segunda-feira, 20 de setembro de 2010

+ Jimi Hendrix

40 anos sem o maior guitarrista em todos os tempos - Como James Marshall Hendrix, numa trajetória fulminante, se transformou no maior mito da guitarra e do rock em todos os tempos. Matéria de capa da Revista Dynamite número 42, de dezembro de 2000.

Poucas pessoas tiveram uma passagem tão urgente pela vida quanto James Marshall Hendrix, que viveu só 28 anos. Boa parte deles no meio da pobreza e convivendo com a rejeição da família e da sociedade. Como Jimi Hendrix, em cerca de quatro anos saiu dos subúrbios de Nova Iorque para a Londres psicodélica do final dos anos 60 e virou, de imediato, um mito.

Passada a primeira onda do rock’n’roll da América, foi a vez da Inglaterra mostrar suas garras. E que garras: Beatles e Rolling Stones invadiam as paradas de todo o mundo, bebendo na fonte do recém descoberto rhythm and blues. O prodígio Eric Clapton já era chamado de Deus e o blues era mesmo a música do momento.

Por volta de 1965, Little Richards, um dos poucos remanescentes da avalanche rock’n’roll da década anterior, contratou um tímido baixista para acompanhá-lo no norte dos Estados Unidos. Nessa época, o racismo sulista implicava em ter certa coragem para ser negro e tocar para entreter brancos.

James, que era filho de um ex-combatente da segunda guerra mundial, já havia se alistado, em 61, no grupo de pára-quedistas do exército americano, como voluntário. Sua infância, paupérrima, não havia sido muito boa e o adolescente não via outra saída senão abandonar a escola em Seattle, onde nasceu, para tentar a sorte no exército. Não teve muita (ou, por outro lado, teve bastante) e depois de vários saltos fraturou o tornozelo, sendo em seguida dispensado.

Antes de tocar com Little Richards, o renomeado Jimmy James ainda teve uma rápida participação nas bandas de Sam Cooke e com os Isley Brothers, onde já tocava com a guitarra nas costas e, às vezes, com os dentes. Mas a estrela era Little Richards, e Jimmy James, não exatamente por esse motivo, mudou-se para Greenwich Village, em Nova Iorque, onde passou a tocar pelos decadentes clubes da região. Todos, porém, conservando a pompa da época de ouro da música americana.

Quando os Rolling Stones excursionavam pelos Estados Unidos, já em 66, Jimmy James & The Blue Flames, primeiro grupo em que Hendrix era o líder, tocavam no Cafe Wha?. Numa das noites, a namorada de Brian Jones foi checar a apresentação do jovem guitarrista. Ela não acreditou no que vira: um negro de cabelos grandes, esbelto e fazendo da guitarra sua parceira na música e também na cama. Mais: o negro era canhoto e tocava sem inverter a posição das cordas, ou seja, com a guitarra de cabeça para baixo.

Brian Jones não se convenceu com esses argumentos, mas Chas Chandler, baixista do Animals, que estava na turnê que seria a última do grupo, com os Stones, topou a parada. Resultado: depois do show foi ao camarim e convenceu o jovem negro a voar com ele direto para Londres. Assim, em setembro de 66, Jimmy James saiu de Nova Iorque com a roupa do corpo e aterrissou no velho mundo como Jimi Hendrix, para o início de uma trajetória simplesmente espetacular.

THE JIMI HENDRIX EXPERIENCE

Na noite em que Hendrix chegou, já estavam agendados os testes que iriam definir a formação da banda que o acompanharia. Isso nos mesmos pubs em que aconteciam os shows, com público e tudo, sempre lotados. Indicados por Chandler, Noel Redding e Mitch Mitchell foram contratados por 15 libras semanais e assim estavam montando o Jimi Hendrix Experience.

Em Londres, os novos ídolos do rock estavam intrigados. Como eles, que conheciam tudo de rhythm and blues, estariam vendo um guitarrista, uma única pessoa, chamar a atenção de tanta gente? Todos queriam ver Hendrix de perto, saber se era tudo o que diziam e se conhecia tanto da música americana, vindo de onde essa música se originou. Jimi Hendrix era uma lenda muito antes de entoar o primeiro acorde em sua guitarra.

Entretanto, o primeiro convite para tocar partiu de Johnny Halliday, então ídolo da música francesa. Ele convidou Jimi Hendrix para tocar como banda de abertura em uma pequena temporada que faria no Olympia, em Paris. Com apenas três músicas próprias, já em outubro, menos de um mês depois do desembarque na Europa, acontecia o primeiro show do Jimi Hendrix Experience. Paris também foi a cidade em que, pela primeira vez na história, uma música de Jimi Hendrix foi tocada no rádio, já um poderoso meio de divulgação para qualquer artista. A escolhida era “Hey Joe”, do primeiro single, que tinha “Stone Free” no lado B. Mas as rádios gostavam mesmo, já nessa época, das versões piratas, catadas das fitas demo de ensaio ou ainda gravada ao vivo nos shows. As rádios piratas foram um grande aliado para que Jimi Hendrix espalhasse tão rapidamente sua fama pela Europa e depois para todo o mundo.

Já conhecido e com um grande bochicho em torno do seu nome, Jimi Hendrix preparava o lançamento do primeiro álbum, “Are You Experienced?”, o que só aconteceria em maio de 67. Logo após o lançamento, o semanário inglês Melody Maker o proclamaria o maior guitarrista do mundo.

FOGO EM MONTEREY

Paul McCartney foi o responsável pela indicação de Jimi Hendrix para a apresentação na sétima edição do Monterey Pop Festival. Quase um ano depois, Hendrix voltava aos Estados Unidos, já consagrado como um popstar, para tocar em um grande festival, ao lado de nomes como The Who, Janis Joplin, Ottis Redding e Simon & Garfunkel, entre outros.

Duas passagem curiosas se destacaram nesse festival. Primeiro foi o desentendimento entre os empresários do Who e de Jimi Hendrix, porque um não queria que seu artista tocasse antes do outro. A decisão da organização, já nos bastidores, saiu no cara ou coroa: Hendrix tocaria primeiro. Depois, foi no final do show de Monterey que Hendrix, durante “Wild Thing”, espancou, transou e fez sua guitarra de gato e sapato, ateando fogo na parceira. Em seguida, diante de uma platéia literalmente boquiaberta, destrui-a em vários pedaços. Nunca mais o rock’n’roll seria o mesmo.

Em junho de 67, estava instaurada oficialmente a era da psicodelia em todo o mundo. O marco inicial foi o lançamento do álbum “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”, no dia primeiro, até hoje considerado um dos discos mais importantes no universo da música pop. Pois bem, enquanto o “Sgt Pepper’s” começava a ser absorvido, três dias depois, num pub em Londres, o Jimi Hendrix Experience, que desfrutava de boas posições nas paradas com seu “Are You Experienced”, se apresentava e abria o set justamente com a faixa-título. Considerando que o álbum (e a música) não havia caído no domínio público, somente duas pessoas se entreolhavam naquele clube: Paul McCartney e George Harrison. Paul declarou que era sem dúvida a melhor versão que ele já ouvira. Era a primeira, certamente, fora a original.

“Axis: Bold As Love”, o segundo álbum, sai em outubro de 67, já em meio à farra psicodélica e ao flower power que devastou o mundo. Mas, inquieto, Jimi não quer o posto de superstar que a mídia, e por consequência o público, lhe impunham. Nesse período, é normal que ele e o Experience toquem covers de músicos famosos como “Like a Rolling Stone” e “All Along The Wachtower”, do ídolo Bob Dylan, e “Sunshine Of Your Love”, do Cream, de Eric Clapton.

Ainda em outubro o grupo volta ao Olympia, onde um ano antes fazia a abertura para Johnny Halliday. Agora como atração principal e com mais de 14 mil pessoas em histeria, fora as que não conseguiram entrar, o Jimi Hendrix Experience faz um espetáculo absoluto e estonteante, mostrando as músicas do novo álbum, entre elas “If 6 Was 9” e “Little Wing”.

O prolífico Hendrix já entrava o ano de 68 gravando as músicas que iriam fazer parte do terceiro álbum com o Experience. Jimi parecia saber que não teria tempo para fazer tudo o que queria e que precisava trabalhar muito rapidamente. Material é que não faltava. Ele compunha 24 horas por dia, além das longas jams nos ensaios e shows, de onde sempre saíam idéias para novos temas e arranjos.

Jimi Hendrix queria mais. “Electric Ladyland” é um álbum duplo e definitivo, que levou o grupo ao disco de ouro na Inglaterra e nos Estados Unidos. Mas nos longos ensaios e durante as intermináveis gravações, nem tudo eram flores dentro do Experience. Chas Chandler tomava conta de tudo que se referia a parte musical, estúdios, produção, etc. Seu sócio, Mike Jeffrey, era quem administrava as contas. Para fugir dos altos impostos cobrados por Sua Majestade na Inglaterra, Jeffrey frequentemente viajava para as Bahamas, um paraíso fiscal no Caribe, levando com ele malas de dinheiro vivo, fruto das bilheterias e dos direitos autorais do Jimi Hendrix Experience. Noel Redding foi o primeiro a desconfiar do método do empresário, já que depois de mais de um ano, ele ainda continuava sem um tostão no bolso. Jimi, por sua vez, tinha seis libras em sua conta bancária e, carregado pela fama, não dava bola para o baixista.

CAMINHO CIGANO

Musicalmente, Chas Chandler também não se entendia bem com Hendrix, ambos divergiam quanto ao grau de perfeccionismo que o grupo vinha atingindo. Noel Redding, por sua vez, discordava de vários arranjos impostos por Jimi e reivindicava maior participação musical e financeira. Chas deixou o grupo nas mãos de Mike Jeffrey, o que levou Jimi a assumir o posto de produtor (“Electric Ladyland” é todo produzido por ele), deixando, em algumas ocasiões, Noel fora das gravações. Com o grupo gravando desde o início do ano em Nova Iorque, Noel voltava frequentemente a Londres, fazendo com que Hendrix gravasse também as partes de baixo ou chama-se um amigo para fazê-las.

Um deles era Billy Cox, companheiro de Hendrix dos tempos em que serviu o exército. Billy passou a substituir eventualmente Noel, quando este não estava por perto. Tal procedimento acabou deixando Noel de fora de um dos momentos mais importantes na carreira do Experience, durante o lendário Festival de Woodstock, em agosto, símbolo maior do flower power, do movimento hippie e de toda uma geração americana que condenava a Guerra do Vietnã e buscava a saída na paz, no amor e na experimentação através do uso de drogas.

A música de Hendrix era ouvida no Vietnã como uma homenagem de todos os que faziam parte dessa movimentação, aos que lá estavam para, querendo ou não, lutar pela pátria americana, e “Purple Haze” era praticamente o hino da guerra. Mas quando em Woodstock, Hendrix resolveu tocar o hino nacional americano, sozinho com sua guitarra e usando os dentes, esses acordes ecoaram por todo o mundo como um apelo de paz e, ao mesmo tempo, pela revolução. A guitarra, de parceira sexual, passava a um canhão que espalhava toda a dor sentida pela guerra em todos os tempos e lugares.

Quando o ano de 69 começa, o Experience praticamente não existe mais. De qualquer forma, oficialmente o grupo se instala na cidade americana de Liberty, perto de Woodstock, sendo que volta e meia Noel Redding vinha de Londres para ocupar o cargo de baixista, fato que não incomodava Billy Cox, pois, para ele, só estar ali já era lucro. A última apresentação do Experience original aconteceria em fevereiro, de novo em Londres, num Royal Albert Hall lotado.

Aos poucos, Jimi ia reformulando a banda até chegar, em outubro, a Billy Cox no baixo e Buddy Miles, ex-Electric Flag, na bateria. O novo trio, em consequência do desgaste da imagem e da entrada de dois novos músicos, buscou novos caminhos. Hendrix também já não aguentava mais tocar as mesmas músicas, declarando publicamente esse descontentamento, e carecia, artisticamente, de renovação em sua música. O Band Of Gypsys, como foi chamado, investiu na mistura de soul, blues e funk, considerando a alma negra de todo o trio, agora 100% americano.

A Band Of Gypsys deixou várias gravações de estúdio, mas lançou um único álbum, ao vivo, gravado no Filmore East, em Nova Iorque, na passagem de ano de 69 para 70. Em seguida, Buddy Miles cairia fora e o grupo, de uma forma ainda mais urgente, acabaria deixando para trás um potencial espetacular. Mitch Mitchell voltaria para a batera.

Recluso nos Estados Unidos, Hendrix buscava alternativas para continuar com suas experimentações, e embora levando sua música mais para o jazz do que para qualquer outro estilo, ele continuava a tocar covers de clássicos do rock, como “Johnny B. Good”, de Chuck Berry, e “Blue Suede Shoes”, de Carl Perkins, eternizada por Elvis Presley. Com o intuito de aperfeiçoar as técnicas de gravação da época, Hendrix começou a construção de seu próprio estúdio, o Electric Lady Studios, em Nova Iorque. Ao mesmo tempo, preparava o esperado quarto álbum, que só viria a ser lançado após sua morte, em setembro.

O ADEUS DO GÊNIO

Antes, porém, o último grande festival ainda aguardava a presença de Jimi Hendrix. Depois de 18 meses sem tocar no Reino Unido, o Jimi Hendrix Experience aceita o convite para o festival da Ilha de Wight, mais uma vez ao lado do Who, ainda com The Doors, Free, e Emerson, Lake And Palmer, entre outros. Conforme a data ia se aproximando, Hendrix ameaçava não ir, dado o seu envolvimento na construção do estúdio. Mas no dia 30 de agosto de 1970 ele se sentiu recompensado quando tocou para um público de mais de seiscentas mil pessoas – entre elas o exilado Gilberto Gil.

Retido em Londres para resolver negócios com Mike Jeffrey, Hendrix se hospedou no quarto de hotel de Monika Danneman e passava as noites bebendo e se divertindo, até que pudesse voltar para Nova Iorque para continuar os trabalhos no Electric Lady Studios. Na noite de 17 para 18 de setembro, Hendrix tomou uma quantidade desconhecida de pílulas para dormir, que haviam sido receitadas para Monika. Passou mal e se afogou no próprio vômito. Monika hesitou em chamar socorro, pois temia que a polícia encontrasse uma certa quantidade de haxixe no apartamento, mas não há a certeza de que um socorro mais rápido o salvaria. Em todo caso, o atestado de óbito apresenta textualmente, como causa da morte: “inalação de vômito, intoxicação por barbitúricos e evidências insuficientes. Veredicto aberto”. Encerrava-se, assim, depois de quatro anos, a passagem do cometa Hendrix pela Terra.

O corpo de Jimi Hendrix foi enterrado em Seattle, cidade que se recusa a homenagear um filho que tenha tomado drogas, embora tenha uma placa dedicada a ele no zoológico. Foi a conservadora e fria cidade, berço do grunge de Kurt Cobain e companhia, a escolhida para abrigar o Museu do Rock. Inaugurado em junho, tem a arquitetura projetada em homenagem a Jimi Hendrix, e o seu idealizador e proprietário, Paul Alex, ex-sócio de Bill Gates na Microsoft, durante a cerimônia de inauguração, destruiu uma réplica de vidro da guitarra de Hendrix, de quem é fã incondicional.

por Marcos Bragatto

Fonte: REG

2 comentários:

  1. pretendo tb prestar minhas homenagens lá no blog, enquanto não arrumo tempo Adelvan vai mandando muito bem por aqui...

    ouço JIMI desde os 15 anos, já tive o electric ladyland em vinil, dei de presente pros irmãos Snooze, deve estar c/ o Rafael...

    o negão ia do rock básico quase punk ao progressivo, jazz e qualquer viagem que ele pudesse embarcar...

    gênio total, homenagens nunca serão demais.

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  2. Da última vez em que eu PENSEI em vender meus discos de vinil, desisti justamente quando peguei minha cópia com a capa original (a das mulheres peladas) do Electric Ladyland. Ao abrir o disco e ver aquela foto maravilhosa grandona de Jimmy na parte de dentro, pense: "se eu vender essa porra vou me arrepender pra caralho".

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