segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

MALDITOS MECHANICS !

No primeiro álbum com músicas compostas em português, Mechanics se inspira no Tarô mais antigo de que se tem notícia para retratar o “ódio e a vontade de morrer” e continuar a fazer o ouvinte sofrer.

por Marcos Bragatto
Rock Em Geral

O grupo goiano Mechanics é do tipo que não se satisfaz com ele próprio; está sempre procurando sarna pra se coçar. Quando o vinil estava morto e enterrado, lançava sua música barulhento em compactos coloridos. Na era do CD, lançou o álbum “Music for Antropomorphics” com um livro de mais de 200 páginas como “encarte”, todo em quadrinhos. Agora, o grupo decide compor em português pela primeira vez e, inspirado no Tarô, fez o encarte do novo álbum, “12 Arcanos”, em 12 cartas separadas, uma para cada música. E que música. Sem abrir mão do peso inerente à sua história, o grupo transita com desenvoltura entre o garage, grunge, stoner rock e o que mais vocês achar barulhento, sem deixar de ser grudento.

A formação do Mechanics tem mudado nesses 16 anos, mas o comando sempre esteve nas mãos do inquieto vocalista Márcio Jr, que, nas horas vagas, faz parte do estado maior da gravadora Monstro e do Goiânia Noise Festival, e ainda tenta se eleger vereador. Nesse disco, além dele, estão na banda Katú e Ricardo Darin (guitarras), Little John (baixo) e Pedro Hiccup (bateria), o caçula da turma. É a primeira vez que a banda tem dois guitarristas, o que aumenta – e muito – a potência sonora ao vivo, para quem já nasceu com a vocação para o esporro. Não por caso “12 Arcanos” é um dos melhores lançamentos do rock nacional em 2010, além de trazer, ao menos, uma pérola: a música “Ódio”.

Nessa entrevista suada – Márcio Jr vive ocupado em mil e um projetos -, feita por e-mail, desvendamos tintim por tintim sobre a feitura do novo disco; vimos as vantagens de ser entendido ao cantar em português; deixamos emergir a inquietude de Márcio ao pensar no assumidamente pretensioso futuro do Mechanics; e flagramos – de novo - a verdadeira obsessão do líder do grupo em fazer o ouvinte sofrer, sempre movido pelo “ódio e a vontade de morrer”. Pois que sofram todos vocês:

Rock em Geral: Explica o conceito desse álbum, “12 Arcanos”?

Márcio Jr.: Sempre pensei os álbuns do Mechanics como obras fechadas, guiadas por conceitos que estou interessado em desenvolver. Depois do complexo disco-livro “Music for Anthropomorphics”, tivemos o “Neither Acoustic Nor Electric”, que é uma derivação daquele. São versões acústicas de algumas músicas do “Music…”, que foram usadas como trilha sonora do filme “Graffitti em Ruínas e Outros Muros” e que acabaram virando uma edição limitada de 100 cópias, artesanais, todas com capa em serigrafia, assinadas e numeradas. A partir deste trabalho, começamos a desenvolver o novo disco e pensei que seria desafiador tentar compor em português. Ao longo dos anos tenho discutido a decisão do Mechanics compor prioritariamente em inglês. Nunca foi uma questão mercadológica, mas sim uma opção estética. Em inglês as letras soam mais intuitivas, a voz acaba virando outro instrumento na criação de uma atmosfera musical. Sempre foi isso que persegui. O desafio de compor um álbum em português tem a ver com adotar uma perspectiva diametralmente oposta. Quando eu berro que “sou feito de ódio e vontade de morrer” essa mensagem é imediatamente decodificada por quem está ouvindo. A música deixa então de ser intuitiva e passa a ser racional. Ela migra do inconsciente para o consciente. Como em português a interpretação seria mais direta, passei a escrever letras que funcionassem como um compêndio dos temas que têm sido caros ao Mechanics ao longo de sua existência: morte, violência, paixão, sexo, drogas, arte, caos… Comecei a tratar estes temas de forma bastante simbólica, quase arquetípica e, coincidentemente, durante o processo de composição do álbum fui até Brasília assistir a uma palestra com o cineasta-quadrinista-dramaturgo-bruxo-gênio-lenda Alejandro Jodorowsky, onde, entre outras coisas, ele discutia o Tarô de Marselha, o mais antigo de que se tem notícia e descoberto pelo próprio Jodorowsky. Fiquei fascinado com a força daquilo. Não a força mística (sou ateu), mas, sobretudo, a força simbólica. E foi a partir desse conjunto de variáveis que começamos a desenvolver o álbum.

REG: O tal conceito é mais nas letras ou no som também?

Márcio Jr.: O conceito é geral e se aplica a tudo em “12 Arcanos”. Se no “Music…” a música era mais nebulosa, no “12 Arcanos” ela é mais direta, já que as letras, em português, também o são. Gosto de pensar no disco como um soco no estômago. Forma e conteúdo não podem ser dissociados no Mechanics.

REG: Que diferenças você vê em compor numa e na outra língua?

Márcio Jr.: As diferenças são gigantescas. A sonoridade e inflexão são completamente diferentes. O inglês é a língua natural do rock, aceitando seus clichês e chavões com muita naturalidade. Vejo muitas bandas naufragarem ao compor em português mantendo todas as características do inglês, apenas “traduzindo” as letras. Acaba virando aquela coisa brega, próxima ao sertanejo. Acho até que é por isso que as duplas sertanejas gostam tanto de fazer versões de bandas de hard rock. Compor em português é um grande risco, pois não sobra muita margem para a enganação. A letra tá ali, pornograficamente explícita para o ouvinte. Acertar a mão é um baita desafio e foi o que me instigou a fazer o “12 Arcanos”.

REG: O encarte desse disco é repartido em “cards”, cada um com uma letra e uma ilustração…

Márcio Jr.: Arcanos são as cartas principais do tarô. Daí que, se tratei e criei o álbum como um sistema de tarô, nada mais natural que ter as cartas para acompanhá-lo. Há, inclusive, uma proposta para a audição do disco: colocar o CD no shuffle e ver que sorte (ou falta dela) surgirá dali e aparecerão nas cartas.

REG: É impossível o Mechanics sem a conexão com ilustrações e quadrinhos?

Márcio Jr.: Tudo é possível. O fato é que uma das premissas da banda é a busca constante de diálogo com outras formas de expressão que não apenas a música. Dessa forma, estamos sempre enredados com quadrinhos, artes plásticas, cinema, performances, literatura, etc.

REG: As ilustrações dessa vez ficaram por conta do Lauro Roberto. Quem é ele e como vocês decidiram trabalhar juntos?

Márcio Jr.: O Lauro é um amigo fanzineiro dos anos 80/90, um artista genial que, infelizmente, ainda não conseguiu o reconhecimento que lhe é devido. Marginal demais, louco demais, difícil demais. Tudo isso pode ser dito da obra e do próprio Lauro Roberto, que (sobre) vive em Volta Redonda. Enquanto compúnhamos o “12 Arcanos”, eu pensava o tempo todo no Lauro para o trabalho, pois ele seria a única pessoa capaz de traduzir graficamente a densidade que eu buscava pro álbum. Uma das coisas que mais me deixam satisfeito com o “12 Arcanos” é que, de certo modo, estamos conseguindo chamar algum tipo de atenção para o seu trabalho. Repito: o Lauro é genial.

REG: Musicalmente, o Mechanics já foi identificado com garage rock, grunge, stoner rock. Como você vê o som da banda hoje?

Márcio Jr.: Nunca me preocupei com essas categorizações, isso não me diz respeito. Temos mesmo elementos de todos esses estilos que você assinalou, bem como de uma infinidade de outros: metal, hardcore, punk, indie rock… Não gosto de pensar em limites, mas sim na ruptura deles. Nossa única preocupação é fazer música que seja relevante e desafiadora para nós mesmos. Hoje, o Mechanics está melhor, mais sujo, denso e torto que nunca.

REG: A música “Desmorto” é a que mais lembra, digamos, um período mais “stoner” do Mechanics, e é uma das mais trabalhadas. Essa música é antiga? Fale como ela surgiu.

Márcio Jr.: “Desmorto” é mesmo um dos momentos mais pesados e psicodélicos de “12 Arcanos”, algo como nossa homenagem ao Black Sabbath. Mesmo a letra carrega essa atmosfera negativa, lidando de forma ambígua com temas, digamos, perigosos. Para dizer a verdade, não me lembro se foi uma das primeiras composições do álbum. Mas ao afirmar que é uma das músicas mais trabalhadas do álbum, você me fez pensar em algo interessante: na verdade, todas as músicas do disco foram muito trabalhadas, mas com propósitos diferentes. Às vezes o trabalho é para deixar a música mais rebuscada, outras para deixá-la aparentemente mais simples. Há, em vários momentos do álbum, uma abordagem minimalista. Mas para se chegar ali houve muito trabalho, muita depuração, muita matemática. O disco tem músicas com tempos e métricas inusitados, construídos de forma muito cerebral. “Cidade” e “Máquina” são exemplos disso.

REG: As referências de vocês mudaram durante esses últimos 16 anos? Quais rumos foram indicados nessas mudanças?

Márcio Jr.: Muita coisa mudou nesses 16 anos, mas principalmente mudamos nós mesmos. No começo éramos um bando de moleques recém-saídos da faculdade, doidos para nos divertir. Agora somos um bando de pais de família. Mais doidos que nunca! Mas pais de família. O que eu sempre tive como meta para o Mechanics foi construir uma carreira e uma obra diversa, marcada pelo inusitado, pelo risco e não pela fórmula pronta. A cada novo álbum me coloco uma série de questões. O que fazer agora que ainda não fizemos? Como apresentar algo que seja novo, mas que mantenha o espírito e a integridade da banda? Como me sentir inseguro e desconfortável? Olhando em retrospecto, acho que temos feito isso.

REG: As mudanças na formação da banda implicam em mudança no som, ou você, que é o cabeça na banda, conduz tudo a seu modo?

Márcio Jr.: Meu papel no Mechanics é estabelecer os conceitos, propor diálogos com outras linguagens, criar os quebra-cabeças mentais de onde surgirão as músicas, os álbuns, os shows. Mas mesmo isso é feito em constante discussão dentro da banda. Todo mundo participa de tudo. Se eu assumo essa posição de - sei lá - “líder conceitual”, é porque os caras confiam em mim para esse trabalho. E é claro que as mudanças de formação trazem mudanças no som – o que é sempre bem-vindo, desde que essas mudanças ainda estejam dentro daquilo que entendemos como uma espécie de arcabouço estético e sonoro da banda. É dentro deste arcabouço que nos movemos.

REG: Concorda que a música “Ódio” é uma das mais fortes e emblemáticas do disco? Fale sobe ela, em particular, e como ela se encaixa no conceito do disco:

Márcio Jr.: O ódio é um tema recorrente para o Mechanics e, portanto, ele obrigatoriamente seria tratado num álbum como o “12 Arcanos”. Penso no ódio como uma das forças motrizes da humanidade. É uma energia muito intensa, muito poderosa. É impressionante a capacidade de odiar que o ser humano tem – eu inclusive. Penso sempre que o ódio é um sentimento mais perfeito e absoluto que o amor. O amor é mais difuso, mais complexo. O ódio é cristalino. Você pode ter dúvidas quanto ao amor que sente, mas geralmente o ódio é uma certeza. “Sangue” e “Ódio” foram as primeiras músicas compostas e acabaram deflagrando o conceito do álbum. Elas foram escritas num período muito barra pesada pra mim. Um dia, no estúdio, enquanto os caras me mostravam uns riffs me veio a frase “eu só consigo sentir ódio e vontade de morrer”, que era exatamente como eu me sentia na época. Hoje, até que a vontade de morrer diminuiu bastante. “Ódio” talvez seja minha preferida no disco.

REG: “Sangue” é outra que, embora simplória, carrega muita dramaticidade. Ela e “Ódio” foram inspiradas em algum filme desses de serial killer?

Márcio Jr.: Simbolicamente, o sangue é um elemento riquíssimo em todas as culturas. Vida, morte, dor, prazer, horror, conquista, religião,… tudo isso está ilhado pelo líquido vermelho que corre nas nossas veias. Não acho que “Sangue” seja uma música simplória. Pelo contrário, penso nela como algo direto, explosivo, quase irracional. A letra é uma espécie de hai-kai. “Sangue” é do mesmo período difícil que eu comentei anteriormente e surge de uma imagem muito forte na minha cabeça, que sintetizo no (singelo) verso “a minha pica suja de sangue”. Não vou entrar em detalhes, lógico. “Ódio”, por sua vez, nasce de um sentimento pessoal que, em seguida, fui tentando transmitir a um personagem – um recurso que eu sempre usei na maioria das letras do Mechanics.

REG: A última faixa, “I’m Joe’s Fear Of Disease”, é um bônus ou está no conceito do CD?

Márcio Jr.: “I’m Joe’s Fear Of Disease” está fora do conceito de “12 Arcanos”. Ela foi a primeira música feita com o Katú, que assumiu as guitarras do Mechanics quando estávamos finalizando as demoradas gravações do “Music for Antropomorphics”. É uma música que gostamos muito e é uma homenagem ao genial e doentio artista norte-americano Joe Coleman. A faixa é muito exemplar na questão de se escrever em inglês ou português. Durante a criação do “12 Arcanos” a banda pressionou bastante para eu escrever uma letra para ela em português. Só que a música já existia em inglês e acho que estava bem resolvida ali. Tentar “traduzir” ou “adaptar” seria um erro crasso, pois não funcionaria já que não foi criada com esse intuito. Trocaríamos uma música boa por uma, no máximo, razoável. “I’m Joe’s Fear Of Disease” é o registro de uma época e é assim que ela deve existir.

REG: Com o disco anterior, “Music for Antropomorphics”, você dizia que queria fazer o ouvinte sofrer. E agora, o sofrimento continua?

Márcio Jr.: Sempre.

REG: Como você avalia o ano que passou para o Mechanics? Tocaram muito? Quais foram os shows mais legais?

Márcio Jr.: Tocamos bastante em 2010. Tocantins, Natal, Brasília… Fizemos festivais legais como o DoSol e o Porão do Rock. Mas os melhores shows foram em casa, na Revirada Cultural e no Goiânia Noise.

REG: Vocês já lançaram música em cassete, compacto (quando o mercado não vendia mais), com um livro de “encarte”… O que ainda falta fazer?

Márcio Jr.: Ainda não sei, mas algumas idéias já começam a se desenhar. A que se apresenta com mais vigor é a de lançar um próximo álbum em vinil – o que, em si, não tem nada demais. O que eu pretendo, de fato, é explorar os limites do vinil enquanto suporte. Hoje vivemos o declínio da idéia de álbum. As pessoas baixam músicas aleatoriamente na internet, fazem suas próprias seleções. As bandas já se adaptam a isso, lançando músicas avulsas ou em pequena quantidade, como nos tempos em que só existiam os singles. Nesse ambiente, mais que criar um novo álbum, quero criar um álbum em vinil, um long play, extrapolando aquela idéia de lado A e lado B e o modo como esses dois momentos de audição se relacionam. Como diria o Marshall McLuhan (filósofo canadense introdutor do termo “aldeia global” como metáfora para a sociedade contemporânea) , o “meio é a mensagem”. Acho fundamental dizer que o Mechanics é uma banda pretensiosa. O que me move e me deixa de “pau duro” são essas pirações conceituais, a vontade de ir por caminhos que ainda não conheço. Quando fazemos um disco-livro, uma série limitada e artesanal, ou encartamos um jogo de tarô em cada cópia de um álbum, isso não é uma macaquice para deixar o produto mais vendável. Jamais pensei nestes termos. Detesto maneirismos de qualquer espécie. Nossos álbuns não são discos com um “encarte invocado”. Eles são proposições estéticas, conceituais e é nesse sentido que nos considero artisticamente pretensiosos. Mas não somos presunçosos. Nunca sei se a experiência em curso vai dar certo e, na verdade, não me preocupo muito com isso. Cabe ao público decidir isso, ativamente, construindo a outra metade da obra. Nada que saia da gente é fácil e muito menos entregue pronto. Por isso, continuo querendo que o ouvinte sofra. Manter a banda dentro desse labirinto é o único modo dela continuar existindo depois de 16 anos de estrada.

REG: Quais os planos? Um novo álbum já em 2011?

Márcio Jr.: Queremos continuar mostrando o “12 Arcanos” Brasil afora. Acredito muito na relevância desse disco. Com certeza começaremos a compor um próximo trabalho, mas ainda não sei se ele ficará pronto em 2011.

REG: Como anda sua atividade na Monstro e no Goiânia Noise Festival? Tenho a impressão que os festivais, de uma forma geral, deram uma estagnada. Você concorda? O que fazer para sair desse estado de acomodação?

Márcio Jr.: Continuamos tudo a pleno vapor. Entendo essa sua percepção de que os festivais deram uma estagnada. Não sei se é exatamente isso que acontece, mas realmente acho que existe um modelo que está se aparentando único e penso que isso é um tiro no pé. Temos é que buscar diversidade, inovações, quebra de paradigmas… Enfim, um modo de manter as coisas acesas, queimando. No (Goiânia) Noise (Festival) temos buscado isso a ferro e fogo. Em 2009 foi o festival tomando as casas noturnas da cidade. Em 2010 foram inovações como o UnConvention, o Compacto Petrobras e por aí vai. Não podemos ficar congelados numa fórmula. A Monstro - eu garanto - vai fazer de tudo para não cair nessa armadilha. No nosso ambiente, existem outras coisas que me preocupam mais que a saúde dos festivais. Uma é fortalecer o circuito de casas noturnas de pequeno e médio porte do país. Os festivais são vitrines, mas é nos clubes que as bandas devem estar todos os dias. Outra coisa é o aparelhamento e a ultradependência do poder público. Temos que usar o poder público para criar asas, mas temos que aproveitar isso para criar também as condições de conquistarmos público e uma verdadeira independência financeira. Nosso objetivo não pode ser virar um braço do Estado, mas sim criar um mercado alternativo real. Para isso precisamos de políticas públicas de médio e longo prazo e acho que em várias esferas essa consciência começa a se aflorar. Por fim, tenho muito medo da cena alternativa se tornar um pastiche do mainstream, com seus caciques traficando influências, o jabá tomando novas formas, os favorecimentos se sobrepondo a uma visão artística e por aí vai. A soberba pode ser o pior inimigo de uma cena que depois de muito trabalho começa a se estruturar. Não podemos baixar a guarda quanto a isso.

REG: Você vem sendo candidato a vereador em Goiânia, certo? O que falta para você vencer e o que pretende fazer se eleito?

Márcio Jr.: Ser candidato a vereador foi uma das minhas diversas ações políticas ao longo das últimas duas décadas. Acredito que a Cultura é um campo de geração de riquezas materiais e simbólicas que deve estar no centro das discussões do país. Criar melhores condições para que os trabalhadores da Cultura possam desenvolver suas carreiras sem ter que obedecer a qualquer tipo de cartilha da indústria cultural é uma preocupação que deveria estar na cabeça de qualquer um que lida com música ou qualquer outra manifestação artística. O que falta para eu ser vereador? Imagino que com algum suporte financeiro isso seja possível. Sem grana alguma eu tive 1004 votos em Goiânia, onde a média para se eleger com um mínimo de 3800 votos ficou em torno de um R$ 1 milhão. Ou seja, o potencial para ser eleito está colocado. Mas o parlamento não é a única forma de se fazer política. O lance é estar atento, lutar pelos seus direitos, anarquizar os picaretas, aproveitar as brechas positivamente e por aí vai. Para se ter uma ideia, enquanto respondo a esta entrevista o atual Secretário de Cultura do Estado de Goiás me convidou para gerir o Centro Cultural Martim Cererê – palco de tantos Noise, Bananada, Vaca Amarela, etc. Sinal de que 2011 vai ser um ano cheio de trabalho. Do bom.


+ "Vida"

Em agosto de 1971, a revista americana - então jornal quinzenal - Rolling Stone trouxe Keith Richards na capa. Nas 13 páginas dedicadas ao guitarrista de cabelo arrepiado, barba por fazer e dentes podres, ele provava por "a + b" que sua banda, os Rolling Stones, não se resumia a uma imagem rebelde. Eram mesmo terríveis. Sua descrição de como Brian Jones tirava dinheiro de homossexuais idosos para pagar sanduíches para Keith, Mick Jagger e ele próprio, deixando as vítimas na neve, do lado de fora da lanchonete, está mais para Jean Genet do que para Charles Dickens. Décadence sans élégance.

Já em Vida, alentada autobiografia escrita com James Fox, o guitarrista, que completou 67 anos no dia 18 de dezembro, se mostrou mais comedido. Na orelha do livro, vem impresso, pelo menos na edição americana, seu autógrafo com a mensagem: "Esta é a vida. Acredite ou não, eu não esqueci nada dela". O que já conta ponto. A maioria de seus pares, em termos de sexo, drogas e rock'n'roll, invoca crises de amnésia se o assunto fica espinhoso. E como estamos cansados de saber, Keith é louco, mas não é bobo. Salta aos olhos a importância que "Catarina" dá à amizade - o apelido surgiu não se sabe quando e é contraponto para "Brenda", codinome de Jagger. Quando conheceu Brian Jones, este, apesar dos 17 anos, tinha filhos com mulheres diferentes, mais de dois pelo menos. E a partir desse aparente descaso com os outros, a começar pelas mulheres, Keith vai descrevendo o desmonte da personalidade de Jones, justamente quando as drogas iam chegando com tudo. O processo culmina com Keith indo morar com o casal Brian-Anita Pallenberg e tomando a anfitriã do amigo. Amigo?

Amigos aos montes. Keith lamenta muito a morte de dois deles. Ian Stewart, o pianista da formação original que não pertencia ao grupo por ser feio, e Gram Parsons, o americano que levou o country para a música dos Stones. O saxofonista Bobby Keys, o baterista Steve Jordan, da banda paralela de Keith, The X-pensive Winos, são declarados amigos eternos. Nem todos os caminhos levam a Jagger.

"Brenda" e "Catarina" se conheceram ainda novos. Eram vizinhos, crianças, mas já gostavam de rock e blues. Até o meio do livro, as citações são frequentes, mas formais, quase burocráticas. "Éramos praticamente irmãos." "Tínhamos exatamente o mesmo gosto musical." "Sabíamos o que tocar e o que não tocar", não mais que isso. Quando La Pallenberg filma Performance (1970) com Jagger, e acaba tendo um caso com o bocudo, a coisa muda. Keith revê o que fez com Brian e gasta páginas analisando seu amigo de infância. O mesmo acontece quando Gram Parsons volta aos Estados Unidos, aparentemente humilhado por Jagger, que chegou a cantar sua mulher. Logo em seguida, Parsons morreu de overdose, teve o corpo sequestrado por amigos que realizaram seu desejo de ser cremado em Joshua Tree, na Califórnia, e virou lenda. Mas a barra pesa mesmo quando Jagger diz que não vai excursionar para divulgar o álbum Dirty Work (1986). O disco foi gravado por Bill Wyman, Charlie Watts e Ron Wood, sob a batuta de Keith que aparece no centro da capa, rodeado pelos outros - incluindo Mick. Segundo Keith, "foi a Terceira Guerra Mundial!". Deve ter sido mesmo, porque Jagger excursionou pelo Japão com Jeff Beck que, a exemplo de outros guitar heroes da geração de Keith, não é sequer mencionado no livro.

Ah sim, e tem as mulheres. Desde Haleema Mohamed, a paixão adolescente, até Patti Hansen, sua mulher há 28 anos, mãe de Alexandra e Theodora - com Anita, Keith teve Marlon e Angela, e o casal perdeu o terceiro filho, Tara. Há outras mulheres, muitas histórias. Tipo, os Stones no início eram muito próximos dos negros americanos que tinham invadido a Inglaterra. De Muddy Waters ao trio pop feminino Ronettes, as negras de quem Amy Winehouse roubou o penteado. Keith caiu de amores por Ronnie Bennet, a líder. E foi correspondido. Ocorre que Ronnie logo assumiu o nome de casada, Spector. Virou mulher do lendário produtor Phil Spector, sim, aquele cara que vivia dando tiro na sombra e atualmente cumpre pena por homicídio. Keith confessa que temeu pela vida, mas é amigo dela até hoje.

É muito curioso o relacionamento de Keith, filho único, com os pais. Bert e Doris eram muito divertidos, viviam plantando bananeira, pulando sela e fazendo polichinelos mesmo depois de adultos. Mas quando Keith era pequeno, Doris arrumou outro marido, Bill. E Bert foi morar sozinho. Keith só foi reatar com ele nos anos 1990. Isso fica muito mais curioso porque, quando fala de Jagger, Keith diz que o colega é difícil porque não consegue parar de ser Mick Jagger o tempo todo e que "talvez isso seja a mãe que existe dentro dele", afirma. Não entendi muito.

Ah, sim, outra vez. Antes que alguém pergunte, Keith fala sobre trocar o sangue e cheirar as cinzas do pai. Verdade? Mentira? Aí, tem de comprar o livro para saber. Fica mais divertido.

» Vida, Keith Richards (com organização de James Fox), Editora Globo, 640 páginas

por Luiz Chadas

Brasileiros

# 177 - 28/01/2011

Bicicletas de Atalaia é o nome do já não tão novo projeto dos irmãos Bruno e Leo Matos, ex-integrantes do infelizmente extinto Rockassetes. Eles tocaram pela primeira vez em Aracaju no último sábado, no Capitão Cook, e aproveitaram a passagem pela capital do ... do quê mesmo ? – para comparecer a uma verdadeira maratona de pocket shows e entrevistas na Aperipê FM que culminou com a presença dos dois no programa de rock. Falamos sobre influências, sobre o porque do Rockassetes ter acabado quando parecia estar indo tão bem (problemas internos que não chegavam ao público, segundo eles) e sobre a importância de se levar a música feita em Sergipe para o Brasil e, quiçá, para o mundo.

Depois foi a vez de Julio Dodges, do The Baggios, nos falar um pouco sobre a recente passagem do duo por Rio e São Paulo numa pequena turnê “dentro do eixo”, ou “fora do Fora do Eixo”. Parece ter sido bom para eles e para quem os viu ao vivo, o que muito nos alegra. Apresentaram também seus convidados da noite no show que fariam logo mais, também no Capitão Cook (onde mais?), a banda Acord, da Bahia.

Musicalmente, abrimos como nos velhos tempos, com “classic rock”. Titus Groan, grande banda hard/progressiva praticamente desconhecida por aqui e que nos foi apresentada via André Teixeira pelo blog “Venenos do rock”, fez as honras da casa, seguida pelo provavelmente maior Power trio da história, o Cream, e por uma faixa do clássico “A Night at the opera”, de 1975, do Queen. Já no último bloco do programa, as mulheres deram as cartas em dois blocos: um produzido por mim mesmo, o primeiro, e outro, o “Bloco do ouvinte”, produzido por nossa camarada e parceira de longa data Daniela Rodrigues, do The Renegades of Punk e da Jezebels – esta última, reformulada, participou no sábado retrasado de um Festival de rock feminista em Salvador, Bahia, o “Vulva La vida”.

Em tempo: Agradecimentos a Isabela Raposa pelo presente de aniversário!

E foi isso. Espero que tenham gostado.

Manifestem-se, porra !!!!!!

por Adelvan "Kenobi"

* * *

Bikini Kill - Doube Dare Ya - Música do 1º registro do Bikini Kill, o ep chamado "Revolution Girl Style Now! (1991)". Esta gravação daqui é de 1994 do álbum "The C.D. Version of the First Two Records". O Bikini Killé A banda "símbolo" do movimento Riot Grrrl de Olympia, Washington - EUA. " As letras incendiárias do Bikini Kill, chamadas de "Revolution Girl Style Now", ajudaram a influenciar inúmeras bandas punk femininas a partir dos anos 90."

Huggy Bear - No Sleep - Música do LP "Taking the Rough with the Smooch" de 1993.
- É considerada a representante britânica do Riot Grrrl. A banda é de London/Brighton, Inglaterra.

Slant 6 - Time Expired - Música do álbum "Soda Pop, Rip Off" de 1994. Banda de Washington, DC lançada pela Dischord Records. (Eu particularmente amo essa banda!)

Emily's Sassy Lime - Would-Be Saboteurs Take Heed - Música do álbum "Desperate, Scared, but Social" de 1995. A banda é do sul da Califorinia (Calabasas, Pasadena, Irvine) e se formou quando saíramd e suas casas escondidas pra ver um show do Bikini Kill + Bratmobile. A partir daí começaram a se comunicar via carta com Molly Neuman, baterista do Bratmobile.

Bratmobile – Die - Música do ep "The real Janelle" de 1994. A banda é outro grande símbolo do Riot Grrrl, também de Washington D.C.

por Daniela Rodrigues

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Titus Groan - It wasn´t for you
Cream - Tales of Brave Ulysses
Queen - The Prophet song

Bicicletas de Atalaia – probabilidade
+ Entrevista Ao Vivo
+ Pocket set acústico

Acord – Viver os dias
The Baggios – Aqui vou eu (Ao Vivo no Capitão Cook)
+ Entrevista Ao Vivo com The Baggios
+ Entrevista Ao Vivo com Acord

PJ Harvey & John Parish - Leaving California
The Micragirls - White Devil
The Girls at dawn - It´s only the time
Veruca Salt - so weird
Venus Volts - The lover was a faker

Bikini Kill - Doube Dare Ya
Huggy Bear - No Sleep
Slant 6 - Time Expired
Emily's Sassy Lime - Would-Be Saboteurs Take Heed
Bratmobile - Die
(por Daniela)

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terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Gangrena Gasosa reloaded

Não, eles não são uma lenda urbana. Eles existem. E não, não acabou. A Gangrena Gasosa, primeira e única banda de Saravá Metal do universo, está viva e ativa, e acaba de lançar seu terceiro disco. Aproveitamos o ensejo pra conversar, via internet, com o vocalista Angelo, que dá uma geral no que tem acontecido nos domínios do Zé Pilintra.

programa de rock - Finalmente foi lançado o terceiro disco “cheio” e “oficial” da Gangrena Gasosa. Conte-nos como foi todo o processo de concepção e gravação do mesmo – o repertório já estava pronto ou vocês compuseram músicas novas que nunca haviam sido antes gravadas, além das que já constavam do EP 666 ?

gangrena gasosa - “Se Deus é 10 SATANÁS é 666” é o primeiro disco que nos deixou realmente satisfeitos com o resultado. Pra mim esse disco foi premiado pelo nível dos profissionais que colaboraram. Tuta e Diogo Macedo do EME Studios, do Rio. Dupla foda de Barra Mansa que tinha gravado muita banda underground com resultados sensacionais e coisas diferentes como o grupo Strike e a Banda Revelação. Participaram das nossas percussões Elijan Rodrigues e Anjo Caldas, percussionista da Elba Ramalho e da Catapulta. A mixagem e masterização ficaram a cargo de Rodrigão Duarte. No final das contas ainda recebemos uma ajuda inacreditável do Frejat. Mixamos e masterizamos no estúdio dele, o DuBrou’. O disco começou a ser produzido em 2004 quando eu, o Vladimir e depois o Chorão fomos apresentados pelo Rodrigão Duarte ao Anjo. Ele é um cara que agregou muito aos conceitos rítmicos e percussivos da banda. Seu entusiasmo em relação ao projeto nos fez acreditar novamente que o conceito funcionava, aí decidimos retomar as atividades. De cara nasceram músicas como “Chuta que é Macumba” e “Quem gosta de Iron Meiden também gosta de KLB”. Também já tínhamos uns esboços como a música-título, que tinha sido feita sob influência da turnê, com uma pegada muito rítmica e pesada. Depois de lançarmos o EP 6|6|6 no dia 6/6/06 com vendas somente pela internet, começamos a trabalhar músicas como “A SuperVia deseja a todos uma boa viagem” e “Black Velho”. Algumas ficaram pelo caminho como “Engodo We Trust”, “Você analisa muito (no sentido ANAL da palavra)” e “Trabalho pra 20 comer”. Entraram também músicas que não tinham registro oficial como “Artimanhas do Catiço” e “Cambonos from Hell”, que mudaram muito com a pegada atual. Esse disco ao mesmo tempo em que fecha um ciclo inicia outro que retoma as origens da Gangrena com uma pegada que nessa formação conseguimos alcançar. Tem muita raiva e muita vontade nele. É tipo uma madeirada na palhaça.

pdrock - E pra lançar o disco, muita dificuldade? Como foi o processo de escolha da gravadora, e qual foi o selo, afinal, escolhido ?

Gg - Tenho até que fazer uma força pra não ficar chorando pitangas, mas foi foda sim.
Não tem gravadora, foi produção independente. Tivemos muita dificuldade com prazos nesse disco por termos contado com a ajuda de vários amigos que nos ajudaram no tempo que foi possível e não no que seria ideal. Isso causou certa demora no lançamento da bagaça. Íamos até lançar por uma gravadora, mas acabou não dando certo e tratamos de tudo por nós mesmos. A distribuição é da TAMBORETE ENTERTAINMENT no Brasil, e KARASU KILLER no Japão.

pdrock - Ficaram satisfeitos com o resultado final do disco? Como pretendem divulgá-lo e distribuí-lo – isso fica por conta da gravadora ou a banda pretende “colocar a mão na massa”?

Gg - E como! Mesmo sabendo que podia demorar mais, fazermos o disco com os melhores recursos que tivemos acesso foi importante pro resultado final. É uma proposta musical muito filha da puta pra qualquer técnico acertar a percussão com a porrada comendo entre 2 guitarras, 2 vocalistas mais bateria e baixo. Imagine pra gravar? Percussão pra nós não pode ser figura decorativa. Pela primeira vez na história desse país, a Gangrena conseguiu gravar um disco exatamente do jeito que queria. Tudo aparecendo como queríamos. Quem ouvir o disco pode saber que é isso que os espera ao vivo. A distribuição fica a nosso cargo e dos selos. É parceria, na verdade.

pdrock - Ainda vale a pena, financeiramente falando, lançar um disco “físico”? Caso a resposta seja não, porque lançar, então? O resultado artístico, o prazer em ver as idéias literalmente postas no papel, como nos velhos tempos, compensa eventuais prejuízos?

Gg - Financeiramente falando não, tudo mudou nesse lance de música. Mas vale muito pelo lado de dar um material de qualidade pro fã ouvir, ver, tocar. Pode ser muito mais prático você baixar uma música, mas nada substitui a sensação de ter um material físico da banda que você curte. Vale muito mais a pena pelo lado artístico mesmo.

pdrock - Chorão 3, membro-fundador, deixou a banda mais uma vez. É definitivo? Foi tudo numa boa ou foi um processo “traumático”?

Gg - É definitivo sim. Tudo numa boa, sem estresse. Ele continua como colaborador, assim como muitos outros que passaram pela banda. É nosso amigo e eu falo com ele sempre. O peso das dificuldades de se tocar uma banda independente infelizmente não era mais compatível com seus compromissos pessoais.

pdrock - Existe ainda algum membro da formação original da banda ou vocês são nosso “Napalm Death tupiniquim”? (nenhuma conotação depreciativa na pergunta, já que gosto de todas as fases do Napalm Death)

Gg - O Vladimir (Exu Caveira) é da formação que gravou o Welcome to Terreiro, mas não gravou a 1ª demo, por exemplo. O Napalm deve ser diferente nesse aspecto porque mesmo quem não está mais tocando conosco é colaborador. O próprio Vladimir retornou depois de sair num período pós EP. Somos mais um coletivo de esporro do subúrbio do Rio que uma banda comum de Metal ou Hardcore. Temos ex-integrantes que por vezes ‘tocam’ como roadies, técnicos de som, letristas, compositores, desenhistas etc. Pra nós, o Anjo Caldas é da Gangrena, assim como o Rodrigão Duarte, o Elijan, o Wagner (baixista da turnê europeia), o Magrão (que ajuda na concepção gráfica, tocou bateria várias vezes na banda e é um puta letrista), o Adelson (ex-The Endoparasites) que tocou bateria com a gente depois do EP, o Léo Dias (artista plástico sensacional que fez a HQ do disco, que acabou não entrando nele por motivos técnicos) e mais uma porrada de gente. Todos eles são integrantes da Gangrena Gasosa.

pdrock - Qual é a formação atual da banda? – quem são os membros, quais os mais antigos, quem chegou depois, de onde vieram...

Gg - O Exu Caveira (Vladimir) é da formação do Welcome to Terreiro e sempre foi guitarrista da banda. Eu (Zé Pelintra) sou da formação da demo “Cambonos From Hell”, toquei numa banda de Splatter chamada Erosive Exhumation, entrei pra Gangrena tocando baixo, toquei na Dorsal Atlântica e depois voltei pra casa como vocalista. O Exu Mirim (Renzo) entrou logo após o EP e foi baterista do DFC e do Zumbi do Mato. O Exu Tranca Rua (Moreno) compôs boa parte do baixo do Smells, tocou no Allegro e voltou pra banda junto com o Exu Mirim. O Exu Capa Preta (Minoru) entrou pouco depois e tinha tocado no Violator e no Allegro. Omulú (Cristiano) entrou no lugar do Chorão³ logo depois da gravação do disco e pegou tudo muito rápido, entrando num rabo-de-foguete danado, pois tínhamos alguns compromissos pendentes e ele assumiu de boa. Ele tocou na banda The true Blend e na banda Spell. A Pomba-Gira (Gê) entrou depois da gravação também e tocava no projeto Musikfabrik. O Mutley estava tocando de freelance com a gente até arrumarmos um integrante definitivo, coisa muito difícil de achar. Percussionista normalmente toca em esquemas diferentes do esquema rock independente. Posso ter me enganado no nome de uma ou duas bandas, mas acho que é isso. Essa é a formação atual. Gente pra caralho, né? E nem é o ideal. A percussão merecia mais uns 2 ou 4 braços.

pdrock - Os membros mais novos estão se adaptando bem ao ritmo da banda? Tem dado certo?

Gg - Tudo em paz no reino de Satanás.

pdrock - Como está o ritmo de atividade de vocês? Fale-nos dos últimos e mais marcantes shows e acontecimentos em geral na vida da banda.

Gg - O ritmo está bom, mas vai melhorar. Tocamos regularmente no Rio, mas esperamos que com o lançamento possamos tocar mais pelo Brasil. Recentemente tocamos no Porão do Rock e foi muito bom, evento bem organizado que respeita o músico e dá condições técnicas de se fazer um bom show, coisa rara no underground. Quando se trata de 7 músicos, mais ainda. O Goiânia Noise Fest foi há mais tempo, mas foi muito importante também, pelos mesmos motivos. Mas o que recentemente me deixou bolado mesmo foi quando tocamos em Curitiba e quase sofremos um acidente na Van, o motorista chegou a sair da estrada. Depois que percebi que o traçado da van estava meio estranho, passei a ficar de olho na estrada. Dito e feito! Quando ele cochilou e começou a sair da estrada eu dei um grito de desespero tão alto nos tímpanos dele que ele deve estar dormindo mal até hoje. Geral trancadinho o resto da viagem toda, com os olhos arregalados, prontos pra gritar no ouvido do motorista, foi tenso.

pdrock - Planos para o futuro ?

Gg - Tocarmos esse disco o máximo possível no maior numero de locais que pudermos. Estamos iniciando um projeto de vídeo ao vivo com o Fernando Rick, que fez o ‘Guidable’ do Ratos de Porão e só posso adiantar que eu não ouvi falar de nada parecido até hoje. E começamos a alimentar o projeto de fazer outra turnê europeia e uma sul-americana, mas isso é mais pra frente. Nesse ano pretendemos arriar o despacho desse disco em todos os lugares possíveis. Se não for ao vivo, que pelo menos seja destilando o puro suco da maldade no fone de ouvido ou nas caixas de som desse povo metaleiro sofrido que tem aturado umas coisas que vou te contar.

pdrock - Espaço aberto para considerações finais.

Gg - Saravá, mizinfio... fica de olho nas novidades da Gangrena, vem muita coisa por aí e o ritmo vai ficar frenético.

Visite o Terreiro Virtual da Gangrena Gasosa.
Contato: despachos@gangrenagasosa.com.br
(21)9184-2972 c/ Lana Ramôa
Foto: Divulgação
Arte: Leo Dias

Adelvan k. perguntou
Angelo respondeu

De volta, com energias renovadas

2ª Noite Fora do Eixo: The Baggios e Acord no Capitão Cook

Um grande encontro em reverência aos sons do passado, misturando a musicalidade rock dos anos 70 com o groove dançante do funk e a introspecção do blues. Parece estranho, mas é isto que as bandas Acord (BA) e The Baggios (SE) prometem para a grande festa que farão juntas na próxima sexta-feira, 28 de janeiro, a partir das 22 horas, no Bar Capitão Cook, em Aracaju, com ingressos a R$ 10.(http://www.youtube.com/watch?v=ftj8cvlJmp4)

A Acord reabre sua temporada de shows para 2011 com a divulgação fora da capital baiana do seu recém lançado disco, “Não Há Mais Tempo Pra Ficar Parado”, cuja produção ficou a cargo de André T. Em 2010, o quinteto levou ao público um som de qualidade em diferentes palcos de Salvador, bares, boates, escolas e livrarias da cidade. Agora o lema é “Pé na Estrada” e rumo a sua primeira apresentação em solo Sergipano.

Já o grupo The Baggios, que, na verdade, é uma dupla de guitarra e bateria, volta à cidade natal depois da turnê programada para o eixo Rio-São Paulo, apresentando em seu repertório um rock’n’roll com fortes influências de Raul Seixas, Jimi Hendrix, Chuck Berry, white stripes, led zeppelin, black sabbath, deep purple, rolling stones e por ai vai... O evento conta ainda com o apoio cultural do Virote Coletivo, da radio Aperipê Fm e do programa de rock.

Para ouvir:

http://www.myspace.com/bandaacord

http://www.myspace.com/baggios

SERVIÇO

Acord(BA) e The Baggios(SE)

Local: Capitão Cook

data: 28.01.11

Horário: 22h

R$ 10

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Roberta Medina, uma entrevista

Vice-presidente do Rock in Rio, Roberta Medina traz no sangue a vocação para o entretenimento e assume (em parte) as funções do pai Roberto Medina na organização do Rock in Rio, que volta à cidade natal 11 anos e seis edições europeias depois.

por Marcos Bragatto
REG

Não é todo mundo que tem como melhores lembranças de shows aqueles que nunca viu. Mas Roberta Medina ouviu falar tanto das apresentações de Frank Sinatra, no Maracanã, em 1980, e do Queen, no primeiro Rock in Rio, em 1985, que não titubeia em citá-los. Também pudera: eles foram as duas grandes primeiras façanhas de seu pai, Roberto Medina, idealizador do Rock in Rio, que volta ao Brasil em setembro/outubro desse ano. Hoje mais discreto, o Medina pai continua batendo o martelo na hora de fechar a contratação de um artista (que é o que interessa para o público), mas colocou a filha Roberta na linha de frente do festival.

É ela quem aparece apresentando esta nova edição e seus patrocinadores, e no lançamento da pedra fundamental do “Parque Olímpico Cidade do Rock”. O local irá receber as próximas três edições do festival (já garantidas), além de servir como área de lazer para os atletas olímpicos em 2016 e para receber outros eventos da cidade. Ausente do Rio (e do País) por 11 anos, o Rock In Rio volta remodelado, com capacidade de público menor, graças à experiência de edições bem sucedidas em Lisboa (2004, 2006, 2008 e 2010) e Madri (2008 e 2010). E a coisa começou bem. Com apenas 11 artistas confirmados no palco principal do festival, 100 mil ingressos foram vendidos antecipadamente em 24 dias. Em julho, definidas todas as atrações, a carga definitiva de entradas começa a ser vendida.

Roberta está em Portugal negociando contratos com cerca de 60 artistas para o festival, mas arranjou um tempinho para atender ao Rock em Geral nessa entrevista exclusiva, via e-mail. Ela ressalta a importância do crescimento econômico brasileiro para a volta do festival ao Rio; da utilização de verba pública no evento; das pesquisas que apontaram o Metallica como a banda “mais pedida” do público brasileiro; de problemas de som que aconteceram na edição passada e do susto de ver o baixista do Queens Of The Stone Age subir no palco pelado. Se você ainda tinha alguma dúvida sobre o Rock in Rio, depois de ler essa entrevista vai é começar a contar os dias na folhinha. Divirta-se:

Rock em Geral: Este mês está completando dez anos da última edição do Rock In Rio no Rio. Por que o festival se afastou tanto da cidade de origem?

Roberta Medina: Infelizmente, a economia brasileira não estava estável o suficiente para viabilizar edições frequentes do Rock in Rio no País. Hoje, com a economia mais forte e mais estável, a pressão que coloca-se em patrocínios pode ser menor, aumenta-se a responsabilidade financeira da venda de ingressos, mas o poder aquisitivo da população já nos permite isso. Em 2001, o ingresso (inteira) custou R$ 35, hoje custa R$ 190.

REG: O quanto pesou na decisão de fazer o festival este ano a parceria com a Prefeitura, por conta dos Jogos Olímpicos de 2016?

Roberta: A parceria da Prefeitura foi fundamental para a volta do Rock in Rio. A volta do festival só foi possível depois que a Prefeitura se comprometeu a antecipar os investimentos previstos para a construção do parque de lazer dos atletas e redesenhar, em conjunto com o Rock in Rio, a infra-estrutura prevista para que pudesse ser um espaço permanente para a realização de grandes eventos ao ar livre no Rio de Janeiro. O acordo com a Prefeitura prevê a realização do Rock in Rio a cada dois anos. Isso faz com que o evento tenha uma grande responsabilidade para aperfeiçoar cada vez mais os seus planos de logística, transporte, trânsito e segurança da cidade, e ainda reforçar a imagem e a capacidade da cidade para receber e organizar grandes eventos.

REG: Passadas as Olimpíadas, você acha que, enfim, o festival vai ganhar periodicidade de realização do Rio?

Roberta: Desde que começamos a conversar sobre a volta do Rock in Rio com o prefeito Eduardo Paes, a ideia é tornar o evento bianual. A intenção é realizar o Rock in Rio em 2011, 2013 e 2015…

REG: O apoio da Prefeitura prevê utilização de verba pública para a realização do festival? Você pode estimar qual o percentual do total da verba a ser investida que vem da Prefeitura?

Roberta: O compromisso da Prefeitura é a construção do Parque Olímpico Cidade do Rock e o apoio logístico para a realização do festival. O investimento de R$ 37 milhões, anunciado pela Prefeitura, é uma antecipação das verbas das Olimpíadas de 2016. O resultado desta antecipação de recursos vai significar grande retorno financeiro para a cidade, tendo em conta os números oficiais do impacto exclusivo do Rock in Rio 2001 na economia da cidade. Ainda assim, além deste impacto haverá a possibilidade de ativar o parque com outros eventos nos períodos não ocupados pelo Rock in Rio.

REG: E impossível realizar um festival do porte do Rock In Rio somente com investimentos da iniciativa privada, sem o apoio de órgãos do governo?

Roberta: Esse apoio é fundamental porque é critério número um ter o local em condições para receber o evento, e isso, geralmente, está nas mãos dos governos locais. Fora isso, eles têm que acompanhar todo o planejamento de logística do evento na cidade para garantir uma perfeita realização em conjunto com os organizadores. É assim em Lisboa e em Madri, e vai ser assim no Rio. O mais importante é observar que a repetição do evento nestas cidades comprova o retorno satisfatório da dedicação e investimentos em infra-estrutura e logística, uma vez que os retornos financeiros são muito superiores que os investimentos necessários. Em Lisboa, apenas a edição de 2008 gerou um impacto de 63 milhões de Euros para a economia da cidade, impactos diretos do evento.

REG: Podemos atribuir a mudança do local a esta parceria ou vocês queriam realmente um espaço menor? Pode confirmar a capacidade de público total, por dia de evento?

Roberta: A Prefeitura está construindo um espaço que servirá para a realização de eventos maiores na cidade. Hoje, o Rock in Rio é pensado para um público de 100 mil pessoas por dia, que é o que a nova Cidade do Rock comportará. Dessa forma ofereceremos lazer atrelado ao conforto e bem estar a todos os visitantes. Em 2001, a capacidade era de 250 mil pessoas. A organização do festival preferiu diminuir o número de pessoas para que o público tivesse um conforto maior.

REG: A decisão de mudar a data do festival, que tradicionalmente acontecia no mês de janeiro, partiu dessa parceria? Você considera esta mudança positiva ou isso pouco importa ante aos investimentos que estão sendo feitos?

Roberta: Este foi um pedido da Prefeitura, do prefeito Eduardo Paes. A ideia é que com a volta do Rock In Rio uma nova data forte para o turismo entre no calendário da cidade. Hoje, mais de 60% dos compradores do Rock In Rio Card são de fora do Rio.

REG: Em 2010 aconteceu outro festival de rock, o SWU, em Itu, no interior de São Paulo, num período bem próximo ao da data do Rock in Rio – de 9 a 11/10 – e deve acontecer a segunda edição este ano. Em que medida dois eventos de grande porte no mesmo segmento podem se atrapalhar ou se ajudar, acontecendo tão próximos um do outro? Você não acha que um festival pode “roubar” público do outro?

Roberta: O Rock in Rio não é um evento de música, apenas. É o maior evento de música e entretenimento do mundo. Hoje temos uma experiência que vai muito além do que a música, oferecemos parque de diversões, tenda de desfiles, a Rock Street, com shows de jazz, enfim, é muito mais do que apenas música. Além disso, o Rock in Rio se dirige a um público de diversas faixas etárias e com perfil distinto de consumo. Os festivais tradicionais, em geral, são frequentados por um público de nicho. Além de serem propostas de evento muito diferentes, o aumento da oferta de shows vai continuar aumentando e isso é um sinal muito positivo do fortalecimento da economia.

REG: É verdade que no passado os contratos do Rock In Rio com os artistas tinham uma “cláusula de exclusividade” que não permitia que eles se apresentassem em outras cidades da América do Sul, em um período anterior e posterior ao festival? Ainda funciona assim?

Roberta: Não é verdade, cada contrato tem uma realidade diferente.

REG: Quando perguntada sobre a escolha dos artistas anunciados para o festival, você costuma argumentar que ela é feita a partir de pesquisas de mercado. Você pode explicar melhor qual é a metodologia dessas pesquisas?

Roberta: Em todas as edições, tanto no Brasil quanto em Portugal e Madrid, o Rock in Rio realiza pesquisas junto ao público e aos formadores de opinião para saber o que gostariam que o Rock in Rio apresentasse. Aqui no Brasil esta pesquisa é feita pelo IBOPE. A ideia é saber quem são as atrações que o público quer ver e nos esforçar para trazer esses artistas. Em agosto do ano passado, encomendamos ao IBOPE uma pesquisa que foi realizada no Rio e em São Paulo, com 1200 pessoas. A banda mais pedida foi o Metallica, que já anunciamos com a principal atração do Dia Metal para o Rock in Rio 2011.

REG: Como você montou a direção artística do festival e quais pessoas participam? Há consultores externos?

Roberta: Temos um diretor artístico para cada palco. Palco mundo: Paulo Fellin. Palco Sunset: Zé Ricardo. Eletrônica: Miguel Marangas. Rock Street: Bruce. Todos são comandados pelo Roberto Medina.

REG: Em 1985 Roberto Medina consultou os diretores da Rádio Fluminense FM (a rádio rock da época) quanto aos artistas a serem contratados. Esse procedimento continua sendo adotado?

Roberta: Como falado anteriormente, contratamos uma pesquisa de mercado para saber qual é a vontade do público e também ouvimos formadores de opinião e certamente pessoas ligadas à área de música – jornalistas, músicos etc, são consultadas e participam da pesquisa.

REG: Do ponto de vista artístico, quem é o “homem forte” do Rock in Rio, que bate o martelo quanto à contratar um a atração?

Roberta: Desde a primeira edição, todas as contratações são feitas e definidas pelo Roberto Medina. Mas há uma equipe trabalhando junto a ele para que tudo isso seja possível e viável.

REG: No Rock in Rio de 2001, parecia haver uma preocupação em trazer de volta artistas que haviam estrelado as outras duas edições (de 1985 e 1991), como Iron Maiden, Guns N’Roses, James Taylor etc. Pelos nomes anunciados até agora, vê-se muitos artistas que participaram das edições “europeias”. É essa a intenção ou isso acontece mais pelos contatos já estabelecidos com os agentes desses artistas?

Roberta: Sempre procuramos trazer artistas que estão em evidência, e que o público quer ver. Algumas vezes, esses artistas já participaram de outras edições do evento, mas isso acontece por serem artistas que estão no auge e fazem sucesso em qualquer lugar do mundo.

REG: Você tem dito que está negociando com cerca de 60 artistas para completar o cast do festival. Qual é a previsão de anúncio de todo o elenco? Você pode citar alguns desses nomes ou o perfil deles?

Roberta: Ao todo, serão mais de 100 artistas contratos para o Rock in Rio 2011, o que inclui Palco Mundo, Sunset, Eletrônica e Rock Street. A previsão é que até julho todos sejam anunciados.

REG: Fala-se que artistas como Lady Gaga, Paul McCartney, Soundgarden, Arcade Fire, Alice In Chains, Van Halen e The Who estariam nesse rol de negociações. Você confirma ou descarta algum deles?

Roberta: Os artistas confirmados para o Palco Mundo até agora são: Red Hot Chili Peppers, Metallica, Coldplay, Snow Patrol, Stone Sour, Motörhead, Slipknot, Coheed and Cambria, Skank, Capital Inicial e NX Zero. No palco Sunset, espaço que receberá todos os dias quatro encontros especiais entre artistas consagrados e novos nomes da cena musical nacional e internacional, tem confirmados no line-up: Erasmo Carlos, Arnaldo Antunes, Sepultura, Angra, Tulipa Ruiz, Cidadão Instigado, Marcelo Camelo, Orkestra Rumpilezz e Céu, que terão os seus parceiros e datas anunciados nos próximos meses.

REG: Dos seis dias do festival, já foram anunciados o “Dia Metal”, “Dia Rock” e “Dia Rock Alternativo”. Quais serão os temas dos outros três dias?

Roberta: Temos que aguardar os anúncios das próximas atrações.

REG: Por que fazer shows com reuniões de artistas no “Palco Sunset” e não o show de cada artista, como no “Palco Principal”?

Roberta: Porque não queremos ter simplesmente outro palco. Queremos ter um palco único que se destaque pela liberdade de experiências artísticas, pelo ineditismo. Queremos oferecer ao público algo que ele só pode ver se for ao Rock in Rio.

REG: Há uma queixa no meio do rock independente quanto à colocação de um palco específico para esses artistas. Você tem conhecimento disso? Chegou a ser ventilada a criação de um palco para bandas independentes?

Roberta: Nunca ouvimos falar disso e não temos esta intenção para esta edição.

REG: A venda antecipada do Rock In Rio Card foi um sucesso, mas o que acontecerá se muitas pessoas optarem pelo mesmo dia? Não pode ocorrer uma demanda grande por poucos ingressos para este dia? Pode explicar como funciona, na prática a utilização do Rock in Rio Card?

Roberta: Limitamos a venda de 100 mil Rock in Rio Cards exatamente para não correr nenhum risco. A capacidade do local é para 100 mil pessoas por dia, isto é 600 mil pessoas em 6 dias. O que vai acontecer é haver menos ingressos disponíveis para determinados dias quando a venda oficial for aberta porque quem comprou o Rock in Rio Card já terá escolhido o seu dia. Esse era o benefício de comprar antecipado.

REG: Boa parte dos artistas anunciados para este ano esteve no Brasil há pouco tempo. Isso não tira um pouco o elam do festival, que se caracteriza por trazer artistas que o Brasil nunca viu?

Roberta: Se analisarmos o mercado da música hoje versus a realidade do mercado de entretenimento de massa no Brasil, chegamos a uma lista bastante reduzida de talentos que tenham capacidade de mobilizar grandes massas. O Rock in Rio é um evento para 100 mil pessoas por dia e, realmente, grande parte dos artistas que tem essa capacidade, felizmente, já veio ao Brasil. Ainda assim, o que o público busca no Rock in Rio, comprovado por pesquisa em todos os mercados onde passamos, é a festa. São 14 horas de evento com entretenimento diversificado. Pessoas que não costumam ir a shows ou festivais tradicionais vão ao Rock in Rio pela confiança na segurança, logística e diversas ofertas de atividades que atendem a públicos de perfis e idades diferentes. O perfil de shows diferenciado de dia para dia é o que ajuda na escolha da data.

REG: Em 1985 reclamou-se muito da desigualdade de condições técnicas oferecidas aos artistas internacionais e nacionais. Já em 2001, seis artistas de grande nome no Brasil “boicotaram” o festival em cima da hora. Essas questões foram equacionadas para esta edição?

Roberta: As condições técnicas são as mesmas. Muitas vezes os artistas internacionais trazem elementos técnicos que fazem parte das suas turnês, mas que não têm nada a ver com o festival. A maior discussão acontece sempre ao redor dos horários de atuação, mas neste sentido há pouco a discutir porque toca mais tarde quem atrai maior publico. Não significa que os artistas nacionais tenham menos fãs, mas como estão mais acessíveis durante o ano, é natural que o que mobilize mais as pessoas para escolherem determinado dia sejam os nomes internacionais. Já conseguimos algumas mudanças neste cenário, mas não é espaço para grande debate.

REG: Desses artistas (O Rappa, Skank, Raimundos, Cidade Negra, Charlie Brown Jr. e Jota Quest), até agora só o Skank foi anunciado para este ano. Há alguma pendência com os demais, ou eles podem vir a ser anunciados como atração para este ano?

Roberta: Na verdade, o que aconteceu foi um mal entendido e não há rancor nenhum por parte dos artistas e do Rock in Rio. As bandas estão sendo anunciadas conforme os contratos estão sendo fechados. O Rock in Rio tem interesse em oferecer ao público os maiores artistas nacionais e internacionais.

REG: Um dos problemas da edição de 2001 foi a qualidade do som, cujo volume oscilava muito no meio de uma única apresentação. Como isso está sendo tratado dessa vez?

Roberta: O volume é controlado pelos técnicos de som de cada banda. O festival oferece o melhor equipamento disponível no mercado fornecido pela Gabisom – quarta maior empresa de som do mundo. O que fazemos para tentar minimizar é deixá-los operar o equipamento com tranquilidade nas passagens de som. No entanto, se durante o show resolvem operar de outra forma, não é de controle do festival. Os técnicos são impostos pelos artistas.

REG: Você era uma criança quando o Rock in Rio foi idealizado. Como você vê o processo de assumir o festival? Era uma vocação sua ou a produção do festival foi “sobrando pra você” naturalmente?

Roberta: Descobri minha paixão pela concretização de ideias, por tirá-las do papel, no meu primeiro emprego, que não foi no Rock in Rio nem mesmo com meu pai. Depois de perceber essa paixão acabei por dar conta de que fazia sempre pequenas produções desde nova, nas festas em casa. Está no sangue. Nunca, nem eu nem meus irmãos, fomos direcionados para fazer o que fazemos, penso que foi um presente para o nosso pai essa vocação vir no sangue. Cada um se dedica a uma área, mas todos estão envolvidos com entretenimento e comunicação.

REG: De que forma sua participação como jurada do programas “Ídolos”, em Portugal, te ajudou na hora de selecionar os artistas para o festival?

Roberta: O Rock in Rio tem uma equipe própria de contratação artística que é liderada pelo Roberto, que usa como base de informação a pesquisa de mercado que realizamos e os contatos com parceiros estratégicos do mercado onde será realizado o evento. Minha participação no “Ídolos” não interfere nesta área.

REG: Das edições realizadas no Brasil quais shows você pode citar como aqueles que marcaram sua trajetória profissional?

Roberta: Os shows que mais marcaram a minha trajetória profissional foram os que eu não assisti: Frank Sinatra, no Maracanã, e Queen, no Rock in Rio I. São shows que vi por imagem centenas de vezes e que mobilizaram e emocionaram muitas pessoas. Essa emoção é o que me fez gostar de trabalhar com entretenimento e por isso é a marca maior.

REG: Alguma história de bastidor interessante para contar, das edições passadas?

Roberta: Queens Of The Stone Age, Rock in Rio 2001. Era o meu primeiro festival, o cantor resolve tocar nu (na verdade, era o baixista do grupo na época, Nick Oliveri). Achei que ele ia fazer uma “gracinha” na primeira música e depois se vestir de novo. Quando ele já ia para a terceira música nu, fui correndo para o palco para orientar que se vestisse. Tarde demais! O Juizado de Menores já estava lá, ameaçando prendê-lo. Que cena!

REG: Com a experiência e os contatos no exterior, você não se interessa em produzir shows internacionais no Brasil, não só para o Rock in Rio?

Roberta: Não é nossa área de interesse. Trabalhamos eventos, conceitos de comunicação, que mobilizem as pessoas e envolvam as marcas desde o primeiro momento. Nosso foco é no entretenimento do público de por vários estímulos, e a musica é o elo.

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BLACK SABBATH

“Black Sabbath” (1970) - No início de 70, um então desconhecido quarteto da cidade inglesa de Birmingham chocaria a Europa ao gravar um álbum que ultrapassava todas as fronteiras da brutalidade sonora que eram conhecidas até então. Muitas bandas já tocavam alto na época: The Who, Cream, Deep Purple, Led Zeppelin e o pré-punk de Detroit (The Stooges e MC5). O heavy do Black Sabbath, no entanto, era diferente - mórbido, cruel, demoníaco. Enquanto o psicodelismo dos hippies ainda ecoava por todo o mundo e o rock progressivo passava por seu período mais promissor, o vocalista Ozzy Osbourne declarava: "Nossa música é uma reação a toda essa babaquice de paz, amor e felicidade. Os hippies ficam tentando te convencer de que o mundo é uma maravilha, mas é só olhar ao redor para ver em que merda nós estamos."

Ozzy tinha todas as razões para reclamar da vida: teve uma infância pobre e passou boa parte de sua adolescência trancado nas cadeias de Aston, o bairro miserável de sua cidade natal. Em 67 resolveu montar um grupo com o guitarrista Tony Iommi, o baixista Terry "Geezer" Butler e o baterista Bill Ward, começando a tocar no circuito de bares por cachês irrisórios. Como resultado direto de suas frustrações e problemas financeiros, viram seu som se tornar mais sujo e agressivo a cada dia.

“Black Sabbath”, o álbum de estréia do grupo - lançado numa sexta-feira, 13 de fevereiro - foi a válvula de escape de toda essa revolta acumulada ao longo de três anos de estrada. A violência condensada em vinil. Da abertura da faixa-título, com o som de chuva e sinos, até o último acorde de "Warning", tínhamos um festival de acordes tonitruantes, vocais ensandecidos e ritmo pulsante. Os temas abordados - missas negras, encontros com Lúcifer e predições catastróficas - eram frutos, principalmente, da leitura exaustiva das obras do inglês Dennis Wheatley. Três músicas deste LP, ao menos, ficariam marcadas para sempre na história do Heavy Metal: a já citada "Black Sabbath", "The Wizard" e "N.I.B.". Junto a "Behind The Walls of Sleep" (inspirada num livro de H.P. Lovecraft), "Evil Woman", "Sleeping Village", "Warning" e, em algumas edições, a faixa extra "Wicked World" (lançada no mês anterior como o primeiro compacto da banda), formam um álbum fundamental e precursor do que se viria a fazer em termos de rock pesado.

Com sua sonoridade única, o heavy do Black Sabbath não nasceu de nenhum desdobramento de outro gênero, mas surgiu num rompante de ousadia de quatro músicos moldados pelas dificuldades e pela revolta contra o establishment "bicho-grilo". Enquanto o rock progressivo promovia viagens por paisagens idílicas, o Black Sabbath oferecia uma passagem sem volta ao inferno. Nesse contexto, a banda viveria momentos de glória até 1975, com o lançamento de seu sexto LP, "Sabotage". Depois entrou em lento processo de decadência, movido por batalhas egocêntricas. No entanto, o grupo permanece como um dos mais subestimados de todos os tempos. É bem verdade que o Heavy Metal tem uma incrível facilidade em gerar mediocridades, dando farta munição para os detratores de gênero. Mas é inadmissível que a importância do Black Sabbath ainda seja posta em dúvida no momento em que algumas das mais conceituadas bandas da atualidade - como o Faith No More e o Soundgarden - se declaram tão influenciadas por seu som.

Fonte: “Discoteca Básica” - Revista Bizz Edição 70, maio de 1991

por André Barcinski

* * *

Black Sabbath / paranoid – Sexta-feira chuvosa, dia 13 de fevereiro de 1970. A noite cai e os vestígios da escuridão se amoldam às árvores escurecidas. A longa noite macabra se inicia. Ainda perto da lagoa uma jovem garota espera. Ainda que ela acredite ser ela mesma etérea, sorri tenebrosamente ao tocar de sinos distantes. De repente, um calafrio da cabeça aos pés. O que é isso que se levanta à minha frente? Um vulto preto que aponta para mim. Viro rapidamente e começo a correr. Descobri que sou o escolhido. E a chuva continua caindo...

Sob este contexto, com uma proposta macabra e soturna, o Black Sabbath gravou seu álbum de estreia. Tendo uma mesa de quatro canais à disposição no Regent Sound Studios – localizado na Tottenham Court Road, em Londres (ING) – e com 600 libras inglesas para gastar, Ozzy Osbourne, Tony Iommi, Geezer Butler e Bill Ward montaram seus equipamentos como se fossem fazer um show. Os músicos, que àquela altura se apresentavam com frequência mas tinham pouca, ou quase nenhuma, experiência de estúdio, gravaram o álbum ao vivo e em poucos takes.

O produtor Rodger (Roger) Bain também estava fazendo seu 'batismo de fogo', já que esta era sua primeira experiência para uma grande empresa fonográfica. As composições não foram mexidas, mas os efeitos (sino, trovão, chuva, entre outros) foram sugeridos por Rodger e pelos engenheiros de som, Tom Allom e Barry Sheffield. Todos realmente entraram no clima naqueles três dias - 16 a 19 de outubro de 1969 – e Rodger ainda gravou a harpa judaica ('kakei') da faixa "Sleeping Village".

"Black Sabbath" resumiu-se a sete faixas (oito no relançamento em CD), todas envolventes. O disco abre com a pesada e cadenciada faixa título, tendo um clima condizente com a proposta sombria. O track list ainda traz "The Wizard", "Behind The Wall Of Sleep", "N.I.B.", "Evil Woman" (cover da banda Crow), Sleeping Village, Warning (cover do Ansley Dunbar's Retaliation) e "Wicked World".

O trabalho veio embalado com uma misteriosa arte – comandada por Marcus Keef –, que na primeira (e rara) edição trouxe o desenho de uma cruz invertida no encarte com os dados técnicos e o poema "Still Falls The Rain" inscrito no corpo. Para a promoção, o empresário Jim Simpson e os funcionários da gravadora Vertigo decidiram lançar um compacto com "Evil Woman" e "Wicked World". Enquanto o Lado B com "Wicked World" fez sucesso, "Evil Woman" foi renegada pelo quarteto.

"Black Sabbath" alcançou o 8º lugar nas paradas do Reino Unido e a 23ª na Alemanha, mas a obra foi além, sendo o marco zero do que viria a ser classificado como Heavy Metal.

Curiosidades: A casa de aparência mal assombrada que aparece na capa é um moinho histórico que se localiza na vila de Mapledurham, em Oxfordshire/ING (www.mapledurham.co.uk). A imagem da "bruxa", no entanto, ninguém sabe ao certo de onde veio e cogita-se que teria sido uma atriz contratada para a sessão de fotos;

Na contracapa do LP, o nome de Ozzy veio impresso como Ossie Osbourne;

"N.I.B." não significa "Nativity In Black" e nem "Name In Blood". O título faz referência ao apelido dado a Bill Ward por causa de sua barba, que parecia uma ponta de caneta ('pen nib');

"Behind The Wall Of Sleep" tem ligação com a obra de H.P. Lovecraft ("Beyond The Wall Of Sleep);

A gaita tocada por Ozzy em "The Wizard " foi incluída durante as sessões de estúdio por acaso, após Iommi e Butler o terem escutado tocando-a de forma descontraída, como fazia nas longas jams desde os tempos em que atendiam pelo nome Earth;

A reação do pai de Ozzy, John Thomas Osbourne, ao ouvir o LP foi: "Você tem certeza que só anda fumando cigarro?". Ele ainda fez uma cruz de alumínio e uma corrente de pescoço para Ozzy, Iommi, Ward e Butler, "para afastar os maus espíritos";

No local onde ficava o Regent Sound Studios hoje existe uma agência do Abbey Bank.

por Ricardo Batalha

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Tony Iommi, Ozzy Osbourne, Geeze Butler e Bill Ward. Essa é a formação clássica do Black Sabbath, um dos grupos que mais trocou de integrantes em quase 40 anos de vida. Mas nenhuma formação chegou perto da original e nenhum álbum chamou mais a atenção que Paranoid, segundo disco do grupo e que catapultou-os ao mega-estrelato. Se o Led Zeppelin flertava com um blues pesado, o Sabbath ia por um lado mais obscuro, escorado nos riffs lentos e pesados de Tony Iommi. Em Paranoid, o grupo se fixou entre os maiores da década de 70 e começava a criar uma fama recheada de sucesso, drogas, sexo e muitos shows.

Por Rubens Leme da Costa

Mofo - http://www.beatrix.pro.br/mofo/index2.htm

A história do Black Sabbath começa em 1968, quando o guitarrista Frank Anthony Iommi e o baterista William Thomas Ward deixam o grupo Mythology e formam uma nova banda como dois integrantes do Rare Breed; o vocalista John Michael Osborne e o baixista Terence Michael Butler. Juntos com outro guitarrista, Jimmy Phillips e o saxofonista Alan "Aker" Clarke formam o The Polka Tulk Blues Company, que teve o nome encurtado para Polka Tulk. Como o nome sugere, era um grupo que estava mais ligado ao blues. Quando Phillips e Clarke saem, o grupo moda de nome: Earth.

O Earth era influenciado por Cream, Blue Cheer, Jimi Hendrix, e faz uma série de shows na Inglaterra e na Alemanha, principalmente em Hamburgo. Sofreu uma pequena crise quando Iommi deixou a banda para ingressar no Jethro Tull, em outubro de 1968. Tony, porém, não se adapta e logo volta ao grupo, em janeiro de 1969. Durante apresentações na Inglaterra descobrem que havia outra banda de mesmo nome e resolvem adotar o nome de um filme de terror estrelado por Boris Karloff. Assim, Ozzy (John Michael) Osborne, Tony (Frank Anthony) Iommi, Geeze (Terence Michael) Butler e Bill (William Thomas) Ward formam um das mais clássicas bandas da história: o Black Sabbath.

Tendo Jim Simpson como empresário, fecham contrato com o selo especializado em grupos progressivos, Vertigo. Apesar de terem recebido pouquíssimo dinheiro, o grupo estava sedento para gravar as primeiras músicas e em incríveis três dias e por módicas 600 libras é gravado o primeiro disco, que levava apenas o nome do grupo, Black Sabbath.

Gravado em janeiro de 1970 e lançado no dia 13 de fevereiro, o álbum foi produzido por Roger Bain, O disco havia sido precedido, em dezembro do ano anterior, pelo primeiro compacto do grupo, Evil Woman, que não fez sucesso algum.

Apesar da inexperiência e do pouco tempo para gravar, boa parte do disco foi gravado "ao vivo" no estúdio. Segundo Iommi, a banda levou dois dias gravando e apenas um mixando, um verdadeiro milagre. Os vocais de Ozzy, inclusive, foram capturados ao vivo.
Apesar de ter ainda momentos em que lembrava o antigo Earth, com Ozzy empunhando uma gaita de boca, percebe-se a força da banda, especialmente nos riffs lentos e pesados do canhoto Iommi, que tinha um som próprio, ao perder a ponta de dois dedos da mão direita em um acidente que teve em uma fábrica de aço, aos 17 anos. Com canções tocadas nos shows, o disco teve duas edições completamente distintas, a britânica e a norte-americana.

Apesar do nariz torcido da crítica, o álbum fez enorme sucesso, chegando aa oitavo lugar na parada britânica. A obra começa com "Black Sabbath", com barulhos de chuva, sinos e um solo lento e pesado de Iommi, além dos vocais assustadores de Ozzy. Não havia paralelo para tal coisa naquela época. A edição norte-americana sai em maio de 1970, chegando ao 23º posto, um excelente resultado. Apesar de ser extremamente malhado pela crítica, obteve vendas acima de 1 milhão de cópias. O disco trazia letras falando de satanismo - "N.I.B.” seria uma história contada pelo próprio Lúcifer - e a capa traz uma figura fantasmagórica vestida de preto.

O sucesso na América faz com que a banda entrasse rapidamente em estúdio para lançar um novo LP, e o resultado seria impressionante. Quando adentraram em junho de 1970 nos estúdios Regent Sound e Island, novamente com Roger Bain, a banda tinha pouco material produzido e deixaram "Paranoid", a música, para o último minuto. Bill Ward conta que Iommi começou a tocar o riff e ele escreveu uma letra em cima, rapidamente.

O disco, aliás, teve várias mudanças em seu percurso. Primeiro, o nome seria War Pigs, música que abre o disco e é uma clara referência à Guerra do Vietnã - não custa lembrar que a banda objetivava o mercado norte-americano. Com mais tempo para gravar, o Sabbath começou a desenvolver o som clássico do grupo e as letras traziam referências às drogas, sexo, problemas mentais e críticas à guerra.

Mas enquanto era produzido, a gravadora editou o compacto Paranoid, que chegou ao quarto lugar na parada no Reino Unido, dando um enorme susto no grupo, que até apareceu no programa Top of the Pops. Além disso, a Warner - gravadora da banda nos EUA - não queria um título referente ao Vietnã, que ainda ardia na consciência da população local. Título mudado, havia um outro problema: não teria como mudar a capa a tempo, e acabou saindo a foto de um homem com uma espada e um escudo pulando de trás de uma árvore e que pouco tem a ver com nada. A edição inglesa tinha ainda, no encarte, uma foto da banda, com Toni, Bill e Geeze de um lado e Ozzy do outro.

Pela primeira vez o Sabbath podia mostrar toda sua personalidade e, apesar de muitos escreverem sobre satanismo e temas negros nas resenhas, eles abordava outros temas. A própria "Paranoid" fala de problemas mentais e "Electric Funeral" aborda o dia seguinte de uma guerra nuclear. "Hand of Doom" era uma canção contra o uso da heroína, apesar da banda estar começando a pegar pesado nas drogas.

O disco foi lançado em 18 de setembro no Reino Unido e teve a edição norte-americana editada em janeiro do ano seguinte, não antes de ser importado maciçamente. Com isso, a banda fez sua primeira viagem à América; na verdade, havia uma primeira agendada tão logo saiu o primeiro disco, mas o terrível escândalo do assassinato da atriz Sharon Tate por membros da Charlie Manson Family os fez recuar, já que o grupo era associado a temas negros e ao "satanismo".

A primeira tour pelo país foi excelente e motivou o lançamento de um novo compacto, “Iron Man”. Apesar de ser um dos grandes clássicos do grupo, fracassou na parada, não ficando nem entre as 100 mais. Malhado novamente pela crítica, “Paranoid” chegou ao topo da parada britânica e ficou em 12º na América, com vendagens superiores a 4 milhões de cópias. Para muitos, é o primeiro disco de hevy metal, não apenas pelos temas, mas também pelo som.

Com Paranoid, o Sabbath deixava o passado de banda de blues para trás e começava uma das mais famosas e impressionantes lendas no meio do rock, regada a muitos decibéis, groupies, drogas, brigas homéricas, horas intermináveis em palcos e em estúdios e egos inflados.

* * *

THE OZZY OSBOURNE YEARS

Parte 01 – Gangues de Birminghan

No início dos anos 60, Birmingham era um dos mais importantes pólos da indústria metalúrgica na terra de Sua Majestade. Talvez possa ser uma coincidência pretensiosa demais, mas é inegável que 80% do melhor heavy metal escutado no mundo inteiro, nas três últimas décadas do século XX, tenha saído justamente de lugares duros e árduos como esses – ninguém nega que todo mundo que tenha feito história no rock pesado inglês, de Iron Maiden ou Saxon a Def Leppard (com uma devida exceção ao Motorhead, que já nascia com grupos importantes como Hawkwind e outros na mamadeira) realmente saiu de ambientes relativamente comparáveis ao de Birmingham.

Pois bem, foi neste cenário empobrecido, dominado pelo operariado rude e entorpecido pelo fanatismo pelo futebol e suas rixas lendárias (gente como os hooligans), de gente como mulheres que engravidavam cedo e se casavam para levar uma vida de eternas donas de casa de empregados metalúrgicos, ou de eternas empregadas de fábricas também (já naquela época homem e mulher tinham que trabalhar, nas pobres cidades industriais inglesas, para manter a casa), de jovens garotos e garotas que, pela pressão social da vida difícil a que estavam submetidos, não conseguiam dar vazão a tudo aquilo que a instrução escolar, frágil e falível, podia lhes oferecer – foi neste cenário que o jovem John Michael Osbourne (Ozzy Osbourne), nascido em 3 de dezembro de 1948, aos quinze anos desenvolveu um singular gosto pela atividade predileta da juventude local, exercida por nove entre dez garotos birminghianos: andar pelas ruas em grupo, testando constantemente sua virilidade ao se defrontar com gangues rivais, garrafinhas de long neck beer e correntes em punho, prontos para deflagarem a próxima chamada telefônica aos rotundos e entediados guardas de polícia locais, invariavelmente feitas por comerciantes trêmulos de pavor diante da idéia daqueles conflitos juvenis convergirem seus alvos para as vitrines repletas de tudo aquilo que eles, os garotos, sabiam que nem seus pais, e nem eles, podiam comprar.

Na verdade, toda essa violência teen era a forma mais direta de expressão de uma geração desenganada e inconformada diante do destino que praticamente todos eles sabiam que iam, inevitavelmente, ter. “Eu nasci e vivi, durante muitos anos, num lugar em que a vida era trabalhar, trabalhar e trabalhar, do berço à sepultura, em fábricas de chapa de aço – e quando você queria comer algo diferente, não tinha opção: era ir pra dentro do mato caçar esquilos, veados e toda a sorte de bichos do mato para comer. Eu comia todos aqueles Bambi, cara – eu cansei de comer os bichinhos do mato, hahaha!”, revelou Ozzy durante uma entrevista na década de 1990. A sua declaração, feita à sua típica maneira, com o humor e a ironia que lhe são habituais, pode indicar, no entanto, como a vida era dura e sofrida para toda uma população jovem num lugar como aquele, feito para o mundo adulto, sob as perspectivas do adulto e para os ideais adultos. E o pior de tudo: ideais adultos solidamente capitalistas, voltados para a máxima filosófica de linha de montagem de Henry Ford, o famoso “trabalho dignifica – trabalhe até morrer”. Um trabalho, diga-se de passagem, sem o mínimo de boa remuneração ou perspectivas otimistas – trabalho pesado, tolo e brutal, sem espaço para quaisquer sonhos ou idílios. O mais engraçado disso tudo é que, alguns anos depois, esses mesmos adjetivos seriam usados pela grande maioria da imprensa musical dita especializada para descrever o som dos filhos mais queridos de Birmingham: um evidente reflexo de como a arte é produto do seu ambiente, de seu habitat natural. É gozado imaginar como o homem que hoje é catalogado como o terceiro roqueiro mais rico do mundo – perdendo apenas para Paul MacCartney, em primeiro, e os Rolling Stones, em segundo – e que é a sensação de um dos mais assistidos reality shows de todos os tempos (The Osbournes) possa, um dia, ter tido apenas um par de calças, uma camisa e uma jaqueta surrada para vestir. Ozzy disse, em recente entrevista, que, de fato, a sua família era muito pobre mesmo – além do fato de ele ter vivido grande parte de sua infância descalço, indo aos lugares quando precisava com sapatos emprestados (o que não mudou muito até os primeiros tempos do Black Sabbath). Ozzy dormiu, até os dez anos de idade, em uma só cama decrépita que pertencera a seu avô com todos os seus cinco irmãos, e a sua casa não tinha aquecimento central e nem banheiro dentro, obrigando o jovem John Michael Osbourne a ir fazer suas necessidades fisiológicas em uma apertada toalete de tijolinhos feita por seu pai, com muitas economias, nos fundos da casa, durante os avassaladores invernos gelados de Birmingham. Ou, como o próprio Ozzy gosta de dizer: “Tinha que sair para cagar naquele mato, com o c... congelando”.

O jovem Ozzy, um garoto rebelde que ainda não havia se decidido sobre no que se graduar, – uma espécie de “piada” local da cidade, já que todos acabavam mesmo era se graduando nas pesadas atividades técnicas locais – vinha, de qualquer forma, deixando uma numerosa família mais ou menos preocupada com os seus novos interesses, visto que na escola ele já revelara, anos antes, uma intolerância e uma despreocupação exemplares de um menino que, ao ouvir o primeiro acetato dos Beatles a chegar em uma loja de discos de Birmingham, no início de 1963, simplesmente saiu correndo para a sua casa e gritando para a sua mãe “Quero ser como esses caras!”, feito um doido.

Ozzy era filho de John Thomas Osbourne, um histriônico e fanfarrão ferreiro do bairro de Aston, de quem herdou muito de seu temperamento, e de Lilian Osbourne, sua esposa, mais um exemplo de como marido e mulher tinham que dar duro para pôr o pão na mesa da família: Lilian era empregada do setor siderúrgico da empresa de carros populares Lucas, que tinha uma grande fábrica em Birmingham.

John Thomas e Lilian não tinham televisão em casa: além de Ozzy – que recebera este apelido, ao contrário do que reza a lenda, não em um reformatório, mas de um coleguinha na própria escola onde fez o primário, por ser uma maneira mais fácil de se referir ao sobrenome “Osbourne” – eles tinham mais cinco filhos, dois homens e três mulheres, chamados Paul, Tony, Jean, Íris e Gillian.

Como o desempenho de Ozzy na escola demonstrou estar entrando em uma interminável curva descendente, - trajetória desastrosa, em relação à de seus irmãos - e agora ele se mostrava muito mais interessado em quebrar garrafas de cerveja na rua com seus “coleguinhas”, logo papai Thomas e mamãe Lilian se empenham em tentar dar um outro rumo à vida do seu querido filhinho, visto que, como já rezava a velha máxima, “o ócio é a oficina do demônio” – demônio este que, por sinal, já desde essa época mostrava exercer uma certa atração sobre Ozzy, cujo único ponto de interesse, na escola, parecia ser o professor Parry Williams, que nos intervalos das aulas costumava entreter os alunos contando-lhes estórias entremeadas de satanismo – pequenos contos de Edgar Allan Poe e H. P. Lovecraft, além de historietas nórdicas sobre as bruxas e espíritos das florestas. Nascia ali o crescente interesse do pirralho por tramas e personagens diabólicos.

Dois meses após o seu aniversário de 15 anos, Ozzy sai do Instituto Escolar de Ensino de Tregarth para nunca mais voltar. Seus pais lhe arranjam um emprego como aprendiz de bombeiro. Não dura mais do que três semanas, no entanto: o garoto alega que é muito difícil se inteirar de todas aquelas normas de segurança e, alegando haver se desentendido com os bombeiros-chefes, justamente por não se dar com os regulamentos do trabalho, deixa eles falando sozinhos numa das muitas cinzentas tardes de sexta-feira de Birmingham – para também nunca mais voltar. John Thomas e Lilian começam a perceber, a partir daí, que vai ser muito difícil domar o inconstante instinto rebelde de Ozzy.

Alguns dias após ter abandonado o primeiro serviço, um amigo dos pais de Ozzy consegue uma vaga para o rapaz como ajudante de uma casa de carnes próxima à casa deles. O salário era um pouco melhor do que ele receberia no corpo de bombeiros, e com um grande incentivo de seus pais (leia-se: um tremendo puxão de orelha de seu Thomas no filho), Ozzy se anima de ir conhecer o tal açougue. Lá chegando, até que se afeiçoa pelo serviço e resolve ficar – é um dos empregos em que Ozzy permanecerá por mais tempo, antes de bandear sua cabeça para a música. O garoto, já desde cedo bastante mal intencionado, acha um barato aprender o ofício de matar e sangrar cerca de 250 vacas por dia e arrancar fora tripas de carneiro...

Após quatro meses de árduo batente no açougue, Ozzy novamente se cansa, e alega que aquele trabalho é legal, mas é o tipo de serviço que não dá muito futuro a não ser que você seja um proprietário de fazenda e possa lucrar diretamente com a venda de carne. Era sempre assim: como para qualquer jovem de sua idade, ele se entediava facilmente, e logo arrumava alguma espécie de desculpa para largar o emprego. Assim, lá vai Ozzy novamente fazer uma nova tentativa, e desta vez, para que ele fique mais “sob controle”, é sua própria mãe que lhe ajuda a arrumar um emprego na fábrica de carros em que ela trabalhava.

Lilian havia sido transferida para a seção de testes com peças da fábrica, e ficara sabendo que estava sobrando uma vaga para testador de buzinas – este acabaria sendo, portanto, o primeiro grande contato direto de Ozzy Osbourne com a profissão de músico... ou barulhento, como queiram!

É durante esta época que os primeiros problemas de Ozzy com a justiça acontecem. Recebendo uma miséria na fábrica, como era de se esperar, – os novatos precisavam adquirir muito tempo de casa para ganharem novos postos e começarem a receber um pouquinho melhor, e os sindicatos, na época, não tinham a força que têm hoje perante a Justiça Trabalhista inglesa – Ozzy, nos finais de semana, reencontra alguns velhos comparsas seus de gangue enquanto torrava os seus poucos shellings nos pubs enfumaçados de Birmingham. Nestes ambientes, barzinhos tipicamente britânicos onde a grande massa do proletariado inglês se reunia para se embebedar de lagers e ouvir bandas tocando de tudo, de blues e jazz a country & western americano, Ozzy começou a desenvolver o seu ouvido já acostumado a excessos para as melodias amplificadas das guitarras, baixos, bateria...

Alguns indivíduos de péssima reputação nas cercanias, como Johnny ‘Rat’ Phillip, e outros, vários deles ex-colegas de escola de Ozzy, e que também haviam abandonado os estudos e rodado por toda a sorte de empregos e bicos de Birmingham, começaram a incutir na cabeça algumas idéias enquanto dividiam suas pints of beer. Um deles conhecia alguns endereços mágicos, gente que tinha posses, jóias, boas coisas pra se ter. “Boas coisas pra se pegar”, ria Johnny. Em meio às risadas e ao clima de descontração fortalecido pela bebida, Ozzy concorda com os parceiros, e então se reúnem para promover alguns assaltos.

O negócio da gangue de Ozzy, como passaram a ser conhecidos no submundo, não era a violência, e nem grandes assaltos. Poderiam realmente ser definidos como uma dessas milhares de ganguezinhas “pé-de-chinelo” que roubam miudezas e coisas supérfluas em geral, sobretudo de vitrines de lojas. Arrombaram algumas vezes algumas residências, de onde retiravam, em geral, roupas boas e de valor, alimentos e algumas jóias. Mas foi após um assalto a uma loja de roupas que tinha uma vitrine com belos casacos e itens que chamavam muita atenção que Ozzy se deu mal.

Numa noite de setembro de 1966, Ozzy e seu grupo quebram a vidraça da tal loja, cujo nome sumiu na névoa do tempo – ninguém parece querer se lembrar do nome do lugar que teve a honra de ser assaltado por uma das maiores estrelas ro rock! A ação da gangue não passa despercebida de um senhor que passava por ali durante a madrugada, em direção a sua casa. Ele liga imediatamente para a polícia ir checar o roubo que está acontecendo ali, naquele exato momento. Quando os policiais estão chegando, e a gangue está quase terminando de recolher um punhado de blusas, calças, sapatos e jaquetas de marcas caras e famosas, um dos caras dá o alerta escandalosamente: “OS TIRAS ESTAO CHEGANDO!”, e o grupo dispara em desabalada correria. Ozzy é o que fica mais para trás, e consegue correr até certo ponto, cercado por uma equipe de quatro policiais. Entretanto, acuado pelos berros de “Vamos dispara chumbo!” dos tiras, ele se refugia em um beco, junto com um comparsa, e ali mesmo lhes é dada a voz de prisão.

Horas depois, um amigo de seu Thomas que morava próximo à delegacia do condado vai lhe dar a triste notícia. Um defensor público é nomeado para defender Ozzy, mas não há muito o que fazer: o moço passará o resto de sua vida sendo chamado de “idiota” pelo seu pai gozador, pois durante os assaltos Ozzy usava luvas... sem as pontas dos dedos! O ingênuo rapaz nem imaginava o que seriam impressões digitais. “Eu sei lá... os raios das impressões digitais. Nem sonhava que diabos deveria ser aquilo! Usava luvas sem pontas porque era legal, todo mundo usava... Pra mim, impressões digitais eram algo de computador, algo relacionado à eletrônica, um caralho desses qualquer!”, diria Ozzy tempos depois, em tom de comédia.

Como Ozzy era réu primário e confesso, e o seu advogado conseguira fazer uma boa defesa do lamentável grau de instrução do rapaz, chamando a atenção do juiz para o estado de pobreza em que viviam ele e sua família, as duras condições sociais da juventude do lugar e etc., Ozzy acabou pegando uma pena leve: 6 semanas na Winson Green Prison de Birmingham, por assalto. E apesar dos choros e lamentos de sua mãe, e das duras broncas de seu pai para não aproveitar a situação para se envolver mais ainda com a malandragem, Ozzy se sai até bem na tal penitenciária, fazendo vários colegas de cela e repartindo com eles vários truques bem típicos da juventude delinqüente da época: métodos de arrombamento, cuspes à distância, novas técnicas de ejaculação, emissão de diferentes sons por arroto, além de outras coisinhas. Foi através de um camarada com quem travou contato durante um dos banhos de sol que Ozzy aprendeu uma técnica que contribuiria em muito para o mito que se formaria em torno de sua imagem anos depois: a tatuagem. Os famosos tatoos que o roqueiro carrega com orgulho até hoje, em seu corpo, são fruto deste aprendizado ainda na prisão, e da doação que este conhecido de Ozzy lhe fez de um pequena agulha e um generoso pedaço de grafite. Com estas “ferramentas”, Ozzy se paramentou com os símbolos que, ao longo dos anos, jovens fanáticos por metal do mundo inteiro iriam reproduzir em seus próprios corpos: O-Z-Z-Y nos quatro dedos de sua mão esquerda, a palavra “Obrigado” nas palmas de suas mãos, e o mais curioso e engraçado: “carinhas alegres” nos seus dois joelhos, desenhadas de cabeça para baixo, para que todos os dias de manhã em que ele acordasse em sua cela, segundo o próprio cantor, elas lhe dessem “bom dia”.

E enquanto Ozzy amargava os seus últimos dias em Winson Green, esperando afoitamente pela hora de sair (aquele era só mais um lugar chato dentre tantos de Birmingham, e que logo perdera a graça...), um ex-colega seu da Birmingham Teaching Institute, chamado Frank Anthony Iommi (Tony Iommi), nascido em 19 de fevereiro de 1948 também no condado de Aston, Birmingham, assim como Ozzy, estava às voltas com um velho sonho seu, prestes a se realizar: montar uma banda. Depois de meses superando a dificuldade de, além de ser canhoto, ter que dominar uma guitarra com as pontas de dois dedos de sua mão direita amputadas, – Iommi as perdera durante um malfadado estágio trabalhando em uma máquina de corte de chapas de aço, em uma das inúmeras fábricas da cidade – o rapaz se sentia pronto para, enfim, arregimentar um pessoal e começar a explorar o território do jazz e do rock – dois estilos musicais caros ao guitarrista naquela época. O rock, por seu vigor e energia juvenil: Elvis, Chuck Berry, e toda a nova geração inglesa, que já inspirava os sonhos da maioria dos jovens britânicos de terem suas próprias bandas - os já célebres Beatles, Rolling Stones, The Who, o pessoal de uma cidade industrial vizinha, The Animals (de Newcastle)... E o jazz porque, afinal, durante o longo período em que esteve treinando guitarra, invariavelmente Iommi curtia se perder nas longas viagens experimentais e improvisadas que o gênero acolhe. Para poder fazer bem as posições no braço do instrumento, Iommi adotou uma solução inventiva: pequenos tubos cilíndricos de metal (inicialmente, feitos na própria fábrica onde ele perdera as pontas dos dedos!) no lugar das pontas perdidas – e deu certo.

Logo, Iommi conheceu o jovem aspirante a baterista William Ward (Bill Ward), nascido em Aston, Birmingham, em 5 de maio de 1948, e, junto a dois outros amigos seus, consegue formar a sua primeira banda, chamada The Rest. Tiveram que ensaiar muito para chegar finalmente ao som pretendido por Iommi, mas, finalmente, após quatro semanas, já tinham um setlist bastante razoável, composto, na sua maioria, por covers de Elvis e Little Richard, – o rockabilly dos anos 50 era o fermento de todas as bandas inglesas da época – e que eram tocadas com extremo barulho e improvisação.

Parte 2 – Uma Época de Mil Bandas

Quando saiu da prisão, o jovem Ozzy vagava pelas ruas de sua cidade cinzenta não mais do que intensamente desnorteado. Sabia que, se antes as coisas eram difíceis para ele, agora estavam, simplesmente, impossíveis! Se toda a sua intuição adolescente antes apontava-lhe o fato de que, em qualquer emprego que arranjasse, não duraria mais do que poucas semanas, e que tudo que arrumava não compensava ou não lhe dava satisfação pessoal e nem financeira, agora ele tinha certeza de que, com uma bela sentença de 6 semanas de prisão no seu curriculum, todas as chances de seguir a dita “vida normal” de Birmingham eram praticamente nulas.

Sem saber o que fazer, ele teve uma idéia mágica, que reluzia em sua cabeça de modo celestial: “Have a beer!” – é isso aí. Tomar um belo caneco de cerveja, para honrar a tradição, é a primeira coisa que um inglês recém saído do xilindró faz, e com Ozzy não podia ser diferente. Brincando com o seu próprio destino, juntou os últimos xelins que tinha no bolso de seu surrado paletó e se mandou para o mesmo pub onde, meses antes, tinha engendrado com seus comparsas sua vida no crime.

No caminho para o pub, Ozzy encontra um velho amigo seu, que lhe perguntou o que andava fazendo. Rindo, Ozzy lhe contou das recentes “realizações pessoais” de sua vida, e convidou o cara (de cujo nome a memória esfacelada do cantor não se recorda) para tomar um chopp. Na mesa, entre um gole e outro, a conversa rolava até que parasse em um denominador comum que agradava ambos os rapazes, bem como 90% da juventude inglesa da época: música.

- Cara, eu amo eles! Você sabe, por trás da roupa e de todo os trejeitos, eles são fantásticos – os Beatles são demais! – berrava Ozzy.

Seu amigo lhe perguntou se ele não preferia os Rolling Stones. Ozzy disse que eles eram cool sim, muito legais, mas se Mick Jagger tinha que apelar para a afetação para chamar a atenção, os Beatles tinham um componente quente que ele admirava mais: o controle da audiência pela própria imagem deles, que falava por si.

- A platéia fica nas mãos deles. – disse Ozzy.

Já desde essa época, o futuro vocalista do Black Sabbath tinha uma firme concepção do papel dos grandes frontmen nos grupos de rock – o modo como Lennon e MacCartney se comportavam em palco, hipnotizando o público com os seus gestos, os seus olhares, e a postura que tinham, fascinava Ozzy. Tanto é que esta seria uma das primeiras grandes preocupações na carreira musical do cantor: anos mais tarde, como conseqüência disso, veríamos olhares histéricos, os primeiros e sensacionais headbangings da história do rock pesado, dedos em “V” levantados para a platéia insana, e corridas pelo palco batendo palmas junto com o público, estimulando a massa e conduzindo-a ao clímax da apresentação o mais que pudesse. Esse seria o Ozzy de alguns anos adiante – podia não ser tão “desafetado”, como os Beatles eram. Mas, vindo de onde veio, como diabos poderia aparentar normalidade?

Logo, o amigo de Ozzy lhe perguntou se ele já não tinha estado em uma banda, tentado participar... fazer música! A resposta foi uma gargalhada gutural, quase cortante, típica de um Ozzy doidão, seguida de um comentário galhardo, dito com o cuspe voando da boca ainda respingando cerveja:

- O que? Estás brincando, meu? A única música que eu já fiz na minha vida foi testar buzina... hahahahaha... Fui um tremendo de um maestro de carro... hahaha! É, já comandei uma verdadeira sinfonia na fábrica da Lucas Cars!

Apesar do tom de brincadeira de Ozzy, a pergunta era séria. Quem visse Ozzy saberia, imediatamente, que o moço podia até não ter muito jeito para cantar ou tocar alguma coisa, mas pelo menos empatia, do alto de seus quase 16 anos, tinha. Se o assunto era a tal da postura, Ozzy possuía, já desde aqueles dias, o tal olhar rebelde e decadente que consagrou todos os grandes ídolos transgressores do rock: aquele misto de abandono e ira que estava presente na aparência de gente como Iggy Pop, Johnny Rotten ou Axl Rose, nos melhores momentos de suas carreiras, e que os fez figurar nas principais capas de revistas, pôsteres e publicações da mídia por muito tempo – e ainda faz! As imagens clássicas da juventude destes ícones, apesar de já não terem mais muito a ver com as suas aparências atuais, estarão para sempre incutidas no subconsciente coletivo do rock. Não seria muito diferente com Ozzy.

- Cara, eu acho que você deveria tentar. Acho que leva jeito. Conhece os caras do “Approach”?

- Quem? – resmungou Ozzy.

Este tal amigo de Ozzy era aparentado de um dos membros do Approach, e no mesmo dia levou o rapaz para conhecer a banda – e o guitarrista do Approach se afeiçoou tanto de Ozzy (achando o cara uma piada ambulante e rindo dele a cada três frases ditas), que fez questão que ele participasse dos ensaios deles. Como ninguém por ali tinha muita prática, não importava muito que Ozzy não cantasse bem - ou que, afinal, não soubesse ainda cantar! Com o tempo, eles esperavam, ele iria desenvolver algum estilo...

Havia apenas um problema: a aparelhagem. O pobre equipamento do Approach não dispunha nem de um microfone e caixa de som para o vocalista – na verdade, a banda não tinha um, pois eram bem iniciantes e ainda estavam mais preocupados em desenvolver o trabalho instrumental, chamando alguém para cantar ocasionalmente com eles, uma vez ou outra. Agora era a vez de Ozzy, e o grande problema deste era: como diabos iria arrumar um microfone e uma caixa para poder acompanhar os caras? Fascinado pela idéia de, finalmente, fazer algo que achava interessante naquela cidade parada e fedorenta, não lhe restava outra opção.

Ao chegar em casa após mais um duro dia de vagabundagem pelas ruas, Ozzy encarou seu pai e foi direto ao assunto – não sem antes sua mãe cheira-lo e excomunga-lo mais um milhão de vezes por estar novamente bebendo feito um porco, “junto daqueles indivíduos”.

- Pai, tem uns caras aí e... olha, eu acho que é uma coisa legal, pelo menos eu vou estar... bem, eu acho que vou estar tentando fazer algo...

Ozzy tropeçava nas palavras, gaguejava, hesitante e errático na sua fala exatamente como em todas aquelas vezes em que já o vimos dando entrevistas gozadas na TV ou em documentários, que entrariam para a história do escracho do rock n’ roll. Apesar de tudo, ele nutria profundo respeito e admiração pelo seu pai – um cara zombeteiro e espirituoso também chegado a uma cerveja, com rosto demencial e de pulso firme com os filhos muitas vezes, mas que dava todo o suor de si e fazia tudo pela sua família. Uma dessas figuras de grande coração.

Finalmente, o filho de seu Thomas abriu o jogo com ele – e ouviu uma lavada. O pai desabafou, dizendo-lhe que era o que faltava – o garoto tinha acabado de sair da prisão, não se ajeitava em serviço nenhum, e agora queria uma caixa de som e um microfone que deviam custar uns 50 dólares! Ozzy não falou nada. Permaneceu estático defronte o pai, olhando-o com uma cara triste, e abaixou a cabeça. O velho não estava com a razão? Como discutir? Pensou em esbravejar, pensou em falar “que lugar de merda”, “o que raios se pode fazer por aqui?”, mas não. Resolveu ficar calado. Mr. John Thomas Osbourne ficou fitando o filho por alguns segundos e, num daqueles instantes mágicos em que o rumo da história do mundo muda, pensou: “Ora bolas... deixa pra lá. E se o menino fizer algo bom com isso... e se for realmente o que ele precisa?”. Num daqueles arroubos de lógica das pessoas simples, provavelmente deve ter pensado: “se ele já foi preso, se já não arruma emprego e está chegando ao fundo do poço, com isso ou agora ele cai de vez, ou se levanta pra valer. Ou vai... ou racha”. E, após pensar por alguns minutos, pôs a mão no ombro esquerdo do filho e falou: “Tudo bem... a gente vai ver o que consegue. Vou falar com um amigo meu amanhã... Vamos ver.” E um brilho de esperança se acendeu no olhar de Ozzy.

Mamãe Lilian, como era de se esperar, foi contra a idéia desde o início – mas se conteve em resmungar algo com Thomas e respeitou a sua decisão. No fundo, ela sabia que o jovem Ozzy não tinha salvação mesmo.

E aqui foi onde começou a verdadeira trajetória musical de Sir Ozzy Osbourne.

O Approach não era exatamente o que se esperava de uma boa banda de rock, que era o que Ozzy almejava desde o início – estavam mais para imitadores de blues e alguns poucos hits de rádio da época. O som, no entanto, para quem teve a oportunidade de escutá-los, soava horrível – principalmente com Ozzy ainda se esforçando para aprender a cantar. A verdade é que o estilo dos caras – um rythm and blues do crioulo doido – não caía bem de jeito nenhum para a já gutural e famosa voz cavernosa e chorosa que Ozzy começava a desenvolver. Eram dois estilos diversos que, definitivamente, não se casavam.

Lutando para serem incluídos no circuito de shows em pubs e escolas da região, o Approach fez apenas uma pequena apresentação com Ozzy, em uma festinha de colégio na própria Birmingham, no início de 1967 – onde foi tirada a hoje rara primeira foto de Ozzy como frontman, que de tão fora de foco e mal iluminada, poucos detalhes nos dá da aparência do cantor na época. Apenas pode se dizer que era, ainda, um rapaz magricela de cabelos mal cortados, camisas rotas emprestadas e calças de brim rasgadas – por serem as únicas que ele usou durante muito tempo!

Ozzy, então, deixou o Approach – durante os ensaios e jams da banda, conhecera o pessoal de um tal “Music Machine”, grupo que despontava em Birmingham na época por ter um talentoso guitarrista, que conseguia tirar qualquer som das famosas e delirantes bandas de sucesso inglesas em seu instrumento. Seu nome? Terence ‘Geezer’ Butler, nascido em 17 de agosto de 1949, Birmingham. Isso mesmo que você leu: guitarrista. Na época, o moço ainda nem sequer sonhava com um contrabaixo. Geezer e Ozzy ficaram tão amigos que o primeiro não resistiu, e sugeriu aos seus colegas de banda: “por que não pegamos aquele louco do Approach para ser nosso vocalista?”. O Music Machine vinha tendo problemas com o cara que cantava para eles – um sujeito que andava se achando meio “estrela”. E o humilde e beberrão Ozzy, que entusiasmava todo mundo na base dos berros, piadas e cervejada, veio se incluir nas fileiras do Music Machine.

Enquanto isso, do outro lado da cidade, o tal grupo “The Rest”, de Tony Iommi e Bill Ward, tinha chegado a um impasse – de uma tacada só, vários de seus membros vazaram, deixando Tony e Bill na mão. Aquela estória de sempre: um acha que dá mais lucro parar com esse negócio de música e voltar a estudar, outro resolve viajar e nunca mais aparece, outro se casa... Tony, então, resolve reinventar tudo e rebatiza a banda com o nome “Mythology” – ele e Bill se juntam a mais três caras e continuam a sua louca jornada de misturar blues pesado com jazz, uma piração total. O som da banda incluía até um saxofonista bem porra louca!

É engraçado, mas durante este espaço de tempo, o Music Machine, de Ozzy e Geezer, e o Mythology, de Tony e Bill, não chegaram a se cruzar em lugar nenhum. É Tony quem se recorda: “O circuito de shows em Birmingham era muito limitado e estranho – eram só bares, algumas festas de colégio e feiras culturais, coisas desse tipo. Mas cada grupo acabava ficando muito restrito ao seu próprio habitat, pois haviam muitas ‘panelinhas’, e se você não era amigo dos caras da escola tal, você não podia ir tocar lá. Por causa das eternas rixas de colégios e das brigas de torcidas de futebol, tudo era levado para o lado pessoal, e dependendo do lugar, era melhor você nem dar as caras com uma guitarra por lá, ou você poderia ser linchado...”. Entendeu, né? Em Birmingham, às vezes, torcer ou não para o West Ham ou outro time qualquer poderia determinar o futuro de sua banda.

De repente, o Music Machine também desanda – e Ozzy e Geezer, sem bem saber o que fazer, recrutam metade deles e formam o “Rare Breed”. Ozzy se gaba desta época como aquela em que ele “participou de mil bandas”...

E, só pra variar, o Rare Breed dura só alguns meses, e também rui. Já estamos em março de 1968, e, até agora, se Ozzy levou uns trinta xelins para casa como resultado de sua “nova profissão”, foi muito. Mas tudo bem: a felicidade de seu Thomas e sra. Lilian residia em, pelo menos, saber que o seu filho não havia sido preso de novo...

Ozzy, então, leva um daqueles sussurros mágicos do destino no ouvido – só não me pergunte se foi de um anjo ou de um capeta! Uma bela manhã, ele vai à redação do Diário de Birmingham, um jornal local, e manda pôr um anúncio:

- Publica essa porra aí... Se isso não me ajudar, nada mais pode.

O anúncio, em letras miúdas e mal impressas, dizia assim: “OZZY ZIG – VOCALISTA – PROCURA BANDA – POSSUI EQUIPAMENTO PRÓPRIO”. O equipamento, lembrem-se, eram o velho microfone e a caixa de som, conseguidas pelo pai de Ozzy de segunda mão.

Apesar de pequeno e econômico, o anúncio chamou a atenção de grupos da cidade – não era comum, na época, em Birmingham, um vocalista já possuir equipamento próprio. Geralmente, os garotos eram colegas de escola, se reuniam para tocar e, juntos, iam fazendo uma vaquinha, arrecadando uns cobres aqui e acolá com bicos, até comprarem os instrumentos e o equipamento. Ozzy se inspirara no que acontecia na capital, Londres, onde os melhores músicos, os caras de cacife, e já auto-sustentáveis, se dispunham a novas experiências musicais em notas de revistas e jornais – foi assim que várias boas bandas da época se formaram, como, por exemplo, o Herd, de Peter Frampton, ou até mesmo a formação pós-Gillan do Deep Purple, anos depois, quando David Coverdale foi escalado após um concurso que a banda realizou com aspirantes a roqueiro que punham anúncios nos jornais.

A primeira pessoa a ir atrás do vocalista, no entanto, foi o jovem Tony Iommi – ele se lembra com humor, até hoje, de ter pego aquele jornal, olhado bem para o anúncio, e amaldiçoado: “Diabos! Não pode ser! Esse não pode ser o mesmo Ozzy em quem eu costumava dar um couro no primário.” Era. E logo Tony pôde constatar que o ex-colega de escola, a vítima das surras da pequena gangue de Tony na infância, era mesmo o tal carinha do anúncio, ao aparecer na casa dele junto com Bill Ward para responder ao anúncio. Ao se reencontrarem, Ozzy e Tony deram boas risadas lembrando do passado – não sem antes Ozzy lhe prometer uma bela revanche. Na verdade, essa promessa acabou se tornando uma dívida cara, cumprida ao longo de muitos anos, quando Ozzy saiu do Black Sabbath e carregara grande parte da marca e do carisma da banda, deixando Tony e o grupo amargarem no ostracismo e na descrença por décadas...

Ozzy, Tony e Bill começaram a conversar sobre música, e sobre as propostas que eles tinham – de alguma forma, sob a vital influência de Bill, elas se casaram. Tony tinha os dois pés atrás, e mais algum se houvesse, em fazer algo em parceria com Ozzy, mas as idéias do garoto sobre rock podiam ser legais. Do que o guitarrista nunca gostara mesmo era do comportamento dele – opinião essa que até hoje, diga-se a verdade, não mudou muito. Mas Bill, de cara, teve grande empatia com Ozzy, e até hoje eles são os mais ligados dentre os quatro clássicos membros do Black Sabbath. Encorajado por Bill, Tony finalmente topou, e marcaram um ensaio. Na noite do mesmo dia, Ozzy aparece na casa de Geezer e lhe diz em tom de euforia: “Esqueça o Rare Breed e outras merdas. Agora realmente vamos ter uma banda legal!”

Ozzy já havia ouvido alguém falar no Mythology (que também já estava se desmanchando), e em como o seu guitarrista e baterista eram bons e realmente impressionavam ao vivo. Era atrás disso que ele mais corria em seus dias de Birmingham – um grupo que surpreendesse ao vivo, que pegasse todo mundo despreparado enquanto no palco. Em suma, o que ele achava legal nos Beatles.

E então, uma semana depois, lá estavam eles – e a jam deu certo.

Abril de 1968 marca, pois, o início da trajetória de uma das mais fascinantes e inventivas bandas de rock “pauleira” de que já se teve notícia – ainda que em um formato bem diferente. Inicialmente, por exemplo, até que Geezer resolvesse passar para o baixo, ele e Tony se revezavam nas guitarras, e muitas vezes enquanto Geezer fazia a parte rítmica, Tony tinha espaço para se esmerar no slide guitar, aquela técnica clássica de tocar com uma bottleneck deslizando sobre as cordas, tão utilizada por Brian Jones dos Rolling Stones, ou pelos Alman Brothers, e, de forma magistral, por Ry Cooder. Algum tempo depois, Geezer resolveu pegar no baixo e deixar só Tony na guitarra, uma vez que o estilo seco e direto deste, aos poucos, foi se acomodando melhor com o tipo de música que estavam desenvolvendo.

O grupo, então, se chamava Polka Tulk, que era o nome de uma marca de talco cuja lata Ozzy, um dia, encontrara no banheiro de um dos pubs que ele mais freqüentava – como ele estava trêbado neste dia, imaginem o que ele fez com essa lata, dada a sua fama de gostar de aprontar com os outros quando suspenso em estado etílico. Basta dizer que alguém o expulsou do pub aos chutes, neste dia, por ter recebido um inesperado banho de urina...

Nesta época, o grupo consistia de Ozzy (vocais), Bill (bateria), Geezer e Tony (nas guitarras), Jimmy Philips (no baixo), e um tal de Clark - é simplesmente assim que se referem a ele, e é o sujeito que tocava saxofone e demais instrumentos nas loucas incursões jazzísticas do grupo. Ozzy odiava esses momentos – foi o que, na verdade, sempre fê-lo amaldiçoar o som do Sabbath durante muitos e muitos anos. “Iommi sempre gostou dessas entediantes trips de jazz – no palco, ele ficava fazendo aqueles solos enormes de jazz. Jazz num show do Black Sabbath? Ridículo! Eu ficava olhando do lado do palco, rangendo os dentes” – declaração de Ozzy dada em 1981, dois anos após ter deixado o Sabbath. Ozzy queria o peso, o rock pauleira – ele queria agitação.

Com o passar do tempo, no entanto, inicia-se a conspiração de Ozzy, dentro do grupo, para que o som da banda fique cada vez mais pesado e espirrem fora os seus componentes desnecessários – ele já vislumbrava uma formação clássica, de quarteto, aos moldes do que várias bandas de Londres vinham fazendo, se tornando mais pesadas e dispensando as instrumentações e viagens desnecessárias. Era o caso dos Yardbirds, que no ano anterior tinham se transformado definitivamente em um quarteto com Jimmi Page na guitarra, e agora estavam prestes a se transformar no Led Zeppelin! Foi assim que Ozzy começou a chamar a atenção de todos para o fato de que, nos shows que o grupo vinha fazendo em pubs, ninguém vinha prestando muita atenção neles. Enquanto todos ficavam papeando nas mesas, matando suas canecas de cerveja e lambiscando pretzels e fritas, a banda ficava lá, no palco, dando o sangue e se esforçando naquelas pretensiosas viagens jazzísticas. “Para o quê, afinal? Servir de trilha sonora para os caras ficarem ganhando as minas e comerem elas depois de alguns goles – é pra isso que a gente toca?”, esbravejava Ozzy. Noutra feita, ele teve uma conversa séria com Tony:

- É o seguinte: ou a gente aumenta o volume dos P.A.s, ou ninguém vai prestar um caralho de atenção na gente. Temos que tocar alto, Tony. Temos que fazer a coisa o mais ensurdecedora o possível! Temos que atingir eles, chamar sua atenção – ou senão, como é que raios você quer que a gente chame a atenção de alguém, de algum empresário ou promotor de shows, ou até mesmo de um agente de gravadora? Nunca vamos arrumar um contrato para gravação assim.

Ozzy, raposa velha que só ele, sabia que um dos grandes interesses de Tony era sobreviver da música, se tornar realmente profissional e gravar – ele não queria voltar para a fábrica onde trabalhava para perder mais dedos em torneadoras! Era esse também o interesse, confesso, de todos por ali.

No decorrer do ano de 68, então, as coisas começam a mudar – e perceptivelmente.

Nos palcos dos pubs onde tocam, o Polka Tulk começa a inovar, e não obstante angariam a polêmica em seu caminho. O volume exagerado dos amplificadores e caixas de som – realmente elevado ao máximo – perturba o bate-papo de quem vai aos barzinhos para simplesmente beber e se distrair. Não raras foram as brigas de Ozzy e cia. com inúmeros donos de pub de Birmingham e região, que teimavam em desligar a aparelhagem antes do show terminar e expulsavam a banda. Invariavelmente, recebiam, como resposta, as vigorosas cusparadas de um ébrio Ozzy, xingando tudo: “Obrigado, seu viado velho! Temos a honra de nunca mais voltarmos a este puteiro de merda para tocar!!!”. Por outro lado, este caráter underground do grupo logo lhes relega uma fama e notoriedade típicas das mais controversas e polêmicas bandas do rock, e os primeiros fãs já começam a surgir e a segui-los aonde quer que toquem. Mirem-se nesta lição de integridade, futuros roqueiros: gente que acompanha o seu grupo e vai aos seus shows pelo que eles são e pela sua música, e não para ficar simplesmente batendo papo e ficar seduzindo as minas para um motelzinho, como Ozzy costumava dizer.

O inevitável acontece: Jim Philips e Clark deixam o Polka Tulk, cansados do festival de pancada sonora e de brigas e porradaria em que os shows da banda se transformaram, sob influência de Ozzy. E aí sim, nasce o Earth.

O motivo da mudança de nome do grupo para Earth, segundo Tony, é o de que, como agora eles eram um quarteto, a nova formação precisava de algo marcante para ser reconhecida. Esta é a versão oficial. Na verdade, o Polka Tulk virou Earth justamente para não ser tão reconhecido – como a fama do Polka já estava queimada, devido às brigas homéricas de Ozzy com donos de pubs, seria legal eles ressurgirem como Earth e, assim, animar alguns promotores de shows e donos de bares a contrata-los novamente. A clássica formação já do que viria a ser o grande Black Sabbath (Ozzy, Tony, Geezer e Bill) continuou, no entanto, fazendo a mesma coisa de antes – se não pior. Tony via, agora, que Ozzy estava com a razão: aumentar o volume e dar ao som da banda uma personalidade básica e distintiva de tudo o que se fazia até então era realmente um bom negócio, e o apoio dos pioneiros fãs do grupo sempre foi muito importante, desde o início, para que continuassem neste caminho, sempre se impondo. Logo, quase todos os garotos de Birmingham tinham virado fãs do Earth, e sabiam que o show da banda era uma oportunidade única para pularem, gritarem e agitarem, pondo todos os seus demônios para fora numa exaltação ao rock n’ roll. Realmente, já desde os primeiros tempos, Ozzy e cia. garantiam essa performance animada e o som agitado que se tornaria uma de suas marcas registradas ao vivo. Era o nascimento do heavy metal, como o conhecemos! O Earth começa a dar seus primeiros shows em cidades vizinhas, e o sucesso começa a, timidamente, lhes bater a porta...

Uma das estórias mais engraçadas desta época é que, dado o êxito inicial que o grupo vinha tendo em apresentações, eles foram chamados para tocar em uma festa que haveria em um grande salão de Birmingham, uma espécie de banquete em que seria comemorado o aniversário de uma tal instituição de Lordes Comerciários de Birmingham... algo assim, como dizia Bill. Coisa chique. E o evento era tão grã-fino, que o jovem empresário que os contatou levara, junto com o contrato para fazerem o show, quatro ternos brancos, de gala, para que se vestissem para o concerto! Geezer e Tony ficaram boquiabertos quando viram aquilo. Bill ainda sussurrou: “será que esses caras não estão nos confundindo com alguém... quero dizer, eles sabem quem somos nós?”, ao que Ozzy retrucou: “Ah, deixa pra lá... Além do mais, se não sabem, vão ficar sabendo”. A aparência do vocalista, nesta época já com uma cabeleira enorme, roupas velhas e sujismundas, e frequentemente visto andando descalço (todo o seu dinheiro ia embora em bebedeiras e novos equipamentos para a banda, e seu único par de sapatos estava em estado deplorável), com certeza assustou muito o rapaz que os contratou, fazendo-o imaginar se havia feito a coisa certa. De qualquer forma, quando terminaram de se vestir para ir tocar na tal festa, Ozzy achou o maior barato os quatro daquele jeito, e fez questão que seu irmão tirasse umas fotos deles. “Foi a primeira vez, na minha vida, em que eu realmente vesti roupas!”, brincaria o vocalista.

Na tal cerimônia, tudo ia indo bem – os convidados chegando, brindes de taças de champanhe, muita conversa e apresentações formais. Até que o grupo subisse ao palco.

- Veja, Bill. A mesma putaria de sempre. A única diferença é que aqui eles são bem vestidos, mais silenciosos e dão menos na cara. Vamos acabar com isso. – resmungou Ozzy, já levemente mamado de alguns drinques da festa – muito especiais, aliás, para um garoto de boca suja só acostumado a cerveja barata de pubs fedorentos.

E dá-lhe som! O grupo despejou o seu peso habitual e incomum na audiência desavisada – e que horror! Algumas senhoras da high society de Birmingham ficaram apavoradas e pediram para ser retiradas dali pelos seus maridos. Alguns comerciantes e fazendeiros ricos da região arregalavam os seus olhos o mais que podiam – não podiam acreditar no que estavam vendo, e muito menos no que estavam ouvindo! Os mais jovens, por outro lado, começaram até a curtir, sob os olhares censuradores de seus pais. Aquilo era um ultraje. Das caixas de som no palco, irrompiam os acordes tonitruantes de algumas poucas composições próprias – dentre elas uma nova, chamada “The Rebel” – e covers de Elvis (“Blue Suede Shoes” era uma das preferidas de Ozzy – a versão do Earth para ela pode ser ouvida em alguns discos piratas do Black Sabbath com registros dessa época). Tudo tocado na já conhecida levada mastodôntica do Sabbath. A fleuma britânica dos anfitriões da festa, no entanto, não lhes permitiu parar o show dos rapazes no meio (e na raça, como os boquirrotos donos de bares faziam), e o olhar selvagem de Ozzy para todos eles enquanto cantava (quer dizer, berrava) deve, em muito, ter contribuído para isso. Ao final de 50 minutos de tortura sonora para a tal sociedade dos lordes comerciantes, entremeados por alguns instantes para os membros do grupo tomarem mais alguns goles e acertarem o que tocar, o set estava terminado – para indescritível alívio da audiência em pânico. Desnecessário dizer que a festa fora arruinada, e quase todos os convidados já haviam ido embora. Que ironia, não? Quem poderia imaginar que estava perdendo um dos mais controversos shows daqueles que, um dia, se tornariam os mais ilustres filhos de Birmingham, que hoje em dia dedica um dia especial a eles?

Podemos dizer que aquele foi o dia em que o rock deu uma cusparada, da forma mais direta possível, na cara da burguesia. E por engano! Engano esse, entretanto, que não passou despercebido, e deixou os rapazes da banda em alerta: havia já, na época, uma outra banda na região chamada “Earth”, que foi a banda que era originalmente cotada para tocar na tal festa, e com quem eles foram confundidos, e não se passou muito tempo, logo surgiria também, na Inglaterra, a Manfred Mann’s Earth Band, do ex-líder da famosa banda de pop inglês, e que poderia, também, gerar confusões e mal-entendidos, caso um dia Ozzy e cia. ganhassem maior projeção. Levando tudo isso em conta, Tony e os outros logo começaram a pensar em um outro nome para o grupo – e este sim, se tornaria definitivo...

Parte 3 - Satânicos e visionários

O final do ano de 1968, para a banda, se dá com uma novidade que lhes renderia um susto, na verdade duplamente chocante: agradável por um lado, mas não muito por outro.

Em uma das recentes gigs do Earth, eles haviam sido vistos por um curioso flautista com sotaque escocês chamado Ian Anderson. Esta simpática figura, que mais parecia um fazendeiro do País de Gales fingindo ser um conde de fleuma refinada, apesar dos trajes boquirrotos, era, na verdade, o vocalista e mentor musical de uma banda que vinha despontando em Londres naquele finalzinho de 1968, com uma turnê que andava deixando todo mundo meio embasbacado com o tal de "folk rock pesado" promovido por eles. Se tratava do Jethro Tull. Dentro do curto espaço de tempo de seis meses, a banda se tornaria o xodó da imprensa britânica de rock da época, apontada como uma das grandes novas sensações que chegavam para ficar, diante de um panorama musical que, naquele final de 68, não era dos mais estimulantes: tanto Beatles quanto Rolling Stones enrolados com projetos incertos e que não desandavam - os primeiros por causa da ruptura cada vez mais próxima, se acabando enquanto gravavam o álbum/filme Let It Be, e os segundos, perdendo o guitarrista Brian Jones e meio sem saber o que fazer; o Cream estava morto, extinto, e o próximo projeto de Eric Clapton, o Blind Faith, ainda iria demorar muito para sair da incógnita; o Pink Floyd ainda estava se acostumando com a vida sem Syd Barret, e David Gilmour e Roger Waters ainda demorariam um pouco para se adequarem ao som "espacial" a que se proporiam a fazer com a banda; e o Led Zeppelin não tinha nem nascido direito ainda, ou melhor, já existia, com o nome de "New Yardbirds" (que era o jeito que Jimmi Page tinha arrumado de montar uma nova banda a partir das cinzas dos Yardbirds e cumprir algumas datas de turnês na Europa) - e entretanto, Plant & Page e cia., mesmo quando começassem a fazer sucesso, no ano seguinte, seriam prontamente rechaçados pela mídia musical, sofrendo uma detratação que ainda demoraria muito para assentar e dar-lhes algum prestígio por parte da crítica.

Foi nesse cenário vago que o Jethro Tull apareceu entusiasmando todos com o seu tal "folk rock pauleira", enveredando por temas longos e de inspiração céltico-druída, com pitadas sonoras daquilo que já antecipava em muito o rock progressivo da década seguinte, passando a receber diversos prêmios de grupo revelação e, já em 1970, figurando entre os principais protagonistas do Festival da Ilha de Wight, o famoso "Woodstock inglês".

Anderson, entusiasmado com o sucesso nascente de seu grupo, andava pensando em reformulações no seu som e novas propostas para a gravação do primeiro LP deles (que acabaria sendo lançado no ano seguinte), indo a vários shows e observando diversas bandas em ação, ele se engraçou com Tony Iommi e a versatilidade aliada à brutalidade nas guitarradas do rapaz. Na verdade, foi numa das performances do Earth em que Iommi solava num estilo de blues, bem slide, é que Anderson teve a idéia de chamá-lo para figurar como guitarrista em algumas apresentações do Jethro Tull, não desconsiderando a idéia de, caso tudo corresse bem e Iommi se adaptasse bem ao Jethro, incluí-lo definitivamente no grupo.

Se por um lado isso representava um golpe no estômago de Ozzy, Bill e Geezer, - que já haviam se acostumado àquela formação e que achavam que Iommi, em uma banda em ascensão como o Jethro, nem pensaria em tocar mais com eles - por outro lado, era a garantia de dias melhores para o Earth, já que com o dinheiro que Iommi receberia por aqueles dias excursionando com o Jethro, as muitas contas e gastos pendentes do grupo poderiam ser pagas, e ainda sobraria um troco para comprar mais equipamento. A banda tinha que se desdobrar, afinal, se quisesse continuar vivendo de sua própria música, e a vida não estava fácil mesmo! Foi assim, então, que mesmo correndo o risco, Ozzy e os rapazes deram um "até mais" a Iommi, mesmo imaginando que, no dia em que ele voltasse para revê-los, poderia ser para não ensaiar e nem entregar dinheiro algum, mas sim para dar uma notícia não muito agradável. Talvez fosse o futuro do cara como guitarrista - ninguém podia se intrometer no destino dele, afinal.

Foi graças a isso que, hoje em dia, quando assistimos à histórica apresentação dos Rolling Stones para a TV britânica, intitulada The Rolling Stones Rock and Roll Circus (gravada nos dias 10, 11 e 12 de dezembro), e que ficou engavetada por muitos e muitos anos antes que Mick Jagger se convencesse que era um momento realmente importante do rock e que devia ser lançado para o grande público, é que podemos ver, durante a apresentação do novato Jethro Tull por lá, um esquálido e tímido Tony Iommi, dublando a guitarra no cantinho da tela (já que foi tocado um playback para Ian Anderson, somente, cantar em cima e solar com sua flauta).

Naqueles dias, Iommi estava com o grupo, e com eles permaneceu tocando, em shows e pequenas apresentações, até meados de janeiro de 1969. Nem registros de gravações do guitarrista com o grupo parecem existir, a não ser umas duas ou três músicas presentes em discos piratas, mas só suspeitas. Na verdade, Iommi alega ter permanecido com o grupo só por duas semanas, e que não teria mesmo gostado do estilo de som a que o Jethro Tull se propunha, preferindo a sua proposta original (e mais pesada), junto com Ozzy e cia. "Toquei no Jethro Tull durante duas semanas. Mas eu me sentia mais em casa no Black Sabbath; no Jethro, eu não tinha certeza de que ia me encaixar". Também o jeitão sorumbático de Ian Anderson, um beberrão bicho-grilo dado a conversas-cabeça que soavam a grego para Iommi e que recusava-se a dar qualquer palavra final para qualquer novo músico que acompanhava a sua banda até que uns bons meses tivessem se passado. Assim, Iommi retorna a Birmingham com a grana prometida nos burros, reencontra Ozzy, Bill e Geezer, e todos juntos comemoram a sua volta e o dinheiro recebido com uma bela cervejada num dos pubs locais após uma noite de show.

Era o início de 1969. E o grupo ainda se chamava Earth. Eles estavam batalhando pesado no circuito de enfumaçados barzinhos e pubs de Birmingham e cercanias quando um promotor de shows de bandas pop e rock de algum renome na região, Jim Simpson, foi bater na porta da casa de Iommi, certa noite. Simpson era um trumpetista de jazz frustrado, que havia passado por várias bandas do gênero em sua juventude, e agora era o proprietário do apagado selo Big Bear Records, que gravava novos artistas e revelações em shows no norte da Inglaterra, a maioria sem grande expressão; ele empresariava alguns grupos ingleses de pouca ou nenhuma importância, que hoje não entram nem em nota de rodapé de enciclopédias de rock, e já havia ajudado a promover alguns festivais e turnês de rock em lugares como Manchester, Glasgow, Blackpool, Liverpool e a própria Birmingham. O cara tinha inegáveis conhecimentos e contatos com algumas pessoas influentes no meio musical inglês da época, mas nada muito surpreendente, ou que excedesse a popular rodada de canecos de cerveja feita antes ou após um show qualquer, entre empresários, músicos e parasitas de toda a espécie. De tais contatos informais, no entanto, havia nascido uma invariável notoriedade no circuito de shows Liverpool-Hamburgo, sendo que sempre fez parte do currículo de estórias pessoais de Simpson alegar que, inclusive, já havia viajado com os Beatles várias vezes para a Alemanha, em uma das muitas excursões dos garotos de Liverpool para tocar lá, no posteriormente famoso Star Club. Isso o fazia, conseqüentemente, ter portas abertas na casa de shows, para levar para lá os artistas que quisesse.

Esse papo foi, obviamente, jogado em Iommi, que por sua vez, o jogou no resto dos integrantes da banda. E imagine só o brilho nos olhos de Ozzy quando ele ficou sabendo que o tal Simpson, que já havia estado com - supremacia das supremacias - os Beatles, estava querendo assinar com o Earth para uma turnê na Alemanha, justamente em Hamburgo, no mesmo Star Club onde os Fab Four haviam tocado! Apesar da tradicional carranca com que o incrédulo e arredio Ozzy recebia os promotores de eventos e empresários pés-de-chinelo que rondavam o grupo, nos seus primeiros dias, a reação a Simpson, por conta disso, foi bem diferente.

Bill Ward se lembraria dessa época e a recordaria, em entrevistas anos mais tarde, que aqueles, apesar de terem sido anos muito difíceis para a banda, foram também dos mais divertidos - como de praxe em várias bandas que depois se tornam famosas e perdem aquele gosto pela simplicidade e pelos prazeres sutis da batalha pelo sucesso. Alguns meses antes de serem contatados por Simpson, o Earth havia arrumado uma van de segunda mão - bem, na verdade, parecia ser de décima, ou vigésima... - , concedida com as graças de um primo de Geezer Butler, que era tão velha e estourada, que o grupo passava mais tempo fora dela, a empurrando e fazendo pegar no tranco, do que dentro. Com isso, chegavam todos ofegantes, e às vezes sujos de graxa, aos lugares dos shows. Ozzy conta que "pelo menos, surtia o efeito de uma bela carroça para carregarmos o nosso equipamento na época".

Foi no meio destes tempos difíceis, e a apenas quatro dias de caírem nas graças de seu primeiro empresário, Jim Simpson, que o Earth considerou seriamente a hipótese de mudar de nome, e acabou o fazendo. Conforme já dito no capítulo anterior, "Earth" era um nome que parecia estar meio manjado nas redondezas, já utilizado por outra banda e também, em Londres, pelo novo grupo que Manfred Mann havia montado. Assim, Ozzy e os outros vinham pensando, nos últimos tempos, em trocar o nome da banda definitivamente para outro. O estopim para que isso acontecesse, determinando, na verdade, não só uma mudança de nome de banda, mas também, de todos os rumos da postura que o rock pesado e a música pop teriam nos anos seguintes, se deveu a vários fatores.

É preciso se lembrar que o ambiente libertário e contracultural dos anos 60 propiciou o aparecimento de diversas novas ondas e tendências que, fazendo a cabeça da juventude da época, eram a oferta de modos de vida e de pensamentos alternativos àqueles já consolidados pelo establishment, pela cultura oficial - que nos EUA, por exemplo, tinham o seu exemplo mais claro no famoso American way of life nascido da era Roosevelt, após a Segunda Guerra Mundial. Com os subsídios de uma economia turbinada pelo sucesso nas campanhas bélicas mundiais dos anos anteriores, e uma administração ágil e dinâmica, os Estados Unidos da América passaram a exercer, dos anos 40 em diante, uma ditadura cultural sobre todo o globo terrestre muito evidente, fazendo de sua língua, roupas, música, cinema, literatura etc. símbolos e parâmetros para tudo que se desenvolvesse no panorama de cultura dos países ocidentais. Esta ditadura, obviamente, era fundamentada nas ideologias propagadas pelos WASP - a maioria da população norte-americana de então, white (brancos), anglo-saxon (anglo-saxões) e protestants (protestantes). De rígidos padrões morais e éticos conservadores, subservientes às hegemonias existentes da religião protestante e da figura masculina na sociedade, das hierarquias militares e do respeito às instituições, os princípios WASP se proliferaram pelo mundo inteiro agregados à cultura norte-americana, estabelecendo a dita "cultura oficial" ou "dominante". É o que vemos até hoje, por exemplo, desde em certos regulamentos de edifícios e condomínios até em novelas e programas de uma Rede Globo, quando verdades sociais como a pobreza, a homossexualidade, o preconceito racial, a explosão demográfica e outras figuras incômodas ao pensamento conservador protestante são mascaradas ou simplesmente banidas graças à ditadura do Ibope e da mídia, tão entremeadas no subconsciente coletivo estão as idéias WASP.

As leis da física, todavia, já nos ensinavam que para toda uma ação, há uma reação. Pensadores (dentre eles, filósofos, sociólogos e psicólogos), artistas e religiosos alternativos, como gurus e líderes espirituais, do mundo inteiro, passaram a perceber esse alastramento da ideologia WASP no painel ocidental, e passaram a se dedicar em todas as suas obras e trabalhos, a denunciar esta ampla e irrestrita ditadura cultural, massificada e onipresente graças aos meios de comunicação cada vez mais poderosos - lembre-se que em um curto espaço de tempo, do final dos anos 40 ao final dos 50, televisão, rádio, cinema, discos e imprensa escrita se desenvolveram de uma forma tal que todo o globo terrestre já estava sendo coberto. Como uma década de libertação dos dogmas e padrões impostos que foram, os anos 60, obviamente, dariam chance a todas estas pessoas que vinham trabalhando contra a cultura oficial estabelecida de se expressarem melhor - e isso veio não somente por elas, mas também por toda uma nova geração que já estava ouvindo atentamente as suas orientações. Foi assim, então, que os beatniks dos anos 40 e 50, os cantores folclóricos de protesto, os gurus indianos e líderes espirituais do Oriente, e escritores, filósofos, políticos e críticos de renome, como Bertrand Russel, Freud, Jung, Marcus, Che Guevara, e muitos outros, seriam todos introduzidos e eternizados no pensamento da geração jovem dos anos 60 - e que logo se desdobraria no grande movimento contracultural da nação hippie.

Como um movimento, entretanto, tão geral e pancultural que era (no sentido de juntar diversas correntes e tendências culturais), os hippies acabariam não só atraindo forças bastante positivistas para este contexto, como também, forças bem negativas. Assim como tudo que era experimentação e novidade era válido, como uma forma de quebrar as regras impostas pela cultura ocidental viciada e conservadora, de "romper as barreiras" e "ultrapassar os limites", em um linguajar bem típico da época (e que celebrizou as letras de Jim Morrison, dos Doors, em canções como Break on Through, por exemplo), várias propostas alternativas de vida, provenientes de religiões fora do eixo protestantismo-catolicismo ocidental, vieram à tona. Foi assim que diversas seitas e religiões como budismo, xamanismo, hinduísmo - até mesmo o messianismo muçulmano - começaram a repentinamente aparecer de norte a sul do continente americano. E, junto a elas, também veio o satanismo.

Não se sabe ao certo de onde se originam as raízes do satanismo ocidental, mas têm muito a ver com os ritos pagãos e cultos que sobrevivem em diversas comunidades ancestrais, desde épocas imemoriais, de regiões da Europa como a Noruega, Groenlândia, Nova Zelândia, Suécia e Grã-Bretanha. Tido por sociedades secretas de ocultismo como um desvio na vertente das seitas celtas e druidas que originariam a hoje popular Wicca, ou seita dos bruxos e bruxas, o satanismo começou a crescer na América em pequenas comunidades rurais de imigrantes, que teriam trazido os costumes e tradições de fazer oferendas e cerimônias a Belzebu da Europa Central, como uma forma de ter prosperidade e bons resultados nas colheitas. Rezam as lendas que, nas antigas florestas norueguesas, banquetes cheios de vinho, frutas, carnes e sangue de animais mortos em sacrifício eram oferecidos a um representante do demônio sobre a Terra, designado durante certo período pela comunidade de camponeses como cornudo, por se paramentar de uma vestimenta em que era obrigatório o uso de uma máscara, feita de couro de alces e imitando as feições do diabo, ostentando longos chifres. Quando estavam próximos os períodos do plantio, geralmente em meados de maio, que era um dos quatro feriados chamados de "meio trimestre" pelos celtas (dias em que os bruxos e bruxas se punham a festejar e descansar), chamado de Beltrane, geralmente as comunidades satanistas davam início aos preparativos para estas celebrações em que oferendas eram entregues ao Belzebu para que a colheita do ano fosse próspera. Daí nasceu a palavra Sabbath, ou "sabá", em português, que é o nome dado a esta cerimônia secreta em que os pagãos da Europa Central invocavam o Senhor das Trevas. O nome origina-se de um dia de descanso religioso, que Moisés havia mandado os homens terem, no sétimo dia da semana. Subvertido pelas ordens ocultas de bruxaria, na Idade Média, o sabá acabou se agregando ao feriado de Beltrane, tido como uma oportunidade festiva para bruxos e bruxas se reunirem e celebrarem seus feitos, sempre em um dia de sábado, à meia-noite, sob a presidência de Satanás. E assim, foi gradativamente sendo incorporado pelas comunidades ocultistas da Europa Central, mantendo a tradição: sendo realizado na época de Beltrane, antes do início do plantio, em um sábado à meia-noite, com um líder escolhido para representar o demônio, vestido como tal, e a quem eram feitas oferendas, em um clima de grande depravação, um verdadeiro bacanal repleto de vinho, comida e sexo. Detalhe interessante sobre os sabás originais que ocorriam nas florestas da Europa Central, contados por vários historiadores, é que quando mostrava ser muito infrutífera a terra a ser cultivada, era necessário que uma noiva da comunidade prestes a se casar, devidamente virgem, fosse oferecida ao Belzebu, para que este a deflorasse, restituindo a fertilidade do solo a ser cultivado. Relatos acerca de outros cultos falam na morte de crianças, o que, queiramos ou não, ainda é noticiado por vários informes sobre fatos ocultos e sobrenaturais até os dias de hoje.

A questão é que, na loucura libertária e de extensa diversidade de propostas dos anos 60 para se fugir da mesmice WASP, cultos arraigados em certas comunidades ocultas como o satanismo acabaram chegando à América, ou mesmo ganhando força onde já existiam, na Europa mesmo. De repente, por mais estranho e maligno que isso parecesse, ficou "in" ser satânico, ou ter um ar meio decadente e "do mal", estava na moda - influência clara das seitas satanistas que passaram a se proliferar no circuito underground das artes, a partir da segunda metade dos anos 60. Devido a isso, começamos a ver gente como Anton LaVey, o auto-denominado "sacerdote de Satã", fundar a sua Igreja Satânica, nos anos 60, com vários adeptos famosos do jet-set internacional; o cineasta de vanguarda Kenneth Anger, que entraria para a história do cinema marginal com as suas "obras-primas", filmes cabeça de estética altamente lisérgica e visual decadente, encenando rituais de bruxaria e cenas de seitas malditas, como Invocation of My Demon Brother e Lucifer Rising, esta última com trilha sonora originalmente composta por Jimmi Page, outra figurinha tarimbada no meio satânico e estudioso das ciências ocultas de Aleister Crowley, assim como Anger; o músico Bobby Beausoleil, outro doido, amigo de Arthur Lee, do Love, que acabou se envolvendo com Kenneth Anger, atuando em seus filmes e, enlouquecido pela filosofia satanista, cometendo assassinato; além, obviamente, de todas as outras personalidades que, em maior ou menor grau, acabaram ajudando a promover o culto ao chifrudo: o já citado Jimmi Page, Mick Jagger e os Rolling Stones (com discos como Their Satanic Majesties Request e a música "Sympathy for the Devil" - ele próprio amiguinho de Kenneth Anger e cogitado diversas vezes para atuar em seus filmes e compor suas trilhas sonoras), as amantes de Jagger, Keith Richard e Brian Jones (a cantora Marianne Faithful e a devassa modelo e atriz Anita Pallenberg - ambas estudiosas de magia negra), e o artista performático londrino Arthur Brown (do grupo psicodélico Crazy World of Arthur Brown, de grande sucesso em 1967 com uma música inspirada no soul de James Brown que exaltava o inferno! - "Fire"). Também o cineasta Roman Polanski entrou na onda, com aquele que é, para muitos, o primeiro filme sério sobre satanismo na sociedade ocidental: O Bebê de Rosemary, de 1968. Polanski, aliás, que na época era casado com a atriz Sharon Tate, que foi uma das vítimas trágicas diretas da proliferação de seitas dos anos 60, morta pelo bando de lunáticos de Charles Manson - que, inclusive, possuía em suas fileiras alguns ex-membros de seitas satânicas americanas.

Para a maioria dessa galera do cenário pop, o satanismo, assim como várias outras tendências naqueles efervescentes anos 60, não acabariam passando de mais um "embalo de verão", e logo muitos deles acabariam abandonando a brincadeira por coisas mais sérias - com a honrosa exceção, é claro, de Jimmi Page, que continuou mais enfronhado no negócio ainda, a ponto até de comprar aquele castelo, que pertenceu a todo-mundo-sabe-quem, em 1972.

Como se vê, a contracultura acabou provocando uma grande aproximação do satanismo com a mídia e o grande público, ainda que a níveis bem superficiais e inocentes (talvez...), e quando ela foi finalmente engolida pela cultura ocidental oficial, o que acabou acontecendo mesmo contra a vontade dos hippies (já que o establishment, desde então, aprendeu a absorver tudo e subvertê-lo aos seus interesses, por causa do dinheiro, of course), o satanismo foi junto, sendo incorporado ao mundo pop. E não adiantariam nada as críticas de grupos fundamentalistas cristãos, ou mesmo a chacina promovida pela Família Manson, naquele ano de 1969 - o estrago da introdução do satanismo no mundo das artes pop já estava feito.

Sintomas do grande ibope que o satanismo deu, do início dos anos 70 em diante, são os sucessos cinematográficos de O Exorcista e A Profecia, e na área da música, tudo quanto é estória que começou a circular acerca do Led Zeppelin, AC-DC, Kiss, ou mesmo os nossos focalizados, o Black Sabbath. Até grupos mais xarope, como os Eagles, tiveram a sua venda de discos aumentada quando se cogitou que alguns deles, como o guitarrista Joe Walsh, tinham composto o grande hit da banda, "Hotel Califórnia", inspirados em um dos hotéis pertencentes à seita satanista de Anton LaVey (em 1976). Se hoje algum moleque acha simpáticas algumas capas de discos do Iron Maiden ou do Deicide, curte as lendas em torno do Led Zeppelin, ou filmes de terror como Stigmata e Advogado do Diabo (que, em uma de suas cenas finais, no discurso de Al Pacino como Lúcifer, faz uma menção bem direta a essa atração que o Mal exerce na humanidade), é por causa dessa grande capacidade que a mídia teve de capitalizar em cima do satanismo e torna-lo atraente e familiar.

Pois é, foi no meio de todo esse clima altamente propício a que o horror e as trevas imperassem no meio artístico, que Geezer Butler (e não Ozzy, ao contrário do que reza a lenda), em um belo dia de sábado (exatamente!), à noite, vai a um cinema de Birmingham que ficava quase em frente de sua casa, onde estava sendo exibido um filme chamado, justamente, Black Sabbath (O Sabá Negro), uma produção inglesa da Hammer, famosa produtora de filmes B de terror de Londres que já havia dado a luz a sucessos como Drácula (com Christopher Lee), Castelo da Morte, O Solar Maldito e astros do gênero, como Vincent Price, Peter Cushing e o já citado Lee. Black Sabbath (1963), o filme, estrelava uma lenda do gênero, o veterano Boris Karloff (que havia sido o primeiro ator a encarnar o monstro Frankenstein no cinema, em 1932), e falava, justamente, sobre os tais rituais satânicos ocorridos à meia-noite, organizados por bruxos para invocar o tinhoso. Geezer saiu do cinema assombrado, pois sempre fora vidrado em coisas sobrenaturais - mas, ao mesmo tempo, ria da galerinha que formava fila para assistir à próxima sessão, uns fazendo "buuu" e outros se borrando de medo. Aquilo era engraçado - pessoas pagando para sentirem medo - e, já pressentindo o clima da época e sentindo a reação dos jovens que estavam indo ao cinema, vidrados com as cenas horripilantes dos rituais, o jovem baixista viu uma idéia germinar rapidamente em sua cabeça.

Primeiro, ele foi para casa e, já há alguns dias tentando compor alguma coisa própria para a banda (que, segundo Simpson, tinha que criar repertório se quisesse fazer sucesso, não podia só ficar mais presa a covers), sem nenhum sucesso, começou a fantasiar em cima das cenas que havia visto horas antes no filme de Karloff, e começou a rascunhar algo, em cima do nome: "Black Sabbath". Nos ensaios do dia seguinte, Geezer começou a conversar com os rapazes sobre o filme que havia visto, e como aquilo tudo o havia impressionado. Iommi perguntara o preço do ingresso, que Ozzy achara caro. "Por que um bando de garotos pagaria, então, uma boa grana simplesmente para sentir calafrios?", indagou Geezer. Ozzy se impressionou, e começou a pegar ali a linha de raciocínio a que Geezer queria chegar. O tal negócio de fazer horror e falar no capeta andava fazendo sucesso. Todos ficaram encucados: como, então, fazer horror na linha musical, como uma banda? No cinema era outra coisa. Geezer, então, tirou do bolso o rascunho da noite anterior, escrito com o mesmo nome do filme, e mostrou para os caras. Ozzy pegou o papel, coçou a cabeça... "Acho que podemos fazer algo aqui assim...", e aos poucos uma letra bastante original (e polêmica, para a época) foi surgindo:

Estávamos em abril de 1969. Em poucos dias, para o orgulho de papai Thomas e mamãe Lilian, Ozzy estaria embarcando para a sua primeira turnê internacional com a banda. Dinheiro que era bom, entretanto, nada. Mas Ozzy já havia se comprometido a entregar todo o cascalho que ganhasse nos shows para ajudar a pagar as despesas de casa. "Eu tenho certeza que, se você não torrar tudo nos canecos, você trará", alfinetou o bonachão Sr. Thomas. A banda ainda se chamava Earth, pois os quatro rapazes ainda não haviam se decidido se o lance de pôr um nome como "Black Sabbath" no grupo e começar a tocar no assunto magia negra seria realmente legal - por isso, pelo menos para a primeiras gigs em Hamburgo, resolveram deixar tudo como estava.

Datam dos dias 25, 27 e 28 de abril, 3, 10 e 20 de maio as primeiras apresentações da banda de Ozzy e Iommi na cidade onde os Beatles começaram a realmente ser o que seriam. E ali, também, o Earth deu tudo de si e consolidou uma fama que já vinha sendo construída em várias cidades inglesas por onde passavam. O peso e a intensidade da cozinha de Geezer e Ward, unidas aos vocais desesperados e selvagens de Ozzy, mais a guitarra cortante e mastodôntica de Iommi, levaram ao êxtase as platéias alemãs desde o primeiro momento.

Vendo que o público estava em suas mãos, o grupo consegue novas datas e shows com a ajuda de Jim Simpson, que se revela realmente eficiente. Arrasam em sua passagem pelo notório Henry's Blues Club, de Carlisle (por onde já havia passado gente como o Savoy Brown), e durante todo o mês de maio, seguem por gigs em pequenas cidades alemãs, da fronteira, e mais passagens por Edinburgh, Cambridge, Glasgow, e outras cidades inglesas. Chegam a participar de um pequeno festival nos subúrbios de Londres - lá, inclusive, têm a sua primeira experiência com um estúdio de gravação, ainda que amador. Bancados por Simpson, só para ver como é que seu som estava saindo, gravam uma fita demo com cinco canções (incluindo uma que é somente uma improvisação jazz, bem ao estilo de Wes Montgomery, de sete minutos) em uma máquina monaural, de somente dois canais, ao vivo mesmo: duas das canções são "The Rebel", que eles já tocavam desde os primeiros tempos em Birmingham, e uma outra, composta recentemente, e ainda sem nome, que eles resolveram batizar de "A Song for Jim", em homenagem ao empresário, já que ele estava custeando, do seu próprio bolso, aquela primeira sessão. Essas raríssimas canções, só disponíveis em discos piratas hoje difíceis de encontrar, podem ser ouvidas, em trechos, na primeira parte de uma coletânea em vídeo sobre a história do Black Sabbath lançada em 1992: The Black Sabbath Story.

Apesar do crescente sucesso do grupo em pequenos palcos e salões, nem tudo eram rosas ainda para os rapazes do Earth. Alguns dias depois da passagem por Londres, em um show em Cardiff (terra natal de outra banda pesada que iria beber muito na fonte do Black Sabbath - o Budgie), a platéia de teor universitário, jovens estudantes ingleses tipicamente snobbish, resolve não prestar muita atenção ao Earth no pequeno concerto que eles estavam dando em um pub local. Era o que bastava para atrair a ira de Ozzy, enfurecido com o nariz empinado de muitos daqueles filhinhos-de-papai que preferiam folk songs e um bom papo-cabeça enquanto bebericavam seus lagers.

- Direito para o céu! - berrou ele aos músicos da banda, num código para que elevassem os volumes dos PA's de seus instrumentos ao máximo. Bill emendou com uma ruidosa introdução, espancando violentamente a batera a ponto de quebrar a ponta de uma das baquetas - e continuando com a mesma, como se nada tivesse acontecido! Iommi dava início, então, àquela famosa passagem pauleira de "Warning", a longa música que fecharia o primeiro álbum do grupo, então em gestação. Funcionou de introdução para que o grupo atacasse "Blue Suede Shoes", um cover que Ozzy adorava, nos primeiros tempos, e mandassem quarenta minutos ininterruptos do melhor que o repertório deles continha, na época. E nada. Entre uma música e outra, nas poucas paradas que o grupo fez, Ozzy rosnava uma piadinha ou outra ao microfone com desdém, numa espécie de zombaria pela falta de atenção do público. Mas não obtinha nenhuma vaia em resposta, apenas silêncio - não havia nenhuma reação, nada! Ao final de tudo, todo o sangue que o grupo deu, e todo o volume, e a platéia do lugar permanecia impassível, como se ninguém estivesse tocando na frente deles. Para Ozzy, aquilo era inacreditável. Todo aquele som, todo aquele rock, e os boyzinhos cabeludos com cara de comedores de mingau se comportavam como se tudo fosse apenas muzak (música de elevador).

Houve uma pausa de meia-hora para que os músicos descansassem e se reabastecessem com alguma cerveja, e o dono do lugar chegou neles, meio que sacaneando, perguntando-lhes se era sempre assim no lugar de onde eles vinham ou se realmente não haviam pago ninguém para espalhar o boato de que eles eram quentes. O esquelético Geezer mal se agüentava em pé de cansaço, e mal segurava o seu caneco, de tão estourados que estavam seus dedos, enquanto Iommi observava o público do local, rindo no meio das cervejadas e ficando tontos como um bando de bêbados idiotas, com um olhar quase contemplativo, lacônico e tentando analisar matematicamente a situação, sem beber nada. Bill e Ozzy, enquanto isso, no auge da ira, haviam dado uma saída por alguns minutos, alegando que iam buscar cigarros em outro lugar, pois os dali eram "pura merda de vaca enrolada", numa justificativa bem cortês ao barman para recusarem uma cartela. Na verdade, haviam era saído, sem que o atônito Jim Simpson percebesse, em busca de algo, no mínimo, inusitado para chamar a atenção daquele público difícil de cativar.

Às 10:45 da noite, de volta ao palco, Iommi e Geezer afinam seus instrumentos e olham de modo indagador para Bill, que vai tomando seu lugar no assento da bateria. Sem que tenham nem tempo de lhe dirigir uma palavra, Bill começa uns toques e repiques, chamando a primeira música do segundo set, e quando Geezer começa a deslizar os seus magoados dedos sobre as quatro cordas, ele olha para trás e tem um choque!

Um Ozzy completamente pintado de tinta roxa, da cabeça aos pés, adentra o palco, uivando como um louco e pulando, em headbangin' acelerado, como se estivesse sofrendo de um acesso perigosíssimo e em seus minutos finais de vida. Iommi mal pode conter o riso, mas dá início ao som, e eles atacam novamente. E a platéia - pasmem! - fica assustada e presta atenção em Ozzy somente nos primeiros segundos, e depois... volta a beber e a conversar ruidosamente de novo, pouco se lixando para o esforço do vocalista e sua banda em esquentar o ambiente.

Ao final daquela noite, tida para sempre pela banda como uma de suas mais estranhas, fracassadas, e engraçadas, ao mesmo tempo, Ozzy, totalmente pintado, esgotado e exausto, puxa um caneco de cerveja do balcão do bar enquanto a banda desmonta o equipamento, avista um rapazinho saindo trôpego de bêbado em direção à rua, e se apóia em seus ombros, os dois quase se estatelando juntos no chão ao cruzarem a porta de saída.

- Nunca mais quero cantar para um bando de merdinhas como vocês - sussurra ele ao pobre indivíduo enquanto lhe empurra mais uns goles de cerveja... Bill Ward testemunharia que o vocalista ficaria o resto da noite pintado, e apenas na manhã do dia seguinte, após sessões de banho ininterruptas, ele conseguiria se livrar da "maldita tinta púrpura", após 4 horas!

Na verdade, este incidente no início da carreira da banda serve para mostrar bem uma divisão de gostos que se tornaria muito clara no decorrer dos anos, não só para o Black Sabbath como para outros grupos de rock pesado que se tornariam populares: a recusa de certas parcelas de público em reconhecer ou mesmo tentar apreciar um rock mais amplificado, denotando a primeira grande onda de preconceito que ocorreria com esta nova tendência que começava a despontar.

Em junho, novo retorno a Hamburgo. E nos shows dos dias 12 e 16 de junho, a banda resolve tirar o às da manga e testar o que eles vinham mais cogitando: a nova postura satânica. Talvez por puro experimentalismo, ou até mesmo por uma revolta com o que havia acontecido em Cardiff, Ozzy e os rapazes resolvem testar o "lance" urdido por Geezer naquelas duas datas que eles tinham na Alemanha.

No final do primeiro show, Ozzy anuncia uma nova música, que irá deixar todos ensandecidos. E emendam com os primeiros acordes, macabros e tonitruantes, de "Black Sabbath". De início, a platéia parecia mesmerizada, hipnotizada. Aos primeiros trechos da letra horripilante, cantada por Ozzy, ouvem-se "uaus" assustados na platéia e alguns berros de delírio de fãs já meio chapados. Em um dos momentos, Ozzy, por instinto, resolve assumir o seu lado ator e encarnar o próprio demônio, soltando uma risada diabólica e galhofeira no final da parte lenta da canção. É o sinal para que a platéia urre em um dos mais ensurdecedores gritos que o Star Club já presenciou. Enquanto tocam, Geezer e Iommi se entreolham sacando que o lance realmente funciona. De repente, uma súbita parada. Iommi começa a golpear a guitarra com aqueles riffs frenéticos e nervosos que anunciam a parte mais rápida e pesada da música. Entra a bateria - Ward começa a espancá-la como um louco. O ritmo acelere e Ozzy anuncia a chegada de todos ao reino dos infernos. O público pula, agita, delira e berra alucinadamente, principalmente após Ozzy: "No, no, please... no!!!", numa imprecação aterradora, como se estivesse realmente se afogando em um dos lagos de fogo ferventes de Dante. É o clímax. A guitarra de Iommi reverbera assustadoramente, e o lugar todo parece estar se agitando junto, balançando como se houvesse um terremoto naquela verdadeira panela de pressão humana. Era uma fria noite de apenas doze graus centígrados, mas ali dentro do Star Club parecia que todos estavam, realmente, nos quintos dos infernos queimando, pulando e gritando! Ao final de tudo, a platéia pede por bis clamorosamente. Do backstage, Jim Simpson sorri sarcasticamente para eles, lhes acenando sinais de vitória com as duas mãos: o caminho é esse, está escolhido e não há mais o que esperar. De agora em diante, o Earth vai se chamar Black Sabbath, e assumirá uma nova postura, inédita para qualquer banda até então: um visual escuro, macabro e sério. A primeira banda realmente dark da história do rock - já que os Doors não contam, só Morrison é que era mais sombrio...

É em julho de 1969 que ocorre a mudança de postura definitiva da banda - esta é uma foto promocional que acabaria ficando de fora do primeiro compacto do grupo, em 1970, denunciando a ligação com os temas macabros que faria a discutida fama do grupo.

Reza a lenda que, quatro meses de shows depois, já sob o novo nome, e angariando uma verdadeira legião de fãs de roupas escuras e cabelos desgrenhados que começava a se formar em torno da banda aonde quer que fossem, receberam, no escritório de Simpson, em Birmingham, a visita de um olheiro da Vertigo Records, um selo de porte médio mas com muita gana de entrar pra valer no mercado de rock inglês, para assinarem o seu primeiro contrato para a gravação de um disco. Era a concretização de um sonho antigo pelo qual tiveram que batalhar arduamente e com muita originalidade, seguindo seus instintos e sempre enfrentando toda a sorte de adversidades do destino com o intuito de se imporem. Ozzy, após assinar a folha com a caneta de Simpson, hesitou em entrega-la de volta ao empresário: "Peraí, deixa eu me picar todo com ela pra sacar que eu não estou sonhando!". Era final de novembro de 1969, e dali a poucos dias, no início de dezembro, todos os quatro cavaleiros do apocalipse deveriam estar em Londres, em um pequeno estúdio no centro da cidade, alugado pela Vertigo, para começarem as gravações do seu primeiro single e do LP. Para o compacto, uma decisão ainda essencial naqueles dias em que o mercado fonográfico todo se dirigia para o sucesso imediato ou o fracasso retumbante de uma banda pelo desempenho de um disquinho simples nos charts, era consenso de todos que uma música composta dois meses antes, e que vinha tendo boa receptividade ao vivo, chamada "Wicked World", devia figurar como carro-chefe do disco. A música que dava título à banda e ao primeiro LP também era uma pérola, mas alguns executivos da Vertigo simplesmente ficaram receosos de lançar uma música com uma letra daquelas como primeiro compacto de um grupo estreante. Era o primeiro imbróglio do Black Sabbath com os problemas burocráticos das gravadoras...

Parte 4 - Voz num Pedaço de Plástico

O primeiro registro em LP de uma das maiores bandas de heavy metal do mundo não gastou mais do que 1.200 dólares (na época, o equivalente a uma mixaria: 600 libras inglesas) e três dias em um pequeno estúdio alugado pela Vertigo para ser finalizado. Esta pequena grande obra-prima do rock, sumarizada em apenas 7 faixas (se você não contar "Wicked World", que apenas recentemente, com o advento do CD, seria incluída como bonus track), foi o resultado de sucessivas jams em estúdio feitas com o intuito de aprimorar e dar um acabamento final a várias canções e idéias que o Black Sabbath já vinha até mesmo apresentando em shows, ou ensaiando repetidamente, até encontrar um tom certo, ou a letra ideal. Recentemente, fãs do mundo todo puderam ouvir, em uma coletânea lançada por Ozzy Osbourne em carreira solo, Ozzmosis, as versões originais de músicas como "N.I.B." e "Behind the Wall of Sleep", oriundas de demos gravadas naqueles dias históricos, que são dois dos clássicos presentes no disco. Para a introdução da sorumbática "The Wizard", por exemplo, o clima de total improvisação nos estúdios levou Ozzy a surrupiar a gaitinha de um dos funcionários do local e assoprá-la desleixadamente, a ponto de Geezer e Tony gostarem do som e o pedirem para incluí-lo na música. E, tirando o pau absoluto que é a música-título, aquele hino eterno que batizou a banda e que sempre foi presença cativa em qualquer show que eles dessem, a conclusão do álbum é composta de dois momentos bem típicos do início de carreira jazz-bluesístico da banda: "Sleeping Village" e "Warning" eram duas viagens que eles já vinham tocando muito ao vivo, e que faziam parte dos longos momentos de improvisação nos palcos - ou porque Ozzy já estava muito bêbado e cansado, e precisava se recompor um pouco, ou porque o repertório não era muito extenso mesmo, e não estava lá essas coisas.

De qualquer forma, para a platéia mais purista e radical do Black Sabbath, o som destes primeiros registros sempre será o mais preferido entre todos, e o que melhor tiraram: a inexperiência do grupo em gravações e o senso novato de experimentalismo de Roger Bain (que produziu as sessões e os acompanharia nos discos seguintes, tornando-se um dos membros da "máfia" da banda) deu luz a um polimento cru e estilizado que ainda não tinha precedentes na história do rock, gravado amadoristicamente dentro de 8 horas em duas antiquadas máquinas de 4 canais! Tudo bem que grupos como Cream, Led Zeppelin e Jimi Hendrix Experience já estavam delineando uma equalização mais clara para baixo-guitarra-bateria - mas ninguém os havia feito soar tão secos e primais como Bain e o Sabbath naquele petardo gravado em fins de 1969. Para o caro leitor ter uma idéia do que eu estou falando, experimente pôr "Black Sabbath", a música, para rolar exatamente na parte em que ela fica mais pesada, e contraste a aparição da guitarra e do baixo nesta gravação com as aparições dos mesmos instrumentos em outros clássicos do mesmo período, como "Dazed and Confused", do Led Zeppelin, ou "Born to be Wild", do Steppenwolf (ambos sendo os grupos heavy que mais estavam fazendo sucesso na época). A mixagem é bem mais radical - a ênfase nas distorções é outra coisa. O conceito de gravar o rock pesado mudou totalmente com o primeiro álbum do Black Sabbath, não havendo como negar que muita gente na Londres da época - e, por conseguinte, no resto do mundo - ficou boquiaberta quando retirou o vinil preto de sua embalagem macabra e o colocou em contato com a agulha do toca-discos. Obviamente, a maioria das reações, como veremos logo a seguir, seria da maior negatividade possível, exatamente por causa de tamanha estranheza.

Finalmente, após alguns dias de discussão com Jim Simpson e membros da Vertigo Records, ficou definido qual seria o primeiro compacto a ser lançado, para puxar as vendas do LP: iria conter "Evil Woman (Don't Play your Games with Me)", um cover de Wegand-Waggoner que era um sucesso pop nos anos 60. Já uma das preferidas da banda, "Wicked World", seria relegada a um medíocre lado B no compacto. Resta dizer que, como os executivos da gravadora pressionavam Simpson e os rapazes para que ao menos UMA cançãozinha mais pop fosse gravada para o álbum (que já ia ter tanta coisa pauleira e fora da estética "paz e amor" daqueles tempos), Ozzy e cia. gravaram bem que a contragosto "Evil Woman", e mesmo numa performance desanimada - ainda hoje, pode-se ouvir, especialmente na edição remasterizada digitalmente do álbum, como Ozzy praticamente "mastiga" as letras, resmungando-as sem muita empolgação, e Tony realiza um dos mais soporíferos solos de sua carreira, contribuindo para quebrar totalmente o clímax da faixa. Ainda como uma doce vingança, e em atitude de real protesto, pois não queriam mesmo gravar a tal música, o Black Sabbath jamais a tocaria ao vivo, detonando sempre "Wicked World" em todas as apresentações, e toda vez que algum fã abria a boca para pedir "Evil Woman", nem sequer davam muito ouvido a tal requerimento.

Pois bem. Foi dito logo atrás, e já por muitos sugerido, em inúmeras outras biografias da banda e artigos sobre eles, que o mundo, no final de 1969 / início de 1970, estava absolutamente despreparado para o impacto do Black Sabbath: a proposta estética do grupo, o som, as letras etc. Até os próprios homens dentro da Vertigo, em sua maioria, torciam o nariz para o que o grupo estava fazendo - lembremo-nos que era ainda final dos anos 60: Woodstock tinha acabado de rolar, o princípio do prazer da filosofia bicho-grilo estava em alta, era tudo na base do slogan "paz e amor", a Era de Aquário e o homem pousando na Lua, tudo parecendo querer anunciar uma nova fase para a humanidade, com o homem no centro de grandes revoluções mentais que, a bem ou mal da verdade (violentos protestos estudantis, drogas e o sangrento festival de Altamont, dos Rolling Stones, estavam no meio do caminho...), pretendiam trazer uma nova concepção de sociedade, mais harmoniosa, a todo o globo terrestre. Pelo menos era isso que grande parte da mídia da época, completa e lisergicamente desbundada com os novos acontecimentos (ou happenings, um termo tão caro a uma década de tantas inovações) parecia querer transmitir. Salvo alguns casos isolados aqui ou ali, de vozes mais inconformistas que não acreditavam que a roda da História teria seus rumos mudados por meio de tanta "festa" e libertação, o clima da época era, realmente, o das letras dos Beatles em "All You Need is Love" e "Yellow Submarine". Inclusive, para os membros das grandes gravadoras e conglomerados da comunicação, as indústrias do entretenimento, que, com a maior paz e amor também, enchiam seus bolsos com todo este movimento...

Acontece que - e aí deve-se notar a grande importância de bons empresários no ramo da música - a capacidade de persuasão de Jim Simpson foi vital na hora de apostar na credibilidade da proposta macabra e soturna do Black Sabbath dentro da Vertigo, convencendo muitos lá dentro (inclusive os mais empedernidos "executivos hippies" da gravadora, mais fãs de jazz, música folk e progressiva do que tudo) de que era algo novo a ser tentar e extremamente válido. Foi neste contexto que foi urdida a também histórica e imprescindível capa do disco: a lendária bruxa que sai de sua casa mal assombrada, caminhando em meio a um bosque noturno!

O interessante é que a arte de capa ainda traria um notável detalhe, presente apenas nas primeiras edições, originais, do vinil, e sobre o qual o Black Sabbath, surpreso, não havia nem sido consultado: a figura de uma cruz invertida, na contracapa do disco, com o tétrico poema tradicional "Still Falls the Rain", inscrito no corpo da cruz - uma propaganda pra lá de convincente da postura satânica da banda que nem Simpson esperava conseguir dos empresários da Vertigo! Na verdade, após alguns meses negociando com o grupo, a gravadora havia finalmente se decidido a apostar na tal tendência de "horror" deles. Pode ser que muito mais como um lance kitsch mesmo, na base da brincadeira, soando como um divertido filme B que chamaria a atenção de todos - mas o importante é que colou. E como colou.

Segue a íntegra do poema colocado na inscrição da cruz invertida, para se ter uma idéia da imagem do Black Sabbath que estava sendo exposta ao grande público. Este poema seria retirado da contracapa do disco nas edições seguintes:

"AINDA CAI A CHUVA"

Os vestígios da escuridão se amoldam às árvores escurecidas
Que, contorcidas por uma violência desconhecida
Deitam suas folhas cansadas, e dobram seus galhos
Frente à Terra decadente, repleta de asas de pássaros

Entre as folhagens, cães sangram diante da morte gesticulante
E jovens coelhos, nascidos mortos em armadilhas
Permanecem imóveis, como se guardando o silêncio
Que ecoa e ameaça engulir
Todos aqueles que se atrevem a escutá-lo

Pássaros mudos, cansados de repetir os horrores de ontem
Gorjeiam juntos no recesso das colheitas malditas
De cabeças retornadas dos mortos,
Do cisne negro que flutua desvanecido em uma pequena poça na choça

Dali emerge uma inebalável e misteriosa bruma
Que traça seu caminho em direção a circundar os pés
Da estátua degolada de um máritr
Cuja única realização foi morrer muito cedo,
E que não poderia esperar a derrota

A catarata da escuridão se forma densa
E a longa noite macabra se inicia,
Ainda perto da lagoa, uma jovem garota espera,
Ainda que ela acredite ser ela mesma etérea
Ela sorri tenebrosamente ao tocar de sinos distantes,

... E a chuva continua caindo.

Como se pode perceber, foi uma obra escolhida a dedo pelo pessoal da Vertigo para incrementar o LP, e que tinha TUDO a ver com a faixa-título do disco, propiciando o clima ideal para que qualquer roqueiro desavisado que se atrevesse a escutar "Black Sabbath" sentisse aquele frio na espinha... Além disso, como de praxe no rock a partir dos anos 60, a notória capa da bruxa foi de um êxito incrível ao não apenas dar um suporte visual à postura da banda, como também a incrementar as rodas de discussão sobre mensagens ocultas em capas de álbuns de rock - fãs do grupo, entorpecidos de ácido, "viajaram" na tal ilustração, e passaram a espalhar, aos quatro cantos, que era só prestar atenção e, como nas famosas imagens tridimensionais, você poderia ver figuras fantásticas e criaturas fantasmagóricas no bosque da bruxa. Uma lenda que só ajudou ainda mais a fama do Black Sabbath e que se perpetua até hoje, ainda que muitos desesperados tenham que apelar para lupas nestes dias atuais de minúsculas capinhas de CD...

Lançado em plena sexta-feira 13, do mês de fevereiro de 1970 (isso todo mundo já sabe...), o primeiro disco do Black Sabbath fez mesmo história. E não apenas pelos diversos fatos polêmicos que geraria e nem pelo impacto da novidade, mas também por fatores extremamente comerciais: quem diria que aquele disco, precariamente produzido e definido, por certos críticos musicais de então, como "música primária, feita por e para macacos", iria simplesmente desbancar das paradas inglesas o último álbum dos Beatles, o póstumo Let it Be, que já vinha há seis semanas na liderança absoluta? Pode parecer brincadeira, mas foi o que realmente aconteceu. E você pode imaginar a cara de Ozzy - um ex-fã babão de Beatles cujo destino parecia ser o de mendigo ou batedor de carteiras - quando a gravadora deu a notícia a ele e seus colegas.

Apenas alguns dias antes, ele havia chegado em sua casa, em Birmingham, parecendo o Coringa, inimigo do Batman: mais sorrindo do que tudo, as pontas da boca indo até as orelhas, carregando uma das primeiras cópias prensadas do álbum Black Sabbath, para mostrar à sua orgulhosa família. Já entrou para o reino da mitologia pop a frase que ele falou assim que abriu a porta: "PAI! MÃE! Olha só: É MINHA VOZ NUM PEDAÇO DE PLÁSTICO!!!" (apesar da lenda dizer que ele ligou para sua mãe e, por telefone, disse algo parecido). Após as risadas de praxe, seguiu-se a surpresa... e, é óbvio, a perplexidade, que parecia marcar tudo que o Black Sabbath fazia naquele tempo. Ao colocar o disco na vitrola para ouvir, o pai de Ozzy começou a ficar encucado com a voz do filho na gravação - ele não a reconhecia em momento algum. Primeiro, levantou-se da poltrona, foi até o aparelho e o observou detidamente, para ver se não estava com nenhum defeito de rotação. Olhou, olhou... e depois virou a cara para um desconcertado Ozzy e, em um típico tom zombeteiro, perguntou-lhe: "Você tem certeza que anda fumando só cigarros?". Apesar do tom de galhofa, era uma evidente premonição: se desdobrando em gigs intermináveis por toda a Inglaterra e outros países da Europa, como Alemanha, Suécia, Dinamarca e Holanda, em franco e crescente sucesso, Ozzy e cia. já começavam a travar contato com as substâncias químicas que os fariam perpetrar verdadeiras loucuras nos anos seguintes, direto do submundo dos backstages.

Por outro lado, nem tudo eram risos e deboche: Geezer Butler, na opinião de seus familiares, retornando para casa após a gravação do disco e alguns shows para promovê-lo, não parecia estar tão alegre ou satisfeito. Só que muito mais por problemas de convicção íntima e de ordem religiosa do que por qualquer outra coisa: o baixista, já bastante ligado em misticismo desde antes de sequer ouvir falar em Tony Iommi ou Ozzy Osbourne, e principal responsável pela mudança do nome do grupo, andava bastante "amarelado" com a imensa projeção que a aura de "magia negra" em torno de sua banda começava a tomar - um problema que iria aumentar em torno dos meses e anos seguintes em proporções estratosféricas. Sempre que um muito sério Geezer comparecia a shows e ensaios da banda e Ozzy o fitava na cara, a partir de então, não faltavam motivos ao vocalista para fazer piadinhas sobre Geezer: "Geezo inventou esse nome, mas agora fica aí se cagando de medo, hahahahaha...". Entretanto, as coisas ficariam tão sérias a partir do sucesso do primeiro disco do grupo, que logo todos os seus quatro membros começariam a ficar arrepiados.

As estórias ao redor do Black Sabbath nestes seus primeiros anos de prestígio e desbravamento do gênero "heavy metal satânico" são tantas e tão fantásticas que seria realmente preciso um livro só, inteiro, para relatar todas elas. Mas vamos tentar resumir tudo aos principais fatos.

Logo a partir dos primeiros shows que marcaram o lançamento do álbum Black Sabbath, um sem-número de pessoas vestidas de preto e ostentando enormes cruzes invertidas penduradas no pescoço começou a marcar presença com constantes aparições nas platéias, como se fosse um verdadeiro movimento. Inicialmente, o fato passou desapercebido pelos membros e empresário do Black Sabbath - entretanto, no decorrer das numerosas e bem-sucedidas gigs que se seguiriam, estas misteriosas figuras começariam a ser notadas. Sobretudo, em certos momentos: na execução ao vivo de "N.I.B.", por exemplo, até hoje um dos maiores hinos do Sabbath, no momento em que Ozzy cantava "My name's Lucifer / Please, take my hand" (Meu nome é Lúcifer / Por favor, tome minha mão), flashes de rostos ensandecidos em exaltação e berrando alucinadamente, com punhos levantados, começariam a se destacar no meio de público. Em uma reação anormal e cada vez mais estereotipada, também eram percebidos vociferando imprecações ao belzebu em meio a números como "The Wizard" ou a própria "Black Sabbath", especialmente no momento em que Ozzy se atrevia a repetir aquela famosa risada em tom diabólico que marcava um dos momentos lentos da canção. Certa noite, Tony inclusive comentou com Simpson, após uma apresentação em Kiel, em uma das noites do "Progressive Pop Festival" que lá estava ocorrendo: "Acho que estamos sendo levados a sério um pouco demais." Logo, tais suspeitas iriam ser mais do que confirmadas.

As datas marcadas não paravam: de uma só vez, fariam todo o circuito nobre do showbiz europeu, com apresentações no Marquee (ao lado do Gentle Giant em uma noite histórica), no Mothers Festival de Edinburgh, no Arts Centre de Cardiff (onde, já com um nome em alta, se redimiriam depois daquele fiasco de início de carreira), no Dunstable Civic de Essex e, logo mais adiante, no segundo semestre daquele ano, já estavam confirmadas duas apresentações no célebre Olympia, em Paris (performance esta que seria eternizada como um dos primeiros shows filmados do grupo). Não importava aonde fossem: onde quer que estivessem tocando, lá estavam as seitas ocultistas com os mesmos olhares vidrados, as mesmas roupas e cruzes de cabeça para baixo, prestando homenagens especiais ao som da banda em meio a toda a ovação geral. Conforme relatado no capítulo anterior, o final dos anos 60, com seu espírito libertário de novas tendências místico-religiosas e experimentalismos, havia abrido uma brecha virtuosa para que estilos de vida alternativos, indo contra os padrões estabelecidos, proliferassem. E se por causa disso tantas seitas satânicas despontavam, principalmente na Europa, agora, que surgia uma banda que tratava abertamente de temas melindrosos, como a presença do demônio sobre a Terra, e as influências de bruxos, magos e forças ocultas em plena ação no cotidiano, parecia que tudo se encaixava. Em suma, o Black Sabbath passava a ser tido como uma trilha sonora ideal para tal movimento!

Apesar de todos os calafrios que isso pudesse causar à primeira vista, um mérito deve ser dado aos satanistas que começaram a seguir o Black Sabbath aonde quer que fossem: foram eles os primeiros responsáveis pela projeção da banda na mídia e nas grandes manchetes da imprensa pois, até então, estavam restritos ainda somente às fiéis e numerosas hordas de fãs particulares, ao mesmo estilo de outra banda cult da época, o Led Zeppelin. Em maio de 1970, um artigo publicado no semanário musical Sounds, de Londres, chama a atenção para uma jovem bruxa, não identificada, que vai a todos os shows do Black Sabbath, os perseguindo por toda a turnê, pois os considera "guias espirituais" e "pregadores da palavra de uma nova ordem". Logo outras matérias na imprensa pipocam, atraindo amplamente a atenção de todo o Reino Unido e, por conseguinte, da Europa. Já em junho, em outra nota publicada no caderno de música de de um jornal especializado, o Disc, o correspondente Mark Stevens relata com galhardia o clima em torno da participação do Black Sabbath no famoso programa de rádio de John Peel, da BBC:

"Havia um sem-número de jovens senhoras do lado de fora dos estúdios Paris (onde o programa era gravado) aguardando a aparição dos "cavaleiros das trevas", e que me contavam, animadamente, que as cruzes invertidas desenhadas em suas testas eram uma indicação perfeita de como elas eram devotas do diabo. De revolucionárias de fim-de-semana a devotas do diabo de fim-de-semana... pode imaginar? No espírito da pesquisa que motiva cada movimento que faço em busca da notícia, irei entrevistar uma dessas devotas do diabo para esta coluna na semana que vem. E quem sabe ela tenha um "Eu amo Belzebu" tatoado nela? Descubra na próxima semana, aqui na DISC."

De uma forma irônica, Stevens relata a diferença entre o espírito revolucionário do final dos anos 60, em que protestos estudantis e hippies apareciam a toda hora (a referência a "revolucionários de fim-de-semana" ) e o espírito sem rumo dos novos tempos, em que a tônica parecia ser a divisão da juventude em grupos com interesses específicos, como o satanismo ("devotas do diabo de fim-de-semana"), nos dando um belo retrato daquela geração e da época em questão: a ascensão mal-assombrada do Black Sabbath ao topo da música pop.

Bem, poderia ser a maior propaganda negativa que um grupo de rock já tivesse conseguido - nem os Rolling Stones, com a sua "Sympathy for the Devil", de 1968, anos-luz mais ingênua que os sons do Sabbath, haviam chegado perto disso. Mas era propaganda: e passou a veder bem, no melhor estilo "falem mal, mas falem de mim". Logo, foi preparado o lançamento do primeiro álbum nos EUA - o Black Sabbath estava prestes a fazer a sua "invasão britânica". E, em meio a todos os boatos em torno da magia negra que girava sobre a banda, o disco Black Sabbath chegaria às lojas americanas com uma bela campanha promocional da Vertigo, sustentada pelos buchichos das revistas musicais inglesas, e vendendo muito bem para uma banda estreante. No final de 1970, chegaria a 5.º lugar na Billboard. Só um pequeno detalhe: no velho estilo conservador americano, a capa da bruxa havia sido barrada, e as primeiras tiragens americanas do disco sairiam com uma capa escura, só com uma cruz , o nome da banda e das músicas. Apenas nas reedições dos anos seguintes é que os americanos conheceriam o trabalho de arte original do LP.

Enquanto isso, para a banda, a barra começa a ficar cada vez mais pesada...

Em uma tranquila noite de agosto, após tocarem para um público de 1.200 pessoas em Leicester, o empresário Jim Simpson recebe, em seu escritório, um misterioso telefonema de uma senhora que se intitula "Madame Svetla". De forte sotaque germânico, a tal Mme. comenta o quão excitante é o som do Black Sabbath e como a performance dos rapazes é insuperável, logo se pronunciando a líder de uma seita satânica que gostaria muito de tê-los tocando em um evento a ser promovido - uma espécie de encontro em Hamburgo dali a um mês, uma reunião de grupos ocultistas de várias partes do mundo. Em outras palavras, uma "convenção de bruxos" mesmo. Simpson fica meio espantado com o tal convite, mas como empresário que é, se prontifica a contatar o grupo para marcar a data. E quem disse que eles topariam ir...

Geezer é o primeiro a esbravejar com Simpson. Irritado, o baixista argumenta que "esse negócio já está indo longe demais", seguido por Tony. Bill fica mais na dele, mas perguntado, mostra também certo descontentamento em aceitar a proposta. Ozzy, assustado com aquilo tudo, e um pouco travado por causa de inúmeros brandies que ele vinha bebendo com Bill desde a passagem de som à tarde, se limita a dizer: "É, não acho que seja legal." Para meninos pobres de Birmingham, vindos de um lugar conservador e humilde como aquele, era uma idéia que realmente soava um pouco forte demais à primeira vista - serem levados a sério como porta-vozes dos adoradores do diabo! A bem da verdade, tinham todo um visual desleixado (roupas, cabelos, barbas e bigodes) típico da época, mas nem bichos-grilos eles eram! "Acho que nossa música é uma reação a toda essa merda de paz e amor que ficam falando por aí. Se você olhar bem, o mundo não é bem isso!", havia dito Ozzy, em uma de sua primeiras e famosas declarações abertas, na semana de lançamento do primeiro LP.

Diante da recusa da banda, noticiada por Simpson a Mme. Svetla, o inferno estava traçado. Possessa (sem trocadilhos!), a bruxona mandou ver uma terrível maldição a todos os membros da banda, primeiramente passada por telefone a Simpson mesmo, e posteriormente, aos seus próprios integrantes, já que seguidores da seita descobriram seus números de telefone e passaram a ligar incessantemente. Diziam que todos eles iriam morrer em acidentes horríveis na estrada. Que perderiam para sempre o talento para fazer música. Que seriam abatidos por desgraças terríveis - familiares, inclusive. Em suma, que iriam muito brevemente encontrar a danação total, por haverem tido coragem de recusar tal oferta de renderem um tributo a seu senhor Satã, o Lorde da Trevas...

Aquilo deixou os nervos da banda em frangalhos. Apesar da vida continuar, e todos terem que prosseguir em ensaios, shows, entrevistas e o escambau, era visível a situação tensa que os integrantes da banda passaram a viver. Geezer começou a se aprofundar ainda mais em seus estudos sobre misticismo, chegando a concorrer com Jimmi Page e Ritchie Blackmore, outros supersticiosos famosos, em manias e simpatias de camarim. Não menos que umas trinta vezes foi visto caregando sacos de velas e incensos aonde quer que a banda fosse tocar, ao ponto de sua patética obsessão em realizar orações e intenções para afastar as influências do mal sobre a banda chegasse às raias da paranóia. Bill foi outro que ficou sobressaltado - o baterista se lembra de ter ficado quase quatro noites ligado direto naqueles dias, sem dormir um só segundo, achando estar ouvindo barulhos estranhos e com medo de adormecer e morrer durante o sono, vítima de uma causa qualquer. Assombrado, ele se encharcava de drogas ainda mais do que qualquer de seus colegas, numa inútil e malfadada tentativa de amainar o medo que sentia. Como todos devem saber, o consumo de entorpecentes, como a maconha (que passou a ser a droga n.º 1 no cardápio da banda, a partir de então) e certas pílulas downers (tranquilizantes) podem intensificar, ao invés de amenizar, os efeitos alucinógenos de uma bad trip induzida pelo estado de pânico. Bill passou a ser visto por todos, princpalmente nessa época, como uma "chaminé de marijuana ambulante" nos backstages...

Tony, o mais frio e calmo de todos, era o que procurava menos se preocupar com as más impressões deixadas pela tal seita. Concentrava-se logicamente em todas as possibilidades de maus acontecimentos, tentando descartá-las, ao mesmo tempo em que fumava unzinho pra relaxar entre um show e outro e, obcecado, buscava riffs na guitarra para o novo repertório da banda. A cada telefonema, no entanto, a tranquilidade ia embora, e o guitarrista só voltava a respirar aliviado uns cinco segundos depois de titubeantemente atender a chamada.

Para Ozzy, no quesito telefone, a situação havia ficado bem mais dramática. Apesar de ser eternamente considerado o "doidão", o "porra-louca" da banda, o lado sensível do vocalista aflorou bastante nesta época, e as crises de choro por conta do medo vivido diante das ameaças que passaram a rondar a banda não foram poucas. Chegou a ficar várias semanas longe de telefones, sofrendo uma verdadeira crise do pânico. Em uma crise etílica, após chegar em um quarto de hotel para um show do Sabbath em Brighton, arrancou o aparelho da parede e o atirou longe pela janela, quase acertando em cheio um transeunte que passeava por ali com sua cadelinha. O consumo de drogas do cantor também aumentara assustadoramente.

Durante uma de suas visitas à casa dos pais, em Birmingham, o papai John Thomas não pôde deixar denotar o estado lastimável em que se encontrava o seu filho mais querido e sentou-se com ele para uma conversa, perguntando seriamente o que estava acontecendo. Após o relato transtornado do filho, ele se levantou e disse: "Vocês têm que ter fé. Precisam claramente de uma proteção, mas nada vai adiantar se não tiverem fé", e saiu. Dali a algumas horas, ele voltou de dentro da pequena oficina particular que ele havia montado em sua casa, trazendo um reluzente presente para Ozzy: uma pesada cruz de alumínio, feita para ser carregada em uma corrente, no pescoço, e segundo John Thomas, "para afastar todos os espírito maus que se atreverem a se aproximar". Dali a alguns dias, os outros membros do Black Sabbath estariam voltando a Birmingham, para uma visitinha à casa dos pais de Ozzy, onde ganhariam também, cada um deles, uma cruz igual, no mesmo estilo, para defendê-los de todo o mal e fortificarem sua fé. Em uma recente entrevista, Bill Ward revelou: "Foi um dos melhores presentes que já ganhei em minha vida. Estávamos passando por um estado tal de paranóia que eu simplesmente não sei o que poderia acontecer se continuássemos daquele jeito. Até hoje eu tenho a minha cruz, guardada - ainda a que o pai de Ozzy fez pra gente! Se transformou em uma espécie de amuleto, para todos nós, acredito... Já o Ozzy, bem, ele apanhou uma mania tão grande de usar cruzes no pescoço, que agora ele já anda por aí com umas cruzes de 14 quilates!".

As perseguições das seitas satânicas, entretanto, não paráram por aí, e ainda iriam se intensificar mais, como veremos a seguir - especialmente após o lançamento do álbum seguinte, que a Vertigo já vinha cobrando, para capitalizar em cima do sucesso crescente da banda. No comecinho de agosto, o Black Sabbath entraria no estúdio para começar as sessões de gravação de seu segundo LP, aquele que se tornaria o seu mais famoso trabalho, e considerado, até hoje, a sua "obra-prima".

Antes disso, no entanto, um outro incidente marcaria a memória dos membros da banda, a ponto de ser imortalizado em uma das próximas canções: após um concerto em Dusseldorf, na Alemanha, ao deixarem o salão onde haviam se apresentado, foram abordados por um grupo de jovens skinheads que passaram a olhá-los desafiadoramente. No melhor estilo "carecas do subúrbio", a gangue toda calçava botas militares, coturnões mesmo, e ameaçava hostilizar os membros da banda, debochando dos cabelos e indumentária deles - é notório o ódio que os skinheads sempre tiveram dos hippies, e esse era exatamente o visual que o Black Sabbath ostentava na época, com suas longas cabeleiras desgrenhadas. "Aposto como ao rasparmos essas jubas com lâmina enferrujada eles vão gemer e chorar como as verdadeiras mariquinhas que são!", arrotava um dos líderes da gangue, enquanto Bill, em ponto de bala, já levava a mão ao bolso onde estava uma velha corrente que ele carregava. Geezer também olhava furiosamente os caras e Tony tentava contornar a situação sem dar muita atenção para as ofensas. Entretanto, quando Ozzy chegou lá fora, a usual garrafa de Chivas Regal em uma das mãos, a confusão estava armada: foi aquela enxurrada de palavrões de corar até um Eddie Murphy...

A esta altura, Simpson já havia notado a confusão e saiu correndo para o local com dois road managers brutamontes que estavam com eles na época, enquanto o dono do salão ligava para a polícia. No final das contas, depois de algum "deixa disso", as sirenes das viaturas ao longe já se faziam ouvir e a turma de neonazistas se dissipou - mas não sem ter arrastado, em meio a toda a confusão, parte do equipamento do Black Sabbath, enquanto eles se distraíam com a confusão. "Nazistas filhos da puta, então é isso na verdade que eles queriam mesmo: era só pegar uns amplificadores pras suas farrinhas em ode a Hitler!", berrara Ozzy.

Semanas depois, em um pub em Londres, enquanto derramava uns goles em companhia de amigos, Ozzy contara o caso, obviamente aumentando todas e quaisquer vantagens para o seu lado, numa verdadeira narrativa de pescador: ele havia esfaqueado um e quebrado a cara do outro ao mesmo tempo, enquanto pisava no pescoço de um terceiro e etc. Claramente mamado, foi alvo das risadas de toda a roda que se juntava diante dele para ouvir a estória, e recebeu o seguinte comentário de alguém: "Quié isso, Ozzy? Isso não existe! Esses caras não existem! É tudo pura mentira!". Ao que Ozzy prontamente retrucou: "Claro que existem! Eles existem, tudo existe! Até duendes existem, e vou te contar: eles usam botas...".

Parte 5 - Reis da América

"Nunca vou me esquecer do adiantamento que recebemos pelo primeiro disco. Foram 105 pounds, e eu nunca havia ganhado tanto dinheiro em toda minha vida. Fui direto comprar uma camisa nova e a maior garrafa de Brut que encontrei. E o resto do dinheiro dei para meus pais."

Assim um bem-humorado Ozzy Osbourne descreveria a sensação que o primeiro álbum do grupo desencadeara, a um semanário inglês em 1972 - não só nele, mas em todos os outros membros da banda. Black Sabbath, o disco, era um monstro que havia criado vida própria nas paradas de sucesso inglesas e européias, e relegado dinheiro e alguma fama - não muito ilustre, a bem da verdade - àqueles quatro garotos miseráveis de Birmingham, em uma escala bem maior do que eles jamais poderiam imaginar.

"De repente, recebíamos da Vertigo um adiantamento que era mais libras em nossos bolsos do que jamais poderíamos juntar em seis meses de apresentações - seis meses das piores e mais duras turnês que fazíamos no começo!" - diz Tony - "Aquilo tudo era como um sonho, que estava se realizando ali, na nossa frente."

Exatamente por isso, por causa da realização desse sonho, e para que se desse a sua perpetuação, é que a banda não podia parar - e tinha que continuar com gás total. Foi no clima de sucesso e alta polêmica que o primeiro LP estava gerando que foram marcadas e executadas as históricas sessões de gravação do disco seguinte.

Programado para se chamar War Pigs, o segundo LP do Black Sabbath se concentrava ao redor de uma enorme peça do mesmo nome, quase uma suíte metálica com diversas mudanças de andamento, formada por uma sólida marcação de ritmo marcial (lembrando as marchas militares tocadas nos quartéis), que a certa altura descambava para uma elucubração de inspiração jazzística tocada com uma garra e peso sem precedentes, enquanto Ozzy lançava seus lamentos berrados em cima de tudo. Em certo momento, todo o caos sonoro dava lugar a um feixe repleto dos solos mais hipnóticos que Tony Iommi já produziu - psicodélicos e sorumbáticos como tudo de melhor que a banda fazia naqueles dias, e que determinava o clima de pesadelo em que se desenvolvia essa música, prevista para ser, portanto, a faixa central do álbum. Vinha sendo testada já nos últimos cinco shows ao vivo do Sabbath, embora a letra ainda fosse um enigma a ser desvendado em estúdio mesmo, horas antes da gravação, pois ainda não havia sido definida e Ozzy cantava algo diferente em cima da música a cada momento - algo que, mesmo após todo o sucesso da canção, não mudaria muito em diversos shows realizados durante o período 1970-1975, dada a mente do madman estar sempre torpedeada pelas mais diversas substâncias imagináveis, tornando impossível a memorização de tudo aquilo que se eternizaria em vinil.

De qualquer forma, e com qualquer letra que fosse, "War Pigs" (Porcos de guerra) era uma crítica aos senhores da guerra, aos homens que comandam milhares em pelotões lançados à morte nas linhas de frente enquanto eles mesmos, protegidos pela hierarquia do exércitos, se mantêm resguardados nas elites militares e em seus quartéis. Em determinado ponto da música, a letra pega pesado, e não só nos oferece visões de generais se arrastando pelos campos de batalha ("On their knees war pigs crawling...") e implorando perdão enquanto são subjugados pelo demônio ("Satan, laughing, spreads his wings..."), como também critica as tropas, consideradas reles peões de xadrez na mão dos poderosos ("Treating people just like pawns in chess"... ).

Lembremo-nos de toda a situação política da época, com o conflito envolvendo Estados Unidos e Vietnã, e notaremos que um Black Sabbath bem politizado estava vindo à tona nesta canção, criticando duramente as engrenagens do poder e da guerra, e fazendo uma clara alusão a todo o sentimento coletivo e contracultural de milhares de jovens que estavam já indo às ruas, fosse no Tio Sam ou em qualquer outro lugar, com cartazes de protesto nas mãos e palavras de ordem nas bocas, clamando pela paz e pelo fim da guerra. Neste sentido, podemos dizer que, mesmo indo na contramão da História, e de todos da fauna e flora bicho-grilo que protestava de uma forma mais cândida e serena no meio de todo aquele clima de confusão do início dos anos 70, o Black Sabbath estava protestando do seu jeito, disparando sobre tudo uma visão bastante ácida e crítica dos acontecimentos da época. Tony Iommi mesmo confessaria, anos depois:

"Muitas pessoas vivem me perguntando o que significa a figura na capa do disco. O que aconteceu foi que o ábum era para ser chamado de War Pigs, então tínhamos feito esta capa com um cara munido de escudo, capacete e espada, um verdadeiro soldado partindo para o ataque com uma expressão alucinada no rosto, representando tudo que está lá, na música. No entanto, depois, o título foi proibido, e tivemos que manter a capa original. Todos sabem, todos se lembram... na época, o negócio do Vietnã era um assunto tabu, um lance meio que proibido de se falar... todo mundo queria estar presente no mercado americano, e ele ainda nem havia abrido suas portas direito para nós. Mas nós realmente QUERÍAMOS muito que o álbum tivesse sido batizado em sua concepção original, queríamos meter o dedo na ferida e fazer aquela crítica. Era o que todos queriam na época: dar sua posição sobre o que estava acontecendo, oferecer o seu ponto de vista."

É isso aí. Ainda que "War Pigs" pertencesse à famosa vertente de músicas do Black Sabbath que tocam no nome do "chifrudo" e possuem referências à influência maligna das forças das trevas sobre o nosso mundo, esse não era, nem de longe, o verdadeiro motivo para que fosse censurada pelo pessoal da gravadora.

A Vertigo Records, inicialmente, tentou fazer a cabeça dos rapazes para que "War Pigs" não fosse nem lançada. Entretanto, isso era demais: era consenso entre todos que aquela era uma das melhores e mais fortes composições que eles já haviam feito, e só pensar em propôr tal coisa a Ozzy iria certamente resultar no fim prematuro do Sabbath na Vertigo (que, com todo o sucesso deles, definitivamente não desejava isso). O próprio produtor da banda, Roger Bain, se rebelou, tachando tal atitude de "crime artístico". Bem, então como não dava pra tirar a música, que o seu destaque fosse ao menos minimizado. Além de retirar o seu nome da capa do LP, que ela fosse jogada para uma posição de terceira ou quarta faixa no lado B do vinil, com um outro nome, talvez - algo diferente, um pouco mais "ameno". "Nem pensar - o lugar dela é abrindo o disco, no lado A", foi o posicionamento de Jim Simpson, representando Tony e Ozzy, em uma reunião com alguns executivos da Vertigo, duas semanas antes do lançamento do álbum. E, depois de muita discussão, afinal, foi decidido que tudo bem, mas com uma ressalva: se nas primeiras três semanas de vendagem nos EUA, o álbum não fosse além de um certo número "X" de cópias previsto numa cláusula pela Vertigo, então todas as tiragens seguintes do disco seriam prensadas do modo deles, fazendo as alterações (censuras) necessárias.

Durante as gravações do LP, no entanto, ficou bem claro que o disco não seria só "War Pigs", no entanto. Muito pelo contrário: é o disco, até hoje, que concentra o mais brilhante conjunto de composições do catálogo da banda. Estão lá clássico após clássico: "Iron Man", "Fairies Wear Boots", "Planet Caravan", "Electric Funeral", "Hands of Doom"... além, é claro, de "Paranoid".

A estória por trás desta bombástica pequena obra-prima - com os seus 2:45, foge totalmente aos padrões das grandes viagens do heavy metal! - é folclórica. Iommi gosta de brincar, até hoje, que se o primeiro álbum do Black Sabbath não gastou mais de dois dias para ser gravado, o segundo demorou "bem mais": quatro dias. O que acontece é que o esquema de trabalho da banda, naqueles tempos, era o mesmo sempre que se reuniam para gravar: Tony e Geezer chegavam com alguma coisa que tinham em mente e passavam a Bill e Ozzy, para eles irem pensando em percussão e letra, respectivamente. Poucas horas (ou mesmo minutos) depois, as idéias eram discutidas, as peças iam se encaixando, e começavam longas jam sessions em que as contribuições dos quatro iam tomando forma e lugar, até que todos gostassem do que estavam ouvindo. "Paranoid" foi o resultado de uma dessas jams, justamente a última que realizaram para o disco, originada de uma parte rápida em que Tony e Geezer vinham trabalhando e na qual foi acrescentada uma levada acelerada e estonteante de Bill. Ozzy começou a improvisar em cima, com uma letra que era a reminiscência do que ele havia sentido ao romper com uma garota com quem tivera um pequeno caso ainda em Birmingham, um pouco antes da segunda turnê do Earth a Hamburgo - um fim de namoro que deixara o vocalista abalado, e o fizera tomar um porre sensacional quando da chegada a Hamburgo, deixando todos que o viam com a impressão de que estava "paranóico", e realmente transtornado. Suzy, a moça em questão, vivia reclamando que Ozzy "não se acertava" nunca, e com um comportamento animalesco daqueles, nunca chegaria a ser um pop star, deixando o vocalista profundamente magoado. "Finished with my woman / 'Cause she couldn't help me with my mind..." (Terminei com minha mulher / Pois ela não podia me ajudar com minha mente...) começava a letra, que era uma transposição, feita para o relacionamento marido / esposa, deste antigo relacionamento de Ozzy.

A tal "parte rápida" da jam, já apelidada de "Paranoid" por todos assim que Ozzy terminou de cantar, foi composta em não mais que cinco minutos apenas, e o engenheiro de som que pilotava a mesa naquela noite, Tony Allom, propôs que a tocassem novamente para que ele pudesse gravá-la de modo adequado, mas só a tal parte rápida, fazendo dela uma "canção inteira", separada do resto da jam e das improvisações. Assim deveria ser pois já tinham muito material para o álbum, e talvez aquilo pudesse ser usado só para preencher um espaço - "sabe como é, uma brincadeirinha só pra encher lingüiça em um dos lados, A ou B", disse Allom. Tony e Geezer, então, bolaram rapidamente aquela esperta introdução, fizeram sinal para a entrada da batera de Bill, e... PAU!

Saiu como saiu. Em menos de três minutos, a "brincadeirinha" estava gravada e pronta para ser, para toda a posteridade, um dos mais célebres clássicos eternos do rock pesado.

"Paranoid", a música, exerceria uma influência tão grande sobre a música pop, em geral, que até bandas punk, como toda aquela geração revoltada e "básica" do final dos anos 70, reverenciaria o Black Sabbath (pelo menos o daqueles primeiros discos) como uma banda "legal", e acima de qualquer suspeita, sem qualquer estrelismo... gente como The Damned e outros chegavam mesmo a tocá-la como aquecimento, nas passagens de som de suas apresentações e em shows, tal a energia que a música passa.

No final das contas, terminado antes da metade de setembro de 1970, o disco foi ouvido pelos cabeças da Vertigo e, diante de toda a briga por causa da faixa-título, a maioria deles se apaixonou por "Paranoid", e a elegeu o carro-chefe do LP e a música a dar título para o mesmo. Num primeiro momento, Geezer, ao ser informado da decisão, levou tudo em tom de galhofa, falando para Ozzy: "O quê?!? Estão brincando? Agora, se fizermos "hip-hip-hurrah" no estúdio, eles vão querer lançar como single também???".

A verdade foi essa. Apesar de ser uma espécie de "hino oficial" do Black Sabbath, meio que a contragosto deles - como Bill que, por exemplo, considera "Black Sabbath" a música oficial da banda - "Paranoid", na época, foi considerada meio "simples" demais e até ridícula para ser lançada como faixa-título do segundo trabalho da banda. Houve até quem achasse que era uma canção "comercialóide" demais para os padrões do Black Sabbath - como Tony Iommi, fumando mais erva do que tudo e então imerso nos climas alucinógenos e sombrios de coisas como "Planet Caravan" e "Electric Funeral". "Penso que estão querendo nos fazer de banda do Top of the Pops", disse Tony, num comentário irônico, a um dos donos da Vertigo antes do lançamento do disco, numa referência ao programa da TV inglesa que lembrava o antigo Globo de Ouro da televisão brasileira, em que os astros populares consagrados dublavam os seus sucessos numa apresentação bem cafona... Mal imaginava Tony que o compacto de "Paranoid" os levaria, justamente, para a sua primeira apresentação diante do grande público inglês na TV, em novembro daquele ano, justamente no... Top of the Pops!!!

Chega outubro de 1970, e Paranoid, o segundo álbum do grupo, é lançado. E que lançamento: o disco praticamente escoa das prateleiras de todas as lojas do mundo para os toca-discos de milhares de fãs no mundo inteiro. Nos EUA, a reação não é diferente, e já sinalizando o interesse que os americanos teriam pela banda, da qual já vinham ouvindo falar através dos rumorosos buchichos da imprensa britânica, consomem Paranoid como se fosse Coke: chega a disco duplo de platina na América, pouco após atingir a mesma posição na Inglaterra, conquistando o nunca antes imaginado primeiro lugar da Billboard. Pronto, o mercado americano estava conquistado. Até o final daquele ano, o primeiro álbum da banda seria lançado também em sua versão americana, e até dezembro, receberia também a primeira posição, e o disco duplo de platina, confirmando a inevitável ascensão do Black Sabbath na terra de Tio Sam - e, por conseguinte, no mundo inteiro. De repente, não havia mais Led Zeppelin, não havia mais Blind Faith, ou Deep Purple. O lance do momento era o Black Sabbath - só se falava neles. Todo mundo comentava era sobre eles. Ozzy, Tony, Bill e Geezer foram à loucura. Aquilo era demais - eles estavam, por assim dizer, realmente no topo do mundo. Datas marcadas em todos os lugares: de Boston a Los Angeles; de Estocolmo a Paris; de Londres a Nova Iorque. Nos palcos, a banda prossegue imbatível, com performances avassaladoras. O dia 20 de dezembro está marcado no Olympia de Paris, com um contrato com a rede de TV inglesa Granada para que o show fosse filmado, focalizando a clássica apresentação da banda, enérgica e visceral, naqueles tempos áureos - o que originaria o filme Black Sabbath - Live in Paris, o primeiro documento visual do quarteto.

Ozzy, cada vez mais em Londres com os outros integrantes, e portanto cada vez mais distante de sua querida família, ao saber do êxito de Paranoid nos charts americanos, sai com dois amigos, enche a cara com três doses duplas de White Horse, e liga para seus pais: "Somos reis na América agora!!!". Em seguida, liga para uma atônita secretária dos escritórios da Vertigo, em Londres mesmo: "E aí, amorzinho, que tal sair com o rei do mundo agora? Ah, aproveite e diga aos bundões aí que eles PODEM COMER AQUELE CONTRATO COM A CLÁUSULA DA PRENSAGEM...". Era a bastante peculiar vingança de Ozzy da tal cláusula que previa a reestruturação estratégica do álbum Paranoid caso fracassasse em solo americano...

A tal capa do soldado de espada ainda estava lá, no entanto. Ozzy não deixa por menos e, em uma entrevista concedida após a cerimônia de entrega do disco duplo de platina pelas vendas de Paranoid ele comenta sarcasticamente: "O que diabos um cara vestido de soldado tem a ver com estar paranóico (Paranoid), eu não sei. Acontece que a banda não teve muita interferência no processo de criação da capa do disco, apenas reprovando ou aprovando a arte final. Só que não houve tempo de mudar." A mensagem, entretanto, estava bem clara - bastava ao ouvinte abrir o invólucro de plástico do LP e pôr a bolacha preta para rodar, já ali, em sua primeira faixa. "War Pigs" se tornaria uma das preferidas do público em todos os shows seguintes da banda, e outra presença constante e obrigatória em todas as suas apresentações, fazendo com que até nos esqueçamos que o disco não se chama War Pigs. Black Sabbath, 1 X gravadora, 0.

As tais zicas com seitas satânicas continuavam. Entretanto, em proporção menor. E agora, pelo menos, a atitude da banda já era outra, sem aquela inocência de antes, quando haviam sido pegos de surpresa pelo impacto da fama. Era uma atitude mais madura - para não dizer maliciosa e extremamente sacana, galhofeira. Após um dos shows de lançamento de Paranoid, em Bath, na Inglaterra, por exemplo, Ozzy se retira para as coxias e é interceptado por duas groupies de look devasso, que têm cruzes invertidas inscritas em suas têmporas. Ambas o fitam assustadoramente, com olhares vidrados. Ozzy pensa na hora: "esse maldito speed ainda mata essas meninas uma hora. Pobres coitadinhas, vítimas do ácido...". Uma das garotas lhe dirige a palavra: "Somos duas enviadas da seita de Azrath, de posse do poderoso e glorioso Lúcifer, e estamos aqui, em nome do Senhor das Trevas, para lhe reverenciar, ó astro maravilhoso!". Ozzy dá uma boa olhada para a moçoila, de cima para baixo: belos cabelos, que olhos, que peitinhos... e que ancas, essas pernas maravilhosas... Ele olha para a outra, uma loira apetitosa. O mesmo esquema. Não lhe restam dúvidas. "Pois bem, garotas. Venham comigo para a reverência, então...".

A partir dessa época, não são poucos os relatos de orgias mil na estrada: o Black Sabbath adentra o mundo libidinoso do rock setentista, a ponto de competir com o Led Zeppelin e outras sumidades nesta categoria durante os anos seguintes. Várias "bruxinhas" como aquelas de Bath - invariavelmente tietes loucas de erva ou que topavam tudo para passar algum tempo com seus ídolos - passariam a ser vistas fazendo alguns belos "trabalhos de sopro" em Ozzy antes e após os concertos da banda, nos bastidores. Isso quando o vocalista não resolvia levar duas, três, ou mais delas, para verdadeiros bacanais alucinados em quartos de hotéis. Esse acabou sendo, na esmagadora maioria das vezes, o destino que as tão conclamadas "adoradoras de Satã" que seguiam o Black Sabbath acabaram tendo, ao longo da década de 70.

Noutra feita, uma garota histérica ligou para o escritório da banda em Londres. Bill atendeu. Ela se dizia uma maga que gostaria de fazer parte da "doutrina sombria" do grupo. "Pois não. Tens amigas que também queiram fazer parte?", perguntou Bill. Positivo. "Venha cá então. O endereço é tal, tal... Ah, e não se esqueça de trazer as velas!". Meia hora depois, dois táxis estacionam na frente do QG montado pela Vertigo para a banda, um após o outro. Deles saltam sete beldades dispostas a tudo. Roupas todas de couro, escuras - "bruxinhas" com pinta de ninfomaníacas. São recebidas por Bill, Ozzy, Geezer, e um assistente de publicidade do grupo, que andava com eles na época. Bill encara uma das garotas e lhe pergunta: "E aí, se lembraram de trazer velas?". As luzes do local são apagadas e apenas luzes de velas iluminam o ambiente, enquanto os quatro vão bolinando as garotas, uma a uma, já quase totalmente despidas, dando início a um verdadeiro "ritual". Bill pega uma vela, uma das mais grossas, e põe na mão de uma das meninas. "Agora mostra aí pra gente... como se enfia direito uma vela no...". Ozzy e os outros ficam alucinados vendo a cena ali, à meia-luz, a garota se masturbando com aquela vela grossa, enquanto as outras boqueteiam todo mundo. Após a "introdução" do culto ali feita, Geezer pega a garota que fez a performance da vela e se retira para um dos recintos, se propondo a desempenhar o papel que fora da vela. Todos riem, dando belas gargalhadas e volumosos goles de Martini. Anos 70, sem dúvida...

A banda desembarca nos EUA e, durante a investida em solo ianque, percorrem Nova Iorque, San Francisco, Los Angeles, Long Island, Cincinatti e Boston, entre outras. Ficam impressionados, especialmente Ozzy e Bill (irmanados na beberragem e na porra-louquice), com o despojamento das groupies americanas, que já vão transando sem qualquer cerimônia. Uma dessas animadas garotas, após fazer sexo com Ozzy em pé, detrás de um amplificador enquanto a banda passava o som para o show da noite, tira da bolsa um baseado grosso como um charuto cubano e o oferece a Ozzy, alegando que é a melhor erva que ele jamais fumou em sua vida. "Uaaaaau!" - o vocalista quase enlouquece com o tamanho e a pureza daquele joint descomunal.

Se por um lado, as coisas iam bem no sentido fama-mulheres, o mesmo não podia ser dito do quesito dinheiro. Bem, não exatamente no tocante à parte lucrativa, pois os membros do Black Sabbath estavam a um passo, ou menos do que isso, de se tornarem os novos milionários ingleses do rock. O problema era o empresariamento - uma pedra no sapato da banda durante toda a sua carreira.

Um pouco após o lançamento de Paranoid, Tony é aconselhado por um amigo a pedir de Jim Simpson uma prestação de contas formal de tudo o que já havia sido ganho e gasto pela banda até ali. Ao se deparar com toda a papelada, ele se surpreende ao notar que uma grande parte dos gastos ali descritos com roadies e equipamentos não condizem com a realidade, e mostra as notas a Geezer, que também fica atônito. Então, uma noite, após um concerto em Bristol, os quatro resolvem ter uma reuniãozinha com Simpson para discutir os negócios. A desculpa é a de que querem traçar planos para os próximos discos e turnês - entretanto, Tony, Ozzy, Bill e Geezer já sabem, ao adentrarem com Simpson o pequeno salão do hotel onde estão hospedados, que estão decididos a dispensar os seus serviços, conforme a desculpa que ele dê para o sumiço de uma grande soma de dinheiro dos cofres da banda. O esquema amador - e nebuloso - de agenciamento de Jim Simpson estava agora difícil de ser suportado.

O empresário tenta sair pela tangente várias vezes, e com a sua típica diplomacia ferina e conversa calma, tenta enrolar os rapazes da banda com explicações sobre os custos de se agenciar uma banda como o Black Sabbath - sobre ter que viajar daqui para ali, arcar com despesas de pessoal, manter uma assessoria de imprensa etc. Em suma: além de justificar todo a alta grana que vinha consumindo do income do Sabbath, Simpson ainda aproveita para alertar os rapazes sobre o aumento de sua fatia no bolo, que julgava ser inevitável com o crescente sucesso do grupo! Aquilo revoltou Ozzy, que no final das contas, já não estava mais com a cabeça para tanto papo furado e começou a agredir Simpson verbalmente, iniciando uma pequena confusão. Pelo menos Bill e Geezer ainda mantiveram a cabeça no lugar, e seguraram o cantor, impedindo que ele avançasse em Simpson. Este, irritado, berra com eles: "Vocês nunca vão arranjar alguém como eu!", ao que Tony responde: "Encerrado, Jim. Fim de conversa: você está fora." Até o final de novembro, eles chegariam a um acordo financeiro sobre a saída de Jim Simpson de cena, com a ajuda de advogados. O empresário, no entanto, ainda acabaria levando a banda à corte no ano seguinte, alegando ter sido prejudicado nas negociações. Era só o começo das longas dores de cabeça que o Black Sabbath ainda teria por causa não do heavy metal, mas do vil metal.

São contratados, então, para cuidar dos negócios da banda, Patrick Meehan e Wilf Pine, dois profissionais que já haviam trabalhado com diversas bandas pop e rock inglesas, e que eram conhecidos do pessoal do Savoy Brown, uma banda de blues pesado de quem Ozzy e cia. haviam ficado amigos desde uma digressão conjunta, ainda no início de 1970, em Edmonton. O audacioso Meehan seria um dos responsáveis por tornar conhecido, no mundo do rock, o esquema "Black Sabbath" de se trabalhar: turnês incessantes e intermináveis, o direcionamento total de interesse nos álbuns, relegando singles a um plano inferior (assim como o Le zeppelin fazia), e a promoção baseada na imagem satânica da banda, mas não de um modo explícito, escancarado - mas sim, simplesmente sugerido, o que se pode notar a partir dos trabalhos gráficos do logo da banda e da capa de Sabbath Bloody Sabbath, de 1973.

Uma das primeiras atitudes de Meehan ao assumir o cargo é providenciar alguns promos para o Black Sabbath, os chamados "vídeos promocionais", que seriam os avós dos videoclips como hoje os conhecemos - pequenos filmes com imagens da banda tocando alguns de seus sucessos, para serem veiculados pelos grandes canais de TV de todo o mundo. Uma idéia arrojada para a época, bancada apenas pelos astros de música que tinham mais dinheiro, mas já bastante eficiente para um artista se fazer presente em terras bem além de suas fronteiras, onde dificilmente teria chances de ser chamado para tocar. Como sustentava Meehan, a divulgação da imagem de um grupo é algo importante - o que ficaria claro com a gravação do show em Paris no mês seguinte, ainda que em esquema amador, com câmeras Super-8. Logo após a apresentação do Sabbath tocando "Paranoid" no Top of the Pops do canal da BBC, que teve uma excelente audiência no Reino Unido, Meehan escolheu duas canções do álbum para produzir os clipes: a própria "Paranoid" e a fantástica "Iron Man" - uma canção inspirada em contos de ficção científica que, com seu riff cortante, falava sobre a incrível saga de um homem que prevê o apocalipse e, após ser desprezado por todos à sua volta, domina o mundo e se revela o próprio causador da destruição. Poucos sabem, mas a idéia original de Tony ao compor "Iron Man" era a de se produzir, em cima da canção, uma verdadeira ópera rock, aos moldes de Tommy, do The Who, ou a suíte Atom Heart Mother, do Pink Floyd. A idéia, no entanto, diante do gritante desinteresse de Ozzy, bem como da gravadora, não vingou.

No final de novembro, então, são exibidos em rede nacional, na Inglaterra, Alemanha e nos Estados Unidos, os vídeos promocionais de "Paranoid" e "Iron Man", em diversos programas de variedades e musicais. Ao assistirem ao resultado, os integrantes da banda se surpreendem: exibidos até os dias atuais na MTV e conhecidos como "os clipes psicodélicos do Black Sabbath", os vídeos haviam sido gravados com a então novíssima tecnologia do vídeo-tape, e mostram a banda tocando sobre um fundo repleto de imagens lisérgicas em movimento, como banhos de cores e uma modelo de feições andróginas, bem ao estilão da época. Ozzy veste roupas de couro, enquanto Bill esmurra um kit-miniatura de bateria que causa risos e espanto nos que hoje assistem a estas "jóias". Apesar da reação inicial de estranhamento ao acabamento dos clipes, que nada têm a ver com o que as letras das músicas falam (bem, "Penny Lane" e "Strawberry Fields Forever", dos Beatles, também não tinham!), Ozzy dá o seu aval e comenta com Geezer: "Legal. Imagina só a bela trip que os pirralhos por aí podem ter assistindo a isso após umas belas tragadas...".

Em dezembro, se dá o histórico show em Paris eternizado no filme Black Sabbath - Live in Paris (até hoje, distribuído como um pirata), em que um alucinado Ozzy celebriza, para o mundo inteiro, o headbangin' como expressão corporal típica do rock pauleira e eles tocam, em uma sequência tonitruante e perfeita, todos os seus clássicos, levando o público francês ao êxtase absoluto, e após isso, passam todo o início do ano seguinte, 1971, dando mais uma rodada pelos EUA, numa tour fenomenal e de bilhetes esgotados, apenas posteriormente voltando à Inglaterra para iniciar os trabalhos do próximo álbum. Como se percebe, a máquina não pode parar - e com Patrick Meehan no comando, ela girará ainda mais depressa, levando os rapazes da banda ao quase esgotamento físico-emocional.

Abril de 1971: de volta aos estúdios da Regent Sounds em Londres, os quatro integrantes da banda começam a ensaiar as canções para o que seria o próximo álbum, que dura ainda mais tempo que os outros para ser produzido: aproximadamente uma semana! Apesar de ainda estarem sob a produção de Roger Bain, chama a atenção o fato de Tony e seus asseclas estarem bastante conscientes acerca de todos os processos de gravação e já haverem acumulado algum bom conhecimento sobre o que está sendo feito, sabendo absolutamente o que querem, e a ordem estava dada: aquele era para ser o mais pesado álbum da banda já gravado até então! Tal direcionamento se devia não somente à overdose de shows e êxtase em público pelos quais o grupo estava passando, fazendo com que quisessem retratar fielmente em vinil todo o peso e loucura do som deles, como também se devia ao ritmo intenso e inesgotável da vida deles, assim restando aos rapazes optarem por um som, no disco, extremamente simples e despojado, direto. Sem dúvida, é essa a sensação que temos ainda ao ouvir o 3º disco do Black Sabbath, até hoje.

Algumas novas composições são notáveis - sobretudo uma nascida de uma idéia bastante crítica de Geezer e Ozzy, de como a "tia marijuana" andava tomando conta das mentes de todos por ali... "Sweet Leaf" nascera de um riffzinho bacana que Geezer havia urdido em seu baixo, e que Tony logo tratou de refazer em sua guitarra. E como um dia Ozzy, baratinado com o alto consumo de maconha entre todos, vira Bill Ward adentrar os estúdios da Regent Sounds com uma nuvem rodopiando ao redor de sua cabeça - resultado da erva que Bill ou que o próprio Ozzy estavam fumando! -, ele resolveu escrever algo a respeito, mas em tom bastante irônico, como se fosse uma love song que, só no último momento, o ouvinte desavisado consegue relacionar à tal folhinha.

O interessante é que, durante as gravações, enquanto o grupo ainda estava tocando versões experimentais da música para treinar, o tape foi deixado rodando, e por acidente, foi gravada uma brutal tosse de Tony Iommi próxima ao microfone de Ozzy - resultado não do consumo da própria "erva doce", como muitos fãs insistem em relatar atualmente, mas, simplesmente, de uma forte gripe que o guitarrista estava enfrentando, naqueles frios dias do início de 1971 em Londres. Depois do término das sessões daquele dia, ouvindo o resultado do que havia sido gravado, o engenheiro de som Brian Humphries chamou a atenção de Ozzy para a tosse de Tony no meio da jam e achou a sonoridade legal, sugerindo separá-la, colocá-la mais alto e como se fosse uma espécie de efeito para "Sweet Leaf". "Tem tudo a ver com a música", dizia Ozzy, rindo. No dia seguinte, quando Ozzy e Tony chegaram ao estúdio, eles se depararam com o resultado: um rápido loop de dois segundos da tal tosse que o engenheiro de som havia produzido, e que poderia ser usado no início ou no fim da gravação. Tony gostou da idéia, e após algumas gargalhadas, optaram por colocar o "coff coff" como uma introdução da canção, preparando o espírito do ouvinte para o que viria depois.

Outras canções interessantes figurarão no novo LP. "Children of the Grave" é outra importante declaração política da banda, sobre o destino das crianças do mundo após uma hipotética guerra nuclear (fruto, obviamente, do fantasma da Guerra Fria, que ainda rondava o mundo). "After Forever", composição de Tony, é uma crítica direta a todos que relacionam a banda diretamente ao satanismo, tentando mostrar que o Black Sabbath não se resume a isso (ainda que seja o que Patrick Meehan queira...). A letra, de teor bastante religioso, faz inclusive uma ácida observação acerca de todos aqueles falsos cristãos que se escondem atrás da hipocrisia ("Is Christ just a name that you read in a book when you were at school?" / Cristo é apenas um nome que você viu em um livro quando você estava na escola?; ou "They should realize before they criticise that God is the only way to love" / Eles deviam imaginar antes de criticar que Deus é o único caminho para o amor). A faixa, inclusive, irá despertar bastante polêmica novamente na relação do Black Sabbath com grupos religiosos, como ainda veremos adiante.

Outro excelente momento do álbum será a faixa "Into the Void", que deu um trabalho imenso para ser gravada, tendo consumido um dia inteiro de trabalho dos seis dias que o Black Sabbath gastou para gravar o disco. Tudo por causa de Bill, que primeiro não conseguia de modo algum acertar o tempo da canção, e depois, se atrapalhou todo nas viradas antes do solo de Tony. O baterista, traumatizado a partir de então, dificilmente se arriscaria a tocar esta canção ao vivo e, surpreendentemente, abriu uma exceção recentemente, em 1999, quando do retorno do Black Sabbath, tocando-a novamente nos shows da turnê Reunion, em Birmingham, e não decepcionando...

Na verdade, grande parte da dificuldade de Bill em estúdio, nesta época, acontecia devido ao problema do baterista de se envolver demais com os seus vícios. Desligadão na maior parte do tempo e tendo dificuldades para se concentrar em certas sessões, Bill começou a ser encorajado pelos outros membros da banda a parar um pouco com a loucura e se sintonizar mais... pelo menos até a próxima noitada com Ozzy! O próprio vocalista, inebriado com o clima de loucura constante e excessos pelo qual a banda atravessava naqueles dias psicodélicos, deu a "Solitude", uma balada em tom depressivo composta por Geezer, uma performance totalmente incomum aos seus típicos vocais insanos e desesperados, límpida e bastante sensível, emoldurando o clima triste e desolador da música, o que levou centenas de fãs do grupo a pensarem, ao longo de vários anos, que na verdade tratava-se da interpretação de outro integrante da banda, de tão diferente que a voz de Ozzy estava. Gravada em uma noite totalmente zen - após meia dúzia de joints mágicos, tragados até o fim! -, terminou por estabelecer uma "ponte direta" entre a trip de seu intérprete e a de seus ouvintes, se tornando uma das músicas do Sabbath mais ouvidas por fãs "doidões" de erva ao longo dos anos 70.

Enquanto isso, o LP Paranoid já estava atingindo a marca dos 4 milhões de cópias vendidas só nos EUA! Além da súbita unanimidade, o Sabbath ainda se depararia com outra surpresa: o coração de seu fanfarrão vocalista, quem diria, havia sido flechado...

Parte 6 - Os novos reis de L.A.

O nome da "felizarda" - se é que este é o termo apropriado - que fisgou o coração de Ozzy era Thelma Mayfair, um antiga fã, conhecida do circuito inglês de shows do grupo. Após uma semana de shows no final de 1970 em localidades próximas a Londres, Ozzy reecontraria a garota, e o que era apenas uma atração física mútua entre ambos logo se tornou algo mais sério. Thelma gostava do jeito alucinado de Ozzy, e ele se sentia mais seguro diante da postura decidida de Thelma em estar firmemente do seu lado, sem se mostrar como mais uma groupie fugaz da jornada do cantor rumo ao mega-estrelato. Logo decidiram se juntar, a despeito de Thelma já possuir um filho de um relacionamento anterior, do qual ela já era divorciada: Elliot Kingsley, nascido em 1966 do primeiro casamento de Thelma, e que seria criado ao longo dos anos por Ozzy como se fosse o seu próprio filho, tamanha era a afeição do vocalista (já revelando os traços "família" que os espectadores de The Osbournes tão bem conhecem) pela criança.

Durante os anos seguintes, até 1975, mais dois filhos, desta vez legítimos do cantor, nasceriam de seu casamento com Thelma: Jessica, em 1973 (que, de relacionamento conturbado com o pai, nunca foi muito próxima a ele), e Louis, em 1975 (atualmente, ganhando a vida como DJ). Para comemorar a união, Ozzy e Thelma fecham um pequeno pub em Londres e chamam os amigos mais íntimos, incluindo os colegas de banda dele, para uma pequena festa, que em nada lembrava os verdadeiros "rebus" orgiásticos que o grupo estava se acostumando a promover durante suas excursões... A ingênua Thelma mal imaginava que algo que começava tão bem e de forma tão cândida com aquele brincalhão garoto de olhos esverdeados que estava começando a brincar de "superstar" iria se deteriorar tanto ao longo dos anos, assim que ela descorbrisse a outra faceta de Ozzy - aquela revelada à base de muito álcool e drogas, o que inevitavelmente geraria confusões e mal entendidos.

O ano de 1971 representa a verdadeira tomada da América pelo Black Sabbath, que efetivaria o grande sucesso por toda a região dos EUA e os levaria a ficar mundialmente famosos a partir de então. O plano de Patrick Meehan era consolidar o sucesso estrondoso do LP Paranoid, do ano anterior, e ele consegue - até hoje, pessoas comuns, ou que se tornariam futuros medalhões do rock pesado, como James Hetfield, se lembram, ainda meninos, do momento marcante em que conseguiram uma cópia roubada do álbum Black Sabbath (relançado a partir de então no Novo Mundo) ou do momento em que ouviram o compacto "Paranoid / The Wizard" na casa de algum coleguinha de escola.

Apresentações avassaladoras por toda a Costa Oeste americana se seguem, bem como datas históricas em lugares como Chicago e Nova Iorque, lotados até a tampa. Um novo e ousado figurino para os shows era usado pela banda, fruto do dinheiro que ia entrando em caixa e os deixando cada vez mais distantes dos trapos de Birmingham, e ia se tornar cada vez mais extravagante ao longo dos anos, com roupas psicodélicas, bocas-de-sino esvoaçantes e as clássicas blusas com franjas enormes de Ozzy nos shows. No início de 1971, o vocalista havia deixado crescer uma barbinha, almejando acompanhar os colegas de banda, todos "peludos", e apesar de ser bem rala, lhe conferia um visual ainda mais selvagem nas apresentações - era a moda entre as bandas pesadas da época, de Pink Floyd e Led Zeppelin a Deep Purple, todos estavam deixando o visual bem desgrenhado e cabeludaço. Apesar do visual com barba de Ozzy ter sido deixado de lado após alguns meses, só tendo sido utilizado posteriormente por Bill (Tony e Geezer ostentavam já seus famosos bigodes), algo que chama bastante a atenção a partir deste ano é a adoção, por Ozzy, de uma postura de palco dinâmica e contagiante que iria se estender por toda a sua carreira: nos palcos, o vocalista passava a assumir um canal direto de comunicação com o público, bastante carismático, batendo cabeça, agitando intensamente e constantemente conclamando todos a que pulassem, batessem palmas e extravasassem o mais que pudessem, tudo ao som pesadíssimo da banda - aquilo era um show de rock! Adrenalina e pique máximos, pontuados por palavras de ordem do mestre-de-cerimônias Ozzy - "Come on, louder!", "Let's get higher, and higher!", "Let's go fuckin'crazeee... come on!", e o mais carinhoso e conquistador berro característico de Ozzy: "WE LOVE YOU ALL!", estabelecendo uma ponte direta entre a devoção dos fãs e da banda por eles, e seguido da forma de expressão corporal mais conhecido dos anos 70, que Ozzy passou a utilizar ad nauseum: braços levantados para a multidão, esticados ao alto, os dedos em "V", sinalizando paz e amor para todos. Era um gesto que não tinha nada a ver com a tal imagem malvada do grupo, mas que hipnotizava pra burro e caiu como uma luva na comunicação entre banda e platéia, muito mais eficiente do que os papos bicho-grilo de Robert Plant ou os malabarísticos trinados assustadores de Ian Gillan. O sinal do "V" de Ozzy tornou-se tão famoso, e é uma imagem tão típica do Black Sabbath nos anos 70 no imaginário coletivo, que a banda ainda a usaria como capa de um de seus próximos LPs.

É bem verdade que a imprensa (sempre ela...), que já não se dava muito bem com os novos sons pesados que vinham aparecendo no horizonte do mundo pop, e preferia ainda se debruçar em coisas mais palatáveis ao gosto médio do norte-americano médio, como o soft rock ou algo jazzy-progressivo, fazia de tudo para que os planos dos rapazes de Birmingham fracassassem, irrompendo em furiosas críticas nos jornais e revistas da época com o intuito de que qualquer fã do bom e velho rock and roll se afastasse daquele "espetáculo grosseiro de macacos tocando guitarras e emitindo sons guturais que nos fazem querer gritar que a Idade da Pedra já terminou" - como escreveu, certa vez, um jornalista espumante do caderno cultural do Los Angeles Times. Se não havia sido fácil para o Led Zeppelin, que era bem mais refinado intelectual e musicalmente do que o Black Sabbath, imagine como a crítica americana reagiu a eles - com muito mais ira e intensidade ainda do que a irônica imprensa britânica, que pelo menos tinha uma atitude mais nonchalant, de desdém e indiferença, tipicamente inglesa. Certas vezes, entretanto, algumas vozes positivas se levantavam no meio de todo o ataque, como a de Pete York, ex-baterista do grupo pop Spencer Davis Group, que havia feito bastante sucesso nos anos 60 com hits como "I'm a Man", "Gimme Some Lovin'" e "Keep on Running" - e de onde havia saído, aliás, o virtuoso Stevie Winwood, do Traffic. Pois é, Pete, agora convertido em jornalista, andava fazendo algumas resenhas de shows para a Rolling Stone e, no final de 1971, apesar desta lendária publicação já haver malhado impiedosamente o Black Sabbath quando dos lançamentos do 1.º e do 2.º álbuns da banda, olha só o que o cara escreveu após ver Ozzy e cia. ao vivo:

"Esqueçam os burburinhos sobre rituais de magia negra e missas satânicas on stage, senhoras e senhores! Ao vivo a coisa realmente esquenta com um som inacreditável - o Black Sabbath causa um tremendo impacto como conjunto de rock. É assim que merecem ser vistos. Ozzy Osbourne é a figura de frente, sem ser uma estrela, sem frescuras ou maneirismos. Bill Ward, por sua vez, toca tão bem com as baquetas quebradas que é melhor que nem deixem ele comprar novos pares!"

É... mas nem tudo eram flores nesta relva de informações desencontradas que a imprensa americana andava promovendo. Simplesmente impressionadíssima (desde o início) com os rumores do suposto envolvimento do grupo com seitas obscuras, os jornalistas da mídia made in USA afogaram tudo no mais completo sensacionalismo, numa atitude "ianque" bem usual. Conforme Robert Plant já comentou uma vez em uma entrevista, tudo que a imprensa britânica tratava com certa acidez e humor, a imprensa americana vinha e fazia o maior caso sobre a coisa, levando TUDO muito a sério.

E este foi o grande problema do início da carreira americana do Sabbath - ou, talvez, a grande solução, como Patrick Meehan tanto desejava para a promoção do grupo. Não foram poucos os lugares, especialmente os mais do interior da Costa Oeste americana, que passaram a barrar veementemente a chegada dos "reis do rock satânico" em seus domínios. Em lugarejos como Ohio, por exemplo, a pressão dos pastores de igrejas presbiterianas era tão forte e tão politicamente influente, que nenhum empresário do ramo do entretenimento sequer se atrevia a abrir a boca para citar o nome Black Sabbath. A propaganda negativa podia causar uma má repercussão, é verdade, mas por outro lado, em outros lugares mais mente aberta, como Connecticut, Boston, Philadelphia e outros, aumentava consideravelmente a venda de discos. Especialmente para jovens revoltados com todo o sistema - escola, Vietnam, caretice... - e que viam, agora, no nascente gênero heavy metal e suas tendências endiabradas, uma boa forma de protestar e de externar toda a sua fúria e inconformismo.

Mas o que incomodava mesmo a banda, antes de qualquer boicote promovido pelas autoridades caipiras dos EUA, eram, na verdade, as novas investidas dos grupos ocultistas, que diante do enorme sucesso do outro lado do Atlântico, haviam recomeçado com força total. Logo, não só seitas satânicas européias estavam os convidando e os conclamando para missas negras - mas americanas também! Obviamente, isso dava diretamente nos nervos de Geezer Butler, que nunca aprendeu a controlar bem o misto de medo e fascínio que as forças sobrenaturais exerciam sobre ele desde tenra idade.

Eleito o letrista oficial do Black Sabbath desde o começo do grupo (Tony certa vez disse em uma entrevista: "O Sabbath, sem Geezer, não tem nada a dizer. Ele fala pelo grupo, através de suas letras. O que a banda quer dizer... está tudo lá"), Geezer nunca escondeu para ninguém que a sua bagagem para tratar do sobrenatural com tanta desenvoltura, desenvolvendo os temas do grupo, veio de várias experiências e acontecimentos estranhos o envolvendo desde que era apenas um garoto. Sempre foi interessado em literatura fantástica ("Behind the Wall of Sleep", do primeiro LP, por exemplo, era um tema inspirado em H. P. Lovecraft, um dos autores preferidos de Geezer), e ainda criança, alegava ter sonhos que, nos dias seguintes, constantemente se tornavam realidade. Uma vez sua mãe o flagrara em seu quarto, em profunda concentração. Sobre sua cama, várias cartas de baralho, cortadas em montes. Ao ser perguntado sobre o que estava fazendo, Geezer alegou que, um dia antes, havia conseguido antever todas as cartas que retirava do baralho, de olhos fechados...

Pode-se dizer, portanto, que Geezer Butler era o "Jimmi Page do Black Sabbath", e apesar dos sustos iniciais gerados pelos primeiros convites e chamados de grupos satânicos feitos à banda, logo o baixista estava se sentindo bem mais confortável em sua condição de "explorador de mundos paralelos" e letrista do grupo, estudando mais sobre ocultismo e indo cada vez mais a fundo em suas leituras sobre fatos paranormais, coisas assombradas e etc. De vez em quando, no entanto, coisas inexplicáveis aconteciam e grandes calafrios se faziam sentir, agindo como presságios de que forças muito poderosas não deveriam ser importunadas... e estavam sendo!

Como em um dos primeiros shows da turnê americana de 1971, por exemplo, em Michigan. O grupo havia terminado o seu set regular e havia ido se refrescar com algumas beers no backstage, antes do bis. Ao chegarem nos camarins, se deparam com uma cena altamente inusitada: sobre os móveis do recinto, sofá, cadeiras, freezer - o local está repleto de cruzes invertidas, feitas de madeira, e o pior: pintadas com o que parece ser sangue. Sangue real, de verdade.

Os móveis estão todos manchados, e aquela bagunça de cruzes invertidas logo deixa Ozzy meio inquieto. "Quem aprontou essa zona aqui?" - no início, Tony e Geezer pensam tudo tratar-se de uma brincadeira de fãs americanos, ou dos roadies, que aprontaram aquilo só para testar os nervos dos "senhores das trevas". Mas não. Geezer, irado, manda chamar Patrick Meehan, e o empresário, para surpresa de todos, não sabe de nada, e interroga um a um da equipe da banda. Nada. Ninguém, absolutamente ninguém, tinha idéia do que estava acontecendo, ou de quem poderia ter feito uma coisa daquelas. Entradas e saídas são verificadas, mas está tudo sob controle, sem nenhuma suspeita de arrombamento nem nada. Todo o material da banda está intacto também - a experiência e o dinheiro os havia ensinado a se cercarem de cuidados especiais durante os shows para que não fossem novamente vítimas de larápios e fanáticos, como quando foram atacados por skinheads na Alemanha. Até hoje, ao comentar o fato - uma das poucas coisas de que consegue se lembrar das turnês iniciais do Black Sabbath, justamente por ter sido tão estranho - Ozzy arregala os olhos o bastante para exclamar: "Fuckin' arrepiante, cara! Uma das coisas mais esquisitas que já aconteceu com a gente... dentre várias outras que ainda iriam nos deixar com grilos na cuca". De fato, apesar de suspeitas sobre roadies mais engraçadinhos terem sempre existido, nunca ninguém conseguiu descobrir quem aprontou a tal brincadeira macabra das cruzes invertidas e ensaguentadas no camarim. O sangue era legítimo mesmo - só não se sabe se era humano ou de animais, pois o grupo não teve a curiosidade de levar amostras para uma análise, e foi tudo jogado fora.

Os telefonemas bizarros e as cartas estranhas, com símbolos de ocultismo e também devidamente manchadas de sangue, continuavam desnorteando a banda, e não paravam de chegar. Foi neste clima aterrador e alucinante que foi gravado o álbum "Master of Reality", e que deu vazão, afinal, à tal mudança de conceitos a que este trabalho se propõe. O próprio título sugere um direcionamento de temas mais ligados com a realidade e os problemas atuais do mundo, deixando de lado as estórias satânicas. Nenhum single é escolhido para o disco, pois o grupo resolve não lhe dar nenhuma espécie de tratamento comercial. Tido como o mais pesado trabalho feito pela banda nos anos 70, exatamente como Tony falara, e também o com a produção mais pífia (por exigência do grupo, o trabalho de Roger Bain foi quase "anulado", deixando o som bem cru), o disco é considerado, por muitos, o que fecha a chamada trilogia de ouro do Black Sabbath, pois após ele o grupo passaria a incorporar novas sonoridades e instrumentos ao seu som, perceptivelmente mudando a sua direção musical, e deixando para sempre de ser a "principal banda underground" da primeira geração do heavy metal inglês. Conforme comentamos no capítulo anterior, foi um disco gravado às pressas e sem muitas firulas, justamente como os anteriores, e na base do "tapinha" sem parar, criando uma verdadeira fog ("névoa") de marijuana na Island Studios, onde foi gravado, totalmente no clima da faixa que abre o LP - "Sweet Leaf". As folhinhas verdes queimadas à exaustão também incentivaram um clima criativo interminável, estimulando o grupo a dar luz a alguns dos maiores clássicos do rock pesado: "After Forever" (uma elegia a Deus!), "Lord of This World", a apocalíptica "Children of the Grave" (mais uma crítica às guerras, dessa vez nucleares), e a difícil (para Bill Ward) "Into the Void", que inova, criando o crossover heavy metal-rap e algumas viradas típicas do thrash metal, depois explorados por inúmeras bandas dezenove anos depois, graças ao andamento rítmico doido e ao vocal neurótico que Ozzy imprime à música.

O álbum é lançado em agosto de 1971. Nada de fotos ou ilustrações na capa - só o nome do disco, em letras enormes. Tudo muito simples e direto, na cabeça. Com ele, cada membro da banda, nas entrevistas que concedem, passa a dar declarações no sentido de mudar um pouco a imagem deles na mídia, contribuindo para despertar a atenção das pessoas de que o Black Sabbath é bem mais do que simplesmente estórias de horror e ritos de bruxaria, dando justificativas para os temas do novo álbum. "Nossa música parece ser mais maligna do que a de outras bandas, mas essa coisa de magia negra está saindo do controle. Estamos meio interessados nisso, e o pessoal nos dá crucifixos, mas é só", havia já declarado Geezer, certa vez, em 1970. As coisas agora, no entanto, estavam seguindo passos bem diferentes - a julgar pelos crucifixos ensanguentados do show em Michigan. Para o lançamento do novo LP, por exemplo, Bil Ward declara à Sounds: "Muitas pessoas estão sempre numa pior, mas não se tocam disso. Nas novas canções, estamos tentando transmitir um pouco disso às pessoas, ver se elas entendem que têm de enfrentar os problemas que cercam suas realidades". Tony Iommi, por sua vez, diria: "Muitas pessoas estão nos deixando pra baixo com essa cobrança de que somos uma banda deidicada à magia negra. Acho que elas estão nos confundindo com feiticeiros. A verdade é que não fazemos nenhum sacríficio no palco, e não estamos nessa de magia negra." E Geezer comenta: "De fato nós temos uns dois ou três números que são músicas sobre magia negra. Mas eles são mais contra do que a favor disso!".

Enquanto tentavam negar a fama que os elevou às alturas das paradas pop do ano anterior, o Black Sabbath prosseguia impassível em sua turnê de lançamento do "Master of Reality", muitas vezes realizando cinco shows por final de semana! O ritmo incessante das excursões, nos EUA, logo fez os membros da banda começarem a pirar, e a se sentirem inclinados a utilizar alguma substância que os deixasse ligadões a ponto de terem energia suficiente para cumprir todas as datas. Foi assim que o grupo deu boas vindas ao que eles passaram a carinhosamente apelidar de snow ("neve"), com a prestimosa ajuda de alguns roadies mais malandros, e de toda uma rede de "traficas" que recebeu a banda de braços abertos a partir do momento em que desembarcaram no aeroporto de New York - welcome, cocaine! Do novo vício, um poderosíssimo e perigoso estimulante conseguido em doses puríssimas, graças a conexões que Patrick Meehan e seus asseclas haviam estabelecido com gangues que traziam a coisa direto da América do Sul, surgiria um dos próximos sucessos da banda, a figurar em seu LP seguinte.

Ozzy, após snifar carreiras quilométricas da droga, se jão não era muito correto da cabeça, aí despirocava de vez. Uma noite, em Salt Lake City, ele e dois roadies, um deles improvisado (Greg, um americano que havia se juntado à trupe sabática), saem em um Mustang alugado, desenfreados pelas estradas dos subúrbios, com três garotas a bordo fazendo toda a espécie de loucuras possíveis. Uma delas, sentada ao lado de Ozzy, no volante (o que fazia com que a viagem parecesse um autêntico suicídio), se propõe a pagar-lhe um belo "trabalho de sopro". A menina cai de boca, e Ozzy, de narinas tão enbranquecidas quanto molhadas de whisky, que ele já estava jogando na cara a esmo, sem nem mais abrir a boca, simplesmente delira, berrando ensandecidamente e perdendo o controle da direção. Alguns latões de lixo em um beco escuro amortecem a estrondosa batida que poderia ter sido mortal. Sem ferimentos graves, mas apenas alguns arranhões, os roadies e as garotas saem esbaforidos do veículo, enquanto Ozzy jaz desacordado, caído sobre o volante. Greg, com o mínimo de consiciência que lhe restara, pega uma ficha em seu bolso e corre tropeçando até o telefone público mais próximo, a duas esquinas dali. "Pat, socorro! Vem voando até aqui, senão a polícia vai engaiolar Ozzy!", ouve Patrick Meehan do outro lado da linha, num telefone de hotel. Quando a primeira viatura passa por ali, por volta da uma da manhã, já não há mais um passageiro sequer nos bancos do Mustang arregaçado - Greg havia arrastado Ozzy para detrás do latão de lixo de um depósito a cinco metros dali, enquanto o "resgate" não chegava.

Muitas loucuras aconteceram durante esta tour americana de 1971, e o próprio vocalista, semanas depois do incidente, comentaria a um jornalista americano: "Olha, cara, precisamos de um descanso urgente. Nós nunca viajamos tanto quanto nessa turnê". O preço da fama, no entanto, ainda iria ser bem mais alto no decorrer dos anos seguintes.

Falando em arruaças de bandas pesadas dos anos setenta, uma coisa que pouca gente sabe, só os fãs mais antenados mesmo, é que os membros do Black Sabbath, a partir de 1971, acabariam estreitando relacionamento com o pessoal do Led Zeppelin, chegando a se tornar grandes amigos - especialmente os fanfarrões bateras Bill Ward e John Bonham, muito parecidos em vários aspectos (exceto que Ward, quando enchia a cara, era menos violento e explosivo que o brutal Bonham), e que chegaram a sair juntos para bebedeiras e farras homéricas várias noites. Os dois grupos teriam até mesmo chegado a gravar um hoje lendário material que já entrou para o terreno da mitologia rock faz tempo, mas que gente como Roger Bain insiste em dizer até hoje que realmente existe, e que raríssimas cópias devem estar nas mãos de algum engenheiro de som maluco que circulou por aqueles estúdios na época. O nome deste verdadeiro artefato é conhecido, pelos colecionadores de material do grupo, como "Black Zeppelin Jam", e reuniria cerca de seis músicas - todas, na verdade, versões de sons de ambas as bandas, mas intercaladas por longos intermezzos instrumentais e improvisados. Segundo algumas fontes, Jimmi Page, Tony Iommi, John Paul Jones, John Bonham, Bill Ward e Ozzy teriam dividido os microfones em duas noites de brincadeiras e drinks em um estúdio próximo ao bairro londrino de Surrey, em meados de novembro daquele ano.

A banda dá uma paradinha na maratona de shows para o Natal no final do ano, e Ozzy aproveita para passá-lo junto com sua nova família e seus pais, fazendo uma bela festa em família como nunca antes haviam tido - agora "Johnny" era famoso, o orgulho roqueiro de papai e mamãe Osbourne, e havia se tornado um pai de família, trazendo Thelma consigo. As primeiras crises entre o casal já começavam, fruto do ciúme de Thelma motivado pelo sem-número de estórias que rondavam o lar do casal sobre as groupies da estrada, mas durante as celebrações natalinas tudo parecia estar bem... até que papai Thomas Osbourne viu os olhos do filho. Ozzy estava sem dormir há dois dias e tragando um joint após o outro, ou seja: profundas olheiras e olhos vermelhos. "Meu Deus! Você tem certeza de que realmente está bem?", e Ozzy: "Não. Não mesmo."

1972 começa avassalador, com novas datas e apresentações por toda a Europa e EUA. Gigs para festivais com algumas das mais famosas bandas de rock estavam surgindo, e toda uma nova cena se criava diante do Black Sabbath e do mundo naquele ano que se iniciava: além do hard rock tomando definitivamente a mídia musical do mundo todo, o rock progressivo é uma nova realidade, e bandas como King Crimson, Yes, Pink Floyd, Genesis, Emerson, Lake & Palmer, além dos já velhos conhecidos Jethro Tull, passam a dividir com os pesos pesados a atenção dos fãs de "sonzeira" em vitrolas e concertos ao redor do globo. Uma delas, o Gentle Giant, é headline de um evento dedicado ao rock pesado e progressivo no Lyceum Ballroom ao lado do Black Sabbath que dá o pontapé inicial para um grande ano para a banda, importante por vários motivos. Alguns contadores alertam Tony e os outros para o fato de que, caso não quisessem ver suas economias indo pelo ralo, tinham que achar uma maneira de burlar o sempre pesado fisco inglês - muito mais pesado do que o som do Sabbath. Assim, seria legal que a banda, excursionando tanto para os EUA, arranjasse suas datas na terra de Tio Sam de modo que pudessem passar uns tempos morando por lá. Isso implicava na gravação do novo disco, que os rapazes estavam decididos a fazer para ser lançado logo no início do segundo semestre do ano, seguindo uma linha de trabalho que parecia estar se tornando fixa: estrada, reciclagem nos palcos da vida, uma paradinha nos estúdios no meio do ano, novo disco, e aí tudo de novo: turnê de lançamento, estrada... Patrick foi encarregado de arrumar tudo e pôr as coisas em ordem para que, já a partir de março, quando o Black Sabbath fechasse suas malas para enfrentar os yankees novamente, já ficassem por lá durante uma boa temporada.

Numa bela tarde de fevereiro, um galhofeiro e mamado Bill Ward, se desmanchando em gargalhadas, estaciona seu carro em frente ao consultório do Dr. William Leivehart Perkins. De dentro do carro, sai um esbaforido e assustado Ozzy Osbourne, que ainda não havia passado em casa para reencontrar Thelma. Para todos os efeitos, ele ainda estava viajando. De volta de alguns concertos da pequena tour inglesa, feita em cidades por onde o grupo havia passado em seu início de carreira (como Sheffield, Newcastle, Bradford e outras), Ozzy pelo jeito havia "matado as saudades" de algumas velhas admiradoras, porém, alguma (ou algumas) delas haviam lhe deixado lembranças: "Olha só, doutor. O senhor tem que dar um jeito nisso aqui! Eu sinto fogo nos pentelhos, estão a me matar!!!". O cantor havia pego um dos piores ataques de "chato" (ou o popular "piolho de saco") de que a equipe sabática tinha notícia, e já estava ficando cheio de feridas de tanto se coçar...

As datas americanas começaram na Carolina do Sul, em Fayatteville, no dia 1.º de março de 1972, e mais um sorumbático acontecimento marcaria a banda após essa apresentação. Enquanto estavam hospedados num pequeno hotel da cidade, começaram a ouvir, inicialmente, um murmurar coletivo, como se várias pessoas estivessem entrando em transe. A seguir, várias vozes femininas começaram a se levantar de modo macabro, entoando uma espécie de cântico. Ozzy, já desmaiado de brandy a uma altura dessas, acordou apavorado com a cantoria, assim como Tony. Geezer ficou ensandecido com aquilo - parecia que as pirações em torno da imagem de "banda satânica" não cessavam nunca! Algumas batidas em paredes foram ouvidas, e os cânticos ficavam cada vez mais altos, mais assustadores. Bill exclamou: "Pronto, é isso - vieram nos pegar! Agora acabou mesmo. Fomos mexer com o que não devíamos e vieram nos buscar. Estou até vendo as manchetes: banda satânica sacrificada em ritual maligno retorna ao inferno, de onde vieram!". Geezer vai até a porta do quarto em que estava e olha pelo buraco da fechadura, enquanto os outros hóspedes, todos da equipe da banda, já vão acordando e se perguntando o que diabos está acontecendo. Parecia que um grande número de bruxas, segurando velas e vestidas de batas e túnicas pretas, havia começado a cantar do lado de fora dos quartos. Faziam uma fila ao longo do corredor, do lado de fora dos quartos, e havia desde moças mais novas até mulheres de idade, bem mais velhas. Todas com um visual pra lá de arrepiante... Preocupado com a sua segurança, Geezer criou coragem e destrancou a porta, indo lá fora. Ouviram-se alguns berros e imprecações, e a voz de Geezer, num atípico tom de ódio, vociferando algo.

Após alguns instantes, os barulhos começaram a desaparecer. Quando o silêncio se instalou por completo, todos abriram as suas portas mais aliviados e ali estava Geezer, parado no corredor, conversando nervosamente com um dos guardinhas do hotel, inquirindo o homem sobre como aquela legião havia entrado ali. Patrick só chegaria no dia seguinte. Tony, assustado, pergunta a Geezer o que houve. "Uma legião de bruxas que vieram nos atormentar. Mas não se preocupem: eu as assustei de um modo que nunca mais irão voltar!".

Não se sabe exatamente o que Geezer aprontou para afugentar as tais bruxas. Os mais sérios, como Tony, dizem que o baixista recorreu a uma das preces contra bruxarias de seu repertório pessoal, a recitando até que as feiticeiras desistissem de seus planos e fossem embora. Outros, como Ozzy, espalharam boatos maldosos, dizendo que Geezer, na verdade, mostrou seu pênis para elas, o que as fez cair fora de medo. Apesar dos vários risos posteriormente, na hora, pelo menos, a situação não foi nada engraçada, mas bastante tétrica mesmo.

Durante as digressões norte-americanas, Patrick Meehan acerta todos os preparativos para as gravações do novo álbum, a se iniciarem em julho. Várias fotos do grupo são tiradas durante as apresentações na terra de Tio Sam, para compor as ilustrações do próximo álbum, e Tony Iommi, em Los Angeles para alguns dias de descanso, visita algumas casas com um corretor de imóveis que se tornara seu amigo, e que lhe apresenta várias das mais luxuosas mansões de Beverly Hills. Uma delas, um imenso imóvel com vinte e sete cômodos e uma gigantesca piscina e salão de jogos, deixa fascinado o guitarrista, que vai correndo contar para seus colegas que aquele seria um fantástico lugar para ficarem durante sua estadia nos EUA e ensaiarem as músicas para o novo LP. Após visitarem o lugar, Bill, Ozzy e Geezer, também fascinados, propõem uma idéia estonteante para o pessoal da Vertigo: já que eles iriam alugar a mansão e ficar lá, por que não já levar todo o equipamento de gravação dos estúdios direto para dentro do lugar, e gravar tudo lá mesmo? Afinal, o Deep Purple havia gravado o clássico "Machine Head" em um hotelzinho de Montreaux utilizando a unidade móvel dos Rolling Stones, e os próprios, por sua vez, haviam gravado todo o sensacional álbum "Exile on Main Street" na residência francesa de Keith Richard, não é mesmo? Um lance bem típico das extravagâncias das bandas dos anos 70, que demandava grandes gastos e mordomias sui generis, como pagar transportes de engenheiros de som e maquinário milionários, só para satisfazer os caprichos de ficarem alguns dias curtindo um solzinho e vida mansa enquanto a fita rolava. Tony se lembra das manhas: "Quando se tem dinheiro e se está no topo, é tudo muito fácil. Você diz para os executivos da gravadora que isso é o mínimo de que você necessita para estimular o seu potencial criativo, e lá vão eles te satisfazer: compram o que for preciso para você, organizam todos os detalhes necessários para que eles tenham o próximo sucesso, o próximo disco sold-out em mãos".

É óbvio que o Black Sabbath havia já mudado bastante desde os dias miseráveis de bandinha de blues e jazz rock de Birmingham. Pouco importava que o polêmico "Master of Reality", ainda que fosse um grande sucesso, não tivesse atingido as vendas milionárias de "Paranoid": rock pauleira era o que estava mandando, e gravar gente como Deep Purple, Grand Funk Railroad e Cactus havia se transformado em um negócio milionário. Há anos-luz dos tempos de dificuldade, Ozzy e seus asseclas eram agora ídolos do rock full-time, reverenciados nos palcos e perseguidos nas ruas por tietes como quaisquer outras grandes estrelas do passado (Geezer comentaria sobre isso: "Apesar do que você pode imaginar, não somos apenas mais um grupo pop teenie - nosso público não é só formado por garotinhas puberbas"). E agora, aqueles garotos ingleses, expostos 24 horas por dia às fantasias e facilidades da rica e faraônica vida de popstars nos EUA, pareciam realmente estar querendo curtir um pouco mais a vida. Tanto é que, quando exigiram da gravadora o aluguel e a gravação do novo disco em uma das mais belas mansões de Los Angeles na época, foi exigido que, em troca, disponibilizassem pelo menos algum material do novo álbum para que pudesse ser utilizado como single, em vista da recusa do grupo em fazer tal coisa para o disco anterior - e não titubearam. Não importava que soassem um pouco mais comerciais, tudo bem. Estavam na terra prometida da glória e das riquezas mesmo, tudo o que viesse era lucro. As prostitutas mais caras e inacessíveis da cidade estavam agora os visitando, sete noites por semana, fazendo exatamente tudo o que quisessem. As drogas mais puras e procuradas do continente estavam chegando para eles nas bandejas do café da manhã, com canudinhos de ouro e papel de seda turco. Todas as empresas de aluguéis de carros, hóteis, agências de shows, colegas de outras bandas e empresários do show business desejavam alguns minutos perto deles e os apludiam de pé. Às favas com a seriedade e a integridade underground: os caras do Black Sabbath, em pleno reinado do Led Zeppelin, haviam se tornado os novos "reis de L.A.".

Foi em meio a essa atmosfera dionisíaca que o álbum "Black Sabbath - Vol. 4" foi gravado. Já no primeiro dia de trabalho do novo disco, a sessão inicial registra uma canção totalmente diferente de tudo que o grupo já havia feito antes, composta em cima de uma brincadeirinha de Tony Iommi ao enorme piano de cauda colocado no hall de festas da mansão - mais uma exigência absurda de Tony, que, ao ser perguntado pelos empresários da Vertigo o que diabos um guitarrista como ele iria fazer com um piano daqueles, simplesmente respondeu: "Vou tocar, ora essa!". Foi utilizada uma letrinha rabiscada em um guardanapo que Ozzy usou ao tomar um coquetel enquanto relaxava na piscina, e que era uma variação em torno de um tema que a banda sempre tocava ao vivo durante a execução da música "Wicked World", e que se chamava "Sometimes I'm Happy" - um tema que nunca chegou a ser oficialmente gravado pelo grupo, mas que aparece na longa versão de "Wicked World" presente no disco ao vivo Live at Last. Do início da letra original ("Sometimes I'm happy / Sometimes I'm sad..."), Geezer mudou para "I feel so happy / I feel so sad...", e foi feito um lamento lírico típico das mais melosas canções de soft rock, estilo James Taylor e Bread, que infestavam o dial das rádios da época. Tony gostou do resultado final, e Ozzy, apesar de um certo estranhamento por estarem dispostos a gravar AQUELE tipo de música, entrou na viagem, relaxou com uns três baseados, e encarou as notas, vocalizando a música. Assim nasceu "Changes", a balada oficial do Black Sabbath, que até hoje faz parte de todas as sessões nostalgia e flash back de rádios FM, justamente por ser uma contrafação tão bem feita das canções românticas típicas da época. Ozzy admitiria, depois, que foi uma trip bem comercial mesmo, no sentido de produzir algo que vendesse, pois era isso que todos os "homens da grana", os produtores e executivos de gravadora, queriam.

Parte 7 - Consagração e estafa

Preparado com capricho para ter um belo desempenho nas paradas, o quarto álbum do Black Sabbath encontraria alguns medalhões pela frente. Naquele início de década, 1972, o heavy metal já estava fazendo história graças a nomes hoje lendários, sobretudo o heavy metal inspirado no próprio estilo criado pelo Black Sabbath - bandas como Lucifer's Friend (com sua "Ride the Sky") e o Uriah Heep (amigos de Tony e dos outros, e cujo som, desde o primeiro álbum, lembrava muito o Sabbath) estavam adicionando elementos de magia e bruxaria na temática de seus mais recentes LPs. Diante de tudo isto, os nossos heróis, apesar de vez ou outra voltarem a seus temas habituais, muito por influência de Geezer (o que aconteceria no ano seguinte, com o Sabbath Bloody Sabbath), estavam mais maduros e antenados com os dias atuais, desenvolvendo canções que, apesar de usarem fatos e estórias ancestrais, remetiam aos tempos contemporâneos de maneira metafórica. "Cornucopia", por exemplo, uma das músicas também registradas nos primeiros dias de gravação do Vol. 4, era uma parábola antiga sobre a fertilidade, transposta para a atualidade como uma crítica à prosperidade moderna. Além das letras, o som da banda continuava contagiante, como se podia constatar pelas excelentes "Wheels of Confusion", "St. Vitus Dance" e a fantástica "Under the Sun", repletas de passagens sonoras estratosféricas, mudanças e viradas rítmicas alucinantes e envolventes. Era uma criatividade musical surpreendente. A banda estava em sua melhor fase instrumental, com Tony se esmerando em suas influências de jazz e toda a banda o seguindo em jams ensandecidas que resultavam nos novos sons. "A maioria das músicas nasce de um riff de guitarra inicial, depois trabalhado e explorado musicalmente entre nós", contou ele certa vez. Mas havia espaço também para a destreza lírica do guitarrista, e um dos melhores momentos do novo disco, inspirado pela beleza dos horizontes e paisagens de Los Angeles, seria a linda "Laguna Sunrise", um momento instrumental que chamaria a atenção da crítica musical e começaria a mudar os olhares da imprensa para a banda; havia sido composto por Tony após passar uma noite inteira acordado e, ao amanhecer, ficar enbevecido com as belas visões da praia de Laguna que lhe eram proporcionadas do alto de seu quarto na mansão.

Outros momentos marcantes neste quarto trabalho da banda seriam "Tomorrow's Dream" (que seria escolhida para o compacto que alavancaria as vendas do álbum), a estonteante "Supernaut", e a ode da banda à cocaína "Snowblind", além da já comentada "Changes", com suas austeras e soturnas intervenções de piano e mellotron - tocados por Tony e Geezer, respectivamente. Após o lançamento do disco, inclusive, boatos surgiriam de que teria sido o virtuoso tecladista do Yes, o famigerado Rick Wakeman, que estaria tocando teclados com o Black Sabbath em suas últimas gravações de estúdio, como um convidado especial "secreto", por razões contratuais; tudo porque o músico havia sido visto com Tony e Ozzy em algumas noitadas em pubs ingleses recentemente. Wakeman, no entanto, só prestaria o seu grandiloquente auxílio aos rapazes em seus álbuns seguintes, Sabbath Bloody Sabbath e Sabotage, sob a alcunha de Spock Wall.

De repente, telefonemas furiosos começaram a cobrar de Patrick Meehan uma solução ao tal problema: caso o grupo resolvesse mesmo cometer uma loucura daquelas, que estivessem prontos para enfrentar um tremendo boicote das redes de lojas mais tradicionais dos EUA, onde o sucesso da banda estava indo de vento em popa e estavam pretendendo fixar residência. O "suicídio fonográfico", provavelmente, seria seguido pelo cancelamento de vários shows da próxima turnê e uma quase inevitável dispensa da gravadora, que não suportaria ter, em sua lista de pagamentos, quatro caras notoriamente tidos como satanistas, sexistas e, agora, toxicômanos declarados. Assim já era demais. A imprensa marrom já andava de olho na banda e em seu farto repertório de escândalos havia tempo, apenas fomentando o culto à polêmica que se instaurara, desde os primeiros tenpos, ao redor do Black Sabbath.

É preciso entender, além de tudo, que a situação política e cultural da época era outra, bem diferente dos dias atuais, em que um Marilyn Manson, por exemplo, choca todos um pouquinho e já vende milhares de discos: os EUA viviam um período conturbado de repressão moral e social, com o republicano Richard Nixon no poder e suas "patrulhas" dos bons costumes em seu ponto máximo de vigília pelo país inteiro - as mesmas que já haviam motivado a perseguição a muita gente importante no meio artístico por suas idéias contraculturais, como a liberação da maconha e o protesto contra a Guerra do Vietnam. Basta lembrar que "subversivos" do porte de Jimi Hendrix, Jim Morrison, Janis Joplin e John Lennon já haviam sido vigiados por agentes do FBI e da CIA por suas idéias de paz e amor livre anos antes, e este último, Lennon, pela intensificação de sua atuação na área política americana, nos anos de 1971-1972, andava enfrentando um pesado processo de deportação. Tudo parecia querer ir contra a mensagem do Black Sabbath sobre a coca, mesmo após terem lançado "Sweet Leaf", que era sobre a maconha, no LP anterior.

A cocaína, no entanto, era uma ferida política e social na qual certos setores da sociedade do início dos anos 70 se negavam a tocar. Tida como o sintoma mais claro da infiltração dos tóxicos na América organizada, era a mais nova "droga dos ricos" (título que ainda persistiria até a década seguinte), trazida de países da América do Sul, como a Colômbia (e fazendo a fortuna de gente como Pablo Escobar, dentro de poucos anos), e era tida como a grande fonte da evasão de dólares para os países baixos. Estudos ao longo dos anos demonstrariam que o farto dinheiro dos EUA é que financiara o gigantesco fortalecimento da indústria das drogas em toda a América Latina e, por consequência, no resto do mundo. E não só por causa do enorme mercado consumidor: investigações desvendariam o escabroso envolvimento de agentes da CIA com este negócio sujo, subvencionando o consumo de soldados americanos no front de batalha vietcongue (como forma de "resistirem", dopados, às pressões da guerra), e financiando transações milionárias de veteranos que voltavam desiludidos ou mutilados aos EUA, e que só encontrariam a sobrevivência, a partir de então, no tráfico de drogas, tornando-se os chefões americanos do ramo ao lado de ex-agentes da CIA.

Por essas e outras é que, durante as sessões de gravação do Vol. 4, quando a banda estava tentando gravar "Snowblind", todos no hall da mansão que servia como estúdio improvisado se entreolhavam nervosamente quando sabiam que a parte em que Ozzy berraria "cocaine" estava chegando. Os técnicos de som estavam a postos, prontos para limar o take e voltar a fita caso o vocalista, desrespeitando as ordens dos "superiores", se atrevesse a jogar tudo pelos ares e, em mais um de seus arroubos etílicos, gritasse a tal palavrinha a plenos pulmões.

Entretanto, no dia de finalizarem as gravações de "Under the Sun" e "Snowblind", com Ozzy já lá pelas tantas bêbado até a tampa, todos se impressionaram quando, no instante fatídico, o vocalista simplesmente cantou as estrofes iniciais da letra e emendou com um sussurrado "cocaine". Apesar da insistência do pessoal da Vertigo para nem mencionar o nome da "coisa" na música, foi o take que ficou, quisessem ou não, e que se tornaria um dos clássicos das banda e da história do heavy metal. "Snowblind", aliás, tinha um refrão sinuoso e envolvente, e seu ritmo pauleira e truncado logo conquistou admiradores entre os manda-chuvas da gravadora. Com Ozzy havendo apenas cochichado a palavrinha mágica na gravação, ficava tudo bem também - era um lance mais sugestivo e elegante, e de menos impacto imediato, na opinião de tudos. O único "não" categórico que ficou foi a imposição, pra valer mesmo, de que o nome do disco não poderia ser Snowblind. Se quisessem até colocar a canção abrindo o álbum (como já haviam feito com "War Pigs", em Paranoid), tudo bem. Mas o título do álbum deveria ser outro.

Assim, o grupo, na birra mesmo, decidiu pelo nada. Ou seja: nenhum nome seria dado ao quarto disco da banda, num lance bem parecido com o tal "álbum sem nome" do Led Zeppelin, que todos conhecem como Led Zeppelin IV. Diante da recusa de darem um nome para o LP, a gravadora apelou para um recurso bem típico dos álbuns lançados nos anos 60 e 70, e o batizou de Vol. IV. Uma pontinha da fina e típica ironia inglesa, inerente aos membros da banda, no entanto, não poderia faltar: caso você tenha o Vol. IV em uma edição com o encarte original, dê uma olhadinha na parte em que se encontra a ficha técnica do disco e você verá lá uma frase assim: "We wish to thank the great COKE-Cola Company of Los Angeles". O agradecimento à "grande companhia de COCA-Cola de Los Angeles" era, na verdade, mais uma pista, a todos que bem entendessem, que a "neve" estava mandando no pedaço, e havia sido escrita assim mesmo, "COKE-Cola", ao invés da grafia normal americana ("Coca-Cola"), numa alusiva piada com a Vertigo de que não poderia haver nada mesmo referente à cocaína na capa do LP. A mensagem passou despercebida para muita gente, mas um belo dia, um agente de publicidade da Vertigo notou a coisa e, esbarrando em Bill Ward em um dos estúdios de gravação, o interpelou sobre aquilo. "Ora, meu chapa, convenhamos... Como não poderíamos agradecer os caras que constantemente levavam aquelas caixas todas para não faltar Coca em nossos copos de Rum?", respondeu zombeteiramente o baterista.

A mensagem, entretanto, ainda tinha um outro sentido, este bem mais evidente para quem estava em contato direto com a banda naqueles dias. Realmente, muita gente andava fornecendo aos montes para o Black Sabbath, e não era exatamente Coca-Cola... Como dito no capítulo anterior, 1972 foi o ano em que a banda chutou o pau da barraca e assumiu seu lado "estrelas", com inúmeras exigências com a gravadora, hotéis, camarins etc. Era demais para as cabeças de todos - um grupo que havia começado em minúsculos pubs de repente estava lotando salões e estádios com capacidade para 20 mil pessoas ou mais, como dizia Tony Iommi! Evidentemente, se entregaram a toda a espécie de exageros e devaneios. E se até os outros, que eram mais comedidos em suas atitudes, assim fizeram, o que dizer então de um bagunceiro inveterado como Ozzy Osbourne? Dali em diante, o cantor consagraria definitivamente a imagem pública que fizeram dele por todos os anos seguintes...

São lendárias e burlescas as estórias que se contam sobre aqueles dias do Black Sabbath em Los Angeles. Ozzy, com uma turma de amigos e roadies da pesada, passaria a ser figura presente em toda a espécie de relatos absurdos. Afinal, ele estava em L. A., a cidade dos sonhos, a meca dos exageros e da megalomania. Cenas grotescas, como o cantor enfiando quatro charutões de maconha na boca enquanto cumprimentava celebridades no clube Trombadour, ou escatológicas, como ele defecando com três amigos do topo do edifício do lendário hotel Hyatt, em Hollywood Boulevard, para ver quem conseguia acertar mais transeuntes lá embaixo, tornam-se folclóricas, e povoam boatos horrorizados de Sunset Strip até o alto das colinas californianas. Também, o fenomenal consumo de bebidas do vocalista tornaria-se sua marca registrada, e logo seria tratado como notoriedade: quanto mais ingeria, mais parecia predisposto a beber mais, e sempre mais, desenvolvendo uma capacidade e resistência física para o álcool simplesmente impressionantes.

Pelo menos uma estória contada na famosa comédia Wayne's World 2 (no Brasil, "Quanto Mais Idiota Melhor"), acerca de Ozzy, é verdadeira, ou quase: no filme, um caricato roadie inglês, que teria acompanhado inúmeras bandas lendárias do rock em suas turnês e excursões nos anos 70, conta para os protagonistas que ele foi levado a arrombar uma loja de bebidas certa noite devido ao irrefreável desejo de Ozzy tomar um bom brandy. O PRÓPRIO Ozzy, no entanto, talvez até para relembrar seus dias marginais em Birmingham e sentir aquela velha adrenalina de larápio nas veias, arrombou algumas lojas em L. A. com alguns amigos para pegar alguns drinks...

Outra mania do vocalista que logo se tornou famosa, também, foi sua fixação por armas de fogo. Isso, diante da paixão americana por tais objetos, nem soa tão estranho: Elvis mesmo só fez aumentar a sua lenda após dar uns belos disparos em aparelhos de televisão em Graceland. Para uma mente perturbada que nem a de Ozzy, no entanto, o fato de estar vivendo em um país que tem verdadeira idolatria por armas, e onde a cada esquina podem ser encontradas lojas com as mais diversas variedades, opções e modelos, deixou o cantor birutinha. Do dia para a noite, Ozzy torraria mais de 80% dos royalties adiantados que recebera da gravadora só aumentando, em cerca de 35 itens, o seu arsenal pessoal. No dia em que viu a compra que o cantor havia acabado de fazer em uma das mais especializadas casas de armas de Los Angeles, Geezer comentou, em tom de galhofa: "Você vai para a guerra, Ozzy?". Era pistola automática, fuzil, escopeta, diversos tipos e marcas de revólveres - inclusive um Magnum 44, aquele usado por Clint Eastwood na série Dirty Harry, e que se tornaria a peça de estimação de Ozzy durante muitos anos. Enfim, toda a sorte de armas que você possa imaginar, Ozzy havia adquirido. E onde usar tudo aquilo?

Bem, primeiramente o cantor começou a frequentar algumas boas casas de tiro ao alvo de Los Angeles, treinando normalmente como qualquer pessoa e aprimorando gradativamente a sua pontaria. Entretanto, logo depois, a brincadeira de atirar em alvos de papel marcados começou a ficar sem graça, e Ozzy, devidamente abastecido de rum, tequila, whisky, e toda a sorte de coisas fortes que você possa imaginar, começou a partir para as ruas de L. A. mesmo, onde pudesse encontrar alvos mais interessantes em que atirar. Não é preciso nem mencionar o susto que Patrick Meehan levou quando ficou sabendo que Ozzy estava andando pela cidade à noite como se fosse um serial killer: pistolas e revólveres camuflados em sua jaqueta, suas botas... Ozzy, no entanto, sempre foi um fanfarrão. Mesmo quando o irritavam com alguma espécie de ofensa pessoal, ele, mais do que ébrio ou doidão, procurava fazer uma brincadeira como resposta. Nas ruas de L. A., os seus alvos preferidos não passavam de tampas de latões de lixo, postes, garrafas, e latas de Budweiser (milhares delas, aliás), atiradas ao ar por amigos.

Uma vez, no entanto, o cantor quase se dá mal: tentando acertar a lâmpada de um poste em uma esquina vazia, de madrugada, Ozzy, já turbinado por duas carreirinhas de "neve", sete latinhas de Budweiser, e quase metade de um Buchanan's, dispara uma projétil que vai pegar na janela de um escritório de publicidade que havia ali perto, e onde havia um senhor (um dos proprietários) ainda trabalhando, fazendo serão. Por pouco, o vocalista não se torna um dos pioneiros do gênero "bala perdida", hoje tão popular. O barulho de vidros quebrando e de um carro batendo em retirada no maior estardalhaço, com Ozzy e dois amigos apavorados, acorda todos, enquanto o homem quase atingido liga para a polícia escondido debaixo de uma das mesas de seus escritórios... Talvez uma explicação para esta anormal paixão do "Madman" por armas pode estar ligada à sua mais tenra idade, quando ele ainda era criança - em 1992, em uma entrevista dada a um jornalista americano, Ozzy comentou que muitas vezes ele saía com o pai e os irmãos para caçar em florestas e bosques próximos a Birmingham, inclusive para poder ter o que comer, diante da miséria em que viviam. "Fui acostumado desde cedo a correr atrás daqueles esquilinhos de Sherwood", disse o cantor sorrindo.

Embora o desastrado Ozzy, em suas arruaças, tivesse a sorte de muitas vezes se safar da polícia americana, nas vezes em que era pego durante as suas peripécias nas ruas a coisa não ficava boa, e lá ia Meehan e uma entourage de advogados contratados pela Vertigo para limpar a última merda que o cantor havia atirado em cheio no ventilador. Logo, ficou bem claro que a banda tinha que terminar logo as gravações do álbum, sair dali e pôr os traseiros na estrada, trabalhar - pelo menos, então, não teriam tanto tempo vago para continuarem trilhando o caminho da insanidade. Entre os outros membros, também, a coisa não estava muito boa: entre Bill e Tony, por exemplo, havia se desenvolvido uma desagradável competição em termos de "pegadinhas" que um aplicava no outro, desde a vez em que Tony, poucos dias após a chegada deles em Los Angeles, jogou fluído de isqueiro nas pernas de Bill e tocou fogo nelas. A "gozação" podia ter sido mais séria, e custou ao baterista um dos seus mais preferidos pares de calças jeans. Bill, como revanche, aplicou várias peças inesperadas em Tony durante a estadia deles na mansão, e o clima também não ficou bom entre eles quando, uma bela noite, o guitarrista estava voltando para casa com duas estonteantes beldades californianas com quem pretendia se aquecer. Ao entrarem os três no nababesco quarto de Tony, foram surpreendidos com um volumoso balde de urina que caiu de cima da porta, e que molhou, principalmente, o guitarrista. Tony ficou puto, e algumas semanas sem nem olhar para a cara de Bill foram o resultado da brincadeirinha.

Isso tudo ilustra muito bem como pode se dar o início da decadência de uma banda: Los Angeles era despojamento e fascinação, e todas as suas maravilhas e possibilidades inebriavam os caras do Black Sabbath. Mas, no clima de loucuras e paranóia que criava nas mentes de todos, levando-os a curtirem intensamente cada minuto como se fosse o último, indicava, também, os rumos que estreitariam o grupo com a sua ruptura. Logo, de maneira bem implícita, a banda começou a se polarizar em duas extremidades distintas: de um lado, Tony e Geezer, mais compenetrados e sérios em suas posturas, predispostos a serem os "mandões", e de outro, Ozzy e Bill, mais leves e descontraídos, brincalhões e anárquicos, e claramente irreverentes diante daquela nova realidade que parecia querer se impor. Algo que sempre existiu, aliás: mas que só agora, diante dos efeitos de várias substâncias químicas e oportunidades, se tornava mais claro aos olhos de todos. A democracia, a paz e a estabilidade da banda passariam a ser ameaçadas, dali em diante.

As gravações do Vol. IV estavam praticamente terminadas, e o Black Sabbath estava já se preparando para cair na estrada, quando, numa bela tarde, aparece na mansão do grupo uma visita surpresa, que Ozzy não estava nem esperando: proibida de aparecer em Los Angeles enquanto a banda estivesse realizando as gravações (para "não quebrar o clima"), a mulher de Ozzy, Thelma, pede ao motorista da limusine para descarregar a bagagem e ajudá-la a levar para dentro da enorme casa. Ao entrarem, a moça já vai achando muito estranho o tal "clima" que devia ser o propício para as gravações: a mais variada fauna de tipos humanos ocupa o lugar, vários deles de aparência gritantemente agressiva: traficantes, promotores de shows picaretas, junkies desocupados - todos "amigos" da banda. Enquanto isso, Tony, que nem percebera a chegada de Thelma, estava num dos cantos da sala de jogos, conversando expansivamente ao telefone, enquanto uma gangue de Hell's Angels jogava sinuca e uma garota seminua andava entre eles abastecendo constantemente seus copos. Thelma olha para a piscina, procurando Ozzy. Ele não está lá, mas um exército de garotas de topless, agarradas aos roadies da banda, está - todos bebendo, cheirando, rindo e conversando descontraidamente. O motorista pergunta a um dos rapazes onde fica o quarto de Ozzy, ao que ele responde, com um sorriso malicioso, "lá em cima, o primeiro virando o corredor à direita". Ao chegarem lá, Thelma empurra sem nenhuma cerimônia, e já bastante irritada, a colossal porta de madeira, e se depara com duas garotas loiras, nuas e totalmente apagadas, em cima da cama do marido. Horas depois, após chegar, Ozzy alegaria que as garotas eram de Geezer, mas estavam ali pois a cama dele tinha quebrado, lamentaria, berraria, choraria, e prometeria que aquilo nunca mais aconteceria, o que passou a ser uma constante na vida do cantor. Ozzy passaria longos anos de sua vida promotendo, fosse para um amigo, um empresário, uma esposa, ou quem quer que ouvisse seus desabafos, que ele nunca mais cometeria um tal erro, nunca mais "pisaria na bola"... - para voltar a fazer tudo de novo no minuto seguinte: mulheres, drogas, bebidas... Mais uma característica marcante do mito que acompanharia o vocalista.

Tão logo conseguiu se reconciliar com a esposa, aproveitando o belo cenário de Los Angeles para armar uma segunda lua-de-mel (e de onde sairia a gravidez de sua primeira criança legítima, Jessica), Ozzy cai na estrada com o Sabbath, e passarão o resto do ano numa turnê avassaladora de ponta a ponta na América, promovendo o lançamento do quarto álbum.

Aquele era o ano do "rock glamouroso", o glitter rock de gente como David Bowie, Alice Cooper e Mott the Hoople estava surgindo e subindo nas paradas - uma modalidade de som ousada e "bichesca", para muita gente que via naqueles novos rebeldes transgressores o signo da androginia e da efeminação no rock. Na verdade, estavam nada mais, nada menos, do que seguindo as propostas de pioneiros na postura desafiadora de palco de gente como Mick Jagger, Lou Reed e Iggy Pop, e acabaram por definir todo um estilo que continuaria reinando no mundo pop por muitos anos afora, de Queen e Sweet até as bandas pouseur dos anos 80, como Motley Crue e Faster Pussycat. O glitter rock, com seus artistas soltadores de franga e performances super decoradas e teatrais em concertos, acabou por sua vez definindo toda uma nova tendência de figurinos no rock, e até bandas que não eram glitter estavam entrando nessa, com suas novas e arrojadas roupas e atitudes extravagantes em palco, cada uma procurando impressionar mais do que a outra. Foi assim, por exemplo, que o Led Zeppelin começou a caprichar nas roupas com detalhes místicos e colocar iluminação a laser nos seus shows; que o Emerson, Lake and Palmer, o mais tresloucado e megalomaníaco de todos os grupos progressivos, começou a se caprichar também no visual e promover verdadeiros festivais de luzes e fogos em seus concertos. O Black Sabbath não iria tão longe, mas visualmente, e depois de banhos de lojas em Los Angeles, estava vestindo figurinos bem diferentes daquelas surradas roupas de início de carreira. A partir de agora, popularizavam-se, nos palcos, as as enoooormes calças boca-de-sino e as blusas reluzentes de Geezer, o visual negro e repleto de crucifixos e penduricalhos de Tony, as batas enormes e cafonérrimas de Bill, e as também batas e camisas com franjas enormes, caraterísticas de Ozzy, que o próprio vocalista estaria representando na capa do Vol. IV.

Obviamente, além do visual mais "moderninho" (para os padrões da época, diga-se de passagem), a banda ainda punha mesmo para quebrar era no som vigoroso - som esse que, apesar de tudo, não escondia a ousadia das letras que, vez ou outra, ainda eram motivo de dor de cabeça para a banda. Embora já não estivessem mais sendo tão perseguidos e assediados por seitas ocultas, de vez em quando algum lunático mais exacerbado pregava um susto na banda, como em um show da turnê ocorrido em Memphis, Tenessee, em que um fanático conseguiu romper a barreira da segurança e subir ao palco no meio da apresentação, armado com uma faca e se atirando em direção a Tony, na tentativa de golpeá-lo. O maníaco foi detido a tempo, mas por muito pouco Tony não teria caído sangrando ali mesmo, no meio de uma execução de "N.I.B." : como sempre, a péssima reputação da banda a acompanhava e motivava incidentes desagradáveis como esse, especialmente em locais mais interioranos e de mentalidade retrógrada, como em Memphis, "terra de Elvis e de caipiras".

Algumas dessas apresentações do final de 1972 seriam gravadas, pois estava nos planos da banda, caso dessem uma parada para descansar e poderem se concentrar um pouco mais em suas vidas pessoais e familiares, - praticamente nulas com toda aquela loucura da carreira - o provável lançamento de um registro ao vivo em disco, que era algo que muitos fãs reinvindicavam já há algum tempo. O espetacular Made in Japan, do Deep Purple, havia batido recordes em vendas, e mostrava o quão boa e enérgica podia ser uma gravação ao vivo de uma banda de rock, dando uma boa idéia do seu real poder de fogo e da emoção dos shows. Bem, o Deep Purple era uma banda virtuosíssima, de integrantes afinadíssimos com os longos improvisos e firulas sonoras - o que, vamos e convenhamos, não era bem o caso do Black Sabbath, que sempre atingiu mais e provocou impacto com o seu peso simples e maciço, direto, sem enrolações. Riffs precisos e cortantes da guitarra de Tony, lamentos e berros paranóicos de Ozzy, e a cozinha metálica e precisa de Geezer e Bill: o Black Sabbath, em suma, era isso, e era a pura competência no assunto, ainda que os críticos inicialmente chiassem para a proposta. Qualquer um que já tenha ouvido lances mais progressivos do Black Sabbath em gravações piratas dos anos 70, como eles tentando executar "Sabbra Cadabra", "Junior's Eyes" ou "Megalomania" ao vivo, sabe como eles acabavam se atrapalhando um pouco na coisa.

Entretanto, para Tony, parece que não estava bom o suficiente ainda, e isso foi o motivo de um outro ponto de desgaste que passou a incomodar a banda, por dentro. Durante as apresentações ao vivo, diante de toda a mega-ostentação sonora e virtuosismo de músicos da época, como os próprios caras do Deep Purple, do Led Zeppelin, e todos os grupos progressivos, o guitarrista passou a querer incrementar mais o som do Sabbath com mudanças de ritmo, viradas, e passagens sonoras incementadas - e ainda interligando tudo com vários solos e improvisações, nas apresentações ao vivo. É uma característica da banda que pode ser bastante sentida nas músicas e shows do grupo a partir de 1972 - e que passou a irritar Ozzy. Com o passar dos anos, a coisa foi se agravando de tal modo que, em seus últimos concertos na década, cerca de 40 minutos de uma apresentação do Sabbath, de um total de 90 minutos, em média, eram compostos, basicamente, de jams jazzísticas e instrumentais do grupo, com Tony solando, esfomeado de guitarra, no meio de várias músicas do grupo, enquanto Ozzy ficava olhando de soslaio e rancorosamente num canto do palco, e tentava, em vão, agitar a galera com o mesmo pique de antigamente. O próprio vocalista argumentaria, depois que saiu da banda e iniciou sua carreira solo: "Nos últimos shows o Tony ficava lá, fazendo enormes solos de jazz de bocejar, e eu lá, só olhando ele de um canto do palco, quase implorando para ele parar e voltar a tocar um rock. Não importa o que pensem, cara: o Black Sabbath não é jazz; pra mim, o Black Sabbath sempre foi rock, cara, rock!".

Pois é, dá pra sentir como o clima de briga em gravações e ensaios começaria a ficar intenso a partir do final de 72, não? Devido a isso, as coisas só pioram em 1973, deixando os nervos e neuras de todos os membros da banda expostos: o ano começa e termina com pouquíssimos dias de descanso para todos. Excursionando de janeiro a setembro daquele ano, por diversas cidades da Inglaterra, EUA, Canadá, Austrália, Japão e o escambau, numa verdadeira tour-de-force- mundial, o Black Sabbath começa a sentir na pele o real significado da palavra "estafa", e durante os concertos, os sinais do cansaço e do estresse são mais do que visíveis. Em uma apresentação em Vancouver, Canadá, Ozzy esquece as letras de metade das músicas - exatamente as mais recentes, e uma ruidosa vaia se faz ouvir quando o vocalista, de saco cheio, começa a atirar baldes de água fria preparados pelos roadies nas pessoas mais descontentes nas fileiras da frente. Faria pior em Illinois, EUA, bêbado e totalmente indisposto, mostrando a bunda para um público de 12.000 pagantes. No início do ano, na Suécia, seria a vez de Bill Ward, atrasando a apresentação do grupo em mais de uma hora por ter "apagado" nos fundos de um bar onde tinha ido beber ainda durante o dia, quase não tendo sido encontrado. Por sinal, tanto ele quanto Ozzy, devido às suas rotinas de excessos monstruosos, começavam já a ostentar portentosas barriguinhas de cerveja, que aumentariam ainda mais as suas já parrudas silhuetas. Certa vez, nos bastidores de um show em San Diego, uma das groupies que estava com Geezer começa a tirar sarro do vocalista, cada vez mais gordo e inchado. A reação do vocalista é agarrar a garota enquanto Geezer não estava vendo e lançar uma série de arrotos na cara dela... e mais uma briga estava formada.

Se naqueles dias, um dos grandes responsáveis por esfriar a cuca de todos e ainda manter a banda unida era o empresário, Patrick Meehan, por outro lado, pessoas chegadas a Tony e Ozzy começam a fustigá-los a que pesquisem, mais a fundo, como estão indo as finanças da banda. Tantos shows e tantas turnês, para uma banda que não gastava tanto quanto um Led Zeppelin ou um Pink Floyd, por exemplo, em termos de produção, e ainda tinha um lucro mais modesto do que estas celebridades do rock, demonstravam que algo andava errado nos cofres. Era muito trabalho e correria para uma receita não muito condizente. Entretanto, Meehan era esperto e sabia manter seus rapazes dispersos em relação a isto, sempre arranjando novos shows e novas datas com o intuito de que ficassem sempre muito ocupados para se ligarem nos negócios. Outro ponto polêmico que surgia era a questão do tal disco ao vivo, que o grupo queria lançar ainda em 1973 - entretanto, parte do material gravado nos últimos shows de 1972 havia sido considerado fraco pela própria banda.

E agora, de seis apresentações gravadas entre fevereiro e maio de 1973, Meehan desprezara a maioria do material, e, sempre visando o lucro acima de tudo, alegou aos membros da banda que era melhor aguardarem um pouco mais o término da tour em andamento para já se concentrarem em um disco novo, que poderia ter um melhor desempenho nas paradas do que uma simples coletânea de músicas ao vivo - Black Sabbath era um nome em voga, e todos sempre aguardavam com ansiedade por novidades da banda. Tony e Ozzy, entretanto, já haviam maquinado com alguns técnicos de som a mixagem de algumas gravações daqueles shows, para que ficassem já "no calibre" caso a gravadora se decidisse pelo lançamento do álbum. Foram escolhidas duas apresentações gravadas no mês de março, no clube Hard Rock, de Manchester (a 11 de março daquele ano), e no lendário Rainbow, de Londres (no dia 16 de março). Mais uma vez, o álbum ao vivo teria que esperar, ainda que, na opinião de Ozzy, era mais do que conveniente lançar o disco para que ele e os outros pudessem ter ao menos um tempo maior para descansar antes de gravarem outro LP...

Para o próximo álbum do grupo, todos concordavam em voltar a L. A. e gravá-lo nos mesmos moldes do Vol. IV, inclusive na mesma mansão. Porém, o local já havia sido ocupado por novos inquilinos, e a Vertigo não estava disposta a arcar com os pesados gastos dos estúdios californianos, já que tudo podia ser feito na Inglaterra mesmo. Foi assim que, talvez, procurando um pouco mais de tranquilidade e um clima mais bucólico e pastoral para registrarem as novas composições, em outubro de 1973, Geezer propôs a todos a estadia do grupo, durante alguns dias, em um velho castelo na região norte da Inglaterra - que, por sinal, não ficava muito distante do local onde havia sido tirada a famosa foto da "casa da bruxa", para o primeiro LP da banda. O lance era fugirem um pouco da correria das grandes cidades, à qual estavam condicionados desde o ano anterior (e especialmente após a temporada em Los Angeles), e conseguirem encontrar um maior clima de paz e isolamento para gravarem o novo disco, só entre eles mesmo, voltando às raízes. Todos os membros toparam de cara.

Nenhum dos rapazes, entretanto, imaginava que as sessões de gravação do próximo álbum, a serem registradas no tal castelo, se tornariam as mais famosas da história do grupo - e justamente por fatores que eles forçavam e eles mesmos a esquecer. Mais do que nunca, o sobrenatural continuava a rondar os passos do grupo.

Na primeira noite de estadia no enorme recinto, a banda ensaiou e tocou um pouco do novo material, como sempre faziam. Como sempre, também, Ozzy se fazia acompanhar por enormes garrafas de Chivas Regal ou qualquer bom whisky que o deixasse "no clima". Após o término da sessão, músicos e técnicos foram retirando os instrumentos e a aparelhagem, enquanto Ozzy foi ficando por ali mesmo, estirado em um sofá enorme, ao estilo vitoriano, que estava no mesmo salão. O pessoal da gravadora tinha compromissos no dia seguinte, e como ainda estava relativamente cedo para pegar a estrada (oito horas da noite), resolveram puxar o carro e partir para Londres ainda naquela hora. Ficaram no castelo, portanto, só os membros da banda mesmo. Enquanto Tony, Geezer e Bill arrumavam suas coisas na parte superior do lugar, Ozzy cochilava a sono solto no salão central que, como todo castelo que se preze, não possuía iluminação elétrica: era tudo na base dos candelabros e tochas mesmo. Também seguindo a estética tradicional do lugar, o chão era forrado por enormes tapetes repletos de signos medievais, e tudo contribuía para dar ao ambiente um aspecto ainda mais sinistro do que a escuridão imperante poderia sugerir.

Subitamente, uma grossa faísca de um dos candelabros, sem qualquer explicação aparente, cai no tapete do salão onde Ozzy está dormindo, e a propagação do fogo é rápida e espontânea, atingindo também os ancestrais móveis de madeira nobre. Em dois minutos, o lugar inteiro está ardendo em chamas! Um ainda tonto e sonado Ozzy acorda, mas somente por causa da densa fumaça que toma o recinto inteiro e lhe causa tosse. Levanta-se totalmente baratinado com aquilo, e o primeiro pensamento que tem, ainda inebriado de álcool, é: "Bem, morri sem perceber e agora cheguei aqui mesmo. Esse é o tal lugar...". De repente, em meio às chamas, ouve-se a voz de Tony gritando. Geezer destampa um extintor e começa a jogar a espuma por todo o lugar, desesperado como um louco. Ozzy sai correndo em meio às chamas, chamuscando as suas calças, e em menos de um minuto, ele pode enxergar o perigo do qual escapou por pouco, observando o reino de cinzas em que se transformou o salão...

Aquilo não foi tudo, no entanto. Ainda na mesma noite, apenas meia hora após o estranho incidente do incêndio, que já deixara todos com a pulga atrás da orelha, os quatro estão subindo a infindável escadaria que conduz aos aposentos do segundo andar, se entreolhando cheios de dúvidas e doidos para falar uns com os outros o que todo mundo está pensando mas, que depois do incidente com Ozzy, ninguém tem a coragem de dizer: o castelo tem um clima muito estranho. Ao chegarem ao corredor principal do segundo andar, Geezer está comentando algo com Bill sobre uma nova música, e Ozzy e Tony vêm logo atrás, quando de repente todos param subitamente arrepiados, uns se encostando nos outros no maior susto: um vulto é visto entrando em um dos salões do segundo andar. A cena foi muito rápida, e ninguém consegue notar se é um homem ou uma mulher ou que roupa estava vestindo - eles apenas podem jurar que aquela pessoa estranha estava ali e que, ao contrário do que eles estavam pensando, eles não eram as únicas pessoas que estavam dentro daquele castelo!

Apesar dos calafrios e de toda a desagradável sensação que começa a tomar conta deles, Ozzy toma a frente e conclama aos colegas: "Isso não está certo. Vamos ver quem é!". O grupo segue em passos rápidos rumo ao salão onde o vulto adentrara. A gigantesca porta de entrada estava escancarada, mas ao chegarem lá dentro, notam que a porta de saída do salão, que dava para outro recinto do castelo, está trancada. Detalhe: por dentro. Nenhum barulho, dadas as proporções da porta e de sua pesada chave de ferro, fora ouvido. E não há ninguém no salão. Tony, Bill, Ozzy e Geezer procuram em todos os cantos, não acreditando no que seus olhos estavam os mostrando, e nada: não havia uma partícula de ser humano naquele salão, apesar de terem visto o vulto ali entrar. E a porta de saída estava lacrada com uma enorme chave por dentro, do outro lado não havia nada - era impossível que a tal pessoa tivesse saído por ali, se não poderia voltar e trancar a porta com aquela mesma chave, do lado de dentro. A menos que... mas essa era uma opção na qual nenhum dos membros da banda queria pensar, naquele momento. Entretanto, inevitavelmente, já estavam pensando.

Bill, exasperado, foi o primeiro a dizer: "Isso não é deste mundo!", seguido por Ozzy. Geezer, então, começou a contar a história dos antigos habitantes do castelo, e de tudo aquilo que já havia ouvido falar dos inquilinos anteriores. Coisas estranhas, ruídos assombrosos e fatos inexplicáveis, várias vezes. Tony o interpela: "E só agora você vem nos dizer isso então?", ao que Geezer responde: "Pensei que fosse tudo só lenda". E bem ao seu estilo fanfarrão, Ozzy é o primeiro a manifestar a batida em retirada: "Bom, lenda ou não, o negócio é o seguinte: estou caindo fora daqui. Não quero fazer nas calças quando menos esperar. Quem quiser, que me acompanhe!". Nem é preciso dizer que todos abandonaram o castelo na mesma noite.

Ainda que estivessem horrorizados pela experiência macabra daquela noite, na semana seguinte o Black Sabbath acabou alugando um outro castelo, a duas milhas dali, mas com melhores "antecedentes", e devidamente habitado por uma criadagem animada que dissipasse qualquer sombra fantasmagórica mais suspeita. Em duas semanas, os trabalhos de gravação do novo disco estavam terminados. E fatos realmente estranhos vinham acontecendo durante a concepção do álbum - inclusive um, pouco comentado até hoje: Ozzy dera de presente a Geezer um livro de poesias celtas, que era uma verdadeira peça de colecionador, um item de museu que somava já 400 anos de idade. Geezer contaria que, ao levar o tal livro para casa, ele teve aquela que ele descreve como "a experiência mais aterrorizante de sua vida". Ao chegar e colocar o livro sobre uma estante, Geezer se lembra de ter virado e, no mesmo minuto, ter visto um horripilante gato preto na sua frente. Aparecido do nada. O gato o fitou fixamente, saiu correndo e pulou sobre uma das janelas de sua mansão. Ao se virar, olhando novamente para a estante, Geezer notou que o belo presente que ganhara de Ozzy não estava mais ali. O livro de 400 anos havia misteriosamente desaparecido, de forma inexplicável, para nunca mais ser encontrado.

O clima fantástico de mistérios e castelos que envolvia o Sabbath naqueles dias ajudou a banda a novamente se inspirar em temáticas bastante místicas para as novas canções, e o resultado acabaria sendo aquele que é considerado por muitos, até hoje, o melhor e mais bem desenvolvido trabalho gravado pelo grupo até hoje. A peça principal do álbum, "Sabbath Bloody Sabbath", era uma viagem alucinante que sondava os mistérios da mente humana e da escravidão cerebral, com um refrão lírico cativante. Outras músicas, como "National Acrobat" e "Killing Yourself to Live" traziam o velho peso de sempre, mas com muito mais técnica e espontaneidade. E em faixas como "Sabbra Cadabra" e "Looking for Today", por exemplo, a porradaria maciça da banda se casava perfeitamente com sutis intervenções de cordas e passagens orquestrais, que davam um toque ainda mais mágico e onírico ao som da banda, evocando imagens surreais de castelos e contos assombrados, em uma perfeita síntese sonora das letras enlouquecidas de Geezer. Nesta aventura extremamente bem produzida e que cativou definitivamente os críticos musicais de então, que já vinham esperando desde o Vol. IV a redenção do heavy metal sabático ao bom gosto progressivo e melódico, foram muito bem recebidos lances mais experimentais, como "Who Are You" - agora sim, Rick Wakeman, sob o pseudônimo de Spock Wall para evitar problemas contratuais entre gravadoras, participava com todo o poderio grandiloquente de seus teclados estratosféricos - e também a mais bela faixa instrumental já produzida por Tony e sua banda: "Fluff", uma terna e emotiva suíte de violões e guitarras em diferentes tonações.

Mas talvez o trabalho que mais tenha surpreendido os críticos e agradado em cheio os fãs de rock da época tenha sido a balada pesada "Spiral Architect", com toques eruditos e passagens soturnas e inebriantes, típicas do melhor que o Sabbath tinha para oferecer. Começou muito simples: havia uma introdução dedilhada ao violão por Tony desde o início das gravações do álbum, chamada "Prelude to a Project". Pouco tempo depois, Geezer apareceu com o riff que dominava o corpo da música, e a partir daí sentaram-se juntos e desenvolveram o tema principal, já pensando em colocar algumas cordas e violinos para realçar o som da canção. Logo, a pequena e melancólica introdução foi adicionada ao início, dando uma entrada perfeita para o delírio sonoro que se desenrolaria a partir dali. Acabaria sendo o fecho de ouro para um LP que seria o mais vendido da banda, desde Paranoid. O disco seria lançado com um belíssimo trabalho de arte de Drew Struzen, que anos mais tarde seria o responsável pelos primeiros cartazes de lançamento do clássico filme Star Wars (Guerra nas Estrelas), de George Lucas.

Prevendo o sucesso de seu lançamento, Patrick Meehan organiza com a ITV inglesa a produção de mais um clipe promocional, a ser veiculado durante o Top of the Pops e outros programas musicais de sucesso da época, na Europa e EUA. Aqui no Brasil, foi um delírio, quando foi exibido em edições do Sábado Som e outros programas de TV de "música jovem", que passavam na Rede Globo e na TV Cultura dos anos 70. Os jovens brasileiros, vivendo um atraso de cerca de dois anos em relação às novidades musicais do mundo (quem diria que um dia haveria MTV e Internet...), e sufocados por um regime militar e uma sociedade quadrada e castradora durante muito tempo, deliravam vendo na telinha as imagens de Ozzy, Tony (estranhíssimo sem o seu bigode usual), Geezer e Bill brincando em bosques ingleses com a câmera e viajando a anos-luz de velocidade pelas estradas de Londres nas imagems nonsense do clipe da música-título do novo disco, "Sabbath Bloody Sabbath". Também podia-se notar como Bill já se encaminhava aos recordes da balança com uma cara de bebum gozadíssima e uma pança enorme, demonstrando no vídeoclipe o tamanho dos canecões de cerveja a que ele andava se dedicando...

Lançado no finalzinho de 1973, Sabbath Bloody Sabbath foi a consagração definitiva de uma banda que, já havia muito tempo, estava lutando para garantir o seu lugar ao sol... ou nas sombras! Mas que, de qualquer forma, agora estava definitivamente inscrita no panteão sagrado das lendas do rock. Dessa forma, 1974, após a usual turnê de lançamento do novo disco, finalmente foi um ano mais tranquilo para a banda, com os seus membros descansando mais, curtindo suas famílias e os afazeres de suas vidas particulares e viajando menos. Ozzy inclusive encontrou tempo para descansar em sua grande propriedade rural em Leicester e provocar a boataria da imprensa marrom e a ira de sua vizinhança, ao promover um polêmico tiroteio durante uma tarde de beberrança no enorme cercado onde ficavam as galinhas e os chiqueiros com porcos. Aparentemente, após uma discussão com Thelma, o vocalista se refugiou nos fundos de seu sítio com o seu arsenal bélico, e despejou a sua fúria em forma de chumbo nos pobres animais. O barulho fez a vizinha da propriedade ao lado pensar que se tratava de um bando de marginais invadindo o local, e chamou a polícia, que prontamente apareceu já carregando a tiracolo equipes de jornalistas e repórteres de TV. Na época, Ozzy deu uma declaração sarcástica ao sempre escandaloso semanário inglês The Sun: "Você já atirou em gatos? Eu não... Uma vez atirei em um cavalo, pois simplesmente gosto de atirar, mas acho que é algo completamente diferente de atirar em gente. Gosto de atirar, só isso... relaxa. Tenho uma coleção de armas em casa".

Os fãs, sempre sedentos pela presença estonteante do grupo nos palcos, no entanto, sempre exigiam o retorno do Black Sabbath ao seu habitat natural, e lá iam eles novamente. Em 6 de abril de 1974, um grande compromisso esperava a banda: promovido pela rede de tevê americana ABC, o festival California Jam tinha como proposta a tentativa de reeditar alguns dos grandes festivais de música dos anos 60, mas com a tecnologia e os grupos que estavam fazendo sucesso nos 70, e transmitir tudo ao vivo e sem cortes, em um dia inteiro de shows, pela primeira vez, pelo então novo sistema via satélite para mais de 10 milhões de pessoas. Era, simplesmente, O EVENTO naquela altura da década, quase uma espécie de "Woodstock" televisionado, e milhares de ingressos já haviam sido vendidos para o local, o circuito de corridas Ontario Motor Speedway, especialmente preparado para o concerto. Antes disso, apenas o show de Elvis Presley ao vivo do Hawaii, também pelo novo sistema via satélite, havia provocado tanto frisson. Tristemente, mais um fato que marcaria o estresse da banda com o seu empresário se deveu a este evento: Patrick já havia fechado meses antes um acordo com a ABC da participação do grupo no show (que tinha o Deep Purple e o Emerson, Lake and Palmer como headliners), mas o Sabbath queria descansar, aquele deveria ser um ano de pausa para a banda. Como no entanto havia uma multa de cem mil dólares prevista contratualmente, caso a banda terminantemente se recusasse a tocar no California Jam, lá foram eles novamente, e bastante aborrecidos já pela maneira como Patrick ia conduzindo os negócios. Aos poucos, o grupo começou a se sentir realmente escravizado pelo seu empresário.

Todos os grandes da época, simplesmente, iriam estar no California Jam: Emerson, Lake and Palmer, Earth, Wind and Fire, Eagles, Deep Purple... A banda de Ritchie Blackmore estaria estreando ali a sua nova formação, com David Coverdale e Glenn Hughes no lugar dos dissidentes Ian Gillan e Roger Glover, coincidindo com o lançamento de seu novo LP Burn.

A conexão Black Sabbath-Deep Purple sempre foi lendária no mundo do rock pesado. Inclusive, membros do Deep Purple, como Gillan e Hughes, já fizeram história também participando nas fileiras de fomações do Sabbath que se seguiriam ao longo dos anos 80. Mas, durante muito tempo, e bastante graças ao notório e irascível temperamento muito peculiar do guitarrista e líder do Purple, Ritchie Blackmore, se imaginou que o escândalo no show do Deep Purple naquela noite do California Jam' 74 se devia a uma animosidade entre ambas as bandas. O que não é verdade. No backstage do concerto, integrantes das duas bandas conversam animadamente sobre carros, garotas e sobre o evento. Só Blackmore mesmo, com suas manias e superstições que deram luz a históricos quebra-paus com Ian Gillan, é que se preservava trancado no seu quarto de hotel, aguardando a hora do show como se tivesse alguma doença contaminosa

O que aconteceu foi que, como disse certa vez Roger Glover, do Purple, em uma entrevista, usualmente os grandes shows e concertos de rock sempre atrasam. Pois com o California Jam aconteceu exatamente o inverso: tudo adiantou. Por um erro de organização da ABC, pressionada por seus afoitos anunciantes, o show começou mais cedo. Bandas estariam se apresentando desde a manhã daquele dia, e o Sabbath, inclusive, subiu ao palco com o maior sol, às 4 da tarde - uma hora antes da prevista para o início de seu show.

O grupo botou fogo na platéia com um set perfeito: estava tudo lá, "Black Sabbath", "War Pigs", "Supernaut", "Children of the Grave" e algumas do novo disco, como "Killing Yourself to Live" e a própria "Sabbath Bloody Sabbath", tocadas no maior pique, com Ozzy exibindo o seu novo corte de cabelo (madeixas mais curtas) e pulando e agitando como um louco no palco enquanto a banda dava o sangue. Foi, sem dúvida, para todos que assistiram e para quem pode conferir no vídeo pirata do show, uma apresentação irrepreensível. Tanto é que muitos imaginariam que a raiva de Blackmore, com o seu "surto" particular durante a apresentação do Deep Purple, se daria por inveja da performance do Sabbath, e insegurança e insatisfação diante da nova formação do Purple, tocando ao vivo pela primeira vez. Nada disso.

Com o Black Sabbath cumprindo perfeitamente o seu set e terminando uma hora antes do previsto, o cronograma do evento continuava adiantado, e havia uma cláusula no contrato do Deep Purple de que eles só subiriam ao palco assim que o céu estivesse já escuro o suficiente para a megalomaníaca aparelhagem de luz e som da banda poder funcionar com toda a potência. O sempre caprichoso Blackmore, entretanto, ao ser avisado de que já estava chegando a hora do grupo subir ao palco, sendo ainda apenas cinco e meia da tarde, simplesmente se trancou no seu quarto, e não havia membro do Purple, autoridade ou santo que o tirassem de lá! Um executivo do grupo ABC ficou possesso e começou a xingar todos os caras do Deep Purple, chamando-os de irresponsáveis, um oficial da polícia de Los Angeles foi chamado para tentar fazer a banda começar o show à força, e o público, esperando sem fim sob o escaldante sol californiano por uma apresentação que não começava, começou a chiar.

No final das contas, Ian Paice e Jon Lord, respectivamente baterista e tecladista do Purple, arrombaram a porta do quarto onde Blackmore estava e praticamente o levaram escoltado, na marra, para o palco do California Jam, onde todos já o esperavam impacientemente para começar o show. Toda esta confusão foi a senha para aquilo que vemos no final da apresentação do Deep Purple naquela noite, no vídeo do California Jam' 74: Blackmore praticamente possesso no final do concerto, esmurrando sua guitarra contra duas câmeras em estilhaços da TV ABC, que filmava tudo sem parar! Como se não bastasse, o guitarrista ainda ordenou a um dos roadies da banda que, no final de "Space Truckin'", ateasse fogo aos amplificadores da guitarra com dois litros de combustível que haviam sido guardados no fundo do palco com esse intuito. A loucura foi tão grande que, após a ordem do enlouquecido Blackmore, a explosão que se seguiu arremessou o guitarrista longe, e quase fere gravemente Hughes e Lord, que chegaram a sentir o calor do fogo chegando neles do outro lado do palco! Aquele foi o dia em que, para muito roqueiro, o exibicionismo piromaníaco de Blackmore rivalizou com a apresentação bombástica do Sabbath...

Após um certo tempo de descanso, agosto de 1974 anunciava o início de mais datas de gravação para um novo álbum de estúdio da banda. O tão esperado ao vivo, para desapontamento de Ozzy e de boa parte de fãs... nada mesmo. Estava emperrado devido às sempre ditatoriais negociações de Patrick Meehan com a gravadora. Aos poucos, o clima de cansaço dentro da banda, e entre os seus membros - que realmente preferiam descansar um pouquinho mais - começa a surtir rumores na imprensa de que algo realmente não vai bem. Não são poucos os boatos de que estariam pensando em gravar discos solo, e uma nota de um jornal londrino chega a dar como certa a saída de Ozzy do grupo, já que este não vem sendo mais visto com eles. Na verdade, grande parte do desgaste se devia mesmo a Patrick. Gradualmente, a banda vai se desiludindo com as manobras cada vez mais interesseiras financeiramente do empresário, de ficar sempre faturando, sem se interessar pelo bem-estar do grupo. Tony e ele começam a discutir violentamente certa tarde sobre o real lucro da banda. O ambiente fica pesado. Uma das músicas na qual o Sabbath começaria a trabalhar, "The Writ", retrata bem isso. Pouco a pouco, durante as gravações do que será o disco Sabotage, o rompimento entre a banda e seu empresário começa a se mostrar inevitável.

Parte 8 - Uma estrada difícil

Nas palavras calmas e muitas vezes hesitantes do pensativo Tony Iommi, Sabotage foi um disco que saiu simplesmente 30% do jeito que a banda queria... e não mais do que isso! "A capa ficou um horror!", queixaria-se o guitarrista, em uma entrevista dada em 1991. "A idéia de nós de costas para um espelho na capa e olhando para ele pela parte de trás parecia ótima, um lance super-surreal, mas acabou não dando certo. Algumas das músicas, obviamente, ficaram melhores do que a capa."

Quando Iommi fala "algumas", ele, claramente, está se referindo àquelas que são consideradas as melhores faixas do disco - não só por ele como por uma parte considerável dos fãs do grupo, que responderam expressivamente, nos números das vendas do álbum, em agosto de 1975, o que haviam achado do trabalho mais recentemente do grupo. Uma queda acentuada em relação às vendas do anterior, Sabbath Bloody Sabbath, até hoje tido como um dos melhores trabalhos do grupo nos anos 70, mostrava isso. Como Iommi diria ainda, na mesma entrevista, aquela estava sendo uma época muito difícil para a banda, pois após a enorme variedade e vigor musicais do 'Sabbath Bloody...', o grupo se sentia incomodado em seguir caminhos mais óbvios, e havia resolvido testar tudo o que pudessem no novo LP. Foi assim, por exemplo, que surgiu a idéia de colocar uma faixa inteira com coral e harpas como "Supertzar", ou de deixar Ozzy testar seus talentos de compositor e até mesmo de tecladista (!) na canção "Am I Going Insane", escrita por ele próprio e onde ele "arranha" um sintetizador, e que foi inclusive lançada em compacto, mesmo não tendo muito a ver com o som da banda! Em outros momentos, a versatilidade instrumental pretendida por todos abria brechas para que voltassem a trabalhar em coisas mais pesadas e próximas do Sabbath antigo, como "The Thrill of it All", mas sem a mesma criatividade de tempos idos. Em suma, o que acabou acontecendo foi a centralização dos talentos do grupo nas três músicas que dominavam o lado A do vinil original, estas sim, obras-primas que atestam o verdadeiro legado musical do Black Sabbath com grande peso e intensidade: o super-blues estratosférico "Hole in the Sky", uma porrada letal que já abre o disco não deixando pedra sobre pedra, a supersônica "Sympton of the Universe", considerada o carro-chefe do álbum, e que se tornou um clássico do grupo, já coverizada inclusive pelo nosso Sepultura, e a semi-progressiva "Megalomania" que, com os seus 11 minutos de loucura sonora e reviravoltas inesperadas, dá a qualquer um uma boa noção do que é a bad trip amplificada e enlouquecida de uma banda de rock que já experimentou tudo o que podia, e está no topo do mundo, com os vocais de Ozzy e a guitarra de Tony atingindo os seus momentos mais épicos e ensandecidos.

Havia, ainda, a faixa que encerrava a bolacha: a psicótica "The Writ", que começa com um berro choroso tétrico e introduz um hard rock melancólico e sincopado, e que é, na verdade, muito mais um desabafo musical exótico e desesperado do que um típico hino sabático. Ozzy comentaria sobre ela: "Estávamos com tantos problemas com nosso empresário na época que a neurose tomava conta de tudo o que envolvesse o nome dele - contratos, turnês, novos compromissos... Diante desse clima de colapso mental, resolvemos gravar aquela faixa como uma forma de dizermos: basta, estamos cansados dessa merda toda!". Mas não demorou muito para que os membros da banda dissessem isso diretamente mesmo a Patrick Meehan, sem metáforas ou rodeios.

Numa manhã de setembro de 1975, Tony, Ozzy e alguns amigos chamaram Meehan ao escritório da banda para uma reunião para tratar da compra de novos equipamentos para a próxima turnê - e o despediram nos primeiros dez minutos do encontro. Tony e os outros já haviam confirmado com os contadores várias artimanhas sujas de Meehan, uma delas sendo o desvio dos royalties a banda para o seu próprio bolso, de 1.000 dólares cada um, pelo show no California Jam. Apesar de tudo, preferiram não comentar isso com Meehan, para não começarem um quebra-pau. Os argumentos levantados foram os de que os integrantes do Black Sabbath não achavam que estavam mais em posição de ter que se matarem atrás de grana e sucesso após tantos anos de amadurecimento e hit parade, e queriam se produzir sozinhos. A discussão foi formal e polida, ninguém estava a fim de brigar. Mas Meehan abandonou os escritórios e a vida da banda levando não só uma das mais polpudas boladas por rescisão de contrato da época, como também tapes e mais tapes de material nunca antes lançado pelo grupo, e que a partir de então passaria a fazer grana pelos próximos dez anos seguintes no mundo da pirataria, além, é claro, de um álbum que se tornaria notório, em 1981, por ter sido lançado em um esquema semi-oficial, por um pequeno selo inglês, através de um acordo com a Castle Communications, que passaria a ser a detentora dos direitos de edição de discos da banda: o famoso Live at Last, o mesmo disco ao vivo com as apresentações do Black Sabbath em 1973 que o grupo tanto havia lutado para editar e lançar naquela época ainda. Pois o mesmo Meehan que barrou o seu lançamento, agora, após o final da jogada, aproveitava para pô-lo no mercado, fazendo aumentar um pouquinho mais o lucro do que restava de seu "caça-níqueis Black Sabbath". Foi o lançamento de Live at Last, na década de 80, vendido em vinil com uma péssima qualidade sonora e com tiragem limitada (que se esgotou instantaneamente - uma prova de como a galera sempre quis ter um registro ao vivo do Sabbath nos anos 70), que motivou o Black Sabbath, já na era Dio, a lançar o seu álbum ao vivo oficial em 1982, o Live Evil, com o novo vocalista dando interpretações tidas como sacrílegas para alguns dos clássicos da banda. Por sinal, Ozzy Osbourne, já em carreira solo, lançou no mesmo ano um álbum ao vivo em resposta ao Live Evil, chamado Speak of the Devil, que pelo simples fato de conter a sua voz se entregando somente a pérolas do Sabbath, no disco inteiro, vendeu como água e desbancou em apenas três dias o álbum ao vivo de sua ex-banda.

De qualquer forma, o Live at Last acabaria sendo legalizado e reeditado em CD nos anos 90, com uma sensível melhora de qualidade, e acabaria se tornando o registro definitivo do Black Sabbath original em seu poder de fogo diante de uma platéia. Mas acabaria, também, se tornando apenas mais uma prova de como o grupo sempre foi explorado e sugado por seus empresários desde a mais tenra idade. Agora, no final de 1975, estavam sem empresário, estressados, esgotados, e prestes a tornarem-se, para poder sobreviver na selva de pedra do show business, aquilo que menos ou nenhum talento tinham para ser: homens de negócio

É Ozzy que comenta: "O fato de não termos empresário foi muito cansativo, e nos afastou totalmente daquilo que sempre fomos. Passamos a cuidar de todos os negócios envolvendo o nome 'Black Sabbath' e a ficarmos longe dos palcos, mas eu não queria saber de nada disso. Eu só queria me livrar daquela responsabilidade toda o mais rápido possivel. Eu nunca fui um business man!".

Entediado até os ossos com toda a papelada que passaram a lhe dar para ler e assinar todos os dias, Ozzy, como já se percebe, foi o primeiro a pular fora do barco "Black Sabbath Incorporated", e a sua ausência dos escritórios da banda, se distanciando cada vez mais não só fisicamente como social e psicologicamente dos seus companheiros de banda, não poderia deixar de render consequências, aumentando ainda mais o já existente poço entre eles. Logo, o cantor arranjou um consultor que poderia ajudá-lo a resolver os problemas burocráticos que o grupo tivesse, ficando no seu lugar - o escolhido para essa tarefa foi o advogado americano Don Arden, que já havia trabalhado com o agenciamento de várias estrelas do showbiz. Sem saber, Ozzy estava estreitando relacionamento com aquele que seria o seu futuro sogro - a filha de Don, Sharon Arden, um belo dia, enquanto arrumava alguns papéis no escritótio do pai, começaria a trocar olhares com aquele tímido e desajeitado cantor inglês que conversava exasperadamente com o seu pai, já começando a dar sinais de obesidade enquanto tomava uns goles de brandy. Mal imaginava ela que um dia iria ser mundialmente conhecida como Sharon Osbourne.

Não só Ozzy andava mais interessado em cuidar de sua vida mais do que do Black Sabbath. Bill Ward, com o início dos seus problemas de saúde advindos de crises estomacais originadas dos seus lendários anos de excessos, também começava a dar sinais de desgaste, e Geezer, sempre um cara muito mais musical e interessado em tocar, invariavelmente deixava Tony sozinho no barco de tentar pôr os negócios da banda em ordem e os compromissos financeiros em dia. O inicial alívio por estarem longe dos palcos e terem de agora em diante alguns meses de descanso foi gradualmente se transformando em tédio, por terem agora, à frente deles, não milhares de fãs ávidos pela sua música, mas milhares de papéis a serem estudados e assinados - aquilo nem era um descanso, na verdade! O ambiente natural do Black Sabbath, de certa forma, assim como acontecera com todas as outras grandes bandas pesadas de seu tempo, era a estrada e, longe dela, todos sentiam que havia pouco a fazer e a ser revitalizado no som do grupo.

Assim, quando Tony noticiou a todos que novas datas de gravação estavam a ser marcadas, no início de 1976, o ânimo geral se fez presente de novo... em partes. Pelo menos para Ozzy, cujo processo de desintegração mental após anos de desvario, estava simplesmente em progresso: seu casamento ia mal, o seu pai não estava bem de saúde (algo que muito lhe preocupava, pois ele era afetivamente muito ligado a Mr. Thomas), e ele pouco a pouco descobria que como chefe de família ele havia sido uma merda até aquele exato momento, pois simplesmente não havia tido tempo e manejo para aprender tal ofício, com todos aqueles anos vivendo fora, na estrada do rock - problema esse já vivido por inúmeros superstars, e que Ozzy tentaria (e conseguiria) consertar em seu casamento posterior, com Sharon. Como consequência disso, suas discussões com Thelma se avolumavam consideravelmente, e isso só deixava o rei do metal propício a se transformar no rei da insanidade, aumentando ainda mais a sua lista de porcos e galinhas mortos a tiros em sua propriedade rural, enquanto morria de tédio e dissabor.

As gravações daquele que seria o álbum seguinte do grupo, Technical Ecstasy, dadas de julho a agosto de 1976, entretanto, acabariam surtindo o efeito contrário ao esperado por todos da banda. No lugar da empolgação e criatividade que costumavam tomar conta dos estúdios em outras ocasiões, apareceram um indeciso Geezer, com menos composições do que o usual, um Ozzy absolutamente desinteressado em tudo que lhe era mostrado - e que só com o passar dos dias foi se animando mais -, e um Tony Iommi extremamente perfeccionista com tudo, com uma tremenda fome de guitarra fruto dos inúmeros dias que passou bancando o homem de negócios da banda, mas que, justamente por causa disso, entediava todos no estúdio com as suas egotrips de jazz. Isso acabou causando alguma confusão entre os membros do grupo, especialmente no processo de criação e desenvolvimento de músicas como "All Moving Parts" e "She's Gone", com Geezer e os outros batendo a maior boca com Tony sobre o direcionamento dado ao trabalho instrumental em tais faixas. Subitamente, Tony queria regravar takes e mais takes de cada canção só para mudar uma nota aqui ou ali com a qual ele insistentemente não concordava. Parecia que a inspiração, fluída e constante, de momentos do passado, de uma hora para outra, já não estava mais presente.

No final das contas, "Technical..." acabou sendo um disco mediano, gravado por uma banda meio desnorteada e sem grande orientação, mas que conseguiu, mesmo assim, atingir bons resultados em alguns momentos. "You Won't Change Me", apesar de ser uma típica baladona chorosa de Ozzy, que poderia emular o clima da sua prima "Changes" (do Vol. 4), tinha boas pegadas e apresentava os bons teclados de Gerald Woodruffe, que substituíra "Spock Wall" (leia-se: Rick Wakeman) de última hora. "Backstreet Kids", faixa que abria o álbum, e "Rock n' Roll Doctor", também, eram dois arrasa-quarteirões vigorosos, que traziam de volta aquela sonzeira detonante do velho Black Sabbath. E havia, também, o primeiro trabalho vocal de Bill Ward, que acabou se tornando a faixa mais célebre do LP e chamou a atenção de todos não só pela bela performance do baterista, mas também por ser uma linda balada com sabor tipicamente "beatle": "It's Alright", que chegou a ganhar um clipe semi-amador para a TV e se tornou peça constante no repertório dos Guns N' Roses em seus shows nos anos 90, aumentando a sua notoriedade e fazendo parte do disco ao vivo do grupo. Curiosamente, nunca foi executada ao vivo pelo próprio Black Sabbath, cujos integrantes sempre se referiram a ela como "uma dessas canções feitas de brincadeira, para desanuviar no estúdio". Realmente, não tinha muito a ver com o Sabbath característico, e Ozzy só não a cantou porque estava simplesmente indisposto no dia da gravação, dando-a de bandeja para Bill.

Sem querer, o processo de criação do álbum deixou à mostra as chagas que minavam o poder criativo do grupo, e intensificou a crise interna que jogava Ozzy contra Tony, e vice-versa. O cantor, sempre enciumado pelo controle com que o guitarrista exercia o seu domínio e suas idéias na banda, logo passou a ver em Tony não um companheiro mas, novamente, aquele garoto antipático com quem rivalizava em tempos de escola, e isso aumentava cada vez mais à medida em que Tony ficava mais exigente e "jazzístico" dentro dos estúdios e nos palcos. O guitarrista se recorda, sobre Technical Ecstasy, de ter sido um disco bom de fazer, em que o grupo ensaiava todos os dias, parava, ia a um pub tomar umas belas cervejas, e no dia seguinte recomeçava tudo. Foi isso mesmo - mas sob a ótica de Tony, que estava em pleno comando e dava as ordens como se fosse um técnico de time, dizendo para refazer tudo mais uma vez caso fosse do seu agrado.

Atritos entre Ozzy e Tony não aconteceram durante as gravações, mas assim que o disco foi lançado, a reação do vocalista, indo contra todas as convenções dos integrantes da banda de sempre fazerem de tudo para promover bem seus álbuns, foi das mais inusitadas. Em uma entrevista concedida a uma rádio inglesa, o cantor, perguntado sobre como haviam sido as gravações do Technical Ecstasy, simplesmente se saiu com essa: "Olha, foi um disco bom de fazer... Para o Tony, pelo menos. Ele fez o disco." A declaração foi parar em alguns jornais no dia seguinte, e Tony obviamente não achou muito bom, mas decidiu não discutir com Ozzy e guardar para si mesmo suas impressões. Nos anos seguintes, no entanto, sempre que tinha alguma oportunidade, o cantor novamente voltava a alfinetar Tony por causa do álbum: de todos os LPs lançados pela banda, "Technical..." foi o que teve a mais baixa vendagem até hoje - outro fato que irritou Ozzy e os outros profundamente - e, em uma entrevista em 1978, às vésperas de deixar o Black Sabbath, quando perguntado por uma repórter sobre o que achava que havia acontecido com o desempenho do álbum nas paradas, o cantor se saiu ironicamente: "Olha, eu acho que ele atingiu a posição 301 nas paradas da Mongólia"...

De resto, 1976 foi o ano de We Sold Our Soul to Rock n' Roll, a primeira coletânea lançada oficialmente pela banda, em vinil duplo e com um título sugestivo que aludia aos velhos dias das polêmicas sobre bruxaria e magia negra, e que apresentava uma primorosa seleção de faixas que iam do primeiro LP até o Sabotage. Acabou vendendo bem mais que o Technical Ecstasy...

No ano de 1977, dedicado quase que exclusivamente à turnê do Technical Ecstasy, os problemas se aprofundaram. Com toda a fome de tocar com que o Black Sabbath estava, todos imaginavam que um simples regresso à estrada iria resolver todos os impasses criativos e pessoais dentro da banda. No início da tour, tudo bem - foi no decorrer dela que as coisas ficaram graves. Primeiro, porque Tony, como sempre, insistia em levar extremamente a sério as suas viagens jazzísticas em longos vôos guitarrísticos e solos improvisados, ao longo das músicas. E segundo, pois, como todos sabem, aquele foi o ano do punk, da explosão do movimento de bandas novas e cheias de sangue para dar, como Sex Pistols e Damned, cuspindo na cara da velha geração e criticando a acomodação dos velhos astros e pop stars. O Black Sabbath, assim como outros pretensos "dinossauros" (Led Zeppelin, Deep Purple, Yes...) tinha entrado nesta modalidade aos olhos de muitos que se bandearam para a legião de cabelos espetados e correntes nas jaquetas. E, para pavor de Ozzy que, assim como muitos dos velhos astros, pressentia a revolta da nova geração, não fazia nada para mudar, se afundando cada vez mais no jazz e abandonando o verdadeiro som pesado, forte e direto, de outrora. Essa passou a ser a opinião fixa de Ozzy Osbourne.

Veja bem que, tecnicamente, como grupo musical de rock, o Black Sabbath passava por aquele que tenha sido, talvez, o seu melhor momento, o mais versátil e competente. Mas o punch de que Ozzy sentia falta, a agressividade primária das letras e riffs simples e diretos, de melodias rudes e primárias que formavam o som básico do grupo em seus primeiros anos, se fazia sentir apenas em alguns momentos agora. E on stage, a egotrip de Tony, conduzindo a banda a longos solos improvisados, irritava o cantor e fazia tudo parecer mais aborrecido ainda. Tanto é que, quando Ozzy foi montar a sua banda solo, em 1979, louco para voltar ao cenário e mostrar ao mundo a sua versão do que era heavy metal adrenalínico e direto, ele enfrentou uma série quase interminável de audições para guitarristas, e só escolheu o exímio Randy Rhoads por um único e sutil motivo: não ter imitado o estilo Tony Iommi de tocar, evitando solos longos, arrastados e repletos de influências de jazz...

Ao final da tour de 1977, em outubro, Ozzy chegou para Tony a fim de ter uma conversa séria com ele, e desabafou: "Olha, não dá mais". Já haviam tido algumas discussões barulhentas ao longo da turnê, mas como dizia Tony, "era mais uma coisa tipo liga/desliga, nada muito sério". Agora, no entretanto, a diversidade de pontos de vista era tão grande que não dava mais para escapar. Ozzy expunha o que era a sua visão de rock n' roll, e um soturno e convicto Tony Iommi simplesmente olhava para ele, balançava um pouco a cabeça... e não concordava. Conversando em um dia em que nenhum dos dois estava propenso a falar besteiras por causa de alguma "substância química" na cabeça, simplesmente chegaram à conclusão de que Ozzy não cabia mais na banda. Tony não baixou a retaguarda para as acusações de Ozzy em nenhum momento, mas assim que este foi embora, se sentiu apavorado, repetindo para si mesmo: "E agora... a banda sem o Ozzy".

Foi a primeira vez que Ozzy abandonou a banda. Ele estava arrasado, psicologicamente deteriorado, e emocionalmente em cacos. O seu pai, Mr. Thomas Osbourne, havia falecido recentemente, deixando uma lacuna de instabilidade em Ozzy, que tinha a sua figura como um exemplo - a família Osbourne estava de luto, enquanto o cantor ainda lutava para terminar as datas da turnê de 1977, com todas as drogas, o álcool, os problemas musicais que o frustravam profundamente, e a terrível dor da perda em seu coração. Tudo isso afetava Ozzy profundamente, e foi no meio de todo esse turbilhão que ele não aguentou e pediu as contas, a caminho de uma séria crise depressiva. Perto da virada do ano de 1978, o cantor se isolou de tudo e de todos, mantendo-se recluso em um pequeno quarto de hotel nos EUA, até ser encontrado por alguns amigos e mandado de volta para casa - abatido, totalmente inerte, e sem dizer uma palavra.

A banda, por sua vez, na concepção de Tony, não podia parar. Para Bill, o guitarrista se recusava a enxergar a verdade: que era hora de todos darem um tempo. Mas bastava o baterista acender alguns cigarros e tomar uns tragos que estava tudo bem novamente. Geezer procurava entender Tony e, no fundo, sabia do receio do colega de ver um barco que eles lutaram tanto para pôr no mar se afundando repentinamente. Resultado: começaram, ambos, a busca por um novo vocalista para o grupo.

Encontraram-no na figura de Dave Walker, um veterano egresso de bandas como Savoy Brown (velhos amigos do Black Sabbath) e Fleetwood Mac, e que tinha uma formação bem blueseira. O estilo de Walker, na verdade, era bem diferente de Ozzy: sua voz rouca e grave, curtida em anos a fio cantando Muddy Waters e Albert King, em nada lembrava seu antecessor. No início de 1978, havia ainda alguns compromissos pendentes a serem cumpridos, e precisavam urgentemente de um vocalista para dar conta do recado. Um deles era a aparição num programa de TV da BBC Midlands, chamado "Look Here!", que todo final de semana apresentava variedades musicais. Como notaram, desde os primeiros ensaios com Walker, que haveria uma série dificuldade do cantor se acostumar com o material gravado com Ozzy, pelo menos até que estivesse bem treinado e integrado ao som da banda, preferiram partir já para a produção de material novo, bem ao estilo da "política Tony Iommi" mesmo - ou seja, estar produzindo sem pensar, e nem parar para olhar para trás. Assim, as novas músicas, além de renderem algo para ser utilizado nas apresentações do grupo a serem feitas no início do ano, poderiam ser utilizadas no próximo álbum da banda. Ficaram em uma pequena propriedade rural, numa área próxima de Birmingham, chamada Field Farm, onde, dentro de uma semana, produziram algo em torno de dez ou onze canções. Nada foi gravado, apesar de existirem boatos de piratarias do material com Dave Walker - a verdade é que o grupo estava mais interessado em compor material novo rapidamente e não levaram nenhum equipamento de gravação para field Farm que pudesse registrar alguma coisa. Canções como "Johnny Blade" e "Break Out", que fariam parte do próximo LP do grupo, foram compostas ali, todas com andamentos e letras diferentes daquelas que conhecemos, e uma das novas músicas, "Junior's Eyes", foi a escolhida para a apresentação no "Look Here!".

A estória por trás de "Junior's Eyes" é curiosa, pois era uma música que, de acordo com uma entrevista dada em 2001 por Bill Ward, havia sido composta previamente pelo próprio Ozzy, anteriormente à época da ruptura, enquanto ainda estavam na turnê Technical Ecstasy, e era uma espécie de homenagem a seu pai, já bastante doente na época. Entretanto, com a saída do cantor, tentaram aproveitar a canção com o rascunho da letra que havia sido deixada por Ozzy mais alguns versos alterados, de autoria de Geezer. Esta foi a versão apresentada, com Dave Walker nos vocais, no horário de almoço para a região de Birmingham no programa "Look Here!", que era regional, em janeiro de 1978. Walker havia voado de San Francisco, onde estava com o projeto de uma banda, para Field Farm, fazia apenas algumas semanas, e ali estava ele, já fazendo parte do primeiro line-up que se seguiria à formação clássica do Black Sabbath, para então... sair logo após três dias! O som definitivamente não estava bom - aquilo, para todos que ouviam, não era nem de longe o popular Sabbath que todos conheciam. E foi o insatisfeito Bill, novamente, em suas próprias palavras concedidas na entrevista de 2001, que tratou de "fazer as malas" do pobre Walker, que estava, simplesmente, no lugar errado, na hora errada: "Infelizmente, fui eu que fiz o trabalho sujo; fui eu que tive que falar para Dave que as coisas não estavam funcionando. Eu me voluntariei novamente, assim como no dia em que conversei com Ozzy e disse a ele que se estava de bode com Tony, deveria esclarecer as coisas com ele. Eu me senti muito chateado e desconfortável tendo que fazer isso com Dave, principalmente porque eu já o conhecia de longa data, e gostava muito dele como ser humano."

A recepção dos fãs à aparição da banda no "Look Here!" com outro vocalista, e tão diferente de Ozzy em estilo e voz, como era de se esperar, não foi das mais positivas. Logo após a partida de Dave, Tony se sentou para uma conversa com Bill e Geezer, ponderou sobre toda a situação, e entregou os pontos, reconhecendo a situação: seria o melhor chamar Ozzy novamente. Fez seu "mea culpa" - Ozzy era um doido, um porra-louca e insano que não sabia medir consequências e, aparentemente, nunca seria capaz de apresentar algum tipo de evolução musical para o grupo, mas, apesar de tudo isso, tinha carisma e fazia as coisas acontecerem, mais do que qualquer um. Além disso, havia sido pego em uma situação estressante e super-desconfortável durante a última turnê, que era o esgotamento nervoso devido à morte de seu pai e ao fato de não ser ouvido. Agora, as opiniões de Ozzy eram muito valiosas, e deveriam ser ouvidas... e isso custaria um belo preço à banda. Mais exatamente, no valor de muitas horas de estúdio a mais!

"Quando chamamos Ozzy de volta e lhe pedimos desculpas por tudo", conta Tony, "mostramos a ele o material que havíamos treinado com Dave. Ele detonou tudo. Disse que o som estava uma bosta, que aquilo não era nem de longe o que ele esperava de nós, se propôs a reescrever uma grande parte das letras, e foi bem direto em suas condições de voltar para a banda: só gravaria outro disco com a gente caso retrabalhassemos tudo aquilo novamente." Em suma: Ozzy não foi nada humilde em seu regresso ao grupo, fator esse que, apesar da vontade de todos continuarem bem, mais uma vez deixou Tony rangendo os dentes e remoendo aquela dorzinha-de-cotovelo costumeira em relação ao companheiro.

Programado para ser lançado em junho daquele ano, o novo álbum de estúdio do Black Sabbath deveria ser a volta ao topo da banda, que estaria naquele ano comemorando os seus primeiros dez anos de estrada com uma turnê monumental que varreria EUA e Europa. As gravações, entretanto, como relembra Tony mais uma vez, foram complicadas: "Não havia tempo para parar e refletir sobre nada que estava sendo feito! Never Say Die foi um disco difícil, muito difícil... feito às pressas. Tínhamos que compor e tocar todas as partes no estúdio porque o trabalho todo estava sendo refeito, e no final da tarde era preciso abandonar tudo e só recomeçar no dia seguinte, porque o estúdio já tinha sido alugado para outra banda. Foi um caos!".

O local escolhido para as gravações de Never Say Die foi o Sound Interchange Studios, em Toronto, Canadá, e o grupo gravou (ou pelo menos tentou) o mais depressa que pôde, pois queriam que o LP ficasse pronto ainda a tempo da turnê comemorativa, que começaria em 16 de maio, na cidade inglesa de Sheffield. Para a capa e o trabalho de arte, havia sido contratada novamente a célebre empresa Hipgnosis, responsável também pelo trabalho realizado em Technical Ecstasy, e que havia sido considerado detestável por muitos, inclusive por Ozzy, que quando pegou a capa do disco, pela primeira vez, teve a mesma espécie de reação que a maioria dos fãs: "Mas que DIABOS É ISSO?". Dessa vez, por exigência dos próprios músicos, os vôos de imaginação da equipe de criação do pessoal da Hipgnosis deveriam ser mais concretos, e menos abstratos. E, de fato, foram: realizaram um belo trabalho de toques futuristas, com ênfase na arte bélica aérea, chegando a desenvolver uma série de ilustrações gráficas arrojadas com fotos sinistras de pilotos e seus apetrechos e paramentos (parte desse trabalho pode ser vislumbrada com maior precisão na capa interna do CD Never Say Die, na edição remasterizada).

Chegava, afinal, a hora de pôr o pé na estrada. A fase de pós-produção do álbum ainda não estava nem perto de terminar, mas dane-se: haviam feito tudo para respeitar o cronograma, agora era chegada a hora do show! Para abrirem os shows da tour que se aproximava, escolheram, numa decisão ainda considerada errada por muitos até hoje, uma banda que estava ainda no comecinho, e cujo LP de estréia havia batido recordes de vendagem nos EUA: o Van Halen, de quem acabariam ficando grandes amigos. O grande problema, como o tempo acabaria revelando, seria justamente o de ficarem parecendo dinossauros datados, no palco, após a aparição de estrelas jovens e supersônicas, em pleno gás, como era o Van Halen naqueles dias. Inevitavelmente, foi o que acabou acontecendo, em grande parte dos shows, gerando uma grande frustração para o Sabbath - muitos dos jovens que iriam aos shows da turnê, iriam somente para ver o Van Halen tocar, em todo o vigor daquele novo tipo de hard rock, mais veloz, dinâmico e moderno, que estava surgindo, nos dedos inacreditáveis de Eddie Van Halen e nos trinados roucos e alucinados de Dave Lee Roth. Em certos lugares dos EUA, Ozzy e os outros começaram a se aborrecer assim que notaram que uma parcela considerável da platéia ia embora após o show do Van Halen, inicialmente feito só para esquentar o público antes do grande e mítico Black Sabbath, mas que agora, parecia se tornar a atração principal. Uma verdadeira atitude de desrespeito com os mestres de um gênero, um estilo que dura já há mais de trinta anos, como o heavy metal, mas que infelizmente indicava uma verdade nua e crua difícil de encarar: a mudança dos tempos. Como se nota, toda grande banda de uma época acaba se deparando com realidades muito tristes em seu final.

Ozzy, mais do que os outros, começou a perceber todos estes detalhes, e a formar uma concepção bem clara, em sua cabeça, do que a sua banda estava se tornando. Aos poucos, ele começou a pensar: "Ou eu caio fora de vez, ou sou arrastado para o fundo com eles... Já era." O som ainda era forte e pesado como sempre. Ao vivo, ainda tinham muito o que dar. Mas, fisicamente, os sinais do desgaste teimavam em aparecer, deixando todos desconcertados: a decadência de um Bill Ward cada vez mais bêbado e obeso, chegando aos ensaios quase caindo; um Ozzy com a barriga cada vez mais saliente também, e esquecendo as letras das novas canções cada vez mais frequentemente. Além de todos estes fatos, a droga, mais do que nunca, sendo consumida em quantidades cada vez maiores, no alvorecer de uma nova turnê: os managers, roadies, groupies, e todo mundo só querendo ficar doidão, chapação demais, loucura no limite! Tudo começava a se tornar muito chato e entediante - principalmente em estúdio, mas agora, o que era pior, nos palcos também. Nessa época, já, o revolucionário Ozzy começa a formar, em cima de todos estes pensamentos, as sementes do que seria o som moderno e alucinado dos primeiros anos de sua carreira solo, com a Blizzard of Ozz, e que iria totalmente na direção oposta do que o Black Sabbath propunha.

Com um mês de turnê já, finalmente algo do novo LP sai: o single da faixa-título, "Never Say Die", que, pra surpresa de todos, acaba se tornando o mais vendido compacto da carreira do Black Sabbath após o lendário "Paranoid", de 1970. Como resultado, são chamados para apresentarem a canção, em playback, no popular programa de TV da BBC inglesa Top of the Pops, numa aparição bem ao estilo da atração: pra lá de cafona, num cenário que, em plano auge da disco music e do Saturday Night Fever de John Travolta e Bee Gees, se assemelha a uma discoteca com uma turba de adolescentes alucinados.

O álbum mesmo, no entanto, atrasa cada vez mais para sair, devido a problemas de produção, e a turnê continua, com altos e baixos: Ozzy, ébrio, esquecendo quase todas as letras em um show em Connecticut, ou cambaleando drogado em direção a Tony em outro, em Boston, quase impedindo-o de fazer um solo, mais uma vez no veneno com o guitarrista. A velha rivalidade e as discussões se acentuam ainda mais. Em outros momentos, tudo parece querer dar certo: como no concerto no Hammersmith Odeon, filmado e posterizado para a eternidade - uma performance brilhante e energética, com um Ozzy que, se já não tem mais aquela voz e vigor físico do início da década, após tanto pó e exageros, pelo menos agora tem uma postura de palco cada vez mais eficiente e hipnótica, capitaneando exemplarmente a melhor banda de heavy metal que já se viu.

Finalmente, o novo álbum sai, mas já muito atrasado para promover a turnê, que está afundando com cada vez menos público e disposição por parte da banda - Never Say Die, o LP, é lançado em outubro de 1978. Traz composições maduras e vigorosas, como a faixa-título, "Johnny Blade", a já citada "Junior's Eyes", "Over to You", e a belíssima "Air Dance", com um clima mágico e atemporal, sem dúvida um dos melhores trabalhos melódicos da banda. No disco, o grupo conta com um excepcional trabalho de teclados de Don Airey - músico primoroso que substituíra "Spock Wall" (leia-se: Rick Wakeman) de última hora, e que iria acompanhar Ozzy em sua carreira solo por vários anos e, mais recentemente, ocupar a vaga deixada por Jon Lord no Deep Purple. É considerado, a despeito de algumas críticas por parte de certos órgãos da imprensa (os eternos detratores...), um dos melhores trabalhos do grupo em anos. Outra faixa fantástica, a balada heavy "Hard Road", é escolhida para ser o segundo single do disco, e é lançada para puxar as vendas, atingindo um respeitável lugar 33 nas paradas no mesmo mês. Um vídeo promocional é feito para a música que, curiosamente, ao descrever uma "estrada difícil", parece ser uma metáfora da vida da banda e de tudo aquilo por que o Black Sabbath já passara em sua carreira. Era, estranhamente, e sem que ninguém notasse, uma espécie de epitáfio do grupo... ou de Ozzy com eles.

Por fim, em novembro de 1978, acontece a ruptura definitiva: um concerto em Nashville para 12.000 fãs tem que ser cancelado pois Ozzy, simplesmente, desaparece. Durante quase dois dias, os membros da banda, roadies e familiares ficam doidos atrás do vocalista que, desconfia-se, possa até ter sido sequestrado. Entretanto, milagrosamente, uma chamada de um pequeno hotel da cidade é feita, e o gerente manda chamar Tony e os outros às pressas: Mr. Ozzy Osbourne, após uma "festinha" e "alguns" drinques a mais, duas noites antes, havia entrado no quarto errado e trancado a porta e, bêbado e provavelmente bastante drogado, ele caíra no sono e só fora encontrado ali, completamente apagado, graças a uma das faxineiras do hotel.

Para Tony, era a gota d'água, o fim. Ele não suportava mais aquilo. Até hoje, as testemunhas oculares de toda a história são controversas em dizer se o que houve foi a real dispensa de Ozzy por parte de Tony, ou se eles brigaram mais uma vez e o próprio Ozzy mandou tudo às favas, se demitindo. Nenhum deles gosta de comentar o assunto, e provavelmente nunca revelarão os verdadeiros acontecimentos sobre a saída de Ozzy.

A verdade é que, após um certo tempo de recesso para descanso, Ozzy montaria, no ano seguinte, a sua banda solo Blizzard of Ozz, com o lendário Randy Rhoads na guitarra, e o Black Sabbath, se reagrupando em torno da figura do vocalista Ronnie James Dio (egresso do Rainbow, de Ritchie Blackmore), passaria por diversas reformulações, não só de som como de formação, sendo as primeiras delas as saídas de Geezer (por pouco tempo - logo ele voltaria para tocar com Tony e Dio) e Bill (que seria substituído pelo exímio Cozy Powell), e tentaria, emulando os novos sons do heavy metal nos anos 80 (influenciados já pela New Wave of British Heavy Metal de Iron Maiden, Saxon, Motorhead etc.), e se adaptando aos novos tempos, manter acesa a velha chama de sua lenda pelas décadas seguintes, mesmo que isso custasse à banda a perda quase total de sua identidade original. Após um sucessivo e impertinente troca-troca de músicos e vocalistas (mais de cinco já passaram pelo grupo depois de Ozzy!), o Black Sabbath, ao final dos anos 90, se mostraria uma banda totalmente descaracterizada, e em débito com o seu passado glorioso e mítico. Apenas a volta temporária de Ozzy com os velhos companheiros, fazendo as pazes e se reunindo para uma série de shows comemorativos no final do século (e que dariam luz ao espetacular álbum ao vivo Reunion), é que devolveria à banda o seu status de lenda imbatível do rock pesado que eles tanto merecem, e do qual são detentores absolutos, conforme mais e mais provam os imitadores e detratores, a cada dia que se passa. A influência do Black Sabbath é sentida aonde quer que se ouçam aqueles três acordes básicos do rock, tocados de forma básica, nua e crua, com o devido peso e amplificação.

por Denio Alves

Fonte: Whiplash

Para que fosse possível a realização de nossa pesquisa, foi consultado o seguinte material:

Black Sabbath: The Ozzy Osbourne Years
by Robert V. Conte, C. J. Henderson
Paranoid: Black Days With Sabbath and Other Horror Stories
by Mick Wall - Paperback
Ozzy Unauthorized
by Sue Crawford - Paperback
Ozzy Talking: Ozzy Osbourne in His Own Words
by Ozzy Osbourne, Harry Shaw - Paperback
Black Sabbath: An Oral History
by Mike Stark, Dave Marsh (Editor) - Paperback
Top Rock especial: Black Sabbath – A História
Luiz Seman
A História do Black Sabbath
Revista SHOWBIZZ Especial
A Família Black Sabbath
pôster – Antonio Carlos Miguel, Ed. Som Três
DISCOGRAFIA:

BLACK SABBATH :

Edição UK

Lado 1

1. Black Sabbath – 6:16
2. The Wizard – 4:24
3. Behind the Wall of Sleep – 3:38
4. N.I.B. – 6:06

Lado 2

1. Evil Woman (Don't Play Your Game With Me) (Dave Wagner, Dick Weigand, Larry Weigand – Crow) – 3:25
2. Sleeping Village – 3:46
3. Warning (Aynsley Dunbar, John Moorshead, Alex Dmochowski, Victor Hickling) – 10:32

Edição USA

Lado 1

1. Black Sabbath – 6:20
2. The Wizard – 4:22
3. Wasp/Behind the Wall of Sleep/Bassically/N.I.B. – 9:44

Lado 2

1. Wicked World – 4:30
2. A Bit of Finger/Sleeping Village/Warning – 14:32

Há, no entanto, duas versões distintas em CD. A primeira é a que consta no Brasil com as faixas:

1. Black Sabbath – 6:21
2. The Wizard – 4:24
3. Behind the Wall of Sleep – 3:37
4. N.I.B. – 6:07
5. Evil Woman (Crow) – 3:25
6. Sleeping Village – 3:46
7. Warning (Aynsley Dunbar et. al.) – 10:32
8. Wicked World – 4:43

E outra que saiu na caixa Black Box The Complete Original Black Sabbath (1970–1978):

1. Black Sabbath – 6:19
2. The Wizard – 4:23
3. Wasp/Behind the Wall of Sleep/Bassically/N.I.B. – 9:44
4. Wicked World – 4:47
5. A Bit of Finger/Sleeping Village/Warning (Warning written by Aynsley Dunbar et. al.) – 14:16
6. Evil Woman (Crow) – 3:23

PARANOID:

Lado 1

1. War Pigs/Luke's Wall – 7:57
2. Paranoid – 2:52
3. Planet Caravan – 4:32
4. Iron Man – 5:58

Lado 2

1. Electric Funeral – 4:52
2. Hand of Doom – 7:07
3. Rat Salad – 2:31
4. Jack the Stripper/Fairies Wear Boots – 6:15

Discografia completa:

Black Sabbath (1970)
Paranoid (1970)
Master of Reality (1971)
Volume 4 (1972)
Sabbath Bloody Sabbath (1973)
Sabotage (1975)
We Sold Our Soul For Rock 'N' Roll (1975)
Technical Ecstasy (1976)
Never Say Die! (1978)
Heaven & Hell (1980)
Mob Rules (1981)
Live Evil (1982)
Born Again (1983)
Seventh Star (1986)
The Eternal Idol (1987)
Headless Cross (1989)
Tyr (1990)
Dehumanizer (1992)
Cross Purposes (1994)
Cross Purposes Live (1995)
Forbidden (1995)
The Sabath Stones (1996)
Reunion (1998)
Past Live (2002)
Symptom of the Universe: The Original Black Sabbath (1970-1978) (2002)
Black Box: The Complete Original Black Sabbath (1970-1978) (2004)
Greatest Hits (1970-1978) (2006)
The Dio Years (2007)
The Dio Years UK Tour Edition (2007)
Live at Hammersmith Odeon (2007)

Singles

Evil Woman (1969)
Black Sabbath (1969)
N.I.B. (1969)
The Wizard (1970)
Paranoid (1970)
Iron Man (1971)
War Pigs (1971)
Fairies Wear Boots (1971)
Sweet Leaf (1971)
Children of the Grave (1971)
After Forever (1972)
Snowblind (1972)
Tomorrow's Dream (1972)
Supernaut (1973)
Changes (1973)
Sabbath Bloody Sabbath (1973)
Sabbra Cadabra (1974)
Am I Going Insane? (1975)
Hole in the Sky (1975)
Symptom of the Universe (1975)
Rock 'n' Roll Doctor (1976)
Dirty Women (1976)
Never Say Die! (1978)
A Hard Road (1978)
Neon Knights (1980)
Die Young (1980)
The Mob Rules (1981)
Turn Up the Night (1982)
Voodoo (1982)
Trashed (1983)
No Stranger to Love (1986)
Headless Cross (1989)
Devil and Daughter (1989)
Feels Good to Me (1990)
TV Crimes (1992)
Pshycho Man (1998)
Selling My Soul (1999)
The Devil Cried (2007)