estamos radicalizando pelo dois lados: é ao mesmo tempo muito mais trash e muito mais macio, easy listening, que The Real Thing. Mas ainda é cedo pra dizer que cara o álbum vai ter.” O disco já tem nome? “Ainda não.” Ontem, no soundcheck, vocês tocaram uma música nova. Tinha um riff, metal bem tradicional e um tecladão meio Rush, sobre uma batida punk forte. “É, ainda não tem nome nem letra, estou escrevendo ainda. Mas você viu, não vamos mudar do dia para a noite, nem nada assim. É só o Faith No More.”

E é mais que o suficiente. Libero o cara e vamos todos para a sala fazer as fotos. O fotógrafo faz milagres com a pouca luz e tempo disponíveis, e pronto. Segue-se uma discussão sobre as diferenças entre a censura americana e a brasileira. Mike teorizou: “Aqui dão muita importância para o que se diz, por isso é que censuram. Lá nos EUA ninguém encana com o que você fala, porque sabem que não faz muita diferença”.
Eles, no caso, são aqueles de sempre – o governo, o sistema, quem "manda no boteco". Eles, pô. “Mas na prática você tem de enfrentar a censura comercial, lojas que não vendem o seu disco se não concordam com o que você diz. E os meios de comunicação são muito bundões, qualquer grupinho pressiona e eles já cedem."

O resto é conversa mole. Max entra num papo com Miranda (produtor do Screw You de que ele tanto gostou), ouve Titãs, Grito Suburbano, Ratos De Porão. Vemos um vídeo do Ice-T que Max acaba de trazer de viagem. Discutimos onde comprar uma zarabatana no centro de São Paulo. Rola Mucky Pup na MTV, risadas, uma defesa do jornal paulistano Notícias Populares sobre o carioca O Povo e muito guaraná.
Garanto que misturar guaraná em pó com Coca-Cola é pega garantido. Mike, viciado em Coke, vibra com a ideia.

Já está chegando a hora de ir – a moçada BIZZ para casa, Max e Mike vão comprar discos na Baratos Afins. Descemos o elevador, demos tchaus. Mike agradece por não termos forçado a barra e tentado fazer a entrevista. No problem. O prazer foi todo meu.

Na rua, é cinco e meia. Uma chuvinha fina e pentelha embaça o trânsito. Vamos para um lado caçar um táxi, Max e Mike vão para o outro. Essa era a foto: Max Cavalera e Mike Patton no centro de São Paulo, encolhidos na chuva, a caminho do metrô.

Ambos estão subindo como ônibus espaciais na cena pop mundial mas continuam despretensiosos, desencanados. Dois caras normais – aleluia.

por André Forastieri (para a revista Bizz, em algum momento do início dos anos 1990)

Fonte: O Blog dele

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The Beatles – Love me do
Led Zeppelin – In the light

L7 - Monster
Ministry - N.W.O.
Helmet - unsung
Sonic youth - Kool thing
Faith No More - just a man

Screaming lord sutch - scream and scream
Elvis Hitler - Cool Daddy in a cadillac
Astro Zombies - Desperado
Dmented are go - Call of the wired
Guana Batz - Seethrough

Devotos do ódio - Vida de ferreiro
Karne Krua - subversores da ordem
Mukeka di rato - new wave índio
Blind Pigs - Bread & Circus policy
Anões de jardim - The peas
Intense Manner of living - Barbarism behind the wall

Gang of four - It was never turn out too good
Harry - Morbid (nobody else´s lucid dream remix)
KMFDM - Urban Monkey warfare
nine inch nails - all the pigs, all lined up

Voi Vod - Batman
Metallica - Lover man
Scarlett Johansson - I don´t want to grow up
Patti Smith - Everybody wants to rule the world
Nouvelle Vague - Love will tear us apart

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

por onde anda ...

Cláudio César Dias Baptista (também conhecido pela abreviatura CCDB, São Paulo, 6 de maio de 1945) é escritor, produtor de equipamentos de som e músico brasileiro. Foi um dos fundadores do grupo musical "The Thunders" (depois rebatizado "Os Seis") que viria a se tornar mais tarde Os Mutantes. Depois da entrada de Rita Lee, que com Arnaldo Baptista e Sérgio Dias (irmãos de Cláudio) integravam a formação considerada clássica da banda, CCDB atuava nos bastidores como "o quarto mutante" (chamado por alguns "O Primeiro Mutante", "The First Mutante", "O Quarto Integrante da Banda" ou ainda "O Mutante Oculto", uma referência a seu estudo místico), fazendo as vezes de técnico de som e construtor de todo o equipamento dos Mutantes, como a Guitarra de Ouro, as mesas de som e os equipamentos CCDB. Cláudio começou a mostrar seus dotes ainda criança, construindo telescópios. Em 1963 fabricou suas primeiras guitarras. Uma delas, a partir de um violino.

A pedido de um amigo, empenhou-se em fazer “a melhor guitarra do mundo”, com peças banhadas a ouro. Ao cabo de oito meses, entregou a encomenda. Na parte de trás, a inscrição de uma “maldição”: se alguém roubasse a guitarra, espíritos perseguiriam o gatuno para sempre.

Em 1964, os irmãos Arnaldo Baptista e Cláudio César Dias Baptista, juntamente com Raphael Vilardi e Roberto Loyola, fundaram o grupo The Wooden Faces. Um ano depois, conheceram e convidaram Rita Lee - então no Teenage Singers - a integrar a banda. Ainda entraria no grupo Sérgio, o caçula na família Baptista. A nova banda passou a se chamar Six Sided Rockers, depois O Conjunto e O´Seis.

Em 1966, eles gravaram compacto simples pela Continental com as composições "Suicida" (de Raphael e Roberto) e "Apocalipse" (de Raphael e Rita), que vendeu menos de duzentas cópias. Ainda naquele ano, Cláudio César, Raphael e Roberto deixariam o grupo. Com o aparecimento dos Mutantes em 1966, Cláudio fica responsável pela construção dos instrumentos: guitarras, baixos e amplificadores. Seus inventos proporcionam possibilidades ímpares de sonoridade, marca registrada da banda. Arnaldo, Rita e Sérgio mantiveram o grupo, que foi rebatizado com o nome definitivo de Os Mutantes - por sugestão de Ronnie Von, que, naquela ocasião, lia O Império dos Mutantes, ficção científica de Stefan Wul. Von, uma das estrelas da Jovem Guarda, comandava então o programa dominical O Pequeno Mundo de Ronnie Von, transmitido pela TV Record, e não havia gostado do nome anterior. Em 15 de outubro de 1966, Os Mutantes estrearam no programa. Impressionaram tanto que o grupo foi convidado a fazer parte do elenco fixo do programa. Eles também participaram das gravações do LP Ronnie Von - nº 3

Fonte: http://www.contrabaixobr.com/t17260-luthier-historia-claudio-cesar-dias-baptista-ccdb

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Ardo é um músico inquieto e inventivo. É o motor criativo de Os Atlantes, banda que ele integra ao lado do irmão, Sérias, e da mulher, Ree. Apreciado por sua originalidade, o conjunto acabou precocemente depois que os músicos começaram a tomar uma droga lisérgica chamada KSE. Após a dissolução do grupo e um salto suicida no vazio, Ardo acabou internado numa clínica psiquiátrica, por “abuso na ingestão de alucinógenos e conflito afetivo irresoluto”.

A semelhança com a trajetória de Arnaldo Baptista, Sérgio Dias e Rita Lee, que formaram Os Mutantes nos anos 60 e 70, não é fortuita. Os Atlantes são um grupo fictício criado por Cláudio César Dias Baptista, irmão mais velho de Arnaldo e Sérgio e cofundador do grupo que deu origem aos Mutantes. Luthier autodidata, construiu vários instrumentos usados pela banda e foi em parte o responsável pela sonoridade única de faixas como Dia 36, Bat Macumba e 2001.

A história dos Atlantes aparece no Livro Sexto de Géa, saga em doze volumes escrita por Baptista, que o público desconhece. Géa é uma obra de números superlativos: são 1 267 personagens apresentados em 3 712 páginas. O autor gosta de chamar a atenção para sua diversidade lexical: ele estima ter usado 30 mil palavras diferentes (“Mais do que em Os Lusíadas”). Muitas são neologismos e termos de idiomas extraterrestres – por isso o autor fez também o Livro Treze, um glossário mais extenso que os outros doze volumes juntos.

O livro conta a jornada espiritual de Clausar, alienígena do planeta Géa e alter egodo autor, como o nome sugere.  Na galáxia ficcional criada por ele, não são poucos os personagens, lugares e situações que têm paralelo com os da Terra. Nem poderia ser diferente: “Existe, sim, uma ligação com a minha vida, porque Géa contém uma mensagem e ela só pode ser passada a partir do que aprendi nesta existência”, disse Baptista.

Os personagens de Géa se deslocam em 78 tipos diferentes de naves. A obra apresenta ainda uma profusão de engenhocas imaginadas pelo autor, como o psicoaudiossintetizador alfa, instrumento musical operado pela mente, e o ionomag, sistema propulsor de naves “que poderá quiçá funcionar, se testado em laboratório e com o devido investimento de capital”. Apesar desses elementos, o autor fica pouco à vontade ao ver sua obra rotulada. “Meus livros são bem mais que ficção científica”, afirmou. “Géa não cabe em estilo algum conhecido.”

 fisionomia de Cláudio César Dias Baptista lembra a de seus irmãos maisconhecidos. Mas ele se indispõe com a forma como a semelhança costuma ser apontada. Sendo o primogênito, raciocina, seria mais adequado dizer que Arnaldo e Sérgio é que se parecem com ele. Baptista gosta de se identificar com as iniciais CCDB, que ele registrou como marca. Mora com a mulher e o filho num sobrado branco de dois andares nos arredores de Rio das Ostras, no litoral norte-fluminense. Mudou-se para lá no fim dos anos 90 e ali concluiu a redação de Géa. Leva uma vida austera, rodeado de poucos livros, filmes em DVD e VHS e aparelhos de som.

O luthier não produz mais instrumentos musicais e equipamentos de áudio. Dedica-se hoje ao trabalho virtualmente sem fim de revisão de sua obra e atualização da versão online do Livro Treze, que lançou no fim de 2011 e já está na sexta revisão. Passa boa parte do tempo em seu Q.G., no 2º andar da casa, um espaço amplo que lhe serve de quarto e ambiente de trabalho, sem paredes internas para delimitar os ambientes.

CCDB tem sua obra no mais alto juízo. “É um trabalho perene e um passo brilhante para a literatura do Brasil, para o nosso povo e para o nosso idioma”, afirmou. “O tempo dirá se exagero.” Não obstante, ele ainda não conseguiu convencer nenhuma editora a publicá-lo. De acordo com suas contas, já sondou cerca de “600 editoras brasileiras e 400 portuguesas”, conforme disse numa entrevista apiauíem sua casa, numa tarde de março. Ele não abre mão de publicar a obra na íntegra, com os doze volumes e o glossário, se possível com as capas e ilustrações também feitas por ele. As tentativas fracassadas não chegam a ser motivo de frustração. “Escritores como Cervantes e Monteiro Lobato tiveram dificuldades imensas para ser publicados”, disse CCDB. “Minhas dificuldades são mínimas.”

Enquanto o autor não as supera, Géa segue disponível apenas numa plataforma de leitura desenvolvida pelo próprio CCDB em seu site. Os interessados não podem ter uma cópia impressa ou eletrônica dos livros: é possível apenas comprar tempo de acesso às obras. Por 15 reais, ganha-se o direito a trinta dias de acesso ao ambiente de leitura, que oferece também outros livros escritos por Baptista, inclusive os doze volumes de Geínha, aventura para o público infantil ambientada no universo ficcional.

Pouquíssimos leitores encararam Géa na íntegra. Baptista sabe quantos são, mas prefere não revelar (o número “mal dá para manter o site no ar”). Como os livros só estão disponíveis no site, as estatísticas de acesso permitem ao autor monitorar o andamento da leitura dos usuários – eventualmente, ele manda e-mails para comentar a fruição de seus escritos.

A plataforma fechada é sintomática do verdadeiro pavor que CCDB tem da perspectiva de ter seus livros e inventos pirateados. Ele nem cogita disponibilizar sua obra na internet para que alcance um público maior e, quem sabe, acabe convencendo algum editor a publicá-la em papel. “O fato de ser lançada de graça significaria que não tem valor”, avaliou. “Seria um desdouro para a obra. Prefiro esperar mais.”

Os usuários dispostos a enfrentar os doze volumes têm ainda um obstáculo adicional: a organização do site é anárquica – um emaranhado de páginas de navegação confusa, desprovido de ordem aparente. CCDB vê isso como uma barreira iniciática para selecionar seus leitores. “O caos força a pessoa desinteressada a fugir do site.”

Ficção para poucos

 

Por que ninguém lê a monumental obra de Cláudio César Dias Baptista

por Bernardo Esteves


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Primeiro Mutante, Cláudio César Dias Baptista trabalha duro como escritor e luta para ver seus livros publicados

Célebre pela fabricação de instrumentos, irmão mais velho de Sérgio e Arnaldo passou por experiência mística que o levou a escrever compulsivamente. Íntegra da entrevista feita para a matéria publicada no site da Revista Bizz em agosto de 2007.

por Marcos Bragatto

Quem se aproxima do palco durante um show d’Os Mutantes pode ver de perto Sérgio Dias tocando uma guitarra aparentemente anacrônica, com botões grandes, corpo pesado e acabamento, digamos, retrô. Trata-se de uma das três guitarras de ouro fabricadas pelo irmão de Sérgio, Cláudio, nos tempos em que o Mutantes não passava de uma aventura. Cláudio César Dias Baptista é o irmão mais velho e fundador do grupo que se converteria no Mutantes, o The Thunders. Não a toa é conhecido mundialmente como “the first Mutante”.

CCDB, como assina suas criações, deixou de lado a fabricação de instrumentos e equipamentos eletrônicos há dez anos, mas por uma boa causa. Por conta de uma experiência mística, na qual diz ter encontrado Deus, partiu para escrever compulsivamente numa casa feita por ele e pela família no interior da pacata cidade litorânea de Rio das Ostras, no norte fluminense. Lá, concluiu sua principal obra, “Géa”, com 12 volumes mais um dicionário explicativo, e “Geínha”, obra infanto-juvenil; refez com o filho o “CCDB Gravação Profissional”, publicação com tudo que se pode pensar sobre gravações; e finaliza agora o “livro chamado que”, ou “) que (“, assim mesmo, com os parênteses invertidos.

Numa atmosfera em que o branco predomina, desde as roupas até a mobília da casa, CCDB trabalha incansavelmente o dia todo, todos os dias, e luta para que suas obras, “para o bem do Brasil”, como costuma dizer, sejam enfim publicadas. Cláudio recebeu a equipe da Editora Abril com uma doçura que manteve durante toda a entrevista e sessão de fotos. Contou toda a experiência mística pela qual passou, citou trechos de seus livros, e ainda deu uns pitacos na volta do Mutantes, ou “pseudo Mutantes”, como prefere chamar o novo grupo que hoje conta apenas com Sérgio Dias da formação clássica. Veja como foi a conversa:

Rock em Geral: Como você decidiu morar aqui?
Cláudio César Dias Baptista: Eu morava em Laranjeiras, onde eu, minha mulher e alguns familiares dela trabalhávamos construindo amplificadores, mesas de som e equipamento de áudio. Nós ocupávamos cinco quitinetes do tamanho de 3 x 6 (metros), até 1997, quando nos mudamos pra cá. Eu tinha escrito os meus arquivos para a revista Nova Eletrônica, quase 700 páginas. Eram artigos de áudio, mas eu coloquei personagens que depois se transformaram nos personagens da minha obra principal, chamada “Géa”. Eu tinha idéia de escrever um livro desde aquele tempo, prolongando a estréia desses personagens, mas não estava decidido a escrever. Nesse tempo todo trabalhando eu vinha fazendo umas práticas místicas, exercícios de busca daquilo que eu já tinha encontrado de certa forma numa vigem que eu fiz com LSD, que era a vivência emocional daquilo que eu havia descoberto com o meu raciocínio, mas não tinha ainda toda essa experiência do caminhar até esse ponto. Essa coisa que eu obtive na viagem lisérgica foi encontrar Deus. No sentido figurado eu poderia dizer que vi Deus, mas quando eu estava trabalhando numa dessas quitinetes, em Laranjeiras, fazendo uma experiência mística, eu encontrei, apareceu-me um ser incorpóreo, de uma maneira inesperada. Normalmente quem pratica misticismo procura alcançar o cósmico por meio de práticas que se repetem e se repetem, na dificuldade em conseguir. No entanto dessa vez foi como se eu estivesse num carro de uma montanha russa que despencasse e me levasse e me segurasse para não cair.
REG: Você planejou uma experiência desse tipo?
CCDB: Não, eu fazia experiências constantes, e dentro de certas normas, pra poder palmilhar aquele caminho ou subir aquela montanha a qual o LSD tinha me levado. Ele me levou ao topo, sem que eu percorresse o caminho intermediário. Eu não tive essas experiências que místicos orientais costumam ter, em qualquer lugar, e percorrendo toda o caminho até chegar e alcançar aquela luz máxima que eu consegui na experiência lisérgica. Eu tinha chegado a essa luz pela filosofia, por pensar muito a minha vida toda, mesmo naquele tempo da juventude, que foi quando eu tomei ácido. Mas o ácido fez com que se concretizasse a experiência mística em si, que não é apenas de razão, de filosofia, ela transcende isso.
REG: E você quis fazer sem usar ácido dessa vez…
CCDB: Eu quis fazer sem usar ácido e consegui, não dessa vez, outras vezes eu consegui essa experiência. Mas a experiência de encontro com Deus é indizível, eu posso contar muitas e muitas vezes, em “Géa” tá contado como se fosse uma das minhas personagens, mas é indizível, ela não basta, por incrível que pareça. Ela é tão óbvia… É como se você ou qualquer pessoa me olhasse e conseguisse sentir que a existência de qualquer coisa é o maior milagre que pode existir. Muito mais fácil seria que nada existisse. Então é mais uma intensa emoção, de intensa vivência, que o palmilhar de uma trilha numa montanha, uma experiência que pode ser descrita como foi essa que eu tive no tal carro de montanha russa, que não foi bem um carro, mas a sensação de estar nesse carro.
REG: Mas como é que você viveu essa experiência?
CCDB: Eu estava sentado diante do meu Sanctum, que é o lugar sagrado, na frente de um espelho, com velas acesas, praticando todas as quintas-feiras como eu costumava praticar e ainda pratico meditação. De repente, ao invés de acontecer aquilo que eu esperava, que tivesse a dificuldade de sempre, aconteceu essa experiência diferente que não foi a do topo da montanha, não foi a de alcançar Deus, coisa que eu já tinha conseguido sem o uso do LSD. Dessa vez era uma das minhas tentativas de percorrer o caminho e uma das minhas perguntas é se havia entidades incorpóreas, independente da matéria - como os espíritas diriam que são os espíritos, né? – e eu não estava nesse dia procurando isso, estava em busca de contato com outras pessoas, com outros místicos que eu já tinha tido experiências assim, pelo mundo todo, e tive esse contato. A experiência começou nesse mergulho, e eu fui parar num terreno muito amplo, com um jardim, à noite, no centro do qual havia uma fogueira. Ao redor da fogueira éramos muitas pessoas que também estavam chegando ali pelo mesmo caminho que eu, ou similar, e todos estávamos de braços dados sentados num grande círculo da fogueira.
REG: Isso tudo você via?
CCDB: Presenciava como estou vendo você, de olhos fechados e num estado de relaxamento profundo, mas não numa auto-hipnose. Eu digo a mim mesmo que eu tenho cem por cento de certeza de que isso aconteceu, mas eu não testemunho a ninguém que isso seja cem por cento de verdade. Eu testemunho que seja verdadeira a experiência com Deus, tanto o ácido quanto fora dela. Alguns místicos dizem que a experiência com as drogas, que incluem o LSD, não é uma experiência verdadeira, mas quem diz isso não viveu a experiência com o LSD. Eu digo que é a mesma coisa porque também consegui, por meio de práticas místicas, de técnicas que existem e que você pode aprender em ordens místicas, existem várias que são autenticas. Eu pertenço a uma delas, mas prefiro não dizer qual é, inclusive porque não quero que meus livros tenham, e ao escrever os livros fiz questão de que não tivesse conotação de fruto de trabalho como ordem mística ou portador da palavra de alguém que não seja eu. Meus livros chegam até - “Géa” principalmente - a negar muito dos ensinamentos, não bem ensinamentos, orientações, mas que essa ordem dá, caso a caso.
REG: “Géa” tem quantos volumes?
CCDB: São 12 volumes de texto e um que é o décimo terceiro que é o dicionário. O dicionário tem o glossário dos termos alienígenas, porque parte da história se passa em outros planetas.
REG: Podemos chamar de um livro de ficção?
CCDB: Não, eu não quero rotular. O livro começa, na página 2, logo atrás da capa, onde é a página primeira do texto, com um pedido. “Leia isto, por favor, ou, por favor, não leia ‘Géa’”. O primeiro item fala em rótulo. “Géa” não pode ser rotulada, ela não é misticismo, não é romance, não é filosofia, não é ficção, não é qualquer gênero que você possa imaginar, e é todos eles porque contém todos eles. É muito grande para rotular, e o maior perigo é o rótulo. Ele já põe a pessoa na suposição de que a obra é isso e acabou, então ela já se sente conhecedora do que tá ali dentro, baseada nas experiências que teve antes, e não é bem assim. A mesma coisa o autor. “Esse autor é o novo não sei quem”, se for na minha obra infantil, digamos que fosse no “novo Monteiro Lobato”, se for na obra mística seria o “novo Paulo Coelho”, e o que eu escrevo não tem nenhuma ligação com um ou com outro.
REG: Essa obra está finalizada?
CCDB: Já faz muito tempo que tá finalizada, terminei em 1994.
REG: Já foi editada?
CCDB: Levei dez anos escrevendo, sete dos quais eu escrevi os textos dos doze livros de texto, cada um com 250 páginas, no tipo de caractere que eu usei. O tamanho é 16 x 23, o tamanho convencional, tamanho dez, times new roman, e o texto é escrito de maneira que o desenho do texto, em algumas partes, condiz com a narrativa, com o conteúdo. E sem ilustrações. Eu tenho a mesma obra já ilustrada, com 62 ilustrações cada volume, todas são minhas. Eu tô finalizando uma agora para a obra infanto-juvenil, organizando o livro infanto-juvenil que também tem 62 ilustrações, que é a “Geínha”. Não é um resumo de “Géa” ou uma “Géa facilitada”, é outra história, em outros lugares.
REG: Por que tem o mesmo nome?
CCDB: Porque tem personagens que se prestam, dos 1300 personagens aproximadamente da obra “Géa”, tem personagens que se prestam à literatura infantil. Tem a Tália, que é uma menina… Vários personagens que são protagonistas, mas tem mais mil e tantas personagens na obra infanto-juvenil. E tem outro livro, já que estamos falando direto dos livros, que é o “livro chamado que”. É q, u, e, sem acento e com inicial minúscula, entre parênteses invertidos (N.E.: “)que(“ ). Isso significa – alguém um dia vai perguntar – aquilo que está fora de todo o universo. O universo seria o que está dentro dos parênteses, para o lado de fora. E o que tá dentro, que seria na realidade fora dos parênteses, o além do Universo. Isso simboliza a pessoalidade de Deus, que é justamente aquilo que eu discuto que essa ordem nega, e o que eu discuto na obra dizendo que existe. Assim como nossa consciência, sendo nós mesmos, se destaca de nós e nos vê de fora, o Universo, ele existindo consciência, existindo vida. Essa consciência também se destaca e isso se torna pessoal quando enfoca o Universo. Então, separando-se do Universo assim como o “que”, a consciência seria a pessoalidade de Deus vendo o Universo, que seria seu corpo. A palavra “que” quer dizer tudo isso.
REG: Esse também está concluído?
CCDB: Isso já tá tudo escrito. Eu fiz primeiro “Géa”, que eu fui levado a ter a vontade final de escrever, tomar a iniciativa de escrever por causa dessa experiência que eu interrompi na narrativa. “Géa” tem 12 volumes, com 250 páginas cada volume, na versão só com texto. Tem o dicionário que conta os termos alienígenas e os bons neologismos, nenhum é vicioso. Por exemplo, ao invés de “varridamente” louco eu digo “enceradeiramente” louco. O dicionário tem os termos alienígenas que dá para o leitor entender lendo o livro sem a explicação, mas ele explica para quem não conseguir entender. E depois tem uma parte maior que é o “rarefeito dicionário de palavras raras”, que mostra as palavras da nossa língua, explica essas palavras da maneira que foram usadas no texto, com que acepção e de que maneira eu as empreguei. Esse dicionário tem mais caracteres do que os doze volumes de texto juntos, tem 1000 páginas e os caracteres são pequenos, a margem é menor, é um volume pesado que poderia ser lançado como um CD, junto com o livro, porque quem comprasse o livro, primeiro deveria comprar o dicionário.
REG: Por que esses livros não foram publicados ainda?
CCDB: Por causa do tamanho da obra, e porque eu não tenho agente literário e nem me pus atrás dos editores da maneira convencional, que é mandar impresso para os editores um excerto do livro. Eu me confesso incapaz de fazer um excerto. O site inteiro eu criei pra isso, pra mostrar aos editores o que os livros são. Eu faço sozinho e a partir de uma certa época com o meu filho Rafael, que é co-autor de um dos meus livros, o livro técnico sobre gravação profissional. Ele tem 24 anos, mora comigo e me ajuda nas botoeiras do site, estudou informática, deu aulas, ele entende mais que eu do assunto. Então os livros são “Géa”, com 12 volumes de texto e um dicionário que poderia ser um CD, assim como o “Aurélio” eletrônico. Nesse caso os livros seriam na forma também de livro eletrônico. Mas eles poderiam estar contidos num CD ou DVD junto com o dicionário, ou então a pessoa que lê o livro, mesmo impresso, teria também o dicionário, se quisesse, ou o dicionário poderia ser impresso convencionalmente, para quem quiser comprar. É possível ler os livros sem o dicionário. Mas por que o dicionário de palavras raras tão extenso? Porque “Géa” – não os meus outros livros – só a obra “Géa” tem 30 mil vocábulos aproximadamente. Esse léxicon é o dobro do que o William Shakespeare tem em toda a sua obra, é seis vezes o que Camões colocou em “Os Lusíadas”, é um quarto de todos os vocábulos da língua portuguesa, como estariam na primeira versão do “Aurélio” eletrônico.
REG: Deve ser difícil de entender…
CCDB: Pode ser difícil, e a escrita foi programada em dificuldade crescente até o final. Mas não absolutamente de um jeito preciosista, e sim, e esta é a palavra que deve ficar marcante, usando palavras melhores. Você pode escrever um texto com palavras melhores e a demonstração disso está numa das páginas do site chamada justamente “Géa é difícil?”. Nessa página tem um exemplo e um texto de uma instância de uma poesia da “Eneida”, de Virgílio, e um texto, um parágrafo meu, com a tradução para palavras mais simples. Lendo de um e outro jeito o leigo percebe a vantagem de escrever com as palavras que eu escrevi. E também porque eu gosto de trabalhar nos livros como eu trabalhei nas minhas guitarras. Então, abordando os instrumentos aqui, eu gosto de fazer um trabalho factível, onde cada parte contém o todo, o detalhe seja o mais perfeito possível. Um instrumento meu musical novo, uma guitarra, se você olhar com uma lente, não acha um defeito na pintura, na emenda, nos traços, na emenda da escala com o cabo, nenhum. É um trabalho muito bem feito, e foi com esse cuidado que eu escrevi “Géa”. Eu escrevia para a Nova Eletrônica umas 40 páginas por dia. Ainda posso escrever assim, mas depois dos sete anos da escrita dos livros de texto eu passei três anos fazendo o dicionário e aprimorando o texto de “Géa”, criando essa escala crescente de dificuldade programada para ele ser didático também, vir a ser útil nas faculdades e nas escolas.
REG: Isso não cria uma dificuldade para o leitor, na medida em que o texto vai ficando cada vez mais difícil?
CCDB: Cria, sim, para muitos leitores cria, eu não escrevi “Géa” para a massa, escrevi para mim, eu acho que é o jeito mais honesto de se escrever um livro. Escrevi “Géa” do jeito que eu gostaria de ler. Eu li “Eneida”, li “Odisséia”, “Ilíada”, esses livros que na primeira vez foram muito difíceis de ler, justamente quando eu terminei de escrever os sete volumes que ainda não estavam escritos num português tão bom, mas já era um bom português. Quando eu escrevi o dicionário é que eu resolvi ler os clássicos. A Lourdes, mulher do meu irmão Sérgio, que é professora, se formou em literatura, me ofereceu um livro, sabendo que eu ia escrever “Géa”, que é uma receita de bolo. Este é o que todos os escritores vêm lendo antes de escrever, era escrito por alguém da FGV, onde eu estudei administração. Eu abri a primeira página do livro e vi uma frase que dizia que esse livro ensinava o leitor a pensar. Eu fechei o livro e disse: “se ele escreve uma bobagem dessa, não é um bom escritor e não vai me ensinar a escrever, é isso que eu não preciso”. Devolvi educadamente o livro para ela e resolvi escrever um livro bem feito. “Géa” é um livro só, não são livros para serem vendidos separadamente porque a obra e muito grande, tem que ser lançada de uma vez só nem que seja seriada. Eu quero lançar a obra inteira porque é um livro só.
REG: Como fazer pra lançar isso tudo de uma vez só? Não tem sido difícil convencer os editores?
CCDB: É difícil, eu criei o site pra isso. Assim como “Dom Quixote”, é uma obra grande e volumosa, a “Divina Comédia” também. Um amigo meu me disse: “Géa” vai ser tão difícil de publicar quanto “Dom Quixote”. E eu respondi a ele: E se “Dom Quixote” fosse escrito hoje, você pode imaginar que ele não viesse a ser publicado? Então eu tenho a mais absoluta certeza que “Géa” vai, sim, ser publicada, apesar das dificuldades. Então eu tô oferecendo facilidades como a publicação em fascículos, em páginas de jornal. Muitas grandes obras foram publicadas primeiro em páginas de jornal, uma a uma, capítulo a capítulo, até a publicação ficar pronta. E depois, como houve sucesso, se transformaram em livros, e existem muitas outras mídias que estão identificadas no site para que ela seja publicada. Eu aperfeiçoei esses sete volumes, e os dois primeiros capítulos de “Géa” eram a tradução, onde dois capítulos que eu escrevi para abrir um livro que o meu pai deixou. Esse livro falava sobre a vida de um político com quem ele trabalhou. Não foi publicado, está com o filho desse político, que me pediu – a história é muito longa e nós iríamos fazer uma volta muito grande -, que eu escrevesse o livro do meu pai como estava escrito até o fim, mas foi parar nas mãos desse filho do político quando meu pai morreu. Depois voltou aos pedaços pra mim. Eu recompus o livro, não assinei como co-autor, fiz uma abertura e um fecho porque tinham sumido e nessa abertura, já que o livro não saiu, e eu imagino que por motivos pessoais o filho do político não queria que saísse. Era o Ademar de Barros, governador de São Paulo três vezes, a primeira interventor nomeado por Getúlio. Meu pai era o secretário particular dele, foi dedicadíssimo a ele e poderia estar muito rico, porque teve muito poder nas mãos, e o que a gente tem é fruto do nosso próprio trabalho, quase nada nos deixou a não ser a honestidade que ele tinha e muitas coisas boas, mas não capital. Eu tinha escrito esses dois capítulos, e como a história era muito boa, e era uma - aí, sim, ficção científica -, eu disse: não vou escrever uma palavra exatamente igual, porque senão seria plágio. Mas nesse caso vou exclusivamente fazer a coisa que eu mais odeio, que é plagiar, mas eu vou me autoplagiar. Eu reescrevi esses dois capítulos e coloquei no começo de “Géa” como se fosse dois capítulos escritos, recuperados pelo filho Clausar de Rasec. Rasec é o nome do meu pai ao contrário, e Clausar é um anagrama do meu nome. Esse Clausar é um dos protagonistas do livro, e Rasec é outro. Ele escreve esses livros e ao reescrever o português, eu me tomei de um entusiasmo muito grande pela língua portuguesa, porque eu acho que é muito mais difícil reescrever um texto em português, traduzir o português para um português fácil de entender, com boas palavras, palavras melhores, do que traduzir em outra língua qualquer. Aí começou o interesse e eu comecei a escrever nesse nível. Quando fiz o dicionário, até lá eu tinha resolvido não ler os clássicos, porque eu não queria plagiar nem sem querer as obras alheias. E eu nunca fui um grande leitor, não sou um literato de jeito algum. Eu resolvi ler os clássicos depois. Quando eu estava fazendo o dicionário, quando terminei de escrever o livro, achei que era a hora de ler os clássicos e li tudo, vários deles estão expostos na página “Se não acredita?”. Tenho a lista dos clássicos em várias classificações, para que sejam comparados com o meu livro, em ficção, romance, nas diversas formas da literatura.
REG: Isso é que te dá a certeza de que seu trabalho vai ser publicado…
CCDB: Dois dos capítulos do meu livro se passam num planeta chamado Umalfa, onde há heróis – imagine Arnold Schwarzenegger ou Rocky, como um habitante normal desse mundo, só que mais forte que eles fisicamente, e eles voam com quadrigas que são puxadas por turbinas e se digladiam com chicotes procurando arrancar as penas um do outro, que eles levam na cabeça. O capítulo se chama “Longas Plumas Azuis” – eles arrancam as penas e quem arrancar fica proprietário do outro. E tem mais um monte de história interessante nessa corrida. E nesse mundo as pessoas se parecem muito com os heróis da Grécia antiga, narrados nos livros de Homero. Eu peguei, sem plágio nenhum, lendo a “Ilíada” e “Odisséia”, e também “Eneida”, de Virgílio, fiz uma lista de todas as palavras interessantes, algumas das quais nem dicionarizadas estão. Eu dicionarizei como aristologismos. Essas palavras todas, sem exceção – e são muitas – eu coloquei no texto desses dois capítulos: “Longas Plumas Azuis” e “As Cavaleiras da Távola Reta”. Por que essas palavras? Porque para quem lê esses dois capítulos que já são adiantados no texto, a dificuldade não é tão grande, a pessoa vai aprendendo ao longo do texto, vai se ambientar com o mesmo espaço onde vivem os heróis gregos, e com os livros escritos por Homero e Virgílio. E assim eu faço com a obra de Monteiro Lobato, quando o personagem Arqueu, que é um homem agérato, que não envelhece e não morre se não for morto ou sofrer acidente, tem 40 mil anos de idade e mantinha-se vivo tentando fazer viver novamente a sua mulher. Esse homem conversa com uma terráquea, que é professora de literatura, e brinca com o idioma usando as palavras de Monteiro Lobato, o clássico, que é completamente diferente daquele da série infanto-juvenil. Não é preciosismo, mas é de um português muito nobre. E assim vai. Escrevendo o dicionário eu aperfeiçoei “Géa”, que alcançou um nível muito alto e mereceria um lançamento todo especial, como uma obra nobre, perene, que vai perdurar, justamente por causa do estilo e do vernáculo, e não por causa da filosofia, ciência, ficção, história, dentro da narrativa que está ali, porque isso pode se obsoletar. Mas o estilo não vai e é por isso que tantas obras, como essas que eu citei duram até hoje e ainda há quem as leia apesar de não ler tanto quanto outras que explodem nas bancas, como “Shogun”, por exemplo. Mas “Géa” vai levar vantagem, ali não tem nenhuma palavra que não precisa ser escrita, como nas músicas de Mozart - desculpe o auto-elogio, só eu posso fazer porque quase ninguém leu.
REG: Quem já leu?
CCDB: Eu, minha família e alguns amigos, a quem eu ofereci cópias. E as opiniões deles estão na página do meu site, chamada “Opiniões Sobre Géa”, e agora também sobre “Geínha”. O site é www.ccdb.gea.nom.br. Voltando àquelas pessoas abraçadas ao redor do círculo naquela noite, ao redor da fogueira, ali, ao lado esquerdo havia uma floresta, as estrelas estavam esmaiadas pela luz semi-ofuscante da fogueira e à direita um templo egípcio na sombra. Ali, essa turma do círculo, e eu junto, subimos com esse círculo ao espaço, aos céus, e lá tivemos aventuras muito bonitas de se descrever, mas eu não vou fazer isso agora. Findas essas aventuras - e nós passamos por muitos lugares, até teatros de reuniões de místicos -, estávamos de volta ao redor da fogueira e a minha sensação era, talvez a de todos ali, de que a experiência tinha terminado, e que já tinha sido uma experiência mais que satisfatória. Súbito, à direita da fogueira, e não no centro, onde seria esperado, uma manifestação: aparece uma luz dourada, incorpórea, que se manteve assim dali em diante, e na fogueira apareceu uma voz “pax.profundis”. Não é paz profunda, que é o cumprimento de uma ordem mística, é “pax” e “profundis”, é o nome de alguém, da entidade que estava aparecendo. Essa voz disse: este não tem corpo. Na hora eu não entendi bem o que isso significava, mas poderia dizer só o seguinte: não tem corpo porque nunca teve ou nasceu, quer dizer, morre e continua vivo. Essa é uma das minhas grandes perguntas a qual eu obtive a resposta. Essa entidade andou mais ainda para a minha direita, e tocou uma das pessoas do círculo e eu senti o choque como se fosse elétrico. Eu não sou espírita, já estive em sessões espíritas com o meu pai, que as freqüentava por causa desse político, que era espírita ou acreditava em espíritas, e era assediado por espíritas. Essa entidade tocou esse primeiro companheiro de experiência e eu senti esse choque. Nós todos, o tempo todo - eu esqueci de contar - estávamos com nossos corpos translúcidos como cristais, e dentro havia uma luz branca e no centro dela, uma luz dourada, e o tamanho variava um pouco, então tinha algo de lisérgico nessa experiência. Depois desse toque essa entidade veio ser de pessoa em pessoa, até chegar próximo a mim, quando chegou mais próximo de mim eu já estava antecipando o que seria quando a encontrasse, mas assim mesmo foi mesmo indescritível. Quando estava diante de mim me interpenetrou com aquilo que eu só posso chamar de uma imensa bondade, uma vontade de ajudar enorme. De jeito nenhum uma ordem, uma convocação ou uma sugestão. Eu senti que havia algo a fazer, apenas a apresentação de uma grande lacuna a ser preenchida e nisso é que veio a vontade final e forte e definitiva de escrever. Essa entidade saiu e passou ao membro seguinte do círculo, e aí sim essa experiência terminou. Eu pensei que havia levado muito tempo, mas passaram-se uns 5 minutos. Daí pra frente comecei a trabalhar com “Géa”, contei para mim mulher e meu filho o que tinha acontecido. Uma semana depois um amigo meu apareceu, chamado Marconi Ricciardi, ele hoje mora na Austrália, desistiu do Brasil, é uma cara ótimo, incrível, músico brasileiro, ele tá citado até tem uma foto dele no site. Tem um artigo dele sobre mim, chama-se “The First Mutante”. Ele se espantou quando me viu e perguntou o que aconteceu. Eu tava transfigurado com a experiência. Eu tive outras, mas essa foi a mais importante, que gerou a decisão final de começar a escrever, que era uma decisão difícil de tomar porque eu não ia escrever porcaria, eu nunca me dediquei a mais de uma coisa ao mesmo tempo, tinha que parar o que fazia.
REG: Você fabricava os equipamentos nessa época?
CCDB: Eu estava no apogeu da produção de equipamentos, eu e minha família. Conversando com eles, resolvemos parar, sabendo o que nós iríamos enfrentar. Nós interrompemos, antes de eu ter esse problema na mão, essa contratura, nos pés a mesma coisa, isso me impede de trabalhar com eletrônica. Hoje não poderia trabalhar, isso é causado por pré-diabetes, muito trabalho. Os médicos não sabem, mas tem ligação com diabetes. Isso me impediria de trabalhar em eletrônica, e também umas hemorragias pequenas que eu tive nos olhos que me atrapalham muito no trabalho minucioso de componentes eletrônicos. Mas isso só aconteceu depois de vir pra cá. Eu pararia, mas felizmente parei a tempo. Só que ganhávamos muito bem, talvez tanto quanto o tempo da revisa Nova Eletrônica.
REG: Quem comprava seus equipamentos?
CCDB: Eu fornecia a quem me procurava, eu não anunciava, eram clientes avulsos. Vendemos todo o estoque, nós tínhamos comprado cinco quitinetes desse mesmo tamanho, que estavam cheias de equipamento de fabricação. Eu, minha mulher e algumas pessoas da família dela montávamos esse equipamento, tudo feito legalmente. Não éramos ainda uma empresa, mas cada um foi indenizado, todos pararam, nós vendemos o resto do estoque (que era grande) e com esse estoque minha mulher, em 80 viagens, construiu num mutirão com a família dela esta casa aqui. Gastamos aqui bem mais do que ela vale. Viemos pra cá e estamos aqui há dez anos. As cinco quitinetes nós alugamos a R$ 300 cada uma, dá pouco por mês, e nem sempre estão todas alugadas. Há pouco tempo tivemos que vender uma pra continuar na luta, porque não dava para resistir com isso que recebíamos. Com isso compramos mais um computador e um carrinho pra fazer as compras de Rio das Ostras pra cá. Nós nos atiramos de cabeça mesmo nessa missão.
REG: Qual o papel dela e do seu filho?
CCDB: Ter se atirado na missão, porque ela poderia ter discordado e até me mostrar que não era por aí, e eu teria atendido. Meu filho se distanciou do centro onde poderia estudar melhor, teria mais oportunidade de trabalho, e veio pra cá comigo também. Ele não conseguiu cursar faculdade porque o estudo aqui é muito precário, é feito à noite, ele ia de ônibus a Macaé ou Rio das Ostras para estudar, e não conseguiu ainda passar nos vestibulares. Enquanto isso ele acabou lecionando informática numa escola, e agora trabalha na criação de uma loja eletrônica para o caso de nenhuma editora publicar meus livros. Talvez a gente mesmo venha a publicar, naquela categoria dos livros virtuais. Ele também é co-autor de um livro meu, que é “CCDB Gravação Profissional”, era uma série de artigos que eu escrevi pra Nova Eletrônica e ia ser publicado, tem matéria pra publicar durante quatro anos. Esse tem 1135 páginas, como matéria técnica de gravação profissional, cursos de áudio, kits de montagem de equipamentos de áudio, todo tipo de informação sobre áudio. Em parte ali que começaram os personagens de “Géa”. Às vezes, pra quebrar aquele ritmo maçante de artigo técnico, eu introduzi as personagens para melhorar a leitura.
REG: E agora, você se ocupa com o que?
CCDB: Tô fazendo as ilustrações, já tenho o próximo livro pronto para escrever, comecei anotando idéias. Terminei de escrever “Géa” aqui, a maior parte dela foi escrita aqui, e à tarde eu trabalhava nos terrenos, esses terrenos eram um mato pior do que aqueles que o circundam. Eu carreguei, eu mesmo, à mão, cortando com enxada, picareta, pás e carrinho, 1000 metros cúbicos de terra, dá 1500 toneladas de terra durante seis anos. Aterrei os terrenos todos e minha mulher plantou esses terrenos todos, ela me ajuda. É uma vida também gostosa, nós não trocamos aquela nossa vida boa por um inferno, temos mais liberdade, apesar de certos problemas típicos, como gente invadindo terrenos com vaca, etc. Eu escrevi “Géa” e o “livro chamado que”, que foi feito de um jacto, sem nenhuma preocupação com a escrita, com o vernáculo, mas aí eu já sabia escrever. Ele não teve correção, saiu pronto, como as músicas de Mozart. Ele sim seria um best seller, porque não é preciso ler “Géa” para ler o “livro chamado que”, ele alterna capítulos que são a narrativa de fatos reais que aconteceram aqui comigo, como se fossem acontecidos com essa personagem, com os nomes das pessoas da vida real trocados. Problema com vizinho, cachorro e gato, a origem dessa imobiliária querendo vender e comprar e te expulsar, a coisa é séria. Esses capítulos se alternam com experiências do Clestes do espelho do banheiro, um espelho místico, onde ele se projeta em outros mundos e descobre muitas coisas, inclusive que ele é “que”, mas o que é “que“ é preciso ler o livro pra saber. Ele se liga a “Géa” porque tem histórias complementares de “Géa”, porque conta o começo de certas coisas que apareceram em “Géa” a partir de certo ponto, e conta o que aconteceu depois também, mas ele pode ser lido sozinho, sem ler “Géa”. É a sugestão para a editora menor, ou que não queira investir tanto, mesmo sendo uma grande editora, lançar primeiro esse livro como teste do autor. Depois veio “Geínha”, que tá pronta, sendo ilustrada, é o que eu tô fazendo agora, direto, e veio a reescrita de “CCDB Gravação Profissional”. Durante um ano nós trabalhamos reescrevendo o livro, ele re-digitou tudo porque eu não tinha mais os arquivos de computador, e nós atualizamos tudo. Fizemos um livro que é sobre áudio analógico, sobre áudio em geral, não só sobre gravação, e dá todas as dicas. A abertura para quem queira começar com gravação digital, não só em estúdios, mas sonorizações externas, gravação de maneira ampla e abrange o resto do áudio. Tudo isso de experiências trabalhando com áudio, com os instrumentos, nos estúdios de gravação com os meus irmãos e em festivais, e tocando também, porque eu tocava. Eu sou o irmão mais velho, quem começou tocando fui eu, tenho experiência muito gostosa de ter tocado o instrumento, criado o instrumento, projetado e criado o equipamento, instalado e operado o equipamento no show do conjunto que ajudei a formar, e tocando e fazendo sucesso, é muito gostoso isso.
REG: Como você vê essa volta d’Os Mutantes?
CCDB: Eu não chamo de Mutantes, eu chamo esses que voltaram de “Pseudo Mutantes”. Não há Mutantes sem Rita Lee e Cláudio César Dias Baptista. Quando o Sérgio me convidou para fazer a excursão no exterior, assim como convidou a Rita, eu me neguei. Quando ele se reuniu ao Arnaldo e me convidou para excursionar com o conjunto, eu fiz certas exigências. Exigi aquilo que eu vinha pedindo há muito tempo, sugerindo, e não por minha causa, mas para ajudar o conjunto, como sempre fiz. A minha postura é que instrumento musical tem o mesmo valor que a música. Se não houvesse a evolução tecnológica dos instrumentos musicais, hoje nos estaríamos como aqueles antropóides dos livros, tocando com tacape num montículo de terra. Não existiria o Paganini sem o Stradivarius. É uma pergunta interessante: quem é mais importante, o Les Paul ou a Gibson Les Paul? Ficaria muito estranho Os Mutantes no palco dos festivais e na capa dos CDs naquela imagem do Sérgio vestido de toureiro segurando uma guitarra simples, e não aquela de ouro que ele usa até hoje, a guitarra de ouro número 2 que eu fiz para ele. Eu fiz três guitarras de ouro pra ele. O ouro era garantido “life time”, naquela época, pela empresa que fazia o banho de ouro. É ouro sobre peças de bronze, e por dentro toda folheada a ouro, o que me permitia fazer no tempo dos circuitos de mais alta impedância, me permitia não usar fio blindado num circuito complexíssimo da guitarra, e deu um som agudo muito mais nítido, uma resposta extrema de alta freqüência. O ouro servia de blindagem e é uma blindagem perene porque não corrói e também protege a madeira contra intempéries, micróbios, fungos, etc, sem perturbar as vibrações. Isso é uma explicação muito por alto da guitarra de ouro que ele usa até hoje.
REG: E as exigências…
CCDB: Foram as seguintes. A primeira é que fizesse aquilo que eu sugeri numa carta profética que eu tenho a seu dispor. Eu chamo de carta profética porque eu escrevi em 2004 pra ele, e nessa carta eu dizia que se Os Mutantes voltassem a se reunir… “Géa” fala da volta do grupo Os Atlantes, que são Os Mutantes daquela história, e conta como eles voltaram. “Géa” foi terminada em 2004 – eu escrevi essa carta e antevia que a banda voltaria. Eu exigi que o Sérgio compusesse, já que ele não quis ler “Géa”, pelo menos uma canção baseada em “Géa”, ou se não quisesse compor, que ele tocasse e dissesse nos espetáculos que aquela canção é relacionada ou criada a partir da obra “Géa”. Essa canção já existe, tá no site, foi feita por Bruno Tavares, que é uma das pessoas que adquiriu uma mesa CCDB 44, igual aquela que o Sérgio tem no estúdio dele e usa até hoje. Ele compôs uma música com a letra de minha autoria, e eu não esperava criar uma letra quando compus uma poesia, que era a poesia de Ars, que na obra “Géa” é o maior poeta do universo. Ars morava num planeta onde o povo vivia na idade dos gregos, só que não valorizava a arte como ele, Ars, valorizava. Quando ele cantou seus versos, escrito em folhas de papiros, ao povo, o povo não compreendeu, e ele, muito triste, de cima de um rochedo, dobrou essas folhas de papel e lançou no mar como se fossem pequenos aviões de papel. Ao lançar a última ele se atirou, morreu nas pedras e foi levado pelas ondas. E o povo então o aclamou, mas não como o maior poeta do universo, como ele veio ser assim reconhecido por seres superiores de outros planetas, mas sim como o inventor do avião. Uma das poesias de Ars aparece colhida por um povo de outro planeta, e essa poesia eu compus com esse amigo meu, que leu “Géa”, gostou da poesia e criou a composição, que se chama “Uma Canção Para Ars”, a letra é minha. De repente, sem pretender, eu virei compositor de letra de canção. Eu pedi ao Sérgio que pusesse uma canção, porque eu não acredito em revival de grupo nenhum que apenas apresente música velha. É óbvio que eu não tô dizendo a grande besteira que seria a seguinte: só toquem músicas novas. Devem tocar as velhas, pedi a ele que tocassem, sim, as velhas, mas que tocassem algo de novo, senão o surgimento dos novos Mutantes ou dos pseudo Mutantes seria comentário, sem música nova a coisa não vai, e parece que ele entendeu, e tá fazendo música nova, só que não com as composições minhas. Eu não via isso como uma tábua de salvação para os meus livros, uma grande ajuda, eu sempre pensei e continuo pensando que é o contrário, eu acho que a minha vida atual, como escritor, é mais importante que a minha vida como luthier, técnico e tudo o mais. Se o meu nome tá gravado e vai perdurar como aquele Mutante oculto e tudo o mais, a minha obra escrita vai durar muito mais do que isso, porque tem uma importância muito maior.
REG: Tinha outras exigências?
CCDB: Uma era essa, no intuito de beneficiar, e não de me aproveitar de coisa nenhuma. A outra foi, como eu suspeitava, e que realmente aconteceu, que ele ia levar a mulher e a filha na excursão. Eu disse que eu queria levar minha mulher e meu filho, senão não iria. Outra era que eu fosse tratado sempre no mesmo status dos outros Mutantes, independente de eu estar tocando ou não no palco, embora eu já tivesse tocado com Os Mutantes e o resto d’Os Mutantes, e até ter sido acompanhado por eles em alguns espetáculos. Ele não aceitou nenhuma das exigências. Tudo bem, continua ele lá e eu aqui, eu escrevendo e ele com as músicas.
REG: Você chegou a ver um show dessa nova fase?
CCDB: Não, eu não fui aos shows, eu vi na televisão. Eu me lembro muito bem o que eram Os Mutantes antigos nos espetáculos onde eu sonorizei, ensaiei junto, participei das gravações… Embora a substituta da Rita (Zélia Duncan, que já saiu) seja uma grande cantora, talvez maior que ela como cantora, ela não é a Rita, nunca ninguém vai ser a Rita, a não ser se a Rita passar pela transição, poderia haver uma substituição que justificasse que Mutantes atuais ou pseudo Mutantes se chamasse Mutantes. E a minha presença não tem que ser no palco, tem que ser “estar com”, participando da criação como eu participava antigamente, não só da criação dos instrumentos mas também de muitas músicas. Isso não foi aceito e ficou assim, e a minha opinião sobre aquilo que eu ouvi, é que não chega a ser o que era. O Arnaldo não é mais aquele Arnaldo antigo que eu sempre pedia aos jornalistas e repórteres que vinham me procurar, para descobrir onde estava o Arnaldo, isso há algum tempo, quando ele não estava tão falado assim. Pedia que por favor não reconstituíssem o Arnaldo antigo, que isso o fazia sofrer, e sim procurassem o que ele estivesse fazendo de novo. Eu não sabia muito bem o que ele estava fazendo porque nas minhas tentativas de reaproximação - eu fiz várias -, ele passou a ter uma idéia fixa depois que se atirou daquela janela de hospital quanto a mim, achando que eu me tornara uma pessoa maligna por passar a fazer equipamento transistorizado e não mais valvulado. Não fui eu que escolhi; foi o mercado. Eu comecei fazendo amplificadores valvulados, passei uma semana em cima de um esquema de um amplificador simples, para conseguir entender o que era uma válvula inversora de fase. Hoje todo esse sistema de som eu enxergo inteiro, assim como enxergava uma guitarra antes de projetá-la no papel, com todo o circuito, todas as medidas prontas porque tava muito envolvido com aquilo, não por genialidade nenhuma, é um trabalho profundamente dedicado que leva a essa visão. Essas foram as exigências que não foram atendidas.
REG: E essa oficina?
CCDB: Não tem mais oficina, aquela mesa é a mesa onde eu montava as mesas de som e hoje ela faz parte, como fazia antes, do sistema de som com painel acústico, se você abrir as gavetas ainda vai ver as ferramentas do tempo em que eu usava, algum aparelho eletrônico… Esse equipamento eu fiz em 1972 e como tá escrito ali no painel do equalizador gráfico, mas vale para o equipamento todo, nunca deu defeito desde aquela época, e hoje funciona com o mp3 do computador.
REG: E a história da maldição da guitarra?
CCDB: Foi a primeira guitarra de ouro. A história dos meus instrumentos é a seguinte. Eu fazia aeromodelismo com o Rafael Vilardi, foi quem comigo começou o conjunto que mais tarde se tornou os mutantes, o The Thunders. Isso começou quando nós, na garagem dele, assistimos a dois amigos tocando guitarra, foi a primeira vez que eu ouvi guitarra, assim, de perto, com um amplificadorzinho muito ruim. A gente gostou muito, e como eu fazia aeromodelos, fazia telescópios ópticos no porão do planetário do Ibirapuera, ali havia cursos dados pela Associação de Amadores de Astronomia de São Paulo, que era quem operava o planetário, eu tinha desenvolvido uma boa habilidade manual. Eu não gostei das guitarras daquele tempo, então resolvi fazer eu mesmo as guitarras. Um amigo meu que trabalha num canal de televisão, o canal 5 naquele tempo, fotografava, fazia slide de todas as páginas do catálogo da Fender e eu projetava na parede, no escuro, no porão da casa dos meus pais. Com um erro de não mais que 3 mm de cima a baixo eu fiz guitarras idênticas. Depois de aprender a fazer guitarras sólidas, copiando essas guitarras, que eu distribuí aos amigos por preço de banana, eu passei a fazer meus próprios modelos, cheguei a fazer mais 150 guitarras sólidas e umas 30 guitarras acústicas, essas de ouro. A guitarra de ouro eu concebi inteira na minha cabeça, o circuito inclusive já era dotado de circuito memória. A primeira chave em cima era liga/desliga mecanicamente, não com circuito eletrônico, partes diferentes do circuito. São varias operações, com uma chave só na guitarra de ouro ele faz tudo isso e pode fazer muito mais porque essa chave abre-se para dois circuitos separados e cada circuito tem sua programação, então você pode deixar ligado num deles aquilo que faz o som de base e no outro aquilo que faz o som de solo, e de um para o outro você vai com uma chave só. E assim cada chave com seus subcircuitos vão fazendo a mesma coisa, com uma hierarquia, a guitarra de ouro é assim. Essa segunda guitarra de outro tem o captador hexafônico, além do distorcedor convencional, ela tem mais seis, um para cada corda. E mais um montão de outros recursos. O Rafael Vilardi me pagou o material quando ele me disse: eu quero a melhor guitarra do mundo. Eu disse: eu posso fazer, mas não tenho dinheiro, você financia? Eu fiz duas guitarras e tenho foto delas sendo feitas, tudo que eu experimentava num exemplar e dava certo, e foi dando tudo certo, eu reproduzia no outro. Uma ia ficando pronta mais à frente que a outra. Essa que ficou pronta, onde eu fiz uns testes, só teve um defeitinho de colagem, e é a guitarra de ouro número 1 do Sergio, essa guitarra ficou pronta e também a do Rafael, sem defeito nenhum. A do Rafael é preta, e essa que eu dei ao Sérgio é branca, cor de marfim, básica.
REG: E a maldição da guitarra?
CCDB: Eu já me interessava por misticismo naquele tempo e lia alguma coisa de livros místicos que encontrava na biblioteca do meu pai, do Ademar de Barros. Um dos livros que eu tinha em casa era de magia telúrica – isso não significa que eu concorde com o que está escrito no livro. Eu, por brincadeira mesmo, tinha a consciência que serviria de publicidade, e colei ali uma maldição pronta e acabada que não é de minha autoria, uma invocação a espíritos, e transcrevi para uma parte da placa de ouro que fecha a guitarra, por de trás. Não é uma placa muito grande, é sobre um buraco por onde apenas passa a minha mão pra montar os circuitos lá dentro. E na outra face da placa eu coloquei a maldição. Ela foi transcrita numa reportagem do jornal A Folha de São Paulo, página inteira e mais alguma coisa sobre as minhas guitarras. O texto dizia que a guitarra retornaria a seu legítimo possuidor, caso fosse furtada, designado por aquele que a construiu. A guitarra foi furtada, e tal como previa essa parte da maldição, nesse sentido foi uma profecia, porque tinha a maldição para quem copiasse a guitarra. Porque muita gente naquele tempo vivia especulando sobre o que eu fazia, e eu patenteando tudo. Essa reportagem que saiu na Folha São Paulo porque eu estava a fim de produzir em quantidade com um amigo, ele era um grande artesão em mecânica, fazia moldes para injeção de plástico e atendia a grandes empresas, todos as peças plásticas de carros que estavam sendo lançados pela Volkswagen eram feitas nas indústrias dele. Ele se apaixonou pelas guitarras e resolveu fabricar comigo em quantidade pra vender no mundo todo. Estávamos fazendo estudos muito bonitos dentro da fábrica dele para fazer a guitarra em madeira tradicional, e outra em plástico nobre. Muito antes de fazerem violão ovation com fibra de vidro, a gente ia fazer uma guitarra inteira de plástico. Nós fizemos pedais e vendemos no Brasil todo, formalmente, com nota fiscal e tudo, tudo injetado em plástico e o molde feito por ele. Essa reportagem foi promovida pela Cassex, o órgão que regulava importação e exportação. A Cassex contatou um representante europeu na Alemanha, que queria 1900 exemplares para colocar em todas as lojas do império dele. A gente se preparado para grandes investimentos, quando esse amigo sofreu um acidente terrível. Ele tava ensinando um funcionário novo a trabalhar na máquina de plástico, enfiou a mão na abertura de um molde de injeção e alguém acionou a máquina e ela esmagou os quatro dedos da mão, não teve reconstituição possível e ele foi obrigado a parar. Mas foi um sujeito exemplar, comprou tudo que eu tinha levado pra fábrica dele, pagou tudo. Eu parei com os instrumentos musicais nessa época e continuei com os eletrônicos, que era muito mais fácil de fazer.
REG: Voltando à guitarra roubada…
CCDB: A guitarra foi furtada, e a pessoa que furtou vendeu para uma guitarrista que não sabia de quem era, comprou por comprar. Quando ele viu a maldição e ouviu dizer da história, correu e devolveu em perfeito estado ao Sérgio, fechando o ciclo previsto na placa de ouro.


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