sábado, 27 de fevereiro de 2010

Entrevista com Varg Vikernes

Kristian "Varg" Vikernes (1973-) (ou Count Grishnackh) é o vocalista, guitarrista, baterista, baixista, tecladista fundador da banda de black metal, Burzum. Foi também baixista do Mayhem no álbum “De Mysteriis Dom Sathanas”, lançado pela primeira vez 1994. Seu primeiro álbum com o Burzum, intitulado “Burzum” foi lançado pela Deathlike Silence, em 1992.
Em 1993,Vikernes assassinou Euronymous a facadas. Segundo o laudo oficial, ao todo foram 23, em torno de suas costas e cabeça. Vikernes chegou de madrugada na casa de Euronymous e bateu à porta. Euronymous a abriu e o convidou para entrar, após uma discussão, Euronymous agrediu Varg com um chute no peito, e pegou uma faca, Varg para se defender pegou sua faca de bota e esfaqueou Euronymous.
Após a morte de Euronymous, Varg foi condenado a 21 anos de prisão. Na prisão, dedicou alguns anos ao Burzum, lançando apenas dois álbuns somente com sons de teclado, o "Dauði Baldrs" e o "Hliðskjálf".
Varg deixou a cadeia recentemente após cumprir pena por quase 16 anos.

Øystein Aarseth (22 de março de 1968 – Oslo, 10 de agosto de 1993) mais conhecido pelo nome artístico de Euronymous, foi um guitarrista do grupo norueguês de Black Metal Mayhem. Foi também o fundador da Deathlike Silence, a sua própria editora discográfica dedicada à divulgação de grupos de Black metal.
Ele foi assassinado por Varg Vikernes em 1993, líder da banda Burzum. Após terem sido os dois membros mais influentes no chamado Inner Circle, tiveram divergências ideológicas, dentre elas o fato de Varg não aceitar uma imagem satânica, enquanto Euronymous era extremamente envolvido com Satanismo - sendo considerado por muitos a pessoa mais satânica do cenário Black Metal da Noruega. Varg também por sua vez começava a por em prática suas idéias de Nacional Socialismo. A tensão entre os dois teve seu ápice em 1993 quando Varg, segundo ele, dirigiu-se ao flat de Euronymous para tratar de assuntos sobre a gravadora Deathlike Silence (que também havia gravado discos do Burzum até 1993) onde teve início a briga que só foi terminar com o assassinato de Euronymous a facadas. Varg foi recentemente libertado no dia 24.05.2009.

Fonte: Wikipedia

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Entrevista com “Varg” Virkernes
Fonte: http://whiplash.net

O site Metal-Rules.com conduziu recentemente uma entrevista com o mentor do BURZUM, Varg Vikernes, com perguntas sobre "Belus", o novo álbum da banda, e outros assuntos.

Segue a tradução da entrevista na íntegra, de acordo com o que foi publicado no site whiplash.net

NOTA: Varg é um assassino confesso, defensor da supremacia branca e possivelmente um incendiador de igrejas. As citações foram traduzidas da fonte citada e não expressam a opinião do site Whiplash! (nem do programa de rock) nem de nenhum outro senão a do próprio Varg Vikernes.

Metal-Rules.com: Um bom dia de inverno norueguês para você, Sr. Vikernes! Como vão as coisas por aí, provavelmente há muita neve...

Varg Vikernes: Bom dia para você também. As coisas vão bem na Noruega. Há muita neve, mas é assim que deve ser. Era assim quando eu era uma criança, e eu estou contente de ver o verdadeiro Inverno de volta. Por alguma razão ninguém mais tem falado sobre aquecimento global...

Metal-Rules.com: Depois de 11 anos sem lançar material novo, como você começou a criar as músicas e o conceito geral para o novo álbum, "Belus"? Foi um grande desafio compor grandes melodias e riffs que satisfizessem sua mente?

Varg Vikernes: Na verdade eu estive ativo todo o tempo, até certo ponto pelo menos, então eu nunca precisei retomar qualquer coisa. A música do disco 'Belus' foi feita antes, durante e depois de meu encarceramento.

Metal-Rules.com: Com uma base de fãs internacional, eu estou certo de que haverá alguns fãs que devem estar um pouco desapontados com o fato das letras do álbum serem todas em norueguês. Há um motivo para você não haver escrito nenhuma letra em inglês?

Varg Vikernes: Sim, há uma razão; o imperialismo americano. Os romanos exigiram que todo o mundo falasse latim, e os E.U.A., um país moralmente falido, tenta e quer ser o novo Império Romano, e o seu latim é o idioma americano (“inglês”). Eu sei que tenho uma base de fãs internacional, e é por isso que você pode encontrar traduções das letras do álbum para o francês, russo, italiano e possivelmente outras línguas no website burzum.org.

Metal-Rules.com: Como você acha que o novo álbum será recebido pelos fãs do Burzum, tendo em mente que 11 longos anos se passaram desde que seu álbum anterior, "Hlidskjalf", foi lançado?

Varg Vikernes: Eles parecem gostar [do novo álbum].

Metal-Rules.com: Por que você decidiu não liberar todas as 11 músicas inicialmente planejadas para integrar o álbum "Belus"? As três faixas que ficaram de fora não se ajustavam ao conceito do álbum ou você planeja liberá-las mais tarde em outro lançamento do BURZUM?

Varg Vikernes: O tracklist que você viu não era definitivo. É assim que o processo de fazer álbuns funciona, você faz mudanças o tempo todo até se sentir satisfeito, e então você grava o álbum. Isso é tudo.

Metal-Rules.com: Agora que você tem à sua disposição tecnologias de gravação cujo acesso era sempre limitado ou simplesmente inexistia na prisão, as pessoas podem esperar uma produção para o novo álbum que soe diferente dos álbuns anteriores do Burzum?

Varg Vikernes: A produção está melhor, assim como o som, mas não se diferencia muito dos álbuns de metal lançados anteriormente. Continua soando cru e áspero, exatamente como eu queria que soasse.

Metal-Rules.com: Há algo especial nas letras de "Belus" que você quer que as pessoas percebam e entendam sem provocar suas mentes com metáforas complicadas que você pode ter incluído nos seus textos?

Varg Vikernes: Eu realmente acho que é melhor que as pessoas possam ler as letras e terem suas próprias opiniões a respeito, ou caso não queiram ter uma opinião, que lhes seja permitido ouvir o álbum sem sentir que eu tento forçar goela abaixo um “verdadeiro” significado para as letras. A arte deve ser percebida da forma mais subjetiva possível, se qualquer um quiser ver algo em "Belus" que eu não tinha planejado está tudo bem.

Metal-Rules.com: A arte gráfica dos álbuns do Burzum sempre refletiu sentimentos obscuros, frios, mas também uma beleza que enche os olhos. Qual o processo padrão a partir do qual você escolhe uma arte para a capa e a declara adequada para o BURZUM? Você tem uma certa visão em mente de como a arte de álbum deve ser?

Varg Vikernes: Eu sempre tenho uma certa visão.

Metal-Rules.com: Você ainda é um fã da obra “O Senhor dos Anéis” de J.R.R.Tolkien? Como muitos sabem, seu antigo pseudônimo "Count Grishnackh" provém do Orc Grishnákh. Eu sei que as histórias contadas por Tolkien devem muito às lendas escandinavas, e eu imagino que nisso consiste seu principal interesse, mas como um fã de Tolkien, eu estava um pouco curioso para saber sua opinião e de que forma a obra de Tolkien foi uma inspiração pra você.

Varg Vikernes: Isto pode te desapontar um pouco, mas eu devo confessar que meu interesse por Tolkien decaiu dramaticamente no decorrer dos anos. Suas habilidades lingüísticas são incríveis, suas histórias são ótimas e fascinantes, mas... sua perspectiva era muito Judaico-cristã, e o uso que faz das criaturas míticas é muito... ignorante. Ele até mesmo admitiu isso; quando escreveu o Senhor dos Anéis ele teve que corrigir seu engano de fazer o “hobgoblins” maiores que os “goblins” em seu trabalho anterior. Ele percebeu que na mitologia é o contrário disso que se observa, e assim ele criou os uruk-hai, para ter uma criatura que se assemelhava ao “hobgoblin” de sua obra anterior.

Varg Vikernes: Suas outras criaturas fantásticas, como os anões e os elfos, também são muito, muito diferentes dos anões e elfos da mitologia que ele usou como fonte. Os anões mitológicos (também chamados elfos negros) são habitantes dos túmulos, feios e escuros, enquanto os elfos mitológicos (ou elfos claros, se preferir) são meros espíritos. Os anões são originalmente os corpos dos antepassados mortos, ao passe que os elfos são seus espíritos. É dito que os anões forjaram armas poderosas e outros objetos porque os mortos eram enterrados com os seus pertences, e os vivos entravam em suas tumbas (no Dia das Bruxas) para coletá-los, ou de fato para “tomá-los de volta”, já que eles se viam como os mortos renascidos – e estes objetos lhes pertenciam.

Varg Vikernes: Agora, o mundo de fantasia de Tolkien ainda pode ser fascinante, maravilhoso e bonito, mas não é nada mais que fantasia, e eu prefiro o mundo de fantasia mitológico que o mundo de fantasia moderno de Tolkien. Em linhas gerais é isso.

Varg Vikernes: Ah, e aquele filme hollywoodiano do Senhor dos Anéis foi realmente uma porcaria, uma verdadeira decepção. É o que Hollywood sempre faz, mesmo com as boas histórias...

Metal-Rules.com: Todos os álbuns antigos do BURZUM são tidos como marcos do gênero black metal. Você se sente orgulhoso pelo papel essencial do BURZUM na definição deste gênero do Metal e pela imensa influência do BURZUM sobre bandas mais jovens?
Varg Vikernes: Sim, eu me sinto orgulhoso se o que você diz é verdade.

Metal-Rules.com: Você considerou escrever uma autobiografia para dar sua versão completa da história em suas próprias palavras e acabar de vez com as mentiras e rumores que sempre acompanharam o BURZUM? Entrevistas, seu website, e artigos podem ajudar bastante nisso, mas um livro oficial cobrindo sua vida é algo que os fãs do BURZUM apreciariam bastante!

Varg Vikernes: Talvez, mas nesse momento estou ocupado com outras coisas. Pessoalmente eu gostaria que os artigos publicados no site burzum.org fossem o suficiente... eu gosto de manter algum anonimato e privacidade.

Metal-Rules.com: Após passar tantos anos na prisão, foi estranho estar livre de novo no "lado de fora"? Você se considera um homem verdadeiramente "livre" agora?

Varg Vikernes: Não, na realidade eu não sou livre, nem mesmo no papel. Eu tenho que me apresentar uma vez por mês a um oficial de liberdade condicional, e isto é considerado parte da minha "pena”. Mentalmente e espiritualmente eu fui livre durante todo o tempo, mas agora que as paredes foram trocadas por leis eu ainda continuo sendo fisicamente um prisioneiro. Nós somos todos prisioneiros, e a maioria de nós tem sido desde a introdução da agricultura – em algum ponto na Idade de Pedra...

Metal-Rules.com: Depois de estar afastado da sociedade por 16 anos, avanços modernos como cartões de débito, iPods, mp3s, internet, telefones celular etc te supreenderam? Você sente como se estivesse permanecido em algo como uma urdidura do tempo, tendo “ficado para trás” enquanto a sociedade evoluiu na sua ausência? Houve qualquer outra dificuldade de reintegração?

Varg Vikernes: Estar a 120km por hora numa estrada apenas para descobrir em seguida que a “bem conhecida” estrada à frente foi completamente reconstruída pode ser uma revelação surpreendente, e isto aconteceu algumas vezes. Eu de fato me sinto como um homem de Idade de Pedra em 2010, mas o choque maior para mim é ver como a sociedade se degradou de tantas maneiras. "Liberdade” é atualmente algo ainda mais relativo que antes, e todo o mundo parece estar conformado com isto. Dificilmente há qualquer evolução para se ver em qualquer lugar, eu vejo principalmente degeneração. Reintegração? Então você considera que eu alguma vez fui uma parte integrada desta sociedade? Eu acho que não. Não mais que um urso em um jardim zoológico, tentando dar o fora...

Metal-Rules.com: Em muitas entrevistas você lamentou a atual situação de sociedade/humanidade moderna. O que está fazendo você para mudá-la ou, na sua perspectiva, salvá-la? A sociedade está perdida em a tal ponto que você não sente mais nada pelos humanos comuns e se tornou impiedoso?

Varg Vikernes: Sim, este barco furado está navegando para o abismo, e eu escolhi pular no mar e nadar para a praia em lugar de tentar convencer a tripulação cega a acorrentar o capitão insano. Os outros homens inteligentes também já pularam no mar, e nós estamos melhores fora do que com esses que vão se afogar quando o barco afundar. Isso é a sobrevivência do mais apto...

Metal-Rules.com: Enquanto o Cristianismo tem sido seu alvo primário, o que você pensa a respeito do Islã? É uma das religiões que mais crescem no mundo e que também tem seus extremistas. De acordo com ALGUMAS estimativas, a população de Europa será 40% muçulmana antes de 2020. Diante desse quadro, o Islã causa os mesmos sentimentos de desprezo?

Varg Vikernes: Islã? Eu não preocupo muito na verdade; nós lidamos com grupos estrangeiros destrutivos em nosso meio antes, e provavelmente assim o faremos novamente. O humor está mudando na Europa, eu observo isso diariamente. Salve Ricardo Coração de Leão!

Metal-Rules.com: O que você achou do recente documentário sobre black metal "Until the light takes us"?

Varg Vikernes: Pelo que me disseram é ok, mas não assisti eu mesmo ainda, então eu realmente não posso falar muito a respeito.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Entrevista com Zé Flávio - Psychic Possessor/Safari Hamburguers/Sociedade Armada



Da Wikipédia: Psychic Possessor é uma lendária banda brasileira de hardcore formada no final de 1986 na cidade de Santos, inicialmente apenas com Zé Flávio e Lauro Netto. Lançam o primeiro disco, Toxin Difusion, em 1988, pela Cogumelo Discos. O álbum traz uma sonoridade crossover, misturando elementos de death e thrash metal com o hardcore europeu. Foi gravado em Belo Horizonte e contou com a participação do baterista Arthur, além de Zé Flávio e Lauro Netto. É considerado por muitos como um dos melhores discos de Metal já realizados no Brasil e no mundo, possuindo uma legião de fanáticos seguidores. Curiosamente, nunca atingiu uma grande vendagem, mas mesmo assim criou fama no underground santista, brasileiro e mundial. Com bases pesadas e sem solos, foi totalmente inovador para a época. Após o lançamento do primeiro disco, eles decidiram formar uma nova banda, com sonoridade mais hardcore e menos metal. Mantiveram, no entanto, o mesmo nome, para aproveitar o contrato com a a gravadora Cogumelo, que previa a gravação de mais discos. O "novo" Psychic Possessor contava, além do guitarrista, com o baterista Maurício "Boka", o baixista Fabrício e o vocalista Márcio "Nhonho". Em 1989, a banda lançou o segundo LP, Nós Somos a América do Sul, com um som menos técnico do que o primeiro e sem muitos traços do passado metálico. Misturarando ao "aroma" Brasileiro influências americanas como Agnostic Front, Attitude Adjustment, Minor Threat e Gorilla Biscuits, o trabalho foi mais bem recebido comercialmente do que o primeiro. A banda ainda continuou até 1991 com Alexandre "Farofa" (ex-OVEC) no lugar de Nhonho nos vocais e chegou a compor material suficiente para um segundo trabalho, que infelizmente nunca foi lançado. Após o final da banda, Boka entrou no Ratos de Porão e posteriormente no I Shot Cyrus, Zé Flávio montou o Safari Hamburguers e em seguida o Sociedade Armada, enquanto Fabrício e Farofa montaram o Garage Fuzz, Lauro Netto, em 2000, montou o Repulsão Explícita. Farofa também cantou no Safari Hamburguers entre 1992 e 1994.
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Entrevista com Zé Flávio (Psychic Possessor/Sociedade Armada/Safári Hamburgers)

por Alessandro E. N. & Gustavo Alves.

Entrevista feita em 2006 para o site www.psychicpossessor.kit.net

Tentei procurar escrever uma introdução dessa entrevista bem séria, o que não foi possível, pois estou carregando de um sentimento total de ORGULHO por ter entrevistado (eu e o Gustavo) um cara que somos fãs pra caralho, uma pessoa que infelizmente não está mais envolvido em banda, mas com uma ideologia que ficou praticamente intacta... Estamos falando do Zé Flávio, que começou sua carreira aos 12 anos na poderosa horda Vulcano, depois saiu e formou o GRANDE Psychic Possessor, pondo fim na banda, ainda ajudou a formar o Sociedade Armanda, Safari Hamburgers e hoje mantém um projeto com vários amigos, o SxAxVx... Nessa entrevista ele detalha bem como foi seu inicio no Metal/HC e algumas de suas posições políticas, durante essa longa estrada com mais de 20 anos no Underground. Então vamos parar de enrolação e irmos ao que realmente interessa, mas antes coloquei essa declaração que ele me passou junto com a entrevista...

"Primeiro de tudo gostaria muito de agradecer a atitude de manter viva a chama PxPx depois de tantos anos, isso me deixa com a sensação de que não foi em vão toda luta e tudo que tenho acreditado durante todos esses anos." - Zé Flávio

- Para começar, gostaria que você falasse um pouco da sua trajetória musical/política no underground.
ZF - Tenho 25 anos dedicados ao underground e por mais que me esforce essa certamente não será uma resposta curta. Comecei cedo na cena, era uma criança bem rebelde, falo sobre isso porque comecei ainda criança, então um belo dia um amigo meu apareceu com disco do Kiss na rua e eu tinha uns 10 anos de idade, se não me engano era o Rock'nRollOver, quando ouvi aquilo falei, meu deus, esse som faz o sangue ferver, rs... era pesado pacas na época, rs... daí em diante fui contaminado pelo som pesado, eu era uma criança rebelde e revoltada, odiava musica de radio em geral, quando ouvi o peso foi paixão imediata; ainda hoje brinco com amigos quando ouvimos algum som novo dizendo "O medidor de ódio esta pulsando" o que quer dizer que a banda é boa! Você sente a alma não apenas ouve o som, com certeza quem esta lendo e gosta de som pesado sabe de que estou falando. Eu acredito que em termos de HxCx, metal, musica pesada em geral é 90% ódio e revolta e 10% o resto, esse percentual varia um pouco de banda para banda, mas geralmente menos que 50% de ódio meus ouvidos recusam. Resumindo bastante, eu tinha uma guitarra elétrica que havia ganho com 6 anos de idade, eu pedi a meu avo que comprasse pra mim, de 10 para 11 anos já tinha alguns discos como KISS, Iron Maiden, Urian Heep, Black Sabbath, Van Hallen, Sex Pistols, Ramones e diversas coisas da época. Minha entrada na cena como pseudomusico, porque não me considero um, se deu aos 12 anos quando estava em uma loja de discos e chegou o Uruka, vocalista do Vulcano, bem, eu tinha umas musicas feitas já guardadas, conteúdo rápido e pesado pra época e resolvi mostrar minhas musicas pra ele, cheguei na cara de pau e falei: " Ei, meu nome é Ze Flavio toco guitarra e tenho umas musicas, vc gostaria de ouvir, quem sabe?" para minha surpresa ele topou, meio desconfiado, fomos até minha casa, era realmente perto e eu mostrei as musicas a ele, ele me convidou a mostrá-las no ensaio do Vulcano oficialmente, eu nem acreditava, eles eram gigantes na época no Brasil, tinha pouquíssimas ou nenhuma banda tão conhecida no cenário nacional como eles, então depois do primeiro ensaio, me convidaram pra tocar na banda, pra você ter uma idéia tiveram que ir em casa pegar autorização para que eu pudesse viajar com a banda pelo interior, coisa rara naquela época, o interior fervia, eram ônibus e mais ônibus, não tinha show gringo ainda, eu era uma criança 12 anos. Depois gravei meu primeiro disco com 13 anos de idade. Gravei dois LP's com o Vulcano e decidi deixar a banda, eu amava os caras, o Zhema (vulcano) foi como um pai para mim dentro do underground, mas queria fazer outra coisa musicalmente falando, também era muito moleque e só fazia besteira. Muitos dentro da cena viraram a cara para mim e aprendi desde cedo a ignorar a opinião popular e seguir pela minha cabeça, modismo sempre me incomodou. Decidi junto com o Lauro (hoje Explicit Repulsion) criar o PxPx. Começamos a ensaiar e tocar sem batera, fazia as musicas imaginando a bateria, era engraçado, chamamos o Arthur para gravar o Toxin Diffusion – resumindo, o PxPx gravou dois discos, falarei mais a respeito do outro durante o restante da entrevista; desmontamos a banda, criei o Safari Hamburgers, gravamos um álbum, mudei para Brasília, quando voltei a São Paulo montei o Sociedade Armada junto com o Fernando (até hoje vocal da banda) e então decidi me aposentar musicalmente. A ideologia e a revolta permaneceram intactas dentro de mim rs... na verdade bem amplificadas pela experiência e a idade rs... depois de muito tempo parado, mas sem nunca perder a veia de ódio, eu decidi voltar com um projeto filantrópico chamado South American Voice ou SxAxVx algo que eu pudesse fazer com a minha musica além de empolgar e acordar as pessoas, queria algo que ajudasse as pessoas mais necessitadas, algo com resultado visível e imediato. Desculpe o tamanho da resposta, mas aqui não tem 1/3 da história toda.

- Sobre o Psychic Possessor... Desde o primeiro album da banda (ou até antes) você fala que não põe um centavo no bolso com a música, ainda tem esse pensamento? e o que você acha dos que fazem?
ZF - Sim, durante todo esse tempo NUNCA ganhei dinheiro com a musica, ao contrário, gastei muito, sempre paguei tudo de próprio bolso; não sei nem quanto meus discos venderam, tudo que fiz considero de domínio publico, querem gravar o PxPx façam, querem copiar façam, querem fazer versões façam, quer fazer site, eu agradeço, não me importo, é de uso geral. Sempre pensarei assim, porque a musica para mim sempre foi uma válvula de escape, foi meu grito de revolta, antes que alguém se pergunte: "Ué mas ele não é guitarrista? Gritar com uma guitarra? Estranho!". Em todas as bandas que toquei sempre estive comprometido diretamente com a criação, composição e letras, posso dizer que 98% dos projetos que participei foram diretamente criações minhas - às vezes em parceria com os outros membros da banda, por isso digo, gritava mesmo! Gosto de tocar com pessoas diferentes, sentir a energia delas e direcionar para um objetivo comum, sou bom nisso, mas não é mérito meu, é um dom que Deus me deu e eu agradeço, gosto muito de fazer isso; voltando a grana; eu sempre trabalhei para ganhar meu dinheiro então não vejo relação entre a musica e dinheiro, para mim não faz sentido. Sobre quem o faz som pensando na grana, sei lá, gosto de pensar na liberdade de escolha de cada um, cada um faz o que quer, só acho que o dinheiro corrompe tudo; geralmente onde o dinheiro passa a fazer diferença abre-se uma brecha para manipulação de todo tipo, isto musicalmente falando não é legal, admiro muito o Racionais no sentido de que eles agem exatamente como eu fazia no underground, eles não se rendem ao dinheiro nem a mídia, não querem perder o poder do contexto, você entende o que quero dizer?.

- Em uma entrevista antiga a Rock Brigade, você fala que desde os tempos do Toxin Diffusion a banda queria fazer uma sonoridade mais pro Hardcore, então qual o motivo do disco ter tendido mais ao Metal?
ZF - Eu tinha acabado de sair de uma banda de metal (N.: Vulcano), tinha muito disso no sangue, ainda tenho ... mas eu tinha muitas bases prontas e foi inevitável colocar isso para fora naquele formato naquele momento.

- Como surgiu a oportunidade do Vladimir Korg (Chakal) participar do 1° disco de vocês?
ZF - Conheci o Vladimir quando passei um pequeno tempo na casa do Igor e do Max (sepultura) em BH; esse cara ai é um guerreiro, um batalhador, um puta vocal, foi inevitável com aquela voz, gente fina + atitude + vocal agressivo = oportunidade, tenho saudades não só dele mais de todo pessoal de BH. Conheci gente muito boa, de atitude e coração puros.

- Qual o por que daquela mudança de sonoridade do Toxin Diffusion para o Nós Somos a América do Sul? Apesar da banda (desde o primeiro álbum) tender bastante ao Hardcore, mas é nítida a mudança de rumo musical.
ZF - Sim, como te disse anteriormente, na medida que fui liberando algumas composições e coisas que tinha guardado no primeiro disco e considerando o fato da mudança dos membros da banda, foi natural; eu estava ouvindo dez vezes mais HxCx do que metal na época enquanto estávamos trabalhando no segundo disco, naquela época ouvia muito Minor Threat, Uniform Choice, Cryptic Slaughter, gosto de pensar nisso como uma evolução sonora mas principalmente ideológica, gosto de ouvir coisas que façam meu medidor de ódio pulsar, hoje em dia ta tudo muito misturado, não da mais pra saber o que é quem, tem que ficar esperto sempre na letra e ver se não estão falando abobrinha, eu ainda acredito na musica como forma de protesto então nunca fui muito eclético. Hoje ouço Racionais, coisa que jamais pensei que um dia fosse curtir, RAP, é totalmente fora da minha realidade mas faz meu medidor de ódio pulsar, eles são verdadeiros; bandas emo e muito do que tem de novo ai não fazem nem minha vó se assutar, sinceramente não me agrada, broxante.

- Por que o Lauro saiu da banda depois do lançamento do Toxin Diffusion? Isso tem alguma ligação com a mudança de direcionamento musical da banda?
ZF - Não diretamente, naquela época o RxDxPx (Ratos de Porão) estava fazendo o caminho oposto ao nosso, eles estavam colocando algumas bases mais metal no som que era puro HxCx, nós migrando de metal para HxCx quase que 100%, o Lauro era realmente muito fã deles e claro que tentava puxar influencia para as novas musicas, mas a verdade verdadeira é que eu e o Lauro brigávamos muito, eu era muito moleque na época, fizemos muita merda que não vale nem apena comentar aqui, eu era um pentelho - talvez um dia meus filhos leiam isso (risos)... Devo admitir que eu era muito mais moleque do que ele, eu realmente não me lembro de verdade porque ele saiu, mas uma coisa é certa: embora brigássemos, estávamos sempre juntos. Como todo bom irmão, não dá pra não brigar. E ele nunca deixou a cena, assim como eu, hoje ele toca no Explicit Repulsion e sempre que nos encontramos em shows é muito legal.

- Em entrevistas antigas, você sempre falava que o Psychic Possessor nunca gostou de tocar com bandas de Metal, Por que, já que o primeiro álbum tende também ao estilo.
ZF - Aqueles eram tempos totalmente diferentes de hoje em dia, quem ler essa entrevista e não passou pelos anos 80 não entenderá o porque, éramos vaiados em show de metal, chamados de traidores, coisas ridículas da época, traidores do metal!. Quando começou a onda Crossover com D.R.I. a coisa começou a mudar. Chegamos a tocar para excelentes públicos mistos sem problemas, devo ter dito isso lá traz no começo quando isso era uma realidade, punk ainda brigava com metal, e vice-versa hoje não da nem pra saber quem é punk quem é metal ...

- O Psychic Possessor já teve alguns problemas com a gravadora (Cogumelo Records), um deles foi o lançamento do segundo disco. Quais outros problemas ocorreram nesse tempo que o Psychic Possessor estava na ativa? E hoje, ainda existe algum problema com a mesma?
ZF - A Cogumelo é uma excelente gravadora, o problema fomos nós. João Eduardo, o dono da Cogumelo é uma excelente pessoa, sua esposa idem, decentes e trabalhadores, e não é fácil ter uma gravadora nesse pais, mesmo assim, ele continua lá, firme e forte. Hoje, se tivesse que escolher uma gravadora, seriam eles. Eles não interferem em nada no que você quer fazer. O sociedade armada continuou com eles, o mesmo para o Safári Hamburgers, eles te dão liberdade total, uma vez contratada a banda grava e lança o que quer! Indico para todas as bandas, isso é uma gravadora livre de verdade. Nós sempre estávamos atrás de encrenca e se não tinha encrenca então não tinha graça, essa é a verdade, a Cogumelo foi à bola da vez em um dia que acordamos de pé esquerdo.

- Depois do álbum Nós Somos a América do Sul, ocorreram mudanças na formação e mais ou menos em 1992 houve o fim das atividades, o que ocasionou o fim da banda?
ZF - Isso sempre foi um assunto um pouco proibido, quero dizer, nunca passei a frente, não vou faze-lo agora porque envolve a vida de outros membros da banda, prefiro explicar assim: Musicalmente queríamos a mesma coisa, ideologicamente como banda queríamos a mesma coisa, em termos de amizade estavamos super entrosados, inclusive foi a melhor banda que toquei na minha vida, agora em termos de ideologia pessoal, chegou um ponto onde todos queriam ficar alto, queriam curtir, e eu não achava certo, no sentido que estava influenciando diretamente o resultado dos ensaios da banda. Sou careta sim, sempre fui, alias, o PxPx não acabou realmente por conta da minha caretice, eu ia sair da banda e deixar seguir, os caras que decidiram não levar mais a banda a frente. Eu achei uma atitude de respeito, respeito mutuo, isso só mostra como éramos especiais uns para os outros, eles foram a melhor banda que toquei. Hoje, com a idade e a experiência, certamente eu teria uma atitude diferente; mas o tempo não volta.

- Logo depois do lançamento do Good Times do Safari Hamburguers, por que você saiu da banda? Como ocorreu sua entrada no Sociedade Armada?
ZF - Casei e recebi uma proposta de trabalho para morar em Brasília, decidi aceitar e deixar a banda, a banda prosseguiu sem mim, decisão deles, eu respeitei, inclusive hoje eles estão de volta por sugestão minha. Na minha volta de Brasília encontrei com o Fernando um dia que eu estava andando de tarde na praia e falei que queria fazer outra banda, tava sentindo falta de tocar, ele falou que toparia e ai foi acontecendo, juntou a fome com a vontade de comer, chamamos o Medina o Fio e foi amor ao primeiro ensaio, é a segunda banda que mais amei tocar, éramos MUITO unidos.

- Em 2002 chegou a ser anunciado o relançamento do Good Times do Safari Hamburguers em cd, o que não ocorreu. Porém, logo depois o Nós Somos a América do Sul foi relançado. O que você tem a dizer sobre esse fato?
ZF - Não sei o que te dizer. Domínio publico cara, para mim é domínio publico! Eu não controlo essas coisas, eu nem mesmo acompanho, nunca acompanhei, to sabendo que o Safari vai sair porque agora estou bem próximo ajudando eles na produção musical das novas musicas, espero poder pelo menos ajudar a acabar o novo álbum, não sei se conseguirei por força do meu trabalho oficial que está puxadíssimo. Em todo caso acho importante reafirmar que eu realmente não me importo, contanto que o contexto esteja lá, a mensagem seja dada sem alteração de contexto, quero dizer, o grito de revolta que queria dar naquele momento esteja lá sem alterações.

- Em 2001 você saiu do Sociedade Armada, por que a saída? Você envolveu-se em algum projeto depois? Há algum ressentimento entre você e a banda?
ZF - Meu Deus!, Nunca!, Sociedade Armada até a morte!!! Quase tatuei no corpo o logo da banda, preciso deixar uma coisa clara aqui, a única banda que toquei e não fundei foi o Vulcano, todas as outras estive envolvido diretamente na criação das bandas como musico e mentor, logo, não são bandas onde toquei e sim filhos que coloquei no mundo ... Eu não sei realmente porque sai! Acho que nem eu, nem ninguém na banda pode te responder isso. Foi um desgaste natural, a gente criou a banda para nunca aparecer, nunca divulgar, nunca nada, você entende? Isso fazia parte da ideologia da banda! Radicalismo mesmo! Era uma válvula de escape para todos nós, tínhamos regras duras com relação à mídia e locais de shows, todos trabalhávamos muito em seus respectivos empregos, fomos nos fechando em nós mesmos, era o que queríamos fazer na época, porém hoje em dia eles continuam com força total, não sei dizer se hoje é como antes, em termos de radicalismo, sei dizer que SxAx mora no meu coração e o "Ordem e Progresso", primeiro CD sem minha participação, esta sempre a mão para ouvir, medidor de ódio altíssimo!!!!. Minha saída não foi absolutamente nada pessoal, musical ou ideológica. Para você entender minha relação com a banda vou comentar algo que nunca vou esquecer, talvez uma das coisas mais marcantes durante todos esses anos: um dia, fui em um show do Sociedade Armada aqui em Santos, já estava fora, fui assistir o show, era Sociedade armada, Ação direta, um puta show!!! Lotado! Os caras tipo agradeceram minha presença pelo microfone e comentaram sobre os meus anos de serviço prestado ao underground e todos os presentes aplaudiram! Alguns de pé! Cara, não consigo descrever aquele curto mas eterno momento em palavras, o que senti? Não da pra explicar, era muita gente, gente pacas, tudo que pensei naquela hora foi: "Valeu a pena!!! Gritei: "Toca "Rotina" porra!!!!" e meu coração se encheu de agradecimento. Você perguntou sobre dinheiro em algumas questões anteriores, e eu continuo dizendo que foda-se o dinheiro, quando você ouve isso e olha para sua história pessoal você pensa: "Fiz tudo de cara limpa e sem nenhum interesse que não protesto" isso não tem dinheiro que pague! Sua honra, saca? Quando alguém houve todas as minhas musicas e sabe a letra de cor, isso pra mim vale uma vida cara. Continuando a resposta, hoje não toco mais em banda, criei um projeto chamado South American Voice ou SxAxVx que é com finalidade de filantropia, o som é um mix de Socidade Armada + Psychic Possessor + Safári Hamburguers afinal, isso é só o que sei fazer, não sou musico, financiei tudo do próprio bolso porque acredito em ações sociais, chamei vocais de peso para cantar minhas musicas, como o Fernando (Sociedade Armada) , Gepeto (Ação Direta) , Gordo (RxDxPx) um dos caras que mais respeito, Fabio (Paura) e ainda Ale (DipLik) na batera, fiz todas as musica e gravei o baixo, guitarras e alguns vocais, é um projeto legal e vale a pena conferir, encare esse projeto dessa forma: sempre que eu quiser gritar agora eu criei meu próprio espaço, SxAxVx é meu espaço.

- Apesar de você já ter declarado que teve vários problemas com a Cogumelo desde o lançamento do Toxin Diffusion, por que você lançou seus trabalhos com o Safari Hamburguers e com o Sociedade Armada por esta mesma gravadora? Você nunca chegou a pensar em lançar seus trabalhos de forma independente?
ZF - Os problemas com a Cogumelo como disse antes eram frutos de minha imaturidade mesmo, todas as bandas que você citou continuam com a Cogumelo :) . Sobre fazer discos, CDs, de forma independente, quero deixar claro que eu não vivo da musica, logo não teria tempo pra isso cara, lançar, correr atrás, vender, não é minha praia, já faço musica, letra, arte dos Cds e bolo todas as paradas, mas essa parada de produção independente prefiro deixar para quem tem mais corrida.

- Recentemente soubemos que você voltou para o Safari Hamburgers, você confirma isso? Há algum plano de gravar novo disco? será pela Cogumelo?
ZF - Toquei em apenas um show para ajudar a banda, eles estavam com apenas uma guitarra e Safari Hamburgers foi feito para ter duas guitarras, todas as musica exigem isso; acredito que eles estão pegando outro guitarra, eu não toco mais na banda não, estou ajudando na produção musical hoje que já tem três musicas novas, mas é apenas uma ajuda.

- Em 2002 houve o relançamento do disco Nós Somos a América do Sul (pela série Cogumelo Remasters), o mesmo possui uma ótima arte gráfica, mas a remasterização do som deixa bastante a desejar, por que houve essa produção (musical) tão fraca?
ZF - Pelo que soube na radio peão a fita master tava danificada, meio derretida, mas não posso afirmar.

- O que ocorreu para a musiquinha depois de América do Sul não ter entrado nesse remaster?
ZF - Parece que era a parte mais danificada da fita.

- Como você vê o relançamento do Toxin Diffusion em cd, que será feito ainda este ano? Há alguma música gravada pelo Psychic Possessor que nunca foi lançada? sera inclusa nesse remaster?
ZF - O Psychic Possessor tinha 17 musicas novas quando terminou, estávamos com o disco novo pronto! Seria legal fazer uma coisa nova naquela linha para constar como novidade no CD mas a logística pra fazer isso hoje é muito complicada, ta cada um para um lado.

- O que você achou dos covers do Psychic Possessor feitos pelo The Mist, Ratos de Porão e D.F.C.?
ZF - Maravilhosos cara!!! Como disse antes essas coisas que fazem valer a pena, quando as pessoas demonstram respeito e empatia de idéias, para mim banda é pra isso, difundir idéias. Ao tocarem nossas musicas estão reafirmando nossa idéia e assinando embaixo, acho isso gratificante.

- Caso o Psychic Possessor voltasse hoje, qual álbum tenderia mais a sonoridade? e Por que?
ZF - Tentamos voltar acho que em 2002, para gravar aquelas musicas que ficaram para trás, mas não deu certo, diria que não foi o momento!. Se fossemos fazer musicas novas hoje, o som talvez seria muito diferente, não por mim porque basicamente não mudei bosta nenhuma, não evolui musicalmente e ainda ouço basicamente as mesmas coisas, porém o Mauricio toca no Ratos de Porão logo traria uma pegada mais Ratos, o Fabrício e o Farofa tocam hoje no Garage Fuzz e trariam uma pegada mais Garage, acho que seria uma mistureba danada, mas a idéia de pelo menos gravar as musicas que ficaram largadas me agrada, tenho uns mp3 destes ensaios de 2002 aqui.

- Qual sua opinião sobre bandas de NSBM (National Socialist Black Metal)? que abordam temas como Nazismo, supremacia branca e outros...
ZF - Meu Deus! Black metal nazista? Nunca ouvi falar disso, to velho mesmo. Em todo caso hoje eu tenho uma resposta padrão para esse tipo de ideologia racista, a mesma para granfinos, pessoas que dirigem sua vida pelo dinheiro, e coisas sem importância: evoluam! Viemos aqui, nesse planeta, para evoluir e cair fora. Leiam "Nosso lar" de Chico Xavier, ignorem a religião mas usem os ensinamentos que são sábios. Eu não prego nenhuma religião, eu mesmo não tenho religião logo não posso indicar nenhuma, mas posso indicar uma boa literatura. Nós todos, seres humanos, estamos aqui para evoluir. Esqueçam coisas sem importância como a cor da pele.

- Quais projetos/bandas você está envolvido atualmente?
ZF - Estou tentando lançar o SxAxVx que esta pronto a dois anos quase, ainda não pude faze-lo por forças diversas, estou envolvido no momento na produção musical do Safari Hanburgers, gostaria de fazer mais porém ando trampando demais.

- Algum plano para o futuro?
ZF - Lançar o SxAxVx e quem sabe fazer o dois, três, quatro, sempre trazendo músicos diferentes. To pensando em produzir musicalmente bandas, tenho esse dom que Deus me deu e quero usa-lo para ajudar as bandas, mas na verdade no momento preciso tocar minha vida profissional.

- Você mantém ainda contato com os antigos membros? como o Lauro, Márcio, Fabrício e o Boka.
ZF - As vezes encontro com eles em shows, mas não é freqüente.

- Qual sua opinião sobre a volta das bandas como o Chakal, Holocausto, Vulcano (banda que você tocou) e outras? Tem acompanhado algum lançamento dessas bandas?
ZF - Lindo cara, isso ai é legal de ver, sorte a todos eles!.O Vulcano ouvi sim, pedreira, gostei muito, o guitarra toca muito, chakal preciso entrar em contato com eles, muito tempo sem contato. Holocausto, soube que voltou agora por você, gostava muito do som deles.

- Estamos em pleno período de copa do mundo (2006), nesse tempo o povo brasileiro começa a vestir e agir como "nacionalistas", você acha que isso seja mesmo uma Consciência Nacionalista ou uma Alienação Nacionalista?
ZF - Ah se o povo brasileiro fosse mais culto cara! Só falta isso pra gente; cultura de base, seríamos um pais do primeiro mundo; pegar a camada mais pobre e instruí-los. Nenhum f.d.p. político faz porque sabe que ai os critérios de qualidade vão aumentar e automaticamente eles estariam fora, porque política no Brasil não é saber fazer, é saber vender. Se olharmos para o futebol como um momento de união é lindo do ponto de vista que é um sentimento popular e autêntico, quero dizer, ninguém manda o povo fazer isso, ele vai lá e faz por ele mesmo, se sente parte de algo, você percebe que as pessoas amam o país, querem ter referencia, mas só que depois da copa só fazem merda de novo, então isso não adianta nada. O Brasil precisa de cultura de base.

- Tendo lançado ótimos trabalhos pelas bandas que você lançou, influenciado vários músicos e composto músicas que serviram como trilha sonora da vida de algumas pessoas (inclusive os 2 responsáveis por esta entrevista), qual é o maior orgulho e o maior arrependimento que você tem nestes mais de 20 anos da tua carreira musical?
ZF - Orgulho? Bem, cada vez que ouço coisas como as que você acabou de dizer no corpo da pergunta sinto aquele sentimento, VALEU A PENA, mais uma vez!!! Isso me orgulha muito porque eu sempre fiz musica de protesto, sem nenhum interesse outro que o protesto e com a certeza no fundo da alma sabia que alguém ouviria e entenderia meu ponto de vista. Quando as pessoas, alem de gostar, ainda concordam, só tenho a dizer: VALEU A PENA!!! Arrependimento? Acho que a única coisa, não sei se posso chamar de arrependimento, mas, quando eu era muito mais novo, eu era realmente radical, eu fazia tudo com o coração e a emoção, tudo era ou vida ou morte, hoje aprendi a tentar ser mais tolerante com tudo, pensar mais antes de agir, algumas coisas levam e a mudança é inevitável, faz parte da evolução humana, mesmo ainda considerando políticos, cobradores de impostos, grã-finos e pessoas direcionadas pelo dinheiro como a corja da humanidade, com raríssimas exceções, procuro tentar avaliar tudo sob todos os pontos de vista, embora as vezes seja difícil.

- Pra finalizar, uma pergunta que muitos pedem, há alguma chance do Psychic Possessor voltar a ativa?
ZF - Nada na vida é impossível, mas te diria que a possibilidade de voltar como banda, fazendo turnês, shows, agenda, é muito dificil! Agora, talvez uma reunião de amigos e colocar isso em um CD apenas para colocar o ódio para fora, eu diria difícil, mas não impossível.

- Obrigado Zé Flávio por ter cedido essa entrevista para o site, esse espaço é seu para suas considerações ou agradecimentos...
ZF - Obrigado a vocês pela iniciativa! SEJA, APROVEITE! RESPEITE SUA VERDADE! Você nasceu sozinho e morrerá sozinho e essa é a única coisa que você pode ter certeza na vida, o resto é a própria vida e o legado que você vai deixar para os que vêm depois. Siga o caminho do bem e CONSTRUA. Se puder chutar uns traseiros de políticos não esqueça de me convidar, eles são o câncer do planeta. Justiça, Verdade, Paz e Longa vida ao HxCx!!!!

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Difundindo Suas Idéias
(Nós Somos a América do Sul - 1989)

Revista Rock Brigade - nº ?, Brasil, 1989.

O Psychic Possessor, apesar de ser uma banda relativamente nova, veio com uma proposta arrasadora e ao mesmo tempo cercada de polêmica. Nesta entrevista o quarteto coloca tudo em pratos limpos.

Rock Brigade - Em uma entrevista no começo do ano, vocês falaram que jamais abririam uma banda estrangeira. Vocês têm esse pensamento hoje em dia?

Zé Flávio - Continuo. Nós ainda pensamos não abrir para bandas lá de fora.

Rock Brigade - Mesmo se for um DRI?

Zé Flávio - Aí é diferente, pois o público Hardcore respeita as bandas nacionais. A questão não é a banda em si, mas sim o público desta banda. Na época foi cogitado que nós abriríamos para o KREATOR. O pessoal que só quer ver banda de fora se fodeu nessa. Gastou uma nota e não viu nada nesse show do KREATOR. A gente só quer tocar para um público que goste de nossas idéias, não adianta tocar para quem não nos quer ver. Uma vez nós tocamos no Mambembe, e perguntamos pro pessoal se eles queriam ver a gente, e eles responderam que não, e nós arrumamos as coisas e fomos embora. Mas nós nunca discriminamos ninguém. A gente respeita os carecas e eles respeitam a gente.

Rock Brigade - Vocês se consideram o quê?

Zé Flávio - Me considero uma pessoa. Não sou um Punk, Careca, não sou nada.

Rock Brigade - E o som?

Zé Flávio - É Hardcore.

Rock Brigade - Mudando de assunto, porque você, Zé, saiu do Vulcano?

Zé Flávio - Teve aquele festival (Americana/SP), e eu perdi a cabeça, eu larguei a guitarra pra dar uma porrada num cara, aí eu não achei o cara e fiquei nervoso. Mas o que eu queria fazer mesmo era uma coisa mais voltada para as minhas idéias. Alguma coisa mais consciente. Agora se eu pudesse voltar atrás eu gravaria o Toxin Diffusion em português, por que eu não sabia que o pessoal não ia entender a mensagen em inglês.

Rock Brigade - E hoje em relação ao Vulcano tá tudo bem?

Zé Flávio - Tá sim. Devo muito ao Zhema, Uruca. Devo tudo por que quando o Psychic começou a ensaiar, a gente ensaiava no mesmo local deles. Se eu precisar deles eu sei que eles vão me ajudar e vice-versa.

Rock Brigade - Vocês tem tocado atualmente as músicas do 1.° LP?

Zé Flávio - A gente tentou tocar uma em português, mas não ficou legal, então a gente tirou fora. A gente prefere tocar as do novo, já que temos que divulgar o nosso novo LP.

Rock Brigade - Se vocês não tocassem no Psychic, em qual banda vocês tocariam?

Zé Flávio - Puta, é foda. Faríamos um Psychic II ou Possessor Psychic. Não tem jeito a gente ta super bem entrosado e é bem democrático, onde tudo o que resolvemos é votado.

Maurício - Eu tocaria só em uma banda em que estivesse contente. Talvez o Ação Direta.

Zé Flávio – É, o Ação Direta é muito bom, eles tem boas idéias, mas só tocaria pra quebrar um galho.

Rock Brigade - Porque o título de "Nós Somos a América do Sul"?

Zé Flávio - A gente tem que assumir a postura de Sulamericano. Não que só os Hardcores e Punks são a américa do sul. A gente quis dizer com a capa para haver união entre todas as pessoas e movimentos, a gente sabe que os gringos não gostam de chicanos, e a gente fez isso só pra provocar. Primiero nós, a América do Sul, depois os outros.

Rock Brigade - Vocês gostariam que todo latino gostasse de Psychic?

Zé Flávio - Não, a gente só quer que entendam a nossa mensagem e respeitem. Só respeitar tá bom. Eu respeito todo mundo. "Porque você bate a cabeça lá no show?". "Porque eu gosto". Pra mim uma resposta assim tá bom.

Rock Brigade - Vocês sempre disseram que eram Underground, mas se um dia fizerem sucesso como vocês vão encarar isso?

Zé Flávio - Do jeito que somos nunca vamos estourar. A gente é Underground não na aparelhagem, mas sim na cabeça, a gente aceita tocar em qualquer lugar, se botarem uma bateria e alguns instrumentos na praia e convidarem a gente, a gente vai. Se alguém tiver idéias parecidas ou queira chamar a gente para tocar, e estiver lendo isso pode chamar a gente que a gente vai, é só pagar a passagem e comida. Agora em relação ao sucesso, se a gente fizer, vai ser a mesma merda, se a gente ganhar algum dinheiro, a gente dá tudo, eu não quero dinheiro, eu quero que a moçada entenda as nossas idéias. Só isso.

Rock Brigade - E dar entrevistas em revistas de maior nome como a BIZZ?

Zé Flávio - Sim, de BIZZ até MANCHETE, passando pela Contigo, mostrando as nossas idéias, tá bom.

Rock Brigade - E o que vocês escutam hoje em dia?

Zé Flávio - As bandas que a genta mais curtia tão uma porcaria hoje em dia, como os ET SECONDS. Mas eu gosto de AÇÃO DIRETA, e no HM não há mais bandas originais.

Maurício - OLHO SECO, AÇÃO, DESORDEIROS DO BRASIL, SEPULTURA E NUCLEAR, dos ANTIGOS, BLACK SABBATH E MOTORHEAD.

Márcio - TITÃS, BAD BRAINS e outros HC, além de RAMONES.

Rock Brigade - E o futuro?

Zé Flávio - Futuro automático. (risos). Em janeiro e fevereiro a gente vai tocar no Perú e Chile. 3 shows no Perú e 2 no Chile. Com bandas de lá. A gente já tá com outra gravadora (que eles não quiseram mencionar), e vendo um lance no exterior pra gente lançar um split com outra banda. O que ajuda é que nos temos muitos correspondentes lá fora.

Rock Brigade - Alguma mensagem para nossos leitores?

Zé Flávio - Tudo é Rock!!!

# 137 - 26/02/2010



Black Rebel Motorcycle Club – Beat the Devil´s tattoo

Warcry – The New Age
Velho de Câncer – o som não é justo
The Renegades of punk – tenho certeza que a vingança será doce
The Baggios – No Matagal
Urublues – Minha sede

Drop Loaded:

Dual Tape – All over the way
Dual Tape – Bullshit

Psychic Possessor – Toxin´diffusion
DFC – Mentira de eleição
RDP – Sentir ódio e nada mais
Lobotomia – Distorção policial

Vivendo do Ócio – Meu precioso
Lisergia – Casca no chão
Messias – Off Beat

Velho de Câncer:

Velho de Cancer (a musica)
o grande nada
+Entrevista

Bloco produzido por Lauro “Delírio”:

B.B. King & Jimmy Hendrix – Like a Rolling Stone
Joey Ramone – What a wonderfull world
Motorhead – God Save the Queen
Nirvana – Love Buzz
Arctic Monkeys – You know I´m no good
Cake – I Will survive

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

NANTES - "À Espera do sol"



por Jesuino André

Fonte: http://meusons.yd.com.br

A banda mudou de nome, mas não de sua postura musical, aliás aperfeiçoaram mais ainda sua verve pop. Estou falando do quinteto sergipano Nantes, antes chamava-se de Daysleepers, que nesses três anos de existência vem se expressando com os melhores argumentos sonoros. Liderados pelo talentoso Arthur Matos, vocalista e compositor da nova safra popster local, inspiram-se pelo caminho interessante, e pouco explorado, do pop e rock sessentista, mais especificamente pelo folk rock, psicodelia pop e o progressivo soft.

Não há o apego exagerado de revival, mas o acréscimo devocional sobre a estrutura musical da época, o que podemos citar, e os mesmos declaram, as influências e referências de lendas como Beach Boys, The Byrds, Flying Burrito Brothers e o nosso Mutantes, estes, entre outros, direcionando a exemplar conduta do Nantes. O quinteto que consta de Arthur, Fabricio (guitarras e voz), Lelo (baixo), Rafael (teclados e voz) e Ravy (bateria e voz) executam com sublime desenvoltura canções de texturas envolventes, destacados vocais melodiosos, harmonias singelas e timbragens vintage. No final de 2008 lançaram seu primeiro disco no formato EP intitulado “Tempo”, com seis faixas expondo uma sonoridade promissora.

Para este ano de 2010 preparam seu primeiro disco cheio, com lançamento previsto para o mês de maio, enquanto isso, lançaram - em fevereiro - um single do disco com as faixas “A Espera do sol” e “A Marcha”, duas preciosidades pop que dão direito a uma produção refinada e caprichada, com perfeitas vocalizações e primorosos arranjos com timbragens vintage (guitarras de 12 cordas, glockenspiel, hammond, celesta, mellotrons e até umas campanellas). Sensacional! Sofisticação musical tanto nas idéias quanto na execução. Abordagem pouco vista nas atuais e urgentes produções do mercado independente nacional. A criatividade vem do passado, bem natural; o resultado é o futuro. Ou seja: hoje! Altamente recomendável!!!

Ouça e baixe o Single : www.myspace.com/nantesbr

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Entrevista com Cidadão Instigado

por Marcos Bragatto
Fonte: Rock Em Geral

Cidadão verdade

Fazendo música em cima de suas intuições, em “U-huuu!” Fernando Catatau leva o Cidadão Instigado a consolidar um trabalho peculiar e sem precedentes no pop nacional.

Publicado em 21/01/2010

Fernando Catatau é o cara. O guitarrista (como gosta de ser chamado) fechou 2009 como um dos nomes mais influentes da nova música pop brasileira. Participou dos discos de Otto e Céu, ambos incensados pela crônica musical, e produziu o de Arnaldo Antunes, “Iê iê iê”, de sotaque retrô. O seu feito mais importante, no entanto, foi o lançamento do enigmático “U-huuu!”, terceiro álbum de sua própria banda, o Cidadão Instigado, um dos trabalhos mais originais de que se tem notícia no universo da música brasileira.

Até Caetano Veloso, o homem que dá a palavra final na tradicional MPB, andou rasgando elogios a este cearense que foi para São Paulo se arriscar na carreira musical. “U-huuu!”, que sucede o não menos estranho “Método Túfo de Experiências”, é o tipo de disco que não deixa o ouvinte seguro de nada, mas o faz parar para pensar o que é aquilo, dúvida que não se dissipa quando o CD para de girar. Ainda assim, se mostra interessante para todas as tribos, e é aí que está o seu grande segredo, que Catatau não hesita em cravar: “me esforço para ser o mais verdadeiro possível”.

Nessa entrevista, feita por e-mail, tentamos destrinchar o pensamento vivo de Fernando Catatau para descobrir o que o motiva a fazer músicas que prezam pela estranheza, mas, mesmo assim, atraentes. Tendo sempre a verdade e a espontaneidade como trunfos, ele explica o fascínio pela música brega (que chama de romântica), como encheu o disco de teclados e as diferenças entre trabalhar em estúdio e tocar ao vivo. Só se esquivou de falar sobre quem organiza os festivais independentes no Brasil, aos quais já chamou de “máfia”, resultando, infelizmente, em seu exílio no circuito. Mas um dia ele solta o verbo.

Rock em Geral: Por que o título “Uhuuu!” para o disco? Tem a ver com a expressão usada originalmente por surfistas?

Fernando Catatau: Na real é uma expressão que sempre uso com meus grandes amigos que moram em Fortaleza. Uhuuu! pra mim tem um significado muito forte, é como se fosse um grito de guerra às coisas boas e tem total a ver com o surf. Fui body-boarder há muito tempo e por muito tempo.

REG: Para lançar este disco você teve um projeto aprovado dentro do Projeto Pixinguinha. Explique como o processo foi feito:

Catatau: Quem nos inscreveu foram nossas produtoras (Lívia e Priscilla). Acho que se elas não tivessem feito isso o disco teria saído como sempre foi, do meu bolso. O bom é que tivemos um suporte para gravar o disco, com tempo e pagando todo mundo como tem que ser, até porque sempre gravamos em fita, e o processo é muito caro. Achei muito legal ter esse apoio, pois acho que um disco, para ser bom, tem que ser trabalhado com estrutura.

REG: Você nunca foi um cantor excepcional, mas também pareceu não se esforçar para melhorar nesse disco. É sua intenção cantar da maneira como você faz, nem sempre com a voz afinada e explorando o sotaque carregado do Nordeste?

Catatau: Eu me esforço para ser o mais verdadeiro possível. Acho que meu sotaque é minha identidade e sou muito orgulhoso disso, e se sou desafinado é porque tenho minhas limitações. Sou bem feliz com o caminho que consegui até aqui. Acho que meu jeito de cantar tem muito a ver com a sonoridade da banda e não é nada forçado. Tá bom assim.

REG: Antes você cantava de um jeito “mais falado”, mas agora parece cantar mesmo. Trabalhou por essa mudança ou as coisas foram acontecendo?

Catatau: Fui aos poucos começando a cantar melodias. Quando comecei o Cidadão, não tinha experiência em cantar, e minha voz sempre foi assim, meio “médio-anasalada” (característica do povo cearense). Mas com o tempo fui mudando meu modo de compor e meu jeito de cantar foi junto. Me esforcei bastante para começar a cantar, até porque as melodias que eu crio não são das mais convencionais, e às vezes exigem técnicas de cantor, coisa que eu não tenho, mas faço do meu jeito.

REG: Num dos shows de lançamento, no Circo Voador, você tocou a íntegra desse disco novo, e num último bis ainda repetiu uma das músicas. Isso quer dizer que esse é seu trabalho definitivo, que supera os feitos anteriormente?

Catatau: Esse é o disco que acabamos de lançar e estamos trabalhando nele. Decidimos tocá-lo na íntegra nos shows de lançamento. Agora já estamos mesclando com músicas antigas. Gosto muito do “Uhuuu!”, mas também dos outros. Acho que nesse disco conseguimos chegar mais num ponto de unir bem esse lado que eu gosto de “canção” com “psicodelia”, tirando os excessos. Acredito numa carreira. Trabalhamos aos poucos, disco a disco. Só no futuro vou conseguir enxergar realmente o que é definitivo para nós. Ainda pretendo gravar muitos discos.

REG: Embora você seja guitarrista de origem, parece ter adotado o teclado como instrumento indispensável neste disco. O que te seduziu nele para ganhar tanto destaque nessa fase?

Catatau: Os teclados que entraram no disco entraram naturalmente. Eu fiquei bem satisfeito com os que foram gravados. Não teve excessos. Na real eu sempre gostei muito de teclados e bem colocados eles fazem a música ficar grandiosa.

REG: A música brega setentista continua como uma grande referência no seu trabalho. Até quando você acha que é possível explorar esta, digamos, tendência no Cidadão Instigado?

Catatau: Acho que temos um trabalho que vai caminhando aos poucos. É engraçado, mas muitas dessas músicas que foram gravadas no “Uhuuu!” são bem antigas. Então é como que a cada disco que lançamos seja um registro de um tempo que passou, com algumas coisas do presente. Tenho muitas composições românticas, outras psicodélicas, umas bem rock. Não faço música explorando estilos, vou de acordo com minhas emoções e enquanto o amor perambular pela minha vida, eu vou com ele, escrevendo várias canções românticas.

REG: O rock progressivo é outra variável dentro da sua música, e nesse disco aparece forte no começo de “O Nada” e em “O Cabeção”, só pra citar duas músicas. Como você mantém isso vivo?

Catatau: Gosto de pensar na música como se fosse uma redação de colégio, que tem começo, meio e fim. Acho que no princípio do Cidadão isso era bem marcado, mas hoje abriu para outros lados também. No rock progressivo, a música vai e não precisa voltar. Gosto disso. É uma quebra do padrão pop de refrão. Mas também gosto desse padrão pop que você fica a música inteira esperando para que o refrão reapareça para cantar junto com todo mundo. O legal é ter todas as opções e se utilizar de tudo.

REG: No passado você citou Jimi Hendrix e Black Sabbath como influências, mas dessa vez parece que a mpb dos anos 70 bateu mais forte. É isso mesmo?

Catatau: Eu não acho, não. Jimi Hendrix, Black Sabbath, Santana e King Crimson são minhas referências eternas. Não consigo perceber essa mpb dos anos 70 nesse disco. Acho até que caminho mais para os 80, que são referências fortes na minha vida, como Eddie Grant, The Cure… Minha veia é de rockeiro nordestino que se emociona ouvindo Pink Floyd, pede pra tocar Raul e já dançou muito forró.

REG: Esse disco só parece ser possível graças a experimentos que você desenvolveu em estúdio. É difícil reproduzir essas músicas ao vivo? Ou você parte do princípio que no palco deve fazer de uma forma diferente mesmo?

Catatau: Desde o lançamento do “Método Túfo…”, em 2005, nós já vínhamos testando músicas que entraram no “Uhuuu!”. Sempre que fazemos um disco eu tenho a maior preocupação de gravar algo que possamos tocar ao vivo. Mas estúdio e ao vivo são dois mundos que têm que ser explorados da maneira certa. Adoro entrar no estúdio e experimentar várias coisas, mas nosso laboratório mesmo é o palco. No estúdio é como um daqueles lugares que você vai para bater foto. No fim tá ali a fotinha de uma época que você vai olhar lá na frente e dizer: caramba, eu era bem melhor. Ou, melhorei bastante. Resumindo, são dois lugares massa de se estar bem acompanhado.

REG: Hoje você se considera tanto produtor como músico? Ou é mais uma coisa que outra?

Catatau: Eu sou guitarrista. É o que mais define o que sou na minha profissão, mas tenho percepção para outras coisas como produção, organização e faço isso também. Gosto muito disso tudo.

REG: Suas letras, embora realistas e com linguagem simples, têm conteúdo que prima pelo inusitado, como nas frases “pra cada cabeça existirá um piolho espião” ou “eu imagino as bichinhas se entulhando uma a uma numa montanha de pelúcia que de tão fofa foi fedendo”. De uma forma geral, como você desenvolveu esse jeito de escrever/compor?

Catatau: Isso é muito de eu ser cearense. Essa história de ir inventando personagens, situações que fogem do real é, às vezes, para deixar as histórias claras, mas de uma forma mais interessante. Todas as minhas letras são baseadas nas experiências que eu vou vivendo, e eu gosto de ser bem direto. Não entendo muito de literatura, mas também sou muito chato comigo mesmo. Gosto de achar as palavras certas para que o dito seja bem dito.

REG: Em algumas letras, como a de “Deus é Uma Viagem”, você altera a sílaba tônica das palavras para fundi-las com a melodia. É coisa estudada ou nasce de um processo prático de cantar e ir ajustando tudo?

Catatau: É o ajuste mesmo. Na música a letra tem que ir se encaixando com a música em total harmonia. Uma é total dependente da outra, pelo menos nas músicas que eu faço.

REG: Curiosamente a música “Escolher Pra Que?”, de onde saiu o título do disco, é a única que não tem letra de sua autoria. Tem explicação?

Catatau: Essa é uma letra muito antiga de um amigo (Danilo Guilherme). Já tinha feito vários arranjos para ela em todo esse tempo que a banda existe e nunca tinha dado certo. Daí, há algum tempo, a gente vinha tocando ela nos shows e como a música que fiz resumia muito bem o espírito que estávamos vivendo, rolou de gravarmos ela, mas foi naturalmente que deu certo assim.

REG: Em “O Nada” você parece ser irônico ao pedir que as portas das casas sejam abertas para os ladrões entrarem. Pode explicar melhor o que quis dizer?

Catatau: Essa letra é simples. Ela fala de um lance que é muito delicado para o ser humano, que é o apego pelas coisas materiais. Penso que é importante pensar que a qualquer momento você pode não ter mais nada, pois a vida dá muitas voltas e acho que é preciso saber lidar com isso para ter forças para recomeçar do zero.

REG: É uma percepção correta concluir que a música do Cidadão Instigado preza pela estranheza?

Catatau: Prezo muito pela verdade, seja ela qual for.

REG: Se você recebesse esse disco para ouvir, como o definiria, em poucas palavras?

Catatau: Me desculpe, mas não consigo falar de algo que é tão pessoal em poucas palavras. Nunca consegui ouvir nenhum disco meu olhando de fora, e acho que nunca vou conseguir. Fico pensando em tudo. Enfim…

REG: Você produziu o disco do Arnaldo Antunes e outro dia foi elogiado pelo Caetano. Que tipo de mudança isso pode representar na sua carreira?

Catatau: Não sei exatamente, mas é bom saber que seu trabalho está sendo reconhecido e principalmente estando fiel à sua origem. Gosto muito do que faço e sou apaixonado por música, e por isso estou nessa história até hoje. Penso em música e instrumento o dia todo. Fico feliz de hoje trabalhar e estar perto dos meus ídolos.

REG: Conte como foi feito o contato entre você e o Arnaldo Antunes, e como rolou de um trabalhar no disco do outro:

Catatau: Eu já tinha encontrado o Arnaldo algumas vezes, e sempre falávamos um pouco. Tinha um link pelo Marcelo Jeneci, que tocou no Cidadão e hoje toca com ele. Quando o Arnaldo decidiu gravar esse disco com base no iêiêiê, resolveu me chamar pois já conhecia o que eu fazia com o Cidadão. A participação dele no nosso disco foi muito natural. Primeiro tinha “O Cabeção”, que eu queria que ele colocasse uma voz bem grave representando o título da música. Mas no meio das gravações nós decidimos abolir o solo da música “Doido”, que já tinha oito anos e não se resolvia, aí pedi para o Arnaldo improvisar como se fossem as vozes que uma pessoa à beira da loucura ouve. E ficou como ficou, massa!

REG: Esse disco parece representar uma “virada” na sua carreira. O que você imagina para o futuro do Cidadão Instigado?

Catatau: Espero continuar nesse caminho. Acredito na homeopatia musical. Temos 12 anos de banda e sempre acreditando que as coisas sólidas se conquistam aos poucos. Espero continuar nesse rumo fazendo música e tocando com meus grandes amigos.

Entrevista com Black Drawing Chalks



por Marcos Bragatto
Fonte: Rock em geral

Black Drawing Chalks: ‘somos uma banda de música fútil’

Grupo goiano, formado por designers, aposta na fusão de um som garageiro com imagens viajandonas que têm chamado a atenção no meio independente nacional.

Victor Rocha, Denis Castro, Renato Cunha e Douglas Castro querem é tocar por aí

Existem milhares de histórias de garotos prodígios que gostam de ser chamados pelo nome deste ou aquele jogador de futebol, um herói do seriado da TV ou mesmo um popstar. Para quatro goianos a coisa aconteceu mais ou menos assim, embora eles já não fossem tão novinhos. Já faziam faculdade de design gráfico em 2004 e, ao olhar para uma caixa de lápis carvão importada, na mesa de uma colega, não tiveram dúvida: deram à banda o nome de Black Drawing Chalks. Mas que banda, se nem a intenção de montar uma havia?

Ela só foi aparecer um ano depois, e em 2006 é que Victor Rocha (guitarra e vocais) e Douglas Castro (bateria) se juntaram a Denis de Castro (irmão de Douglas, baixo) e a Marco Bauer (guitarra) para tocar de verdade. Em 2007, Renato Cunha entrou no lugar de Marco para consolidar a formação do Black Drawing Chalks. A interseção do grupo com o desenho não pára por aí. Também na faculdade (estudar que é bom, nada) Victor e Douglas criaram o estúdio de design Bicicleta Sem Freio, que trabalha com bandas independentes e festivais. Não por acaso os dois álbuns do grupo, “Big Deal” (2007) e “Life is a Big Holiday for Us” (2009), têm capas viajandonas desenhadas por eles mesmos. Assim como também é o clipe para a música “My Favourite Way”, que deu um trabalhão danado para fazer, mas ficou supimpa.

O “viajandonas” ali em cima se justifica porque o Black Drawing Chalks é adepto do stoner rock garageiro e viajante, com altas doses de guitarras, e pede exatamente o visual que os caras inventam (www.flickr.com/bicicletasemfreio). Como se vê, poucas vezes numa banda de rock imagem e som estiveram tão relacionados entre si. Aproveitando a segunda visita do grupo ao Rio (a primeira ninguém sabe, ninguém viu) para a festival A Grande Roubada, batemos um papo rápido – via e-mail – com o guitarrista Victor Rocha, que usa do bom humor para falar de como o BDC virou o queridinho da mídia via MTV, da verdadeira obsessão do quarteto pelo palco e outras aventuras dos nossos rockers desenhistas.

Rock em Geral: A que você atribui o crescimento considerável da exposição de vocês na mídia entre o lançamento do primeiro e do segundo disco?

Victor Rocha: Nós tivemos a sorte de as pessoas certas gostarem da banda, mas não foi só isso. Tocamos muito no ano passado, mas muito mesmo, cerca de 70 shows, a maioria em outros estados. Topávamos qualquer parada, simplesmente para mostrar que a banda existe. Isso aumentou aos poucos as visitas no myspace, os comentários, e aos poucos percebemos que essa ralação estava rendendo. Daí fizemos a parceria com a Tronco, produtora de São Paulo, e eles começaram a ser a nossa ponte para a cidade e regiões próximas. Isso nos trouxe para mais perto da grande mídia. Mas ainda não nos sentimos muito expostos, ninguém se sente famoso, a intenção é continuar tocando.

REG: Vocês foram indicados em duas categorias no VMB do ano passado, “Aposta MTV” e “Rock Alternativo”. O que isso mudou na carreira da banda?

Victor: Mudou mais na internet, nossas visitas (aos sites e mídias sociais), plays e comentários aumentaram. Hoje somos conhecidos por um número de pessoas que sem o VMB acho que ainda levaríamos um tempinho para chegar. Mas o melhor foi a festa, bebemos pra caramba, e de graça!

REG: Vocês são uma banda de stoner rock, certo? Cite a referências que vocês usaram para chegar a este som:

Victor: Não, somos stoner universitário! O AMP, de Recife, e o MQN é que são stoner pé de serra! Brincadeira! Não nos intitulamos stoner rock, mas sim rock simples, pois isso não nos limita, e sempre que temos vontade de fazer algo diferente, fazemos e não nos prendemos ao estilo que a banda tem que seguir.

REG: Falando do clipe de “My Favourite Way”, ele parece inspirado no de “Go With The Flow”, do Queens Of The Sone Age. Tem a ver?

Victor: Não foi inspirado, mas curtimos muito o clipe, e é lógico que indiretamente ele exerceu influência sobre o nosso. Assim como o “Do The Evolution”, do Pearl Jam, e outras milhões de animações que adoramos.

REG: Conte como vocês bolaram esse clipe, como ele foi feito e qual o custo envolvido:

Victor: O principal fato de termos feito animação dessa maneira foi o custo. Nós buscamos algo que daríamos conta de fazer sem ter que gastar nenhuma grana, porque não tínhamos. Eu e o Douglas trabalhamos com edição e animação, essa foi a nossa única arma. Acabou que desenhamos oitenta por cento do clipe, quadro a quadro. Isso nos rendeu muitos calos, bolhas de sangue. Mas ficamos muito felizes com o resultado, e temos planos de fazer um ainda melhor este ano. Levamos em torno de três a quatro meses ralando para fazer esse clipe, cheguei a levar mesa digital para algumas turnês, para não perder o prazo.

REG: Vocês já fizeram turnês pelo exterior, certo? Fale sobre esses shows:

Victor: Viajamos para o Canadá, no ano passado, em março. Passamos três semanas lá. Tocamos em Toronto, no festival Canadian Music Week, e depois fomos para Montreal, fizemos uns shows lá e continuamos para o norte, abrindo para um banda grande chamada GrimSkunk. Os caras nos ensinaram muito, são muito experientes, lotam qualquer casa de show, não importa o tamanho. Isso nos ajudou para sempre a tocarmos para um público de bom número. Os shows foram sempre insanos, o povo lá bebe muito e ninguém bebe cerveja. Quando eu pedi um chope, a mulher do bar - gata por sinal - olhou para mim com cara de quem olha para uma criancinha pedindo leite.

REG: Dá para comparar a cena independente de lá com a brasileira?

Victor: Não acho que tem propósito essa comparação, são realidades bem distintas. As bandas aqui estão procurando tocar; as bandas de lá estão em outras discussões. Ninguém discute estilo, como tocar, o que fazer no palco, e essas inutilidades que não levam a nada, mas sim o propósito de uma turnê, como se portar, fazer contatos, entrar para grandes festivais, conseguir se promover. Essa é a nossa mera percepção, talvez estejamos errados.

REG: Também rolaram shows com bandas internacionais pelo Brasil. Como foi o contato com esses artistas?

Victor: Tocamos com Motörhead e The Datsuns, por exemplo, duas das nossas bandas preferidas. Além de ser a realização de sonho de fãs, foi também um grande aprendizado, profissionalmente. Depois que vimos do show do Datsuns, nos sentimos tão amebinhas, tão no comecinho que a nossa postura de palco mudou completamente. Hoje somos o que somos graças aos shows a que assistimos.

REG: De onde saiu o lema “music to drink and fuck”? Vocês são assim na prática o é mais uma questão estética?

Victor: Saiu na farra, bebendo com os amigos nas noites entre as gravações, porque afinal nós tocamos para fazer um bom background para uma boa festa, e não para mudar a cabeça ou passar mensagens. Somos uma banda de música fútil, sexo e companhia. Mas isso não tira o nosso profissionalismo, só acrescenta diversão! Se é na pratica, aí é uma questão que poucos poderão saber, ahahaha!

REG: Depois de MQN e Mechanics, há uma segunda geração de bandas de Goiânia?

Victor: Sim, tem Bang Bang Babies, Diego de Moraes, Mugo, Hellbenders e muitas outras, todas muito boas. É uma questão de tempo para o Brasil conhecer melhor. Por isso Goiânia está ficando cada vez mais famosa no quesito rock, o nível é tão bom quanto o volume de bandas!

REG: Concordam que Goiânia é a “cidade do rock”? Ou preferem “Seattle brasileira”?

Victor: Prefiro cidade do rock mesmo. Seattle já foi! E Goiânia é, tá crescendo. Lá sempre foi foda, sempre tem show de rock para se ver, todo santo final de semana. O único problema é a mídia, que não espalha a notícia. Mas aos poucos isso está mudando, os jornais estão apoiando mais, as mídias especializadas das grandes cidades estão se voltando mais para lá.

AC/DC: Trem Inabalável



por Marcos Bragatto
Fonte: Rock em Geral

Trem inabalável

O show mais esperado do ano traz ao Brasil uma velha banda de rock pesado que rivaliza com ídolos pop como Madonna. Dá para entender? Claro, afinal, trata-se do AC/DC! Matéria de capa da Revista Billboard número 2, de novembro de 2009, feita por Marcos Bragatto em parceria com Mário Martins.


O segundo álbum mais vendido nos EUA em toda a história é “Back In Black”, lançado pelo AC/DC em 1980, meses após a morte do insubstituível vocalista Bon Scott. Quando você correr os olhos por estas linhas, o disco já deve ter ultrapassado a marca das 50 milhões de cópias. Só “Thriller”, de Michael Jackson, tem desempenho melhor.

Na soma dos resultados de seus títulos em catálogo, considerando os números a partir de 1991 – ano em que a SoundScan passou a monitorar vendas nos EUA com métodos mais confiáveis –, a veterana banda australiana supera até mesmo o finado Rei do Pop. E também os Rolling Stones, Madonna, Led Zeppelin… Os Beatles são os únicos que apresentam um volume maior. No entanto, se considerados apenas os discos negociados no ano passado, o AC/DC ganha até do quarteto de Liverpool: foram nada menos que 12 milhões de cópias comercializadas em 2008 (veja o boxe “Aula de Marketing”, sobre as estratégicas de marketing usadas para vender o catálogo do AC/DC).

É, não são apenas glórias do passado, não. Nos EUA, a “Black Ice Tour”, do AC/DC, que para na estação Morumbi, em São Paulo, no dia 27 de novembro, briga com cachorro grande. Compete dólar a dólar com as excursões de Madonna, “Sticky & Sweet”, e a inovadora “360º”, do U2: são as top bilheterias da temporada. Os 67 mil ingressos para o show paulistano se esgotaram no primeiro dia, e outros três mil adicionais que a produtora Time For Fun disponibilizou depois também sumiram quase de imediato.

“Black Ice”, álbum que marcou o retorno do quinteto liderado pelo guitarrista Angus Young, saiu em outubro de 2008 e foi primeiro lugar em 29 países. Nos Estados Unidos, a estratégia foi singular, mas funcionou: o disco e o game “AC/DC: Rock Band” começaram sendo vendidos com exclusividade pela cadeia Wal-Mart ou pelo site da banda. Ainda assim, já na primeira semana, 1, 762 milhão de cópias foram comercializadas. Nada de faixas para download.

O trem gigantesco escolhido para decorar o palco da turnê é uma metáfora perfeita. O AC/DC não sai dos trilhos, leva de um lugar para outro sem solavancos, sem sustos, sem desvios, sem improvisos. Quando você entra, já sabe para onde vai. Taí uma banda que não pesquisa ritmos, não vai em busca de novas influências, não experimenta no estúdio, não chama um DJ, não tenta acompanhar os novos tempos, não muda sequer de visual! Como brinca o líder do grupo, Angus Young: “O Malcolm (seu irmão, responsável pela guitarra base) usa o mesmo jeans há anos, e o Brian, se bobear, jamais lavou o dele”. O renomado produtor Rick Rubin arrisca: “Eles são a maior banda de todos os tempos. Não escreveram letras emotivas. Não tocam canções emotivas. A emoção está toda no groove. E o groove é atemporal”.

Em um mundo frenético e neurotizado por atualizações tecnológicas, o AC/DC é aquele cara que se recusa a saber para que serve o botão F5 no teclado do computador. Não faltam explicações para tanto sucesso. Em outubro, o jornalista americano Anthony Bozza lançou nos EUA o livro “Why AC/DC Matters” (Por Que o AC/DC Importa) pela editora William Morrow, uma defesa da relevância da banda para a história do rock e tentativa de radiografar seu inegável apelo popular (leia entrevista com Bozza na pág 43). O autor leva a sério a tarefa, analisando letras sacanas escritas pelo vocalista Bon Scott do ponto de vista literário: “Shot Down In Flames”, por exemplo, que fala sobre tentativas de “pegar mulher” em bares, ganha comparação inusitada. “Bon retrata a si mesmo como anti-herói byroniano (alusão ao poeta romântico inglês Lord Byron,1788-1824)”, viaja.

No Brasil, a Companhia Editora Nacional planeja lançar até o fim de novembro “A história do AC/DC – Let There Be Rock”, escrito pela americana Susan Masino. Apesar de a autora ser jornalista, o texto se aproxima mais do registro de uma fã, com domínio rudimentar da narrativa e excesso de reminiscências pessoais. De qualquer forma, vale pela quantidade de informações (ainda que não muito bem organizadas) reunidas e também por algumas anedotas.

Exemplo de uma delas: certa ocasião, em Belfast, na Irlanda do Norte, Angus Young sofreu um imprevisto durante o tradicional strip-tease humorístico que faz em todos os shows. Geralmente ele termina só de cueca e exibe o traseiro após algum suspense. Daquela vez, porém a roupa de baixo estava furada e seu pênis ficou para fora, sem que o guitarrista percebesse. O irmão Malcolm o alertou, enquanto morria de rir, mas ninguém fotografou. Como o próprio Angus disse, brincando para a autora, após ler trechos do livro: faltou incluir mais bandalheira.

É tarefa inglória. Parece que a maior parte da lama foi sepultada junto com o vocalista Bon Scott, morto em 1980 (provavelmente sufocado pelo próprio vômito) e dono de vasto folclore envolvendo excessos – a maior parte das histórias, porém, é sobre sexo “convencional” e drogas legalizadas como o álcool. O AC/DC tem a reputação de ser uma das bandas mais “gente fina” no meio roqueiro. “Já trabalhei com Bon Jovi, U2, Bee Gees, Bruce Springsteen… Não tem banda que trabalhe mais duro. Eles são os caras mais legais do mundo. Bem-educados, centrados nas famílias…”, elogia Mike Andy, ex-diretor de turnê.

Todos que trabalham com o quinteto ressaltam esse caráter “trabalhador” e “familiar” dos integrantes. Angus, por exemplo, é casado desde 1980 com uma holandesa e, tirando o fato de que ela é 15 centímetros mais alta do que ele, pouco é exposto na mídia. O guitarrista se divide entre a casa em uma pequena cidade na Holanda, Aalten, e a Austrália. Angus e seu irmão Malcolm, que já teve problemas com o alcoolismo, fogem da bebida desde os anos 80. O baterista Phil Rudd se esconde pela Nova Zelândia assim que acabam as turnês. Brian Johnson mora em uma ilha paradisíaca em Sarasota, na Flórida, onde é vizinho do baixista Cliff Williams – e também de milionários que possuem casa por lá, como os apresentadores de TV Oprah Winfrey e Jerry Springer.

Brian Johnson está lançando, pela Penguin Books, um livro de memórias baseado em suas experiências com veículos. Piloto semi-amador e apaixonado por carros, ele desfia um repertório de histórias bem humoradas, como sempre demonstra nas entrevistas, e também aborda assuntos sérios, como a convivência com o pai, ex-soldado inglês durão, e o preconceito sofrido por ser filho de uma italiana no período pós-guerra. “Eu e meu irmão tivemos que sair na porrada com muita gente até provar que não éramos fascistas”, lembra.

Brian, 62 anos, é um dos pontos de urgência desta turnê. É o mais velho da banda, e o uso que faz da voz, emitindo notas incrivelmente altas sem apelar para o falsete, já deveria ter acabado com sua carreira a essa altura. Se os irmão Young são abstêmios, ele ainda bebe vinho e, ocasionalmente, uísque. Também não dispensa um cigarrinho de palha. No mês passado, uma úlcera obrigou a banda a adiar várias datas. Mas o cantor segue firme e forte: “Antes desta turnê, pedi ajuda ao Nick Harris, guru de preparação física da Fórmula 1. Tenho medo constante de que alguém veja o show e diga: ‘Pô, tinha que ver esse cara há vinte anos, quando estava no auge…’ Por isso acho que a gente tem que parar enquanto esta por cima”.

A maioria das críticas que a “Black Ice Tour” vem tendo concorda que o trem do AC/DC está a todo vapor. “Os dois minutos iniciais são provavelmente a mais excitante abertura de shows de todos os tempos”, proclama Brian. “Pegamos o cara que fez a abertura dos Jogos Olímpicos de Pequim. Custou mais de US$ 6 milhões!” O tal sujeito a que ele se refere é Mark Fisher. Um inglês formado em arquitetura no final dos anos 60, que se especializou, como designer de estruturas temporárias e infláveis, e que hoje é famoso no show biz internacional por criar cenários espetaculares. Todos os palcos do Rolling Stones desde 1989 e do U2 desde 1992 saíram de suas mãos – e também de algum de seus colegas no escritório da Stufish, empresa que mantém em King’s Cross, em Londres.

Seu primeiro trabalho no ramo é famosíssimo: os bichos gigantes usados pelo Pink Floyd na turnê de “Animals”, em 1977. Naquela época, quase ninguém no rock e na música pop usava grandes cenários ou elementos de palco mais complexos. O baixista e então ditador do Pink Floyd, Roger Waters, o chamou novamente para fazer nada menos do que o paredão da turnê de “The Wall”, em 1979. “Na verdade, eu comecei a desenhar esboços um ano antes, tentando convencer a banda de que era possível. Em setembro recebi sinal verde e os primeiros shows foram em fevereiro”, lembra Fisher. Suas recordações não são nada glamourosas: acumulando o trabalho de carpinteiro com o de designer, ele tinha de acionar os controles que faziam o muro desmoronar todos os dias. Ficava no backstage e jamais conseguiu ver o que o público via. Hoje, após o trabalho em “The Division Bell”, em 1994, ele é brigado com Waters, que qualifica como “maluco”.

O impressionante portfólio de Fisher não se resume ao universo musical, como bem referenciou o contratante Brian Johnson. Além de abertura e encerramento em Pequim, ele foi responsável por um inovador trabalho no espetáculo “KA”, do Cirque Du Soleil, que não usa palco convencional, apenas plataformas flutuantes e elevadores. Seu mais badalado trabalho atualmente é o palco da turnê “360º” do U2, tido como marco revolucionário e importante para o futuro do show business.

Com esse aspecto, a “Black Ice Tour” não pretende competir. O AC/DC tem uma longa tradição de usar aspectos cênicos. Nos primórdios, antes de optar pelo uniforme colegial, Angus usou roupa de Zorro, de Homem-Aranha e de Super-Angus… Os canhões de “For Those About To Rock” viraram marca registrada dos shows, bem como a boneca gigante Rosie que ilustra a canção “Whole Lotta Rosie”. “Isso é uma das coisas mais legais da banda. Eles sabem que poderiam subir no palco sem nada em volta e apenas tocar. As pessoas sairiam felizes. Mas eles querem sempre um visual novo, sem ser abertamente teatral, mas que reproduza ao menos a capa do álbum. Embora não precisem, fazem pelos fãs”, explica Pete Capadoccia, conhecido como Pyro Pete, no livro “The Story Of AC/DC – Let There Be Rock”. Ele é há mais de duas décadas o pirotécnico encarregado de administrar algumas dessas extravagâncias.

“Quando comecei, tínhamos dois canhões, que usamos em um par de turnês. Depois mudamos o palco e eles ganharam a aparência de canhões de um navio de guerra. A partir de 1991, na turnê Monsters Of Rock, já tínhamos 21 deles: sete de cada lado e sete no meio”, lembra. “O sino também passou pelo mesmo número de variações. A cada turnê alguém perguntava: ‘O que podemos fazer com o sino agora?’ Brian adora isso.”

Não faltam histórias de pequenos acidentes e desastres hilariantes. A cabeça de um Angus Young gigante quase esmagou Phil Rudd certa vez; em Portugal, a Rosie inflável já desabou sobre o kit de bateria, e o próprio Angus já se viu preso em uma estrutura elevadiça sem ter como descer… A corda do sino em que Brian Johnson se pendura já se rompeu. O cantor caiu de costas no chão e depois ainda despencaram 12 metros de corda em seu peito. “Ele imediatamente levantou e começou a agitar no palco. Tudo que disse foi: ‘Corda barata de merda!’ Não perdeu nem um compasso”, lembra Pete. “É muito divertido quando algo dá errado. Qualquer outro rock star iria pedir cabeças, saber quem foram os responsáveis”, brinca o técnico. Obviamente, esse bom humor só acontece porque quase nunca algo dá errado. O trem do AC/DC é infalível, assim como os riffs de Malcolm e Angus Young.

O ROTEIRO DO SHOW

“Rock N Roll Train”: O primeiro single de “Black Ice”, de 2008, lançado no fim do ano passado, e inspiração para o cenário da turnê. Impacto visual garantido.

“Hell Ain’t A Bad Place To Be”: Um clássico de “Let There Be Rock”, de 1977, típica letra de Bon Scott sobre uma musa bêbada e pouco confiável, porém desejada. A primeira com temática “infernal” da banda.

“Back In Black”: O riff de guitarra mais poderoso de todos os tempos chega logo para incendiar o estádio e introduz a faixa-título do álbum de 1980. Ao mesmo tempo homenagem a Bon Scott e profissão de fé na imortalidade do rock’n'roll.

“Big Jack”: No embalo, uma das melhores faixas do último disco, Black Ice, daquelas talhadas desde a origem para ecoar em grandes estádios.

“Dirty Deeds Done Dirt Cheap”: Clássica e politicamente incorreta faixa-título do álbum lançado em 1976, anunciando os serviços de um matador para eliminar pessoas inconvenientes.

“Shot Down In Flames”: Mais uma típica letra de Bon Scott, sobre um homem desesperado para pegar mulher, em momento priapismo desassistido. Do disco “Highway To Hell” (1979).

“Thunderstruck”: Do álbum “The Razor’s Edge” (1990), talvez seja o mais recente “clássico” do repertório da banda. Introduzida pelo solo que levanta a plateia, enquanto Angus acelera sua mãozinha esquerda. A inspiração foi uma experiência real vivida pelo guitarrista a bordo de um avião, sobrevoando a Alemanha.

“Black Ice”: A faixa que dá nome ao mais recente disco segue a linha temática dos cataclismas (dando uma mencionadinha no diabo) e mantém o pique do show com sua fórmula 100 % garantida.

“The Jack”: Mais que uma canção, trata-se um “número” criado por Bon Scott (registrado no álbum “T.N.T.”) em ritmo de shuffle blues, com letra que mistura carteado, doença venérea e ocasionais baixarias. Brian Johnson improvisa muito à vontade, mas quem aproveita para fazer o tradicional strip-tease é Angus Young.

“Hells Bells”: É a hora de outro velho ritual: Brian se pendura na corda para tocar o sino gigante. A música foi seu cartão de visitas, faixa 1 do álbum “Back In Black”, em 1980. Temática infernal e mais comparações com fenômenos naturais.

“Shoot To Thrill”: Mais uma de “Back In Black”, sempre dando espaço para Angus, a essa altura, sem camisa e carequinha à mostra, recriar um dos solos de guitarra mais explosivos da história do rock.

“War Machine”: No telão, um desenho animado mostra bombardeiros soltando guitarras e groupies paraquedistas sobre território inimigo. Boa ilustração para mais uma representante do disco “Black Ice”.

“Dog Eat Dog”: Um riff minimalista, porém clássico, diretamente de “Let There Be Rock”, de 1977. Com direito a uivos e ocasionais latidos de Brian Johnson.

“Anything Goes”: A quarta canção de “Black Ice” tem apelo dançante e é forte candidata a ganhar lugar cativo no repertório da banda. Ou, pelo menos, vaga em comerciais de vários produtos.

“You Shook Me All Night Long”: O clássico do AC/DC mais amado pelas mulheres (e favorito dos clubes de strip-tease em cinco continentes). Direto de “Back In Black”, uma obra-prima em ritmo, riff e letra sacana.

“T.N.T.”: Do álbum de mesmo nome, lançado em 1975, uma canção “prima” de “Dirty Deeds…”, que chama um coro de “ói, ói, ói” e entra em clímax com explosões e o trem literalmente em chamas.

“Whole Lotta Rosie”: Hora de mais uma tradição: a volumosa mulher imortalizada por Bon Scott (no disco “Let There Be Rock”, de 1977) é ilustrada por uma gigantesca boneca inflável de 15 metros. Agora ela monta no trem!!!!

“Let There Be Rock”: Clássico absoluto do que os antigos chamavam de “rock pauleira”, desembestado até o interlúdio que serve para Angus Young, do alto de uma estrutura, detonar alucinado solo.

No bis:
“Highway To Hell”: A introdução na guitarra faz estádios tremerem e milhares de celulares piscarem na plateia. A música que canta as agruras da estrada ironicamente brinda o quinteto com uma reação maravilhosa: espere 67 mil vozes no refrão.

“For Those About To Rock”: O obrigatório e apoteótico gran finale, um dos hinos informais do rock’n'roll. Os tiros de canhão do casamento real entre Charles e Diana deram uma grande ideia ao AC/DC quando a banda estava no estúdio gravando. Haja tímpano!

CRONOLOGIA

9/6/1946 - Nasce Ronald Belford Scott em Roods Kirriemuir, sul da Escócia, que conheceria a fama na Austrália como Bon Scott, vocalista do AC/DC.

5/10/1947 - Nasce Brian Johnson, também futuro cantor do AC/DC, em Newcastle-Upon-Tyne, nordeste da Inglaterra.

6/1/1953 - Nasce em Glasgow, na Escócia, Malcolm Mitchell Young, futuro guitarrista.

31/3/1959 - Nasce, também em Glasgow, Angus Mitchell Young, o sétimo filho homem de William e Margaret Young.

1963 - Desempregado e com oito filhos para criar, William Young resolve imigrar para Sydney, na Austrália.

1964 - Angus Young começa a tocar um banjo com algumas cordas faltando.

Janeiro de 1970 - Aos 14 anos e 9 meses de idade, Angus Young é expulso da escola. Só voltaria a usar uniforme colegial para subir no palco.

31/12/1973 - Noite de réveillon: o AC/DC faz seu primeiro show profissional, em um pequeno clube chamado Chequers, em Sydney. No repertório, Chuck Berry, Rolling Stones, Free e Beatles.

22/6/1974 - O AC/DC lança seu primeiro compacto, com as músicas “Can I Sit Next To You Girl” e “Rockin’ In The Parlour”. O vocalista era Dave Evans.

5/10/1974 - Depois de passar seis semanas fazendo o show de abertura para um travesti chamado Carlotta, na cidade de Perth, o AC/DC se apresenta em Sydney com um novo vocalista, Bon Scott.

Janeiro de 1975 - Os cinco integrantes do AC/DC se mudam para Melbourne, onde se estabelecem numa casa. O estilo de vida rock’n'roll incluía a partilha comunitária de bebida, groupies e alguns parasitas da região pubiana.

Fevereiro de 1975 - É lançado na Austrália o primeiro álbum do AC/DC, “High Voltage”. Pouco depois, o baterista Phillip Hugh Norman Witschke Rudzevecuis se juntaria à banda e ficaria famoso como Phil Rudd.

Dezembro de 1975 - Um segundo álbum, “T.N.T.”, chega às lojas, também somente na Austrália. O selo Atlantic Records oferece ao AC/DC um contrato mundial para lançar um disco.

Fevereiro de 1976 - Já com malas prontas para a Inglaterra, a banda começa a registrar “Dirty Deeds Done Dirt Cheap”, em Melbourne. O disco seria lançado somente em novembro, atingindo o mercado britânico. Nos EUA, sairia somente em 1981.

Março de 1976 - No show de despedida da Austrália, Angus Young faz strip-tease no palco e mostra o traseiro para a plateia. Nasce uma tradição.

8/4/1976 - O AC/DC desembarca de mudança na Inglaterra, justamente quando o movimento punk ganha as ruas de Londres. O primeiro show ocorre num pub chamado Red Cow, na capital britânica.

4/6/1976 - O AC/DC faz seu primeiro show como headliner, no histórico Marquee, em Londres. É o começo da “Lock Up Your Daughters Summer Tour”. A programação, moderna, incluía um DJ no aquecimento e projeção de videoclipes.

12/6/1976 - Angus Young aparece pela primeira vez na capa de uma publicação internacional: o semanário Sounds, que, na época, rivalizava com os tradicionais New Musical Express e Melody Maker.

28/9/1976 - É lançada uma edição internacional de “High Voltage”, que reúne faixas dos dois primeiros discos que haviam sido lançados apenas na Austrália. Nos EUA, a crítica destrói o LP. “Burrice me incomoda. Burrice calculada me ofende”, escreveu Billy Altman, na Rolling Stone.

21/3/1977 - Sai na Austrália o álbum “Let There Be Rock”, que ganharia uma versão internacional em junho.

Setembro de 1977 - Após uma turnê pelo Reino Unido, o baixista Mark Evans é demitido da banda por conflitos com Angus. Em seu lugar entraria o inglês Cliff Williams, que na infância tinha sido aluno de um vizinho chamado… Paul McCartney.

Maio de 1978 - Sai o quinto álbum, “Powerage”, seguido cinco meses depois por um disco ao vivo, “If You Want Blood You’ve Got It”.

Julho de 1979 - “Highway To Hell” tem lançamento mundial. Em pouco tempo, seria o primeiro disco do AC/DC a vender mais de um milhão de cópias. Aclamado atualmente como um dos melhores discos de rock de todos os tempos, foi o primeiro a ser produzido por Robert “Mutt” Lange, profissional de currículo modesto até então.

19/2/1980 - Bon Scott é encontrado morto dentro de um carro em Londres, provavelmente asfixiado após (mais) uma noite de bebedeira.

29/3/1980 - Brian Johnson, que Bon Scott certa vez havia descrito como “um grande cantor de rock’n'roll na linhagem de Little Richard”, ensaia com o AC/DC e é aprovado para o posto de vocalista do grupo. Na época, Brian, casado e pai de duas filhas, tinha desistido da carreira de cantor e tinha uma firma de tetos de vinil para carros.

23/8/1980 - O novo álbum “Back In Black” entra na parada da Billboard para permanecer durante 131 semanas seguidas.

10/12/1980 - Paris tem o privilégio de ver a estreia mundial do filme “Let There Be Rock”, que registra o show realizado na capital francesa durante a turnê de “Hells Bells”, em 9 de dezembro de 1979.

22/8/1981 - O AC/DC se apresenta como headliner do festival Monsters of Rock, em Donnington, na Inglaterra. O show rende um antológico DVD.

Novembro de 1981 - Sai “For Those About to Rock (We Salute You)”, o primeiro álbum do AC/DC a liderar a parada americana.

15/8/1983 - “Flick Of The Switch” é lançado e decepciona fãs no mundo todo. O baterista Phil Rudd é demitido no meio das sessões de gravação, mas completa o trabalho no álbum. Após audições, o jovem inglês Simon Wright, 20 anos, é escolhido para assumir as baquetas.

Outubro de 1984 - Para festejar o décimo aniversário da banda, é lançado “’74 Jailbreak”, mini álbum com raridades que só tinham saído na Austrália.

28/6/1985 - Sai o disco “Fly On The Wall”, o primeiro com Simon Wright. Um vídeo com o mesmo nome e cinco músicas também chega ao mercado.

Maio de 1986 - O álbum “Who Made Who”, reunindo faixas inéditas e material previamente lançado, serve como trilha sonora para o filme “Comboio do Terror” (“Maximum Overdrive”), única incursão do escritor Stephen King como diretor.

31/8/1986 - Richard Ramirez é preso na Califórnia após cometer 16 assassinatos. Ele diz que imagens satânicas do disco “Highway To Hell” e da música “Night Prowler” o incitaram. Um boné do AC/DC foi encontrado no local de um dos crimes. A banda sofre perseguição de conservadores e grupos religiosos.

Fevereiro de 1988 - O álbum “Blow Up Your Video” marca a reunião do AC/DC com os produtores George Young (irmão mais velho de Malcolm e Angus) e Harry Vanda.

Maio de 1988 - Malcolm Young pede um tempo pra ficar com a família e é temporariamente substituído por seu sobrinho Stevie Young. Na verdade, o problema do músico era alcoolismo.

8/12/1990 - “Moneytalks” se torna o maior sucesso do AC/DC nos EUA, atingindo o 23º lugar na parada de compactos. Durante os shows, a banda atira dinheiro falso para os fãs. O single foi extraído do álbum “The Razor’s Edge”, lançado em setembro.

18/1/1991 - Três adolescentes morrem esmagados antes de um show em Salt Lake City, nos EUA. Para evitar um cancelamento, os promotores não avisam à banda. O AC/DC sobe ao palco e depois é acusado por tablóides ingleses de ter se apresentado mesmo sabendo da tragédia.

28/11/91 - Nos arredores de Moscou, o AC/DC toca para um público estimado em um milhão de pessoas, em evento chamado Festa da Democracia e Liberdade. O governo mandou aviões “bombardearem” as nuvens para evitar chuva.

29/10/1992 - É lançado o disco duplo “AC/DC Live”. “Queríamos mais um registro antes que o cabelo e os dentes caíssem”, brincou Angus, na época.

Março de 1993 - Estreia na MTV americana o desenho “Beavis And Butthead”, que ajudou o AC/DC a conquistar novas gerações em plena era grunge.

Maio de 1994 - O baterista Phil Rudd volta a gravar com a banda, participando do álbum “Ballbreaker”, produzido por Rick Rubin. O lançamento acontece em agosto de 1995.

Março de 1997 - Angus e Malcolm se enfurnam em estúdio para ouvir e trabalhar em cima de gravações da fase com Bon Scott. Em novembro sai a caixa “Bonfire”, um tesouro com material inédito e faixas ao vivo.

29/2/2000 - É lançado “Stiff Upper Lip”, primeiro lugar nas paradas da Alemanha e da Argentina, entre outros países.

Fevereiro de 2001 - A venda total de discos do AC/DC alcança 70 milhões de unidades. A banda ocupa o nono lugar entre os maiores campeões da indústria fonográfica; dentro do rock, ainda era superada por Beatles, Led Zeppelin, Pink Floyd e Eagles.

Outubro de 2001 - É lançado um boneco de Angus Young em 40 centímetros. A piada que circulava: “É quase em tamanho natural”

Dezembro de 2002 - A banda assina com a Sony Music, que prepara uma série de relançamentos de seu catálogo.

10/3/2003 - O AC/DC é introduzido no Rock’n'Roll Hall of Fame. Malcolm descreve a noite com irreverência: “Foi como tocar para um bando de pinguins num restaurante. Os caras do Clash foram homenageados antes da gente, e The Edge fez um discurso de 40 minutos sobre o Joe Strummer (líder do Clash, morto meses antes). Foi o cara mais chato que já testemunhei falar”.

28/3/2005 - É lançada “Family Jewels”, coletânea dupla em DVD com clipes e vídeos ao vivo.

16/10/2007 - Chega ao mercado mais um festim de raridades para os fãs: “Plug Me In”, DVD em versões tripla e dupla

20/10/2008 - O álbum “Black Ice” é lançado nos EUA com venda exclusiva na rede Wal-Mart. O disco atinge o primeiro lugar nas paradas em 29 países.

10/11/2009 - “AC/DC Backtracks” é colocado à venda somente pelo site www.acdcbacktracks.com. Trata-se de um amplificadorzinho de 1 watt contendo três CDs, dois DVDS, um LP, livro de 164 páginas e memorabília diversa. Em edição limitada.

AULA DE MARKETING

Comédia Escola do Rock, estrelada por Jack Black, ajudou o AC/DC a conquistar novas gerações, coroando estratégia da Sony, que desde 2003 explora o catálogo da banda

As vendas do catálogo do AC/DC aumentaram substancialmente de 2003 para cá. Aquele ano marcou a estreia da comédia “Escola de Rock”, cujo roteiro mostra um roqueiro fracassado que se passa por professor substituto e decide montar uma banda com os alunos pré-adolescentes. Na trilha sonora, entre muitos clássicos do rock, o AC/DC comparece com “Back In Black”, “Highway To Hell” e It’s a Long Way To The Top (If You Wanna Rock’n’roll)”, que fecha o longa com os créditos já na tela, numa das cenas mais hilárias do filme. O tal professor, interpretado por Jack Black, sobe no palco com a clássica indumentária de colegial usada por Angus Young para tocar a faixa-título – não por acaso uma música bem no estilo AC/DC. Voltado para adolescentes, o filme colaborou para um improvável – a essa altura – interesse das novas gerações pelo grupo.

Na verdade, o ano de 2003 marca o começo da exploração dos direitos do catálogo da banda pela Sony (à exceção de “Ballbreaker” e “Stiff Upper Lip”, que depois também foram incorporados). Em fevereiro daquele ano, o selo Epic jogou no mercado americano edições especiais remasterizadas, com encartes de 16 páginas trazendo textos de críticos de renome como David Fricke, e uma estratégia especial para a internet. No endereço acdcrocks.com, os compradores dos CDs podiam navegar por uma área exclusiva, com vídeos, fotos e exclusivas versões ao vivo.

Em 2006, a Sony renovou o contrato com a banda para explorar o catálogo. Entre os passos seguintes, outra bela tacada: costurar um forte acordo com a MTV para promover o lançamento, em novembro do ano passado, do game “AC/DC Live – Rock Band”, já em apoio ao álbum “Black Ice”. Enquanto isso, Jack Black seguia rodando com “Escola do Rock” por canais a cabo e TVs abertas, sempre conquistando novos pupilos para o AC/DC.

OS SEGREDOS DO SUCESSO

Motivado pelo descaso da crítica e diante de números eloquentes, jornalista lança livro “Why AC/DC Matters” (Por Que O AC/DC Importa) que reivindica novo status para a banda

Anthony Bozza é um respeitado jornalista musical americano, autor de biografias de Slash e Eminem, entre outros livros. Durante o tempo em que trabalhou na revista americana “Rolling Stone”, ele cortava um dobrado para aprovar pautas sobre uma de suas bandas preferidas. Logo Bozza percebeu que o AC/DC, apesar de todo o sucesso, não recebia o devido reconhecimento da crítica especializada. Com o lançamento do álbum “Black Ice”, no ano passado, ele se deparou com números incontestáveis que expressavam a grandeza do grupo australiano. Assim nasceu o livro “Why AC/DC Matters”, recém-lançado nos EUA pela editora Harper Collins (e sem previsão para sair no Brasil).

Nesta entrevista feita por telefone, direto de seu escritório, em Nova York, o autor conta como foi a busca por explicações para o sucesso e a relevância de um grupo que faz um som simples, mas cativante. De quebra, Bozza explica como é o show da “Black Ice Tour” que o Morumbi verá em 27 de novembro – e que ele, como bom fã, conferiu quatro vezes.

Do que você trata no livro “Why AC/DC Matters”?

É uma explicação sobre a importância da banda. O AC/DC tem milhares de fãs pelo mundo, vendeu milhões de discos, só foi superado pelos Beatles, e o único álbum que vendeu mais que o “Back In Black” foi “Thriller”, do Michael Jackson. Mesmo com esses fatos, eles ainda são uma dessas bandas que nunca tiveram o mesmo tipo de tratamento da crítica que outras têm. São sempre tratados como o tipo de banda que faz muito sucesso, mas não merece qualquer apreciação da crítica. São tratados como bandas barulhentas, atrasadas, como bandas de metal que só compõem as mesmas músicas o tempo todo, os mesmos acordes e letras estúpidas. Eu trabalhei na “Rolling Stone” americana durante sete anos e participei de várias reuniões onde discutíamos edições com listas das maiores bandas de rock de todos os tempos ou os melhores discos dos anos 70, e toda a vez que eu trazia o nome do AC/DC à tona, os outros olhavam para mim como se dissessem: “Eu nem sei sobre o que você está falando”. Eu queria colocar isso à prova. Se você falar com qualquer músico, engenheiro de som ou produtores, qualquer um do mercado da música, todos falam que o AC/DC entende fundamentalmente o que é o rock’n’roll. Todos que atuam no mercado do rock compreendem, mas a crítica não.

Foi idéia sua ou a editora que te pediu?

Foi minha idéia. Eu e o meu editor estávamos conversando sobre como há muitos livros aqui nos Estados Unidos com o título “why something matters” (por que alguma coisa tem importância), esse tipo de coisa. E ele queria começar a lançar livros sobe bandas de rock e cultura pop, então havia a idéia do “Why The Beatles Matters”, mas é óbvia a razão pela qual eles têm importância e eu acho que não conseguiria escrever sobre uma banda que eu nunca vi ao vivo. A conversa começou por aí, eu sugeri AC/DC e eles abraçaram a idéia.

Com quem você falou para chegar a essas conclusões?

Eu falei com o Slash, Tommy Lee, o produtor Rick Rubin… Eu queria explicar porque essa fórmula tão simples funciona tão bem. Para isso fui conversar com professores de guitarra e de canto da Universidade de Música de Berkeley, uma das melhores no ensino de música, e foi muito interessante. O professor de voz explicou o que acontece na garganta do homem quando ele canta e foi muito interessante entender o quanto bons são Brian Johnson e Bon Scott como vocalistas. O professor de guitarra explicou o que acontece no diálogo entre Angus e Malcolm, e porque eles usam três ou quatro acordes para criar riffs incríveis.

Como você compararia esse palco com o palco de outras turnês?

Eu diria que dessa vez eles colocaram tudo que havia nos outros palcos em um palco só. Não é algo tão grande quanto o palco do U2, com telões gigantes e tal, porque não funcionaria. Mas eles têm muita fumaça e fogo no trem, que é realmente gigante, tem a “Rose” inflável, a mesma de sempre, tem o sino de “Hells Bells”, é um show muito bom, podem comprar o ingresso sem erro.

A maior crítica que recai sobre o AC/DC é a de o grupo fazer sempre a mesma música, mas eles nunca fizeram concessões ou mudaram essa fórmula matadora…

Eu acho que essa é outra razão de eles terem fãs tão dedicados. Eu falei com Kerry King, do Slayer, e ele disse que o Slayer sempre olha para o AC/DC como uma banda que nunca fez concessões, que fez tudo de um jeito próprio. E com o Slayer é a mesma coisa. Eu acho que isso é apenas o que eles são, decidiram fazer o rock’n’roll do jeito que eles fazem, não fazer nada que os digam para fazer e continuam fazendo isso. Eles poderiam seguir a moda, dar ouvidos a gente de gravadora para fazer coisas diferentes, mas talvez não desse em nada. A fórmula deles está totalmente correta.

Eles converteram o “defeito” de tocar sempre a mesma coisa em uma grande vantagem…

É, e esse foi outro motivo pelo qual eu decidi escrever o livro. Quando o “Black Ice” foi lançado, no ano passado, foi número um nas paradas em 29 países ao redor do mundo. E revistas de rock não colocaram a banda na capa. Na “Rolling Stone” americana, só aconteceu uma vez em 30 anos.

Falando dos problemas de saúde de Brian Johnson, você acha que ele teria condições de fazer uma nova turnê com a banda dentro de dois ou três anos?

Para ser honesto acho difícil. Independente de ele ter ficado doente, essa é provavelmente a última turnê deles. Brian está fazendo a parte mais difícil da performance do grupo, por causa da mecânica que acontece no corpo quando você canta. Angus pode tocar por anos a fio, assim como Malcolm, Cliff e Phil, mas Brian é o cara que tem uma inacreditável performance atlética a cada show. Eu tenho um sentimento de ele vai ser o primeiro a perceber a hora de parar, antes dos outros.

Você imagina o AC/DC com outro vocalista?

Não, acho que eles são muito do tipo “um por todos e todos por um”, sem Brian eles não saem mais em turnê. Eles não precisam fazer mais turnês, ao menos não por causa de grana.

Em poucas palavras, por que o AC/DC é importante?

Mas eu expliquei isso em 160 páginas! Vá lá: porque eles ainda fazem o que sempre se propuseram fazer.

NO ROCK IN RIO

Em momento de transição, o AC/DC foi uma das atrações da primeira edição do festival, em 1985. Angus Young chocou o Brasil em um dia histórico para o país – em vários sentidos

Pego de surpresa para se apresentar na primeira edição do Rock In Rio, em 1985, já que a turnê do álbum anterior, “Flick Of The Switch”, havia sido encerrada, o AC/DC acabou interrompendo as gravações do disco seguinte, “Fly on the Wall”, para vir ao Brasil. O grupo integrava uma escalação que reunia, entre outros pesos pesados do rock, Ozzy Osbourne, Iron Maiden, Scorpions e Whitesnake. Como as bandas tocavam em dois dias (exceto o Iron), o quinteto teve três dias de folga entre as apresentações e pôde curtir o calor, as praias cariocas e belezas locais como o Pão de Açúcar.

Na entrevista coletiva, o bem-humorado Angus Young brincou sobre tentar encontrar um lugar pra comer fish’n’chips (peixe com batata frita, popular refeição britânica) no Rio de Janeiro, mas os jornalistas não pescaram. Quando foi perguntado se o AC/DC iria fazer o rock’n’roll mais popular (usando a expressão “bigger”; em português, maior) no Brasil, o baixinho arriscou outra piada: “Bom, nós não somos muito altos, não podemos fazer o rock ficar maior”. Ninguém riu e, ele teve de continuar a resposta, meio sem graça. “Provavelmente, acho que vai ajudar, sim, ver pela primeira vez tanto rock’n’roll no mesmo lugar…”

O Brasil era visto pelos músicos como país exótico. Brian Johnson, que arriscou alguns “brigado” durante o show, falava sobre “troca cultural” também sem perder a piada. “Todo mundo pensa em conferir o samba e tal. Aqui os garotos recém descobriram o rock’n’roll. Uns 30 anos depois, né? Bem, antes tarde do que nunca…” A banda ficou hospedada no Hotel Nacional, projetado por Oscar Niemeyer e atualmente desativado. Angus & Cia. aproveitaram a praia de São Conrado, logo em frente, em trecho que hoje é impróprio para banho devido ao alto índice de coliformes fecais.

Embora na época os shows não tivessem tantos efeitos especiais como os de hoje, o AC/DC fez questão de trazer os canhões que disparam em “For Those About To Rock (We Salute You)” e o sino gigante usado em “Hells Bells”. Como a estrutura do palco não suportaria o peso, a alternativa foi substituir a trapizonga por um sino de gesso, mais leve. As cerca de 50 mil pessoas que compareceram ao show do dia 15 e as outras 200 mil que estiveram na Cidade do Rock no dia 19 nem perceberam a diferença.

O repertório era mais ou menos o da curta turnê anterior, que trazia apenas “Guns For Hire” entre as novas. Nessa época o AC/DC dependia mais de hits da época da fase com Bon Scott… Mas “Back In Black” tinha cinco músicas incluídas no repertório.

Como headliner, o grupo tinha mais tempo para se apresentar, mas o show do dia 19 teve duração menor que o do dia 15, provavelmente pelo número de atrações, naquela que ficou conhecida como “noite do metal”, com o público se divertindo em meio a um terrível lamaçal. Os que foram na terça, além de ter visto três músicas a mais (“Shot Down in Flames”, “The Jack” e “Jailbreak”), escaparam da tempestade que se abateu sobre a cidade. Mas, dentro da rigorosa predileção dos fãs de heavy metal, tiveram de encarar Kid Abelha, Eduardo Dusek e Barão Vermelho antes dos Scorpions, a outra atração gringa da noite, entrarem no palco. No dia 19, o show de Erasmo Carlos, vaiado na noite de estréia, foi transferido para o dia seguinte, restando Baby & Pepeu, Whitesnake, Ozzy Osbourne e Scorpions, antes do AC/DC.

Em referência à eleição de Tancredo Neves pelo Colégio Eleitoral, encerrando um período de 21 anos de regime autoritário, os jornais cariocas apelidaram a noite de 15 de outubro de “festa da democracia”. Mas o público headbanger demonstrou tolerância zero em relação a Kid Abelha e Eduardo Dusek, brindados com uma chuva de pedregulhos e copos de papel (vazios, dobrados, ou cheios de líquidos diversos).”As pessoas que estão jogando coisas no palco têm mais é que ser linchadas”, gritou Dusek divertindo ainda mais o povo de camisa preta. “Não está a fim de escutar música? Fica em casa e se suicida!” A rivalidade estabelecida entre atrações brasileiras e internacionais levou Herbert Vianna, dos Paralamas do Sucesso, a se manifestar, pouco depois, em uma entrevista à revista Veja: “Não tivemos muito o que aprender no Rock in Rio. O melhor guitarrista do festival foi o Armandinho, do Moraes Moreira. Angus Young eu acho um mão dura”.

O guitarrista monopolizou as atenções dos shows. O momento “ataque epilético”, em que parece estrebuchar no chão, girando o corpo sobre si próprio sem parar de tocar, foi apoteótico. Chocou o público de todo o Brasil, que acompanhava a cobertura pela TV. No Jornal Nacional do dia 16 de janeiro, o strip-tease de Angus Young foi noticiado – e elogiosamente!

Set list completo do dia 15/01/1985

1- Guns for Hire
2- Shoot to Thrill
3- Sin City
4- Shot Down In Flames
5- Back In Black
6- Have A Drink On Me
7- Bad Boy Boogie
8- Rock And Roll Ain’t Noise Pollution
9- Hells Bells
10- The Jack
11- Jailbreak
12- Dirty Deeds Done Dirt Cheap
13- Highway To Hell
14- Whole Lotta Rosie
15- Let There Be Rock
16- T.N.T.
17- For Those About to Rock (We Salute You)

A SEGUNDA VINDA

Em outubro de 1996, o AC/DC voltou ao Brasil para tocar em Curitiba e em São Paulo. Com o baterista original, Phil Rudd, e uma superprodução incrível

Não é sempre que um grupo cheio de sucessos no currículo inicia um show tocando justamente o maior deles, e foi exatamente o que o AC/DC fez no Pacaembu, no dia 12 de outubro de 1996. Era a turnê do álbum “Ballbreaker” e, quando uma bola gigante sustentada por um cabo de aço demoliu o paredão de tijolos, Angus Young surgiu correndo de uma lado a outro tirando os primeiros acordes de “Back In Black” para levar as cerca de 55 mil pessoas à loucura. A turnê marcou o retorno do baterista Phil Rudd ao grupo, completando a formação clássica, à exceção, claro, de Bon Scott. O grupo só voltaria à estrada quatro anos depois.

Desde a turnê de 1992 o AC/DC vinha fazendo dos shows superproduções que realçam a performance do grupo. No Pacaembu, apresentou uma série de efeitos de tirar o fôlego (como se a música, por si só, não fosse capaz disso). Rosie, a mulher inflável gigante alusiva à música “Whole Lotta Rosie”, fez sua primeira aparição no Brasil. Em “Highway To Hell”, no bis, Angus Young surgiu de dentro de uma jaula que emergia do piso como se realmente tivesse subido do inferno, com os clássicos chifrinhos da capa do álbum de mesmo nome. Antes, em “Boogie Man” o gaiato tinha feito seu obrigatório strip-tease, sempre mostrando a cueca samba-canção com a bandeira do país onde toca. Brian Johnson teve seu momento de brilho coadjuvante ao se dependurar na esfera de aço e depois carregar o nanico Angus nas costas.

O repertório incluiu quatro músicas de “Ballbreaker”, de 1995, reconhecidas e cantadas pelo público. Ao longo das mais de duas horas de show, o estádio todo parecia cantar tudo junto com a banda. Não faltaram o sino gigante gongado por Johnson em “Hells Bells” nem os tiros dos canhões medievais em “For Those About To Rock (We Salute You)”, que tradicionalmente encerram os shows. Angus ainda encontrou tempo para, após o solo, fazer sair faíscas de sua guitarra e da estruturas metálicas do palco, que reproduziam um canteiro de obras com grua e tudo. “Back In Black” continuou sendo o disco com maior número de músicas incluídas no set, dessa vez apresentando também “You Shook Me All Night Long”, a grande ausência nos shows do Rock In Rio. Outros clássicos, inclusive da fase Bon Scott, se mostraram vivíssimos, cada vez mais adaptados à voz singular de Brian Johnson. Entre eles, “Dirty Deeds Done Dirt Cheap” e “TNT” foram os que mais sacudiram o público. Além, é claro, de “Let There Be Rock”, que Angus usou para detonar seu número de guitarrista aloprado, com uma disposição de garoto – embora, na época, já contabilizasse mais de 40 primaveras.

Na véspera, coincidentemente o dia da morte de Renato Russo, o AC/DC tocara em Curitiba, na Pedreira Paulo Leminski, para outras 50 mil pessoas, público considerado recorde do local até hoje. A abertura foi feita pelo trio virtuose Dr. Sin, e em São Paulo, a honra coube ao Angra, ainda com a formação “clássica” e com dois álbuns lançados. O roteiro das duas apresentações foi idêntico, e a turnê está registrada no DVD “No Bull”, gravado na Plaza de Toros de Las ventas, em Madri. Lançado originalmente em 1996, o título ganhou no ano passado uma versão “director’s cut”. Em relação às músicas tocadas nos shows do Brasil, tem um bônus: “Dog Eat Dog”. Curiosamente, há poucas imagens desses shows brasileiros disponíveis no YouTube.

Set list completo do dia 12/10/1996

1- Back in Black
2- Shot Down in Flames
3- Thunderstruck
4- Girls Got Rhythm
5- Hard as a Rock
6- Shoot to Thrill
7- Boogie Man
8- Hail Caesar
9- Hells Bells
10- The Jack
11- Ballbreaker
12- Rock and Roll Ain’t Noise Pollution
13- Dirty Deeds Done Dirt Cheap
14- You Shook Me All Night Long
15- Whole Lotta Rosie
16- TNT
17- Let There Be Rock
18- Highway to Hell
19- For Those About to Rock