segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

# 131 - 25/12/2009 - EDIÇÃO ESPECIAL DE NATAL



Jeff Scott Sotto and others – We wish you a merry Christmas
Alice Cooper and others – Santa Claus is coming to town
Chuck Billy and others – Silent Night
Lemmy Killmister and others – Run, Rudolph, run
Tim “Ripper”Owens and others – Santa Claus is back in town
Ronnie James Dio and others – God Rest ye merry gentlemen

Korn - Jingle Bells (Death Metal Version)
Chuck Berry - Merry Christmas Baby
Queen - Thank God It´s Christmas
Teenage Fanclub - Christmas Eve
Elvis Presley - If Everyday Was Like Christmas
Fountains of Wayne - I Want an Alien for Christmas
Zakk Wylde - White Christmas

Weezer – The First Noel
Weezer – Oh! Holly Night
Weezer – The greatest man that ever lived

Reverend Horton Heat – Jingle Bells
Reverend Horton Heat – Silver Bells
Reverend Horton Heat – We Three kings
Reverend Horton Heat – Santa Looked a lot like Daddy
Reverend Horton Heat – Winter wonderland

The Brian Setzer Orchestra – Dig that crazy Santa Claus
The Brian Setzer Orchestra – Boogie Woogie Santa Claus
The Brian Setzer Orchestra – Angels we have heard on high
The Brian Setzer Orchestra – Blue Christmas
The Brian Setzer Orchestra – White Christmas

sábado, 19 de dezembro de 2009

# 130 - 18/12/2009



( Wikipédia ) Richard Cheese, também conhecido como Richard Cheese and Lounge Against the Machine é um conjunto musical que realiza covers como números de comédia com músicas consagradas. O nome da banda (Lounge Against the Machine) é uma paródia à banda de rock Rage Against the Machine. Desde 2000, a banda tem realizado shows pelos EUA e Europa, e tem feito inúmeras performances em programas de televisão. Especializaram-se em adaptar canções populares de rock, heavy metal, rap e hip hop no estilo lounge com predominância sonora de piano e voz. O viés cômico de suas versões está em alterações bruscas no ritmo da música original, inclusão de músicas incidentais e expressões subjetivas do vocalista e sátiras a personalidades como Britney Spears e Michael Jackson. Os nomes dos integrantes são pseudônimos, com os novos integrantes mantendo o mesmo pseudônimo dos músicos anteriores, com exceção do baterista Buddy Gouda (Charles Byler), quando saiu da banda em 2004 foi substituído por Brian Fishler que adotou o pseudônimo de Frank Feta. O único membro permanente da banda é o próprio Cheese, que na verdade é o comediante de Los Angeles chamado Mark Jonathan Davis. Os sobrenomes dos pseudônimos dos músicos são tipos de queijos, enquanto o próprio pseudônimo de Richard Cheese possui uma abreviação (Dick Cheese) que é uma referência a uma gíria na língua inglesa que significa sêmen.



( Wikipédia ) Nouvelle Vague é um coletivo musical francês arranjado por Marc Collin e por Olivier Libaux. O nome deles é um jogo de palavras, referindo-se simultaneamente à sua "francesidade", ao movimento artístico do cinema francês Nouvelle Vague, dos anos 60, à fonte de suas canções (todas são covers de músicas punk e new wave dos anos 80) e ao uso do estilo Bossa nova, também dos anos 60. No primeiro álbum, homônimo, o grupo ressuscitou clássicos da New Wave dos anos 80 e as reinterpretou em um estilo Bossa nova picante. As canções receberam um aspecto mais acústico com ritmos flexíveis e agitados executados de forma a coletar uma parada de chanteuses de todo o mundo (seis francesas, uma brasileira e uma nova-iorquina). Os covers incluem canções de Joy Division, Dead Kennedys, The Clash e Depeche Mode. As várias cantoras de Nouvelle Vague apenas executaram canções com as quais não estava familiarizadas anteriormente, com a finalidade de garantir que cada cover tivesse uma qualidade única. O segundo álbum, Bande à Part, inclui versões de "Ever Fallen in Love, do Buzzcocks, "Blue Monday" do New Order, "The Killing Moon" do Echo & the Bunnymen e "Heart of Glass" do Blondie. Muitas das canções do Nouvelle Vague, tais como "In a Manner of Speaking", "Just Can't Get Enough" e "Teenage Kicks", têm sido usadas no drama Sugar Rush, da rede de televisão Channel 4. As versões deles de "Just Can't Get Enough" e "Teenage Kicks" também têm sido usadas em anúncios no Reino Unido. Em 2005, o cover de "I Melt with You", canção da banda Modern English , foi usado como trilha sonora de um filme de humor negro, Mr. and Mrs. Smith. Em 2007, o mesmo cover apareceu no comercial de televisão americano sobre a GMC Acadia. O cover de "Too Drunk to Fuck", da banda Dead Kennedys, pode ser escutado no filme de 2007 Grindhouse. Membros, ex-membros e colaboradores (a maioria artistas franceses), que estão agora famosos, são considerados parte do que se chama de "Renouveau de la chanson française".

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o programa:

BAIXE AQUI

The Brian Setzer Orchestra – Run, Rudolph, run

Richard Cheese – Creep
Cake – Mahna Mahna
Neuvelle Vague – Ever fallen in Love
The Cardigans – The Boys are back in town

Drop Loaded:

Monique Maion – Don´t wait too log
O Sonso – Jorge Maravilha
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MQN – Hard Times
The Backbiters – you are not too late

Vá Pra Porra – Sobreviver

Entrevista com a a banda VPP e com Thiago Porto, produtor do Kaos Fest

Bloco produzido por Maicon Stooge:

Your Ass - The Amazing One Man Band & His Little Trashy Orchestra
Psycho Daisies - The Hentchmen
He's so wigged out - 0 The Shimmys
Backseat Bebe - Black Mekon
Demolition girl - Bily Childish & Holly Goilightly
A Good Tip For A Good Time - Cato Salsa Experience
What Rock N Roll Is All About - The Oblivians

Plástico Lunar – Gargantas do deserto

Entrevistas:

Adolfo Sá e “Bebe Gás”, diretores do clipe de “gargantas do deserto”
Plástico Jr. e Marcos Odara, da Plástico Lunar
Roberto Nunes, produtor da Sessão Notívagos

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

UMA NOITE “ FORA DO EIXO “



por Adelvan Kenobi

Na última noite de segunda-feira, dia 14 de dezembro de 2009, a estrutura montada para abrigar a Rua da Cultura entre os Mercados Centrais de Aracaju serviu para uma causa nobre: acolher mais uma etapa da “ Tour Nordeste Fora Do Eixo “, que levou as bandas Macaco Bong (MT), Porcas Borboletas (MG) e Burro Morto (PB) a 7 cidades da região: Fortaleza, João Pessoa, Campina Grande, Recife, Maceió, Aracaju e Salvador. Uma bela oportunidade para se ver por aqui e ao vivo alguns dos principais nomes da nova cena independente nacional, com a abertura pra lá de especial dos sergipanos da Plástico Lunar.

Cheguei atrasado, como sempre, e preocupado em ter perdido algo. Realmente perdi, o show da Plástico, mas esse eu posso ver depois (aliás verei próximo sábado, no Cinemark, em mais uma Sessão Notívagos). Nenhum dos “ visitantes “ havia ainda se apresentado, para meu alivio – e surpresa, já que passava das 21:00 e o evento estava marcado para começar às 19:00. Burro Morto estava no palco passando o som, e demorou uma eternidade – tempo mais do que suficiente pra que eu desse uma boa circulada pelo local e revesse velhos camaradas que há tempos não encontrava. Quando finalmente começou, mostrou um som instrumental “ viajante “ , psicodélico e cheio de grooves, porém meio repetitivo, o que, para uma banda instrumental, é um senhor ponto negativo. Não chegou a ser ruim, obviamente, são bons músicos e executam suas composições de forma precisa e competente, porém de forma um tanto quanto automática, com pouca comunicação com a platéia, algo que, aliás, foi a tônica de (quase) todos os shows da noite (exceção para a banda seguinte, Porcas Borboletas) e eu credito ao cansaço de uma turnê tão corrida. Essa foi a minha impressão, mas admito que pode ser uma opinião equivocada, já que o som que eles fazem, navegando entre o groove e o afro, o dub e o jazz, não é muito a minha praia.

Mais uma bela demora, e temos Porcas Borboletas. A primeira musica pareceu muito Patife Band, a segunda, Arnaldo Antunes – por aí já fica evidente a fonte na qual os caras bebem: a chamada “ vanguarda paulistana “ do inicio dos anos 80, cheia de acordes dissonantes, ritmos quebrados e poesia concreta. Isso é ruim ? Não necessariamente. Eu gostei – inclusive porque gosto muito da Banda patife e nutro alguma simpatia pelo ex-titã. As letras são bem humoradas e despretensiosas, mais a serviço da melodia do que da poesia. E a perfomance dos caras no palco é bem interessante, um tanto quanto exageradamente teatral, porém formando um bom conjunto com a obra musical executada. Uma banda, enfim, para se prestar atenção e se conhecer melhor – não por acaso têm chamado a atenção por onde passam e conseguido alguns feitos, como tocar junto com Paulo “patife” Barnabé no último Goiânia Noise e emplacar a música-tema do filme “ Nome próprio “ (a que abriu o show), estrelado pela musa Leandra Leal, o que rendeu, inclusive, uma participação dela em seu último disco.

Por fim, Macaco Bong, a mais conhecida e por isso mesmo mais esperada, recepcionada por um bom publico apesar do avançado da madrugada (lembrando que era uma noite de segunda para terça, sem nenhum feriado no dia seguinte). Nunca é demais lembrar que o primeiro ( e por enquanto único ) disco deles, “ Artista igual a pedreiro “, foi eleito o álbum do ano de 2008 pela revista Rolling Stone. “ E daí ? “, deve estar pensando você, leitor “ underground “ ou “ indie “ que está cagando e andando para nossa semimorta crítica musical “ mainstrean “. E daí que isso dá moral a banda para, entre outras coisas, segurar um bom publico mesmo numa madrugada de segunda para terça. Só isso. E quem ficou não se arrependeu. Belíssimo show, com o volume no talo – na verdade o volume do som estava MUITO alto, chegando a incomodar - em certos momentos parecia que a guitarra estava literalmente estuprando nossos ouvidos. E foi MUITA guitarra, uma verdadeira overdose de riffs matadores emoldurados por uma cozinha (baixo e bateria) precisa. Mas uma overdose “sadia”. Foi uma oportunidade única de ver uma banda consagrada nacionalmente mas que faz um som pouco acessível aos ouvidos médios em solo sergipano. Um fechamento com chave de ouro para a noite – que seja a primeira de várias, e que Aracaju entre definitivamente para esse “eixo”.

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Depois de anunciar dois shows, um em Varsóvia, na Polônia, no dia 16 de junho, e outro no dia 19, em Praga, na República Tcheca, a turnê “Big Four”, reunindo Metallica, Slayer, Megadeth e Anthrax fechou também um terceiro show, na Suíça, dia 18 de junho.

“Quem poderia imaginar que mais de 25 anos depois do começo de tudo, as quatro grandes bandas do thrash metal estariam não só na ativa e mais populares que nunca, mas que iriam tocar juntas pela primeiras vez?”, disse o empolgado baterista Lars Ulrich, no mesmo post. Ele teria sido, de acordo com o guitarrista Kerry King, do Slayer, um dos articuladores da turnê que ganhou o nome de “Big Four”.

Nesses cerca de três meses, Lars teve que superar empecilhos históricos como as eternas desavenças entre vários interantes dos quatro grupos. Dave Mustaine, por exemplo, chegou a se posicionar contrário à presença do Megadeth em qualquer evento que reunisse também o Metallica, mas parece que acabou vencido pelos fatos. A expectativa é que agora outras datas sejam confirmadas e que, se bem sucedida, a turnê se alastre e desembarque até no Brasil.

Esta será a primeira vez que os quatro grandes nomes do thrash metal mundial tocarão juntos, um após o outro, no mesmo palco. No passado, isso quase aconteceu em 1991, na Clash Of Titans Tour, que reuniu Megadeth, Slayer, Anthrax e Alice In Chains. Já em 1993, Metallica e Megadeth dividiram o palco no Milton Keynes Bowl, na Inglaterrra.

Fonte: Rock em geral
por Marcos Bragatto





terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Biggs em Aracaju



Sobre *THE BIGGS* : Power Trio de Sorocaba/SP, com mais de 10 anos de estrada, mostra experiência e muito o que dizer e fazer no rock. A banda faz um rock punk pesado e muito competente, daqueles para dançar e sacudir a cabeça ao mesmo tempo, com influências que vão de Stooges á Bikinni Kill, de T-Rex á Babes in Toyland, de MC5 á SonicYouth. Na Estrada desde das ótimas e batalhadoras fitinhas K7 lançadas entre 97 e 2000: "See Stars" (1997) e "Kind-Hearted"(1999), passando pelo primeiro cd "Wishful Thinking"(2001/Gig Records), o single I’ll walk you up!(2002/3) com 4 musicas, entre varias coletaneas, até o mais recente trabalho "The Roll Call"(2007) que mostra a maturidade no que deu a mistura de punk rock/riot girl (influência nos primeiros trabalhos) com "rockão grunge” a la L7. Flávia e Mayra, se conheceram qdo foram integrantes da banda paulistana Dominatrix e Brown e’ figura do underground brasileiro, ja participou de projetos ao lado de bandas historicas como Pin Ups e Wry. Para divulgar o album “The Roll Call”, que foi indicado ao PREMIO DYNAMITE como melhor disco de ROCK ficando em terceiro lugar, a banda engatou uma turnê (2007) passando pelo sul do Brasil ate a Argentina!! Fazendo o que melhor sabem fazer, shows! Arrebatadores! Onde a banda se transforma numa banda gigante com performances memoráveis, um som sizudo e criativo da cozinha de Brown Biggs na batera e Mayra Biggs no baixão distorcido. Completando o POWER TRIO Flávia Biggs no vocal poderoso, energético agregado a riffs inspirados de guitarra, estao tocando fogo nos palcos do Brasil com seu show incendiário!!! Quem assistiu às ótimas apresentações da banda nos festivais Circadelica, Goiania Noise, Araraquara Rock entre outros pôde ter uma palhinha. Espere por uma paulada na orelha com direito a muito entrosamento e improvisos incriveis. O Biggs faz parte das bandas brasileiras com historia de rock no underground independente brasileiro. Lado B Especial (1999), Musikaos na TV Cultura (2001), Radar (2007) e citado no Livro "O que é punk?" de Antonio Bivar, referência punk rock no Brasil!! Com bagagem consistente e planos pra mais.. The BIGGS Rock!

Por Mari Crestani.

Fonte: Divulgação

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Esplosão Plástica Inevitável



por Adolfo Sá
Fonte: Viva La Brasa

“Segue bravamente o seu caminho/ Rumo ao desconhecido/ Enquanto houver brilho no olhar...” O refrão de ‘Gargantas do Deserto’ define bem o momento da Plástico Lunar, banda sergipana psicodélica que caiu na estrada em 2009. Foram 2 turnês por 6 estados – a mais recente delas, Nordeste Fora do Eixo, excursionando c/ Macaco Bong, Burro Morto e Porcas Borboletas, todas bandas de São Paulo e Mato Grosso. Depois de passar por Fortaleza [CE], Natal [RN], João Pessoa [PB], Campina Grande [PB] e Maceió [AL], o circo se monta hoje à noite a partir das 19H na Rua da Cultura, em Aracaju, e segue amanhã p/ a última etapa, em Salvador [BA].

A Plástico existe há mais de 10 anos, tem 2 EPs independentes – Plastic Rock Explosion e Próxima Parada – lançados em 2003 e 2005, e o 1º disco, Coleção de Viagens Espaciais, lançado este ano pela Baratos Afins, gravadora paulista nascida de uma loja de discos que estreou em 1980 c/ nada menos que Singin’ Alone, de Arnaldo Baptista. A parceria entre a Baratos e a Plástico é antiga. Em 2001 o selo lançou a coletânea Brazilian Peebles vol.2 c/ “a nata do rock psicodélico brasileiro do terceiro milênio”, dizia o release. Os sergipanos entraram c/ a canção ‘Meu Jardim’, e roubaram a cena em apresentações em SP e no RJ.

Coleção de Viagens Espaciais é um disco de rock da melhor qualidade, direto e bem-tocado, poético e nervoso, divertido e bem-resolvido, que levou 10 anos sendo gestado. Por que tanto tempo? “A gente não tinha nada na cabeça, só queria saber de tocar bêbado, de encher a cara até de manhã cedo”, disse o baixista Plástico Jr. ao jornalista Rian Santos, do Jornal do Dia, antes do show da banda no Festival DoSol, em Natal. “Se o Coleção [...] tivesse saído antes, a gente provavelmente não ia saber o que fazer com as respostas que conquistamos. Hoje, a gente pode lidar com isso um pouco melhor.”

FORMATO CEREJA

Plástico Lunar é um grupo que impressionou até Jorge Du Peixe, quando abriu p/ a Nação Zumbi há 2 anos, na mesma Rua da Cultura em que tocará hoje. “Muito boa, essa banda!”, disse o vocalista da Nação em cima do palco: “Vocês têm boas bandas aqui. Não conhecia a Plástico, gostei muito...” Produzido pelo tecladista black power Léo Airplane, Coleção de Viagens Espaciais poderia se chamar "Coleção de Hits Lisérgicos".

Trata-se de um disco que nasceu clássico, c/ potencial p/ tocar nas rádios pela facilidade das melodias e da poesia chapada dos caras. A música de abertura brinca c/ andamentos e ironiza as vítimas da moda: “Modernóide!”, grita o refrão. 'Formato Cereja' foi o 1º clip da banda, feito pelo Núcleo de Produções Audiovisuais aqui da cidade, ainda no tempo dos EPs. É um vídeo bem legal, c/ fotografia que remete ao manguebeat sem imitar ninguém, e a música funciona como um cartão de apresentações: “Minha paranóia está em cima da mesa/ Mergulhada em um copo com um formato cereja/ Dissolvendo-se em bolhas loucas e acesas/ Orientando as cores perdidas em minha cabeça”. É um rockão sessentista.

As décadas de 60 e 70 são a principal referência: The Doors, The Who, Kinks, Animals, Yardbirds, Bob Dylan, Roberto Carlos, Mutantes, Raul Seixas, Greatful Dead, Pink Floyd, Deep Purple, T-Rex, Patrulha do Espaço, sem falar Beatles e Stones, “o feijão com arroz”, segundo Jr. O som que sai daí é uma mistura de blues, mod, hard rock e progressivo, c/ forte acento psicodélico. Fazem parte da mesma escola que o Júpiter Maçã, apenas mais novos e mais pesados. “Ligo o carro/ Piso fundo/ Hoje eu quero ir/ Até o fim de tudo”, dizem em ‘Boca Aberta’. Em ‘Sua Casa É o Seu Paletó’, que virou o 2º clip c/ cenas de expressionismo alemão graças ao videomaker Alessandro Cabelo, o peso valvulado entra em cena p/ embalar uma viagem sobrenatural: “Ontem eu vi uma alma/ Sentada/ Em silêncio, solitária/ Na estrada do tempo”.

‘Quarto Azul’ é melancólica, marcada por um pianinho triste: “Ela não consegue dormir/ Ela está sozinha em casa/ Seu medo diminui se a porta está trancada”... As mulheres são uma fonte de inspiração recorrente, o que só soma pontos. Muitas vezes, as relações são discutidas nas letras: “Você quer falar e não quero ouvir/ Você quer falar e eu quero curtir/ Você quer um pouco disso e daquilo/ Você quer o inferno e eu o paraíso”, diz ‘Tudo do Seu Jeito’, uma das melhores, c/ clima de jovem guarda assegurado pelo timbrão de moog que o Léo baixa da internet p/ envenenar sua tecladêra.

COLEÇÃO DE HITS LISÉRGICOS

Se Belchior tinha medo de avião, Daniel Torres, vocalista e principal letrista, também tem lá suas nóias: “Um cara com um estranho chapéu disse que eu iria voar/ A aeromoça nem me falou quando o avião vai pousar/ Próxima parada eu desço/ Distante mas encontro um jeito”... Ele prefere viajar de trem, enquanto p/ Marcos Odara, a viagem é outra: “As folhas já estão tratadas/ Feche a porta e vamos curtir/ Guarde logo a sua parada/ Entoque, é melhor enrustir/ Porque senão, com os gafanhotos/ Não vai sobrar mais folhas aqui”.

Odara é o Keith do rock sergipano – toca bateria igual ao Keith Moon e é tão detonado quanto o Keith Richards. Mas quantos bateras você conhece que cantam enquanto tocam, que nem ele faz em ‘Banquete dos Gafanhotos’, uma das minhas preferidas entre tantas obras-primas deste disco? O tiozão é a encarnação da palavra ‘lenda-viva’. Tocou na Crove Horrorshow nos anos 80/90, dá aulas de História p/ pagar as contas, é casado e pai de uma filha. Sempre na atividade, influenciou os moleques de modo irreversível.

Existe A.O. e D.O. na história da banda – antes e depois de Odara. Foi dele a idéia de mudar o nome original de Plástico Solar p/ Lunar: “Plástico Solar era muito verão, a gente é da noite”, falou a voz da experiência. Voilá! “Antes, o nosso trabalho era muito ingênuo”, define Jr., que demonstra na entrevista reproduzida a seguir mais lucidez que muita gente careta por aí. Ele, que carrega a banda no nome, é o mano caçula do Daniel, e irá segurar os vocais junto c/ Júlio Andrade, guitarrista solo, agora que seu irmão deixou o grupo e mudou pro Rio. “Hoje eu acordo e me vejo/ No esquema, sorrindo/ Fingindo ser o amigo/ Mais fiel”, canta Jack Daniel’s em ‘Cínico Arrependido’, mais uma acústica.

Todos tocam muito, e em várias bandas diferentes: Júnior é baixista da Corações Partidos, Julico tem a The Baggios, Léo Airplane, além dos teclados da Plástico, toca adordeon na Naurea e na Orquestra Sanfônica. E o Daniel, lembro quando foi morar no mesmo condomínio que eu, o Jardim das Palmeiras – a gente nem se conhecia, mas volta e meia dava p/ ouvir um Led Zeppelin ou uns Byrds saindo pela janela do apê recém-alugado. Ele namorava uma guria tipo hippie universitária e eu pensava: “Esse fedelho tem futuro!”

É um grupo de virtuoses sem estrelismo nem xaropagem. E Coleções de Viagens Espaciais, pra mim, é o melhor álbum de rock lançado no Brasil em 2009. Estréia perfeita de uma banda fantástica, repleto de músicas de qualidade e apelo radiofônico. Só num país como o nosso p/ um disco desse passar batido. Enquanto isso, NxZero, Fresno e outras bandas ‘emo’ dominam o mercado.

PRÓXIMA PARADA

“Assistir a um show da Plástico pode ser uma experiência difícil de ser esquecida”, reforça o coro Werden T., vocalista d’Os Verdes, outro da cena sergipana: “Melodias espaciais, arranjos complexos, timbres envenenados, letras filosóficas, climas que te levam pra longe. Tudo isso tocado por jovens que sabem o que fazem (músicos de mãos cheias) e amantes do bom e velho rock’n’roll. É uma verdadeira viagem de volta aos anos 60 (época de ouro do surrealismo musical), com direito a costeletas quilométricas, óculos escuros, terninhos, plumas e paetês. Tudo emoldurado por boa música e melodias carregadas de sentimento.”

Esta semana a juventude roqueira & drogada de Aracaju vai ter muito o que comemorar. Além da passagem da tour Nordeste Fora do Eixo pela cidade hoje à noite, sábado tem mais uma Sessão Notívagos no Shopping Jardins, a partir das 23:59, c/ a exibição de Shine a Light, documentário do Martin Scorsese sobre os Rolling Stones, e a estréia do novo clip da Plástico Lunar, ‘Gargantas do Deserto’, c/ show da banda no saguão do Cinemark fechando a balada em alto estilo. Eles já tocaram lá, quando Lóki, a cinebio do Arnaldo, foi exibida em agosto.

‘Gargantas...’ é a 10ª faixa do disco, e a 1ª a ser transformada em vídeo desde o lançamento. A idéia partiu de Ricardo ‘Bebegás’, um velho conhecido das ruas que me chamou p/ co-dirigir e editar o projeto. Gravamos no estúdio da TV onde eu trabalho numa noite de sexta, em 4 takes. Ricardo criou os efeitos gráficos que servem de pano de fundo p/ a performance dos lunares. Eu mesmo fiz a iluminação, que funcionou melhor do que eu esperava p/ uma 1ª viagem, e contei c/ a ajuda dos cinegrafistas Junior Guedes e Manoel Gonçalves. Passei 2 meses editando o material nas minhas horas vagas, na companhia do lóki do Bebegás.

Mas cada tarde de sábado em frente ao Imac da TV terá valido a pena quando o clip estrear na madrugada de sábado numa tela de cinema, abrindo p/ um filme do Scorsese. “Espanei minha coleção de viagens espaciais/ Livre da inquisição, experimento um pouco mais/ Alcancei outra estação de universos fractais/ Estrelas em formação, poeiras espaciais”...

sábado, 5 de dezembro de 2009

Aracaju " fora do eixo "

Tour Nordeste Fora do Eixo aponta em Aracaju próximo dia 14

Fonte: Divulgação

Um tour musical pela região nordestina. Será a próxima atração do dia 14 na Rua da Cultura a partir das 19 horas. O Tour Nordeste Fora do Eixo é produzido em Aracaju pela Rede Música Sergipe que traz pela primeira vez à Aracaju as bandas de rock instrumental Macaco Bong e Burro Morto e as bandas que misturam o estilo dos anos 60 e 70, Porcas Borboletas e Plástico Lunar.

A turnê é uma realização da Tour Nordeste Fora do Eixo e dos coletivos Mundo, Popfuzz, Rede Música Sergipe, Natora, Quina Cultural, Lumo, Rede Ceará de Música e Noize.

Iniciando dia 08 de dezembro em Fortaleza, a tour passará ainda por Natal(RN), Recife(PE), João Pessoa(PB), Campina Grande(PB), Maceió(AL), Aracaju(SE) e finalizando dia 15 em Salvador(BA). Além do Burro Morto, integram a tour as bandas Macaco Bong (MT) e Porcas Borboletas (MG).

Esta é uma importante ação político-cultural do Fora do Eixo, que abre esta rota de shows e mostra um caminho livre para que outras bandas possam fazer o circuito Nordeste. O evento marca também a primeira atividade da Rede Música Sergipe.

A Rede Musica Sergipe

A Rede Música Sergipe é uma reunião sergipana de músicos e coletivos e faz parte do Circuito Fora do Eixo - rede de trabalhos concebidos por produtores culturais de todas as regiões brasileiras que se unem a fim de estimular a circulação de bandas e o intercâmbio de tecnologia de produção. Em Aracaju, a Rede Música Sergipe visa mobilizar o cenário de música independente promovendo para a capital sergipana bandas que fazem parte desse circuito.



Macaco Bong

Macaco Bong é um power trio de Cuiabá (MT), nascido em 2004. A banda é um dos programas do Instituto Cultural Espaço Cubo, e baseia-se na desconstrução dos arranjos da música popular em seus formatos convencionais e aliada à linguagem das harmonias tradicionais da música brasileira com jazz/fusion/pop e etc. Já circulou os principais festivais de música do Brasil (além de Argentina e Canadá), e teve seu cd Artista Igual Pedreiro eleito o melhor de 2008 pela revista Rolling Stone Brasil e lançado na Argentina pelo selo Scatter Records.

Em 2009, a primeira edição do ano da Rolling Stone brasileira selecionou o disco da banda como o melhor álbum do ano, à frente de artistas conhecidos como Ney Matogrosso, Lenine, Marcelo D2, Marcelo Camelo, entre outros. A música Amendoim também foi escolhida como a quinta melhor música do ano na mesma revista.

www.myspace.com.br/macacobong



Porcas Borboletas:

O Porcas Borboletas é uma banda com um estilo marcado pela presença de palco performática e irreverente e pelas letras poéticas e bem-humoradas, a banda criou uma sonoridade com assinatura própria. Rock’n’roll sem rótulos, mas com logotipo. Porrada com ternura. Um carinho com os dentes.

O CD Um Carinho com os Dentes é o primeiro lançado pelo Porcas Borboletas, trazendo composições que vêm sendo apresentadas em seus shows ao longo de seus mais de cinco anos de história. Além do marcante traço autoral, o grupo traz uma parceria com o músico e poeta Arnaldo Antunes, uma de suas principais referências. Gravado em São Paulo-SP em 2004, o disco conta com a produção de Alfredo Bello e com participações especiais de Simone Soul, Mauro Motoki (Ludov), Luiz Gayotto, Rubi, Carlos Zhimber e Projeto EmCantar. A gravação do CD foi viabilizada pela Lei de Incentivo à Cultura da Prefeitura Municipal de Uberlândia.

www.myspace.com/porcasborboletas



Burro Morto:

O Burro Morto surgiu mutilado, teve seus retalhos re-costurados e agora percorre os caminhos sonoros atento às cores e nuances. Respira groove, enche os pulmões de psicodelia, entorta os compassos e regurgita melodias inusitadas.

A Burro Morto é formada por: Haley (microkorg, escaleta, orgão), Daniel Ennes Jesi (contrabaixo), Ruy José (bateria) e Léo Marinho (guitarra). Recentemente, o Burro Morto teve o projeto de produção do seu primeiro álbum aprovado pelo Pixinguinha, programa cultural da Funarte e Ministério da Cultura, que será executado em 2009.

www.myspace.com/burromorto



Plástico Lunar:

Plástico Lunar? É, isso mesmo. Banda de rock que impressiona por fabricar uma música rica, que já beijou o blues e abraçou o progressivo, oscila entre a psicodelia e a Black music e vem se destacando em Aracaju por produzir um som sem afetação dos ritmos regionalistas, mas sim, antes de qualquer rótulo, é autenticamente uma banda de Rock’n Roll. A Plástico Lunar é formada por Daniel Torres (Vocais e Guitarra), Plástico Jr. (vocais e baixo), Leo Airplane (teclados e voz), Júlio Dodges (Guitarras e voz) e Marcos Odara (bateria e voz). A banda tem 2 Eps, “Plastic Rock Explosion” (2003), “Próxima Parada” (2005) e lançou em 2009 “Coleção de Viagens Espaciais”, seu álbum oficial pela Baratos Afins, selo consagrado por imortalizar pérolas da psicodelia brasileira.



www.myspace.com/plasticolunar


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Elma Santos
Produtora Cultural
Coletivo Ouça!
msn: elmas_santos@hotmail.com
Tel: 79 9994-0519





sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

# 129 - 04/12/2009



Mechanics – Cicatriz # 11
She Wants Revenge – Love me

Bloco produzido por Hansenharryebm:

Harry – Silent Telephone
The Runnaways – American nights
The Armoury Show – Castles in Spain
The Nomads – I´m not like everybody else
The Times – Heaven sent me an Angel

Drop Loaded:

Parkers – Go Bubblegun
Capim Maluco – Dia-a-dia

Ferraro Trio – Capitão Cook
Vendo 147 – Skate-O-Matic

Especial “The Smiths/Hatfull of Hollow 25 anos”:

The Smiths – Miserable Lie
The Smiths – Willian, it was really nothing
The Smiths – These things take time

The Smiths – ( Ao Vivo ) Is it really so strange
Sloam – ( Ao Vivo ) This charming man
Radiohead – ( Ao Vivo ) The Headmaster ritual
Weeping Willows – ( Ao Vivo ) Last night I dreamt that somebody Love me

Supergrass – Some girls are bigger than others
Muse – please, please, please, let me get what I want
Nada Surf – There´s a light that never goes out
The Psychedelic Furs – How soon is now

Placebo – Bigmouth Strikes again
Pete Yorn – panic

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The Smiths é uma banda inglesa de Manchester bastante popular na década de 1980. Sua música já recebeu diversas classificações ao longo dos anos, como Pós-punk, Rock Alternativo ou até mesmo o abrangente (e genérico) rótulo de Rock Inglês. O grupo existiu formalmente entre 1982 e 1987, alcançando o sucesso no seu país em 1984. O nome é uma curiosidade: Smith é o sobrenome mais popular na Inglaterra (equivale ao Silva, Santos ou Ferreira em português). O objetivo era mostrar que a banda era formada de pessoas comuns. Entre seus principais sucessos destacam-se as canções The Boy With The Thorn In His Side, How Soon Is Now, This Charming Man, Ask, Heaven Knows I'm Miserable Now, Bigmouth Strikes Again, Panic e There Is a Light That Never Goes Out.
Steven Patrick Morrissey, após ter deixado a escola, sentia-se "perdido". Ficando em casa lendo e a escrevendo para passar o tempo. Para além de alguns artigos que publicava num jornal local, formou o fã-clube dos The New York Dolls na Inglaterra. Tentou a sua sorte numa banda que não deu em nada, os Nosebleeds (o guitarrista desta banda viria a tocar no The Cult), até que certo dia de 1982, na sua terra natal, Manchester, Johnny Marr (John Maher), um guitarrista sem grande sucesso noutras bandas mas com grande talento, sugeriu-lhe escrever letras para as músicas que andava a compor. No início, apenas pretendiam fazer músicas para vender a outros artistas, mas pouco tempo depois decidem formar uma banda, com Andy Rourke no baixo e Mike Joyce na bateria.
Morrissey escolhe o nome mais banal possível, The Smiths, em contraste com os nomes complicados e pomposos que as bandas escolhiam na altura (Orchestral Manoeuvres in the Dark, Depeche Mode, Classix Nouveaux, A Flock of Seagulls...). As roupas que usavam no palco, simples e comuns, uma vez mais em contraste com as bandas New Romantic da altura que cultivavam o "choque" visual (esta atitude faz lembrar os The Cure da atitude "no image" no início da sua carreira e o Robert também nunca quis um nome pomposo e complicado). Pessoas comuns a fazerem música, era o que eles pretendiam demonstrar. Os Smiths pretendiam também voltar a dar à guitarra o estatuto de instrumento privilegiado, rompendo com o panorama musical desta altura.
Depois de alguns ensaios e concertos assinam pela Rough Trade, uma pequena gravadora independente, na primavera de 1983. O primeiro single foi Hand In Glove; que tornou-se sensação nas paradas independentes. Mas é com o segundo single, This Charming Man, deste mesmo ano, que a banda consegue obter um verdadeiro "hit", tornando-se o maior sucesso de vendas de sempre da Rough Trade. What Difference Does It Make é outro single que também contribuiu para uma onda crescente de fãs ajudada pelas críticas fantásticas que a imprensa lhes dedicava.
A banda gera alguma controvérsia por duas das suas canções, que eram executadas pela BBC Radio, Reel Around The Fountain e Handsome Devil, serem aparentemente condescendentes em relação à pedofilia, acusações estas que Morrissey refutou categoricamente. Outra música que gerou algumas "más-línguas" foi a Suffer Little Children originalmente denominada Over The Moors, que fala sobre assassinatos perpetrados por dois homicidas patológicos em Manchester. Apesar de ser uma homenagem sentida às vitimas que eram da sua idade quando se deu a tragédia e que o afetou profundamente, pensou-se que seria uma maneira evidente de chamar a atenção, pois foi um dos crimes mais mediáticos de todos os tempos no Reino Unido.
Com todos estes antecedentes e já com uma vasta legião de fãs, os Smiths gravam o seu primeiro LP, lançado em 1984 com o mesmo nome que o grupo, The Smiths. O disco atingiu o número 2 do Top do Reino Unido e foi bastante aclamado pela crítica. Este álbum é particularmente importante porque vinha contrapor a tendência do synth pop. Além dos singles anteriormente editados, conta com as excelentes Still Ill e Pretty Girls Make Graves. Ainda em 1984 lançam dois singles que não tinham sido incluídos no álbum de estreia, Heaven Knows I'm Miserable Now, o primeiro da banda a atingir o top 10 britânico, e William, It Was Really Nothing que julga-se ser escrita acerca do seu amigo, Billy Mackenzie, vocalista dos The Associates. O compacto tinha como lado B uma das músicas mais elogiadas dos Smiths, How Soon Is Now.
No mesmo ano de 1984 é editada a coletânea Hatfull of Hollow , que contém algumas canções do primeiro álbum de estúdio do grupo, como "This Charming Man", "Hand in Glove", "What Difference Does It Make" e outras. Mas a compilação não deixa de ter canções inéditas. Destaque para "Heaven Knows I´m Miserable Now", "William, It Was Really Nothing" e "Girl Afraid". O disco também conta com How Soon Is Now?, grande sucesso regravado nos anos 2000 pela dupla feminina russa T.A.T.U; mas que fez mais sucesso um ano mais tarde, no álbum Meat Is Murder.
Meat Is Murder é o segundo álbum da banda e entra directamente para nº 1 em 1985. É um disco politizado e que marca o início de uma série de entrevistas polêmicas de Morrissey, nas quais curiosamente critica as mesmas pessoas que Robert Smith: Margaret Thatcher e a sua administração, a família real, o Live Aid e pessoas como Madonna e George Michael. Este álbum foi precedido da edição do anterior lado B How Soon Is Now como single, o que ajudou em grande parte ao Meat Is Murder a conseguir o primeiro lugar nas paradas. Mais três singles foram editados, Shakespeare's Sister, That Joke Isn't Funny Anymore e The Boy With The Thorn In His Side.
Em julho de 1986 os Smiths lançam o disco que muitos consideram ser sua obra-prima: The Queen Is Dead. Para a Spin foi o melhor álbum de todos os tempos e para Melody Maker, NME entre outras publicações, este álbum entrou no top 10. Destaque para os singles Bigmouth Strikes Again, The Boy With The Thorn in His Side e There Is A Light That Never Goes Out, além de I Know It's Over, uma das mais melancólicas letras de Morrissey. É nesta altura, entretanto, que começam a surgir os problemas. Divergências com a Rough Trade que fizeram com que o lançamento do álbum tivesse sido adiado; Johnny Marr estava exausto e andava a beber demais e certas pessoas começavam a fazer-lhe crer que não precisava de Morrissey; Rourke foi demitido da banda por problemas com heroína, mas acabou por regressar, apesar de ter sido momentaneamente substituído por Craig Gannon. Após o regresso de Rourke, Gannon fez segunda guitarra até ao fim da tour.
Em meio ao ambiente tumultado que tomava conta da banda, são lançados dois compactos, Panic e Ask, canções mais animadas do que costumava fazer. Ambos são bem-sucedidos nas vendas, atingindo 11º e 14º lugares, respectivamente.
1987 é o ano da fatalidade, do confronto final de egos entre Johnny Marr e Morrissey, dois personagens brilhantes mas com visões diferentes quanto ao rumo a seguir. E assim chega ao fim uma das colaborações mais frutuosas da história da música, com o desmantelamento da banda. Mas antes ainda editam o single "Sheila Take A Bow" (o qual foi #10 nas paradas) e disco Strangeways, Here We Come, que inclui belas canções como Last Night I've Dreamt That Somebody Loved Me, I Started Something I Couldn't Finish, Death Of A Disco Dancer, Girlfriend In A Coma, entre outras. O álbum alcança o número 2 do top do Reino Unido.

Fonte : Wikipedia

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SMITHS – Ficha

Revista Bizz.

BIOGRAFIA: Stephen Patrick Morrissey (Manchester/GB, 22/05/59, vocais) é procurado em 82 por Johnny Marr (31/10/63, guitarra), que mostra uma fita cassete com suas músicas e o convida para formar um grupo. Já com Andy Rourke ( ? , baixo) e Mike Joyce (01/06/63, bateria) na formação, os Smiths lançam em 83 seu primeiro compacto, "Hand In Glove" - O álbum de estréia é saudado com entusiasmo pela imprensa britânica, para quem a banda havia encontrado a fórmula do pop perfeito, no casamento dos dedilhados de guitarras vibrantes de Marr com o lirismo angustiado das letras de Morrissey - Segue-se uma coletânea de compactos e sessões de rádio - Hatful Of Hollow - e o LP Meat Is Murder, que entra direto no topo da parada em 86 - No ano seguinte, The Queen Is Dead colocará o grupo no centro de uma grande polêmica, graças ao seu ataque explícito à monarquia - Em agosto de 87, às vésperas do lançamento de Strangeways..., Johnny Marr anuncia que está deixando a banda. Enquanto o guitarrista parte para uma série de participações em discos de outros popstars, Morrissey prepara seu primeiro disco solo.

FRASES: "A indústria está morrendo, a música está morrendo. Senti que ainda havia um último filão intocado, e nós o exploramos." (Morrisey) "A única coisa que poderia salvar a política britânica seria o assassinato de Margaret Thatcher." (Morrissey)

LPs: The Smiths (84), Hatful Of Hollow (coletânea, 84), Meat Is Murder (85), The Queen Is Dead (86), The World Won´t Listen (coletânea, 87), Louder Than Bombs (coletânea, 87), Strangeways, Here We Come (87), Rank (ao vivo, 88), Morrissey: Viva Hate (88), Johnny Marr: (com Bryan Ferry) Bête Noire (87); (com Talking Heads) Naked (88); (com The The) Mind Bomb (89), Andy Rourke e Mike Joyce: (com Sinéad O´Connor) The Lion And The Cobra (87)

FILMES: The Queen Is Dead (86), de Derek Jarman, John Marbyry, Richard Heslop, Chris Hughes e Sally Yeadon (Nota: trata-se de um curta-metragem filmado em super-8, utilizado também como vídeo promocional.

VÍDEOS: Morrissey: Hulmerist (90), de Tim Broad

LIVROS: The Smiths, de Mick Middles, The Smiths In Quotes, organizado por Mike West, Morrissey In His Own Words, organizado por John Robertson

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Revista Bizz, Ed. 015 – outubro de 1986

MORRISSEY

The Queen is Dead ("A Rainha Está Morta"), terceiro LP dos Smiths, foi recebido com uma generosidade de elogios cada vez mais rara na ranheta - porém criteriosa - crítica inglesa. Mas não é de hoje que o grupo é considerado o mais vital e consistente do universo pop. Antes de eles iniciarem sua excursão pela Europa e EUA - que tomou os meses de agosto e setembro - Morríssey recebeu Ian Pye, do New Musical Express, em seu luxuoso apartamento duplex, na parte mais aristocrática do bairro londrino de Chelsea. Dizem que o apê já foi inclusive habitado por Oscar Wilde, o que deve ter pesado na decisão da compra. Mas o que importa é que deste encontro saiu a entrevista mais reveladora do bardo de Manchester, traduzida com exclusividade para a BIZZ. Vamos lá!

A porta estava entreaberta. "Por que não?", pensei e fui entrando. O apartamento parecia se estender por mais de um andar e, sem encontrar ninguém no primeiro, subi as escadas até o segundo.
À distância, eu podia ouvir o refrão alucinado e circular de uma canção que tomou-se recentemente uma favorita pessoal. "Some girls are bigger than others, some girls´s mothers are bigger than other girls´s mothers´´. As palavras hipnoticamente repetidas ad infinitum.
Descobrindo o caminho, por um longo corredor discretamente decorado com carpete cor de aveia e pinturas a óleo em molduras douradas, comecei a perceber um outro som, igualmente consistente, porém menos refinado. O som de saltos ritmados talvez.
O lugar de onde vinha tudo aquilo era óbvio mas, uma vez na entrada, eu hesitei, tentando amenizar o impacto da minha intromissão. Na verdade, era tarde demais para pensar duas vezes: agora eu podia ver sombras tremulando na parede e o confronto parecia inevitável.
Essa imagem, refletida num imenso e ornamentado espelho divisado por ricas cortinas de veludo, era hipnotizante. Um louco redemoinho de material florido, rodopiando como um guarda-chuva aberto pelo vento. A figura girava dementemente sobre si mesma e, a cada pirueta, batia o pé no chão no ritmo da música. Ainda que os braços estivessem ambos levantados e arqueados, alguma coisa entre uma bailarina e uma saltitante escocesa, qualquer um poderia distinguir claramente o fio cor-de-pele de seu aparelho para surdez.
Eu nunca tinha visto Morrissey se divertindo tanto. Eu nunca o vi tão sorridente e satisfeito como agora. Eu dei uma daquelas estúpidas tossidas que servem para anunciar a presença... e a surpresa. Você está adiantado!", ele disse, parando meio sem graça. Eu tentei acalmá-lo com um comentário a respeito das suas pernas branco-peroladas e ambos olhamos para baixo reparando que ele vestia um saiote de bailarina. ´Finalmente se divertindo", arrisquei. Morrissey se divertindo?", pensei com meus botões.
"Se alguém souber disso, eu te mato!", rugiu ele, fugindo dos seus padrões normais. "Ok, ok", respondi, "no que depender de mim, você não vai ser pego embalado num saiote de bailarina!" "Não é por aí", ele me garante. "O que importa... o que importa é que eu jamais faria alguma coisa tão vulgar como me divertir."
Resolvi voltar numa outra hora. Morrissey vive elegantemente num dos quarteirões mais do bairro de Chelsea. Nada parece mais o lar de um gentleman inglês do que este. Temos que admitir que o enorme e preto gravador ghetto-blaster e o espelho de camarim, cercado de lâmpadas, tipo Nasce Uma Estrela, quebram um pouco o clima, mas o tom é decididamente clássico. Sherlock Holmes poderia ter morado aqui e talvez, fumando um pouco de ópio, em seu robe de seda, resolvido alguns casos. "Eu nunca poderia realmente viver num lugar, a menos que ele me agradasse em cada aspecto particular - esse aqui quase consegue", ele diz enquanto serve o chá cm xícaras de porcelana chinesa. "Se eu não pudesse ter uma mobília realmente boa, acho que dormiria numa caixa de sapatos." E, antecipando a resposta, acrescenta: ´ Na verdade, eu sempre fui assim".
Essa mansão alugada é o seu segundo lar. Ele ainda possui uma casa em Manchester da qual sua mãe toma conta, mas sua considerável coleção de livros, espalhada por ambos os lados da lareira de mármore, mostra que pelo menos metade da sua alma veio para Londres. Não encontro nada nas estantes que me deixe realmente surpreso. Wilde. Dean, Beaton, Kael, Delaney... um bandeiroso altar aos seus venerados ícones.
Obcecado como é pela cultura inglesa, perguntei se ele já tinha lido algum dos escritores ingleses contemporâneos. Ian McEwan, Graham Swift. Martin Amis. talvez? Ele me olha como se eu estivesse clinicamente insano. - ´Nem mesmo num dia de chuva, Quando se vê um nome como Leslie Thomas, a gente logo pensa que ninguém com um nome desses poderia jamais escrever alguma coisa de interessante." Quando chamo sua atenção para o fato dele ter sido responsável pela popularização do grupo com o nome mais impessoal da história da música pop. ele diz. com um cansaço meio afetado: - ´E, eu sei.. tem sido um grande esforço. Você tem, à sua frente, os restos mortais de um homem . E cai na risada,
Por outro lado, ele parece a imagem da saúde comparado aos dias em que apenas o seu topete parecia bem alimentado. Talvez, então, seja necessário acrescentar alguma coisa às suas velhas e familiares obsessões. E extraordinário que ele ainda esteja lendo os últimos livros sobre o caso Moors* ou sobre James Dean. Tudo isso é meticulosamente deliberado. "Sou muito seletivo´´, observa com um sorriso maroto. "Posso até chegar a Jane Austen, nem tanto Dickens. mas não suportaria alguma coisa ultrajantemente moderna."
Meu pedido para xeretar a sua coleção de discos foi negado. "Está guardada em Manchester. E o tipo da coisa que eu só faço em particular. Ouvir um disco é como aquelas pequenas coisas que se faz no banheiro. Quer dizer, eu poderia desprezar uma pessoa se encontrasse cem ela certos discos em particular, não importa quão gentil ela tenha sido comigo antes. Um LP escroto e eu já estaria chutando a pessoa nas canelas!" Aí tomei nota, mentalmente, para não esquecer de enterrar aquele primeiro disco de Madonna, caso ele resolva retribuir a visita. O resto da conversa apenas confirma que aquela imagem inicial de granito, atribuída a Morrissey no lançamento do compacto de estréia dos Smiths ("Hand in Glove". em maio de 83), tem sido cuidadosamente lapidada. Ocorre apenas que a estátua está quase condoída. Seus deuses estão guardados numa redoma de vidro: as preces também incluem George Formby. filmes ingleses dos anos 60 (especialmente A Taste of Honev), um sortimento de tragédias como o caso Marilyn uma cabeça completamente fechada para a maioria das músicas contemporâneas... "Esses discos tipo hip-hop OU seja lá como eles se chamam..." Vendo a capa do novo LP dos Smiths. Thc Queen is Dead, que beira a paródia mas também é um fotograma arquetípico de um sereno Alain Delon, é fácil perguntar como os Smiths poderiam um dia fazer algo realmente novo.
Mesmo assim, os compactos continuam saindo e, com a possível exceção de "Shakespeare´s Sistem" todos são preciosos. Os observadores atentos, porém. perceberam os tropeços. O longe e amargo drama de uma briga na Justiça com o selo Rough Trade atrasou o lançamento do LP por oito meses - bem rock biz, não é?
Lamentações que se refletiram no mercado pelas baixas colocações nas paradas e, pior ainda, no debilitante calvário dos grupos pop através do conhecido, universo chamado eufemisticamente de "problemas pessoais". Isto posto, para seus dedicados seguidores, os Smiths continuam sendo o único grupo com o qual vale a pena se preocupar e, pela primera vez, esses fãs não se enganaram. A primeira audição, The Queen e Dead pode parecer um outro exercício de consumada "Smithice". Afinal, nada mudou na superfície. Os mesmos arranjos, guitarra e bateria sem metais ou teclados, nenhuma guinada radical. Se o ouvimos mais atentamente, porém, descobrimos um disco tocado por uma visão lírica e musical que reduz a zero muitos dos seus contemporâneos.
Esses prazeres são mais elevados ainda pela sua raridade. O súbito aparecimento dos Smiths em 83 foi recebido como um grande alento. Três LPs e incontáveis compactos depois, ninguém os alcançou. O cenário independente já não é tão somente um gueto, mas um grande subúrbio do qual não se pode escapar. E os poderosos preservam seus domínios com um fervoroso senso do que é certo e o que é errado para o consumo da massa.
Enquanto exaltava grupos como o Easterhouse ou, antes dele, o Woodentops (que ele agora insiste em chamar de Sudden Flops - num trocadilho que quer dizer "Os Repentinos Fracassos", comentário que reflete não só o fim de suas esperanças como a campanha movida contra ele pelo grupo, que culminou com uma ameaça de bomba - veja só que mocinhos sérios eles são!), Morrissey adotou agora uma postura de extremo pessimismo, colocando o seu grupo como o ponto final na Babilônia do Rock.
"Mas que mais pode acontecer?" ele afirma realisticamente. "Existe ainda alguma coisa para acontecer? Não, porque a indústria está morrendo, a música está morrendo. É a mesma coisa se você olhar para a indústria cinematográfica, não há nada para acontecer. Todas as histórias da vida humana já foram contadas.
"Eu senti que ainda havia um último filão intocado e nós o exploramos. Agora que a fonte foi canalizada, ficou um deserto cultural.
"Mesmo que você deteste os Smiths, você tem que admitir que eles têm o seu espaço próprio, mas não é mais possível conquistar o seu próprio espaço. O fato dos Smiths terem conseguido isso já é por si só digno de espanto.
"Ou seja, eu estava doente e disse que estava doente. Ninguém nunca disse antes que estava doente. Dentro dessa síndrome do sexy e do bonito, eu popularizei os óculos fornecidos pela Previdência Social! Eu não cheguei a tornar popular o aparelho de surdez, graças a Deus, isso não pegou, mas foi uma das minhas colocações. Não uma prótese, porque isso soa como sapatos de marshmallow ou terno de bolinhas. Até hoje faço questão de afirmar que toda aquela coisa das flores** era muito criativa, nunca medíocre ou estúpida pode-se dizer sim, Morrisey aquele velho excêntrico consiga chegar onde cheguei. Todo mundo segue as mesmas regras e faz exatamente o que lhes dizem. Todos os grupos modernos fazem exatamente o que se espera deles - fluentemente, mas quem se importa?´ -
Vamos falar do novo LP?
"Mas por quê? Pelo amor de Deus!"
O novo disco dos Smiths começa com a faixa título e alguns versos de Cicely Courtneidge , uma lenta mas rebelde versão de ´´Take me Back to Dear Old Blighty" de The L Shaped Room. A música, assim como o filme, fala de um certo modo de ser inglês - na verdade, para Morrissey, um modo de ser inglês inestimável que se perdeu para sempre. Na cena original, Courtneidge representa uma esquecida performer dos tempos de guerra, vivendo seus últimos dias num decrépito apartamento em Fulham. Ela revive aquelas cançonetas meio esquecidas numa noite de Natal, cercada pelos novos cosmopolitas londrinos. E uma cena pesada e emotiva que evoca uma Inglaterra talvez mais gentil e certamente mais simples no seu charme. Um país que enaltecia conversas de humor inteligente, cartas bem escritas, lojas de esquina e melodramas teatrais.
No entanto, The Queen is Dead não é apenas uma lamentação ininterrupta. A rainha é usada como metáfora dupla para um mundo que se foi e para a herança sem sentido da monarquia em 1986. Trata-se também de um dos rocks mais excitantes que os Smiths já fizeram, com a música de Johnny Marr sugando o ouvinte para dentro de uma estonteante farsa negra.
"Eu não pretendia atacar a monarquia de uma maneira grosseira, como um bêbado", ele explica em seu cada vez mais sedutor sotaque de Manchester. ´Mas, à medida que o tempo foi passando, aquela alegria que a gente tinha foi lentamente se escoando e sendo substituída por alguma coisa completamente cinza e deprimente. A idéia da monarquia e da rainha da Inglaterra vem sendo reforçada de forma a aparecer mais útil do que realmente é."
Sugiro que o mais difícil de engolir, nessa história da monarquia hoje em dia, é a maneira como cada vez mais se utilizam dela como um tipo de camuflagem política. Há cinco milhões de desempregados? Então, tomem outro casamento real para vocês!
"E verdade. Isso é lamentável. Se você considerar quão mínima é a contribuição deles quando se trata de ajudar as pessoas... Eles nunca, sob qualquer circunstância, fazem alguma consideração sobre o mundo ou sobre a vida das outras pessoas. A coisa toda parece uma piada, uma piada de péssimo gosto. Não acreditamos em duendes, então por que deveríamos acreditar na rainha?
"E, quando olhamos para os indivíduos que fazem parte da família real, eles são tão magnífica, incomensurável e imperdoavelmente chatos.! Quero dizer, a Diana mesmo nunca na sua vida balbuciou nada que tenha sido de alguma utilidade para qualquer membro da raça humana. Se temos mesmo que conviver com essa gente horrorosa, por que eles não podem, pelo menos, fazer alguma coisa um pouco diferente?"
Mas se a família real realmente consegue alguma coisa é trazer turistas americanos para o país, o que como vocês podem imaginar - não é exatamente um motivo de júbilo para Morrissey. Na verdade, a coisa é mais profunda. Seu descontentamento com a nova Inglaterra é inflamado pela crescente americanização do país. Os mísseis, as lanchonetes, uma geração unidimensional desesperada atrás do sucesso produzido e padronizado. Arrastado contra sua própria vontade para o século vinte, Morrissey parece, em muitos aspectos, mais próximo à geração anterior à sua. De fato, ele não se importa em dizer isso. Para ele, o futuro é um pesadelo absurdo.
"Essas pessoas podem não ter o sentido do social", diz a respeito dos adeptos da sobrevivência nos anos 80, "mas, o que é mais importante do que isso, não têm o menor senso de gosto. E tanto mau gosto em todas as áreas e é isso o que mais me preocupa" Tudo isso começa a fazer Morrissey parecer um velho sentimental e nostálgico. Isso ele nega até à morte e, embora seja fácil simpatizar com a sua má vontade em relação à cultura yuppie e ao desaparecimento da gentileza britânica, na verdade ele parece gastar tempo demais olhando para o passado.
Eu mesmo sempre achei que ele estava um tanto crescidinho para cantar músicas sobre seus tempos de escola, como "The Headmaster Ritual", e "Meat is Murder" tem também sua queda pela poesia do colegial. Agora. em The Queen is Dead, com 27 anos recém-completos, ele aparece com música sobre sair ola casa dos pais! ´´Sim, sim, mas..." Ele diz com seu ronronado mais cativante e que, grosseiramente traduzido, ficaria algo como "tenha sua opinião, mas, pelo amor de Oscar Wilde, pense bem e veja se enxerga algum sentido nisto".
"Você não acha que, mesmo hoje em dia, certas recordações dos dias de escola ainda se agarram à gente e então, de repente, você se lembra de um dia em 1963 quando alguém fez alguma coisa completamente insignificante a você?"
Para ser honesto, isso não acontece comigo. Existe sempre uma recordação mais recente pronta para atacar.
Será que ele não percebeu que a maioria das pessoas da sua idade já assou pelas fases de fumar escondido, ter um romance e um casamento e já estão no estágio do divórcio e do segundo casamento? "E eu ainda estou esperando ser selecionado para a equipe de natação!"
"Mas eu sinto, de uma maneira absoluta, que tenho vivido como um sonâmbulo durante 26 anos. Nos momentos negros em que eu caía em mim, estava lendo o jornal. Veja bem, eu nunca passei por essas buscas triviais. O que eu fazia mesmo era ler todas essas revistas de música. Quer dizer, eu me lembro quando o New Music Express custava doze pence, eu me lembro quando o Disc custava seis pence. Eu me lembro quando você podia comprar todas as quatro publicações semanais de música por menos de 50 pence!"
Uma das lições que Morrissey aprendeu foi a do peso do sucesso. O veículo de suas reclamações é"Frankly Mr. Shankly", uma brilhante peça de music hall moderno que cuidadosamente contrapõe, a uma pergunta: você não estaria apenas se lamuriando a respeito da fama como eles sempre fazem?
"Sim! Como eles sempre fazem!" ele responde com um gesto extravagante. "Sim, eu estou me lamuriando", ele repete, acariciando a sobrancelha com as mãos mais melodramáticas da história do palco. "Eu já estava pegando na borracha, pensei, bem, não, quero mesmo é reclamar, eu quero mesmo é me lamentar. Reclamar é tão pouco viril, acho que é por isso que eu faço isso tão bem!"
Rindo cada vez mais: "Sim... ´Fame fame, fatal fame/ it can play hideous tricks on the brain´/ (´Fama, fama, fatal fama/ ela é capaz de pregar peças odiosas no cérebro´). E realmente estranho e tenho a impressão de já ter dito isso antes -meu Deus, de repente, quando alguém luta tão penosamente por alguma coisa e de repente ela parece transbordar dentro de si, então o prazer se mistura à dor. Não me entenda mal, eu ainda quero, eu ainda preciso da fama, mas...
"Mesmo que você receba 500 cartas de pessoas que dizem que o disco fez com que elas se sentissem completamente vivas - de repente, fazer alguma coisa espantosamente simples como acender uma vela pode ser mais intrigante, em um sentido perverso, do que escrever outra canção. Mas o que seria qualquer coisa se não houvesse dor?"
No passado, muita coisa foi tirada do estoque de heróis de Morrissey. Os espectros de Oscar Wilde e James Dean não apenas flutuam por trás dele, mas na verdade se incorporam ao seu inflamado e freqüentemente depreciativo humor, e o seu descuidadosamente despenteado topete é realçado pelo eterno jeans desbotado. A sua assimilação desses personagens pregou suas peças com o tempo e a imagem mas, mesmo assim, muitas dessas coisas - principalmente as relativas a James Dean parecem ser apenas uma cortina de fumaça.
As letras do novo LP, restritas corno são aos temas de estar em casa e sair de casa, não deixam nenhuma dúvida a respeito da identidade do verdadeiro herói ou heroína de Morrissey: sua mãe. Mas não é fácil falar sobre isso - não que ele não concorde com a minha sugestão - é que esse é um dos assuntos que ele prefere evitar na imprensa.
"Mentalmente, eu não acredito que tenha chegado a sair de casa", admite. "A gente sempre pensa que, medida que a vida vai seguindo, vamos abrir novas portas. Mas o que me chocou é que, na verdade, isso não acontece... Mas quem aceitaria descrever sua própria vida como um sonho ruim, Ian? Milhões de pessoas aceitariam. Só porque isso nunca foi colocado, não o torna implausível em dramático."
Para cada canção que explora a dor especial da solidão em The Queen is Dead - "If you are so dever why are your on you own tonight?" ("Se você é tão sabido, por que está sozinho esta noite?"), murmura ele magnificamente na cortante "I Know It´s Over" - existe um equivalente cômico para contrabalançar. É um alívio saber que mesmo o príncipe do sofrimento gosta de uma boa risada de vez em quando.
Trata-se, propositalmente, de um disco de extremos. Salta com despreendimento do trágico para o cômico. A faixa-título combina os dois ao mesmo tempo. Tendo invadido o palácio, ele confronta a rainha com uma rima mais ultrajante do que o crime que o inspirou: "And so I broke into the palace with a sponge and a rusty spanner! She said: Eh I know you and you cannot sing´! 1 said: ´that´s nothing you should hear me plaving piano´". ("Então, eu penetrei no palácio com uma esponja e um rodo enferrujado! Ela me disse: "Eh, eu te conheço e você não sabe cantar" / Eu disse: "Isso não é nada, você precisa me ouvir tocando piano").
Ele também ousa sugerir que o príncipe Charles deveria alegrar nossa existência com uma pitada de travestismo, e que. afinal, o clero vem fazendo isso há tanto tempo - provando, aliás, que a zombaria não é monopólio de jornalistas e feirantes.
Se você ainda tem dúvidas a respeito de sensibilidade humorística de Morrissey, deixe-me contar que seu programa favorito na IV é, atualmente. Cagney and Lacev. "Você não assiste? Então você está por fora.
Ele sempre reclamou que as pessoas são inaptas para enxergar o humor, e talvez isso explique a sua porção generosa no disco. Muito disso pode parecer negro de tão perturbador. os gestos de um homem condenado a caminho do cadafalso, mas, acima de tudo, o negócio funciona. "Cemetery Gates" - por exemplo, resolve ainda mais o júbilo e morbidez.
"É como aquele papo de ´famosas últimas palavras´. As últimas palavras de muita gente foram exuberantemente memoravems. Howard Devoto estava me contando uma vez - nós estávamos num cemitério, tínhamos decidido dar uma volta pelos cemitérios de Londres, festivos, incorrigíveis que somos, os dois, você sabe, vestir as botinas, pegar umas cervejas e marchar até o cemitério de Brompton - a história de um velho oficial da Marinha morrendo, afogado em sangue. tendo um ataque do coração muito artístico), enquanto seu braço direito dizia: ´Não seja idiota, Charles, levante, força aí, nós vamos para Bognor esse fim de semana. Ele vira para o cara e diz ´dane-se Bognor!´ e ´Dane-se Bognor´, foi gravado na sua lápide como suas últimas palavras. E um ótimo nome para um LP, ´Dane-se Bognor!"
No entanto, - "Cemetery Gates" não faz apenas piadas sobre túmulos. Ela se preocupa com o controverso assunto de plágio. Ele diz que sempre ficou feliz em admitir que havia pego emprestado um verso ou dois, a maioria de filmes. A Taste of Honev, Rebel Without a Cause (Juventude Transviada) e Sleuth (Jogo Mortal) são alguns que já inspiraram Morrissey.
Ele ridiculariza aqueles espíritos "retentivos anais" que pensam que fizeram uma grande descoberta e denunciam toda a obra de alguém como sendo deteriorado pela pilhagem. "E óbvio que a maioria das pessoas que escrevem pegam emprestado de outras fontes", ele contemporiza. "Todo mundo pega do varal alheio."
"O verso "I dream about you last of Honey e até hoje eu sou persistentemente acusado pelo uso desta frase."
"Eu nunca escondi o fato de 50% da razão de eu escrever dever-se a Shelagh Delaney. que escreveu A Toste of Honev. E ´This Night Has Opened my Eyes´ é uma canção tipo Taste of Honev, é a peça colocada em forma de letra de musica. Mas é porque eu levo tão a sério o ato de escrever que as pessoas dão tamanha importância ao fato de me passar uma rasteira.´´
Eu tenho certeza de que muita gente vai achar esse filão mórbido e depressivo, que percorre The Queen is Dead. duro de suportar. Desta vez, quem sabe o humor agudo de Morrissey possa aliviar a cara mas a maioria do material é gloriosamente negativista. Além do mais, não parece combinar com o moço relativamente animado que tenho à minha frente.
E quando digo que ele parece melhor e que ri mais do) que costumava. ele sacode a cabeça como se eu estivesse tentando atacar toda a base de sua carreira. "Você precisa de óculos´´. contesta.´ - Precisa olhar de novo."
"Não sou feliz, não mesmo ele murmura. "Eu conheço um monte de gente que nessa hora vai jogar a revista no chão e dizer: ´Bem. Morrissey, esta é a sua plataforma, este é o distintivo que você usa com orgulho como se você pedalasse alegremente à beira do abismo e. de repente, soltasse as mãos do guidão.
"Mas quase todos os aspectos da vida humana me defende seriamente... Eu realmente sinto que todos esses rótulos, o ´depressivo´, a ´monotonia´, todos os rótulos que evitei ou neguei estão provavelmente corretos. Se você me compara com o protótipo de estrela de rock e julga em comparação com essa atitude ultimamente débil. que é tão útil quando) se quer entrar na indústria musical. então, sim, eu sou depressivo. Se eu não estivesse fazendo isso, honestamente não acredito que gostaria de continuar vivendo. As pessoas evitam fazer esse tipo de colocação, porque sempre que alguém a faz não parece ter nenhuma utilidade."
Que alguém dessa natureza exista dentro da indústria pop britânica é, no mínimo, intrigante, mas, pensando bem, ele exagera um pouco. Para começar tomemos os próprios Smiths. Eles são capazes de lançar compactos com a rapidez de uma metralhadora, comparados aos seus esgotados rivais: e quanto à música, são pouquíssimos os que conseguem compor de uma maneira tão bela quanto eles, Tudo isso parece se contrapor ao opressivo peso da angústia.
O verdadeiro problema de Morrissey. ao que aparece, é um caso crônico de adolescência permanente. Da mesma maneira que ele se recusa a deixar o século dezenove, ele se recusa a sair de casa. "Eu sei", afirma com um tipo de rejubilante resignação. é uma desgraça nacional! Nós sabemos que há uma vergonha lidada a isso. Se você, aos dezenove anos, ainda estiver morando com seus pais. você é considerado um tipo de monstro de quatro olhos, com perna de pau e sexualmente reprimido - o que em última instância é absolutamente verdadeiro!"
A crise de riso histérica que segue é um colírio para olhos doloridos.
No passado, ele não teve piedade em criticar o Joy Division pelo seu suposto chic suicida". E quem irá negar que o grupo ganhou uma outra dimensão depois da morte de lar Curtis? Toda imagem tem um preço e os Smiths justificam a sua através da integridade artística. Mas é fato que algumas dessas canções não estão muito longe dos manuais esteticistas de saída pela morte.
A descoberta de que seis pessoas que eram tremendamente dedicadas aos Smiths" tiraram suas próprias vidas nos últimos dois anos sugere que isso não é um simples melodrama.
"Seus pais e amigos escreveram para mim depois que eles morreram", explica. "Isso é uma coisa sobre a qual não deveria ser tão difícil comentar, porque, se as pessoas estão basicamente infelizes e querendo morrer, então elas vão morrer.
"Embora seja difícil para muita gente aceitar isso, eu realmente respeito o suicídio porque ele é uma forma de controle sobre a própria vida. E o ato mais forte que uma pessoa pode realizar e as pessoas não são verdadeiramente fortes. Você pode dizer que é negativo deixar o mundo, mas, se a vida das pessoas for, antes de tudo, fértil, elas nunca vão pensar em se suicidar. A maioria, como sabemos, leva uma vida vazia e sem esperança."
"Eu não posso me sentir responsável.., não totalmente. Creio que, em muitos desses casos, no último período triste da vida dessas pessoas, pelo menos ter os Smiths foi de alguma utilidade para elas."
E ele, já pensou em se suicidar´? 183 vezes pelo menos. Eu acho que você atinge um ponto em que não dá mais para pensar nos seus pais e nas pessoas que você vai deixar para trás. Você vai além desse estágio e só consegue pensar em si mesmo."
"É o tipo de situação com a qual as pessoas podem facilmente brincar e achar romântico. Todos os grandes pop stars que não tinham importância para ninguém enquanto existiam deram com suas mortes uma coloração fascinante às suas vidas, Se, por acaso, a maioria dessas pessoas estivesse viva, ninguém iria se importar muito."
"Eu acho que o suicídio intriga todo mundo. E, ainda assim, é uma daquelas coisas sobre as quais ninguém nunca fala a respeito de maneira interessante. Você sempre acaba no velho ´Ah, é tão negativo, é uma atitude tão equivocada!´
Eu pergunto se essa fascinação pela morte não seria uma maneira conveniente de dar um sentido para nossas vidas quando deveríamos estar olhando para outras coisas. "Acredito que não. Tantas pessoas que eu admiro tiraram suas próprias vidas.. Stevie Smith*** , Sylvia Plath ~ , James Dean, Marilyn Monroe, Rachael Roberts***** ... São tantas.
Já das canções do novo disco, a deliciosa - ´Some Girls are Bigger Than Others" deve ser a mais evocativa poesia sobre o nada jamais escrita. Por alguma razão, todos os tipos de permutação passam pela nossa cabeça quando ela está tocando, uma hilariante gozação às fotos de mulheres nuas que torna impossível evitar a lembrança de que Morrissey não faz músicas sobre mulheres - a menos que se trate de sua mãe.
"Bem, existem músicas sobre mulheres", diz, antes de cair na risada de novo. "E só procurar e cavar fundo. Eu gostaria mesmo de escrever sobre mulheres. A idéia da feminilidade é uma coisa que para mim permanece inexplorada. Eu estou percebendo coisas sobre as mulheres que nunca percebi antes e ´Some Girls´ se refere ao absurdo de reconhecer os contornos do próprio corpo. O fato de eu ter passado vinte e seis anos da minha vida sem nunca ter percebido que os contornos de cada corpo são diferentes é um ultraje escandoloso!"
Existem ainda sinais de que ele possa um dia vir a crescer, embora eu não esteja querendo dizer que isso é uma coisa que deva ser encorajada. O mais longo período de celibato fora de um monastério budista foi quebrado. "Eu me enganei redondamente", ele admite. "Fui apanhado quando baixei a guarda, mas eu volto, lógico, mais triunfante do que nunca, para a mais implausível, inacreditável, absurda e necessária situação que pode acontecer a qualquer pessoa inteligente."
Já se apaixonou?
"Sim, não. sim, i1ãO, sim... e isso é o mais claro que eu posso ser!" Numa arena habitada pelos mais ridículos "monstros machos", os Smiths apresentam uma imagem que é absolutamente não fálica. A sexualidade que o grupo, na verdade, possui, é de um tipo muito mais natural do que aquela apresentada pelos marionetes da MIV fixados no baixo ventre. Nem todo mundo aceita isso. Quando o Smash Hits (revista pop popularesca da Inglaterra) insinuou que havia um certo interesse de Morrissey por Peter Burns (cantor do Dead Or Alive), eles aparentemente escreveram o que lhes veio à cabeça.
A entrevista entre Peter e eu foi completamente honesta e civilizada", lembra, ´´e eles nos transformaram em palhaços. Eu supostamente o teria chamado de Joan Coluns (atriz da série Dinastia)... Tudo foi completamente deturpado com simbolismos camp, quando não se tratava disso. Eu fiquei muito aborrecido.., muito aborrecido.., eles fizeram a gente parecer um casal de bonecas meladas." O que ele pensa dos símbolos sexuais à disposição no momento? Madonna, Prince, Boy George?
"Madonna representa obviamente tudo que há de mais absurdo e ofensivo. Feminilidade desesperada. Madonna está mais perto da prostituição organizada do que qualquer outra coisa. Quer dizer, a indústria musical é logicamente idêntica à prostituição. Mas existem prostitutas e prostitutas."
"Para mim, Prince não significa nada. O fato dele fazer sucesso na América é interessante apenas por que ele é levemente afeminado e isso não tinha acontecido antes, por lá. Boy George, também, eu acho que não tem nada a dizer."
Na sua posição única de marginais bem-sucedidos, os Smiths escapam do tipo de cobertura de imprensa que a maioria dos pop stars adora ou agüenta. Mas não faltam tentativas de revolver a vida deles para achar alguma "sujeira" -
A mais recente é uma biografia do grupo escrita por Mick Middles. Ela mistura anedotas com um tipo de mentalidade de detetive infantil, que apenas o mais ardoroso fã poderia saborear. Para Morrissey, foi uma leitura fascinante.
"Eu não espero encontrar esse livro em outro lugar que não seja a seção de ficção! Ele é tão permeado de imprecisões. (100, para mim, foi muito excitante. Eu aprendi muito. Se eu tiver alguma dúvida a respeito do futuro, tudo que eu tenho a fazer é dar uma olhadinha no livro para saber qual é o próximo passo. Nesse sentido, Mick Muddled trocadilho com Middles. quer dizer "embaralhado" foi de uma ajuda religiosa em mais de um sentido. Eu não tinha a menor idéia, por exemplo, de que em certa época iria empresariar o Theatre of Hate. Eu nem mesmo) sei quem são eles! Ou seja, para mim foi uma iluminadora compilação de fofocas!´´
Que os Smiths desejam fazer mais do que uma serenata para o crepúsculo do mundo é evidente, pelo recurso a urna temática recorrente que podemos resumir como uma reivindicação de carinho e compaixao.
Em função disso, e considerando que eles representam a sensibilidade de urna enorme legião de garotos espalhados por todo o mundo, é surpreendente que eles não tenham sido convidados para participar do BandAid. Ou foram? Segundo Morrissey, "ninguém que fosse mais jovem que Boh Geldof poderia chegar perto do palco, do contrário os Boomtown Rats corriam o risco de parecer uma coleção de brontossauros. Tampouco aqueles que não venderam um milhão de cópias foram aceitos. Será que os Boomtown Rats venderam o seu milhão? Se o fizeram, então trata-se mesmo de uma banda notável!" Nem mesmo a realização de eventos beneficentes posteriores tais como Fashion Aid ou o Sports Aid conseguiram alterar um pouco essa postura de escárnio. "As pessoas se deixaram o cegar pelo dinheiro", ele argumenta. "Fomos feitos de bobos por uma tramóia do show-biz!´5
"Se se tratasse de uma questão doméstica, duvido que o fato tivesse qualquer repercussão. Tenho certeza de que os organizadores iam se dar mal. Se a gente fala do desemprego na Inglaterra, ninguém dá a mínima. Creio que há muito mais glamour nesse épico etíope. Trata-se de algo distante, do outro lado do mar. Pop stars, gente de cinema, essa história foi e continua sendo mero escapismo."
"Evidentemente, esse glamour encobre uma questão mais grave, ou seja, considerando que o mundo é totalmente controlado, porque eventos como estes seriam permitidos? Mas eu também fico chocado com a culpa sendo colocada sobre os ombros dos ingleses. Quantas pessoas na Inglaterra não vivem em condições de pobreza absoluta..."
"Quando isso começou, senti um cheiro ruim e para mim ele continua. Estamos a um passo de Hollywood. Quando virá o filme´? O LP solo está saindo? O livro já está pronto? E a valentia de quem vai depois jantar com a realeza. Por que ele não sacudiu a Margareth Thatcher pelo colarinho quando teve a chance? Não... E ainda ter de ouvir o Bob falar tão amavelmente do príncipe Charies! Tudo isso para mim é muito irreal - E olha que eu nem usei a palavra ambição."
Enquanto isso, os Smiths tocaram amargo, mas eu não me senti assim tão terrivelmente comovido com a iniciativa´´, diz sorrindo. "Achei que o evento era uma coisa tipo meia-idade. E realmente eu não consigo ver nada especialmente interessante em Neil Kinnock (candidato do Partido Trabalhista a primeiro-ministro) - Não tenho nenhuma afinidade com ele, mas se as pessoas acham mesmo que têm de votar, parece-me que o nome dele é o mais apropriado. Eis o motivo da nossa breve, porém tempestuosa, apresentação.´´
"Quando subimos ao palco, o público pareceu tomado) de horror. Aí eles tiraram seus walkmans, jogaram suas malhas no chão e, de repente, o lugar parecia aceso, incendiado de paixão."
Juntos, conversamos sobre o futuro, a terrível besta dos mais negros pesadelos de Morrissey. Concordamos que provavelmente Margareth Thatcher acabará por nos matar a todos. A Rough Trade já não mais insistirá na produção de clips e os Smiths estarão. enfim, livres deles. Andy Rourke voltou à banda. Craig Gannon é o quinto membro dos Smiths, mas eles não estão se transformando nos Rolling Stones, estão só tocando com eles: Johnny Marr está trabalhando em dois projetos paralelos, um com Keith Richards, outro com Bryan Ferry. Existe já a perspectiva de duas turnês, uma na Inglaterra e outra nos EUA, bem como o novo compacto. "Panic". Talvez se possa dizer que tudo isso parece um tanto róseo. Cabeça caída para o lado, fruindo o conforto de sua poltrona favorita, Morrissey parece estar à vontade. O pobre diabo que carrega o mundo nos ombros parece, no entanto, radiante. Ele deixou a escola, saiu de casa (quase)... o que virá em seguida? Que tal um relacionamento com alguém?, sugiro à maneira de uma despedida.
"Eu queria dizer o seguinte", diz lentamente, num tom de confidência, "sempre acreditei que a minha genitália era algo como o desfecho cruel de uma piada idiota. Lembro-me de uma entrevista em que Gary Glitter deu ao NME no início dos anos 70, onde ele concluía fazendo uma observação sobre a permanente lembrança de que há algo entre suas pernas. Eu, então, pensei que talvez fosse apropriado encerrar esta com algo como... a permanente lembrança de que não existe absolutamente nada entre estas pernas!"
Isto certamente vai desapontar milhões de pessoas!
"Não creio, Ian... isso, sim, é muito desapontador pra mim."

* Série de assassinatos de crianças ocorridos em Manchester, no ano de 1966. "Suffer Little Children", do primeiro LP dos Smiths, é inspirada no caso
** Morrissey refere-se ao começo da carreira do grupo, quando ele andava invariavelmente com um buquê de flores nos fundilhos das calças, e fazia, durante os shows, chuvas de pétalas sobre o público.
*** Poetisa inglesa, nascida em 1902.
**** Poetisa americana.
***** Atriz inglesa, trabalhou no "Assassinato no Expresso do Oriente".

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Revista Bizz, Ed. 028, 1987
SMITHS - AS ÚLTIMAS PALAVRAS


O fim dos Smiths foi à bomba do ano. Não é todo dia que os "salvadores do pop" se separam, deixando milhares ele fãs inconsoláveis; foi tudo tão de repente... Ou não foi? É chegada a hora de nossos leitores sentirem o clima dos acontecimentos que culminaram na separação. Em entrevistas exclusivas, concedidas durante as sessões de mixagens do último LP, Morrisey e Marr já davam indícios de suas diferenças. Não se esqueçam que eles seguem na ativa: Marr em turnê com os Pretenders e Morrisey no estúdio com Vini Reily. Sigam as pistas...

Entrevistas cedidas pela WEA

BIZZ - Este novo LP é provavelmente um dos trabalhos mais poéticos e inquietantes...um dos mais bonitos que vocês já fizeram. Você está contente com ele?
Morrissey - Muito contente. Sinto que ele aperfeiçoa tudo o que foi tentado no passado. Sinto que é o mais completo entre os discos que os Smiths fizeram.

BIZZ - É interessante que nas letras há muito sobre os atos de amar, e de amar e perder, temas praticamente inéditos em você. Por que isso? Foi alguma coisa em sua vida que mudou?
Morrissey - Bem, nada mudou e estou sendo totalmente honesto. Continuo me sentindo igual, sinto admitir - nada de incrível aconteceu. Mas, ao mesmo tempo, musicalmente, considero o LP um aperfeiçoamento de tudo o que fizemos antes. Quanto às letras, acho que, basicamente, eu melhorei muito.

BIZZ - Se ele é musicalmente perfeito, isso não te preocupa? O que fazer depois?
Morrissey - Não chega a me preocupar, não posso deixar de reconhecer que deve haver, no futuro, algo novo, uma certa mudança - que não será dramática nem drástica.

BIZZ - E como Johnny Marr se sente em relação a isso? Ele também acha que vocês atingiram um zênite?
Morrissey - Hum, sim. Pode até soar como o esgotamento de nossas próprias dimensões ou das capacidades de um ponto de vista particular... um comentário que pode até soar negativo, mas não é - acho bem positivo. Fizemos muitos discos. É o que diz para mim.

BIZZ - Uma das faixas pinta um retrato do music biz, que é um dos mais amaldiçoadores que eu já ouvi...
Morrissey - Yes.

BIZZ - ...E você obviamente teve de operar nesse meio. Como lidar com os ideais?
Morrissey - É muito difícil se você tem opiniões firmes sobre a indústria fonográfica - o que a maioria dos artistas não tem... (num tom deliciosamente irônico) -, principalmente em entrevistas, quando se tem uma chance de soltar essas opiniões no ar. Acho que, se você tem opiniões que são consideradas fortes, elas são interpretadas como negativas... A indústria fonográfica fica muito impaciente com pessoas que têm opiniões e pontos de vista (começa a rir discretamente). Eles já possuem um esquema bem organizado e montado, funciona bem, emprega bastante gente. Então, se alguém sugere alguma mudança, é rapidamente varrido da área. Poucas pessoas tentaram, eu diria... você sabe (risos)...

BIZZ - Você acha possível, mudar isso?
Morrissey - Acho possível mudar em algumas coisas, e mesmo isso vai levar um bom tempo. Mas - nas coisas mais importantes e ativas acho impossível. As pessoas que controlam a indústria fonográfica são muito poderosas. Há outro ponto importante: os grupos raramente tendem a se reunir. Os artistas são todos meio isolacionistas. Acho muito difícil acreditar em qualquer movimento unificado de grupos ou artistas.

BIZZ - Muita competição?
Morrissey - Sim... e todo mundo fazendo tudo para... bem, toda pessoa deseja que gostem dela.

BIZZ - Você deseja que gostem de você?
Morrissey - Sim, sim, mas não vou pagar nenhum preço por isso.

BIZZ - É importante ser querido apenas pelas pessoas que compram os seus discos ou pelos que compram discos em geral?
Morrissey - O que eu acho que é realmente importante - na vida cotidiana de qualquer pessoa - é que gostem de você pelas razões certas... Eu espero.

BIZZ - Outra faixa do disco, "Last Night I Dreant Somebody Loved Me", (A Noite Passada Sonhei que Alguém Me Amava)... bem, é uma torrente emocional, uma exposição da alma, do coração e das entranhas. É você, você se expondo, em vez de compondo? Você escreve da alma?
Morrissey - Sou eu. Sou eu mesmo. Às vezes - bem, a maioria das vezes - sinto que embora os Smiths sejam tremendamente populares, os discos nunca serão tocados, as canções nunca serão ouvidas. Quando Meat Is Murder entrou nas paradas em primeiro lugar, e a faixa-título não tocou em nenhum lugar, achei muito peculiar. O mesmo com The Queen Is Dead, que entrou em segundo... Nunca ouvi nenhuma dessas duas no rádio, nem na programação diurna nem na noturna.

BIZZ - Eu toquei, eu toquei...
Morrissey - É verdade! Eu ouvi quando você tocou; também fez comentários muito simpáticos.

BIZZ - Ser amado é uma coisa engraçada, estranho, especialmente quando se está music biz. Porque, voltando ao assunto de transformações no meio musical, a maioria das bandas antigas sempre pregou reformas sociais e mudanças radicais, mas acabou - de alguma forma - presa pelo sistema. Você não sente que, criticando estruturas, acaba caindo na mesma armadilha? Pode-se criticar o music business mas continua-se fazendo parte do meio... É difícil para você superar essa contradição?
Morrissey - Bem, as pessoas sempre acham muito difícil acreditar que eu não faça parte disso. Mas eu realmente não me sinto parte disso. Não me sinto parte do grande pool de companhias que controla mundialmente a indústria fonográfica. Não sinto e nunca senti. Para se sentir parte, é necessário - talvez - passar pelo ritual das festas e coquetéis e... essas coisas... parte desse grande nonsense que é o mundo pop.

BIZZ - Badalação e embalos noturnos?
Morrissey - Badalação e embalos noturnos e festividades e sair para ser visto e dar tapinhas nas costas dos outros, quando necessário. Nunca consegui fazer isso. E tive tantas oportunidades nos últimos dois, três anos! Teria facilitado muito a vida dos Smiths...

BIZZ - De que jeito?
Morrissey - Apenas sendo conveniente e conciliador. Com todo mundo.

BIZZ - Você não é?
Morrissey - Não.

BIZZ - Em que sentido?
Morrissey - É muito difícil para mim assumir o papel do pop star típico, de sucesso. Mencionar estas palavras já é duro, raro. Pela primeira vez - isso bem recentemente - fomos à Itália e fizemos vários programas de TV, com muita gente famosa - o Spandau Ballet, Curiosity Killed the Cat e outros. Ficamos todos juntos durante uns quatro dias e foi a primeira vez que me vi nesse tipo de situação. A verdade é que nunca encontrei muitos performers, stars, sejam o que forem. O intrigante é que costumo achá-los todos muito simpáticos, mas ficou muito evidente que há uma grande rede poderosa e organizada que já sedimentou um tipo de comportamento. E percebi com muita clareza, estando lá, o quanto estou distante de tudo isso.

BIZZ - E eles percebiam isso?
Morrissey - Acho que sim, mas foram todos muito simpáticos comigo. Tolos, para falar a verdade. .

BIZZ - Acho que foi Alexei Sayle quem disse que as celebridades que se consideram de status equivalente são as que saem juntas e se divertem juntas. Por exemplo, não se vê Curiosity Killed the Cat badalando com os Stones, mas é comum ver os Stones com Bowie. Não há nenhum de seus colegas de geração que tentou conquistar sua amizade nessa base?
Morrissey - Sim, um ou dois deles. Mas talvez seja só porque somos da mesma geração musical, nada além disso. Não posso negar que há uma ou duas pessoas...tais como (baixa o tom de voz) Pete Burns e Lloyd Cole. Não posso negar (começa a rir e ambos caem na gargalhada).

BIZZ - Voltando às letras do novo disco, outra coisa inédita é a presença de garotas. Você não costumava escrever muito sobre garotas. O que fez você começar a prestar atenção nelas?
Morrissey - Ah, na verdade nunca prestei atenção nelas (mais risadas), eu sou míope! Antes eu sofria de uma grande ilusão, achava que escrevia letras - teoricamente, pelo menos - universais, e assim estava falando por todas as pessoas. Mas muita gente me chamava a atenção para o fato de que isso não estava acontecendo nem um pouco. Você está se enganando! As mulheres simplesmente não existem no seu mundo! O que não é verdade. Aí passei a achar, de uns tempos para cá, que precisava tornar isso mais aparente.

BIZZ - Então você começou a admitir a existência das garotas?
Morrissey - Não, você não entendeu: elas sempre estiveram presentes. O que percebi foi que tinha de simplificar mais as coisas - que podia usar a palavra "ela"•

BIZZ - Você não faz segredo de seu celibato. Esses romances das letras são então, todos amores imaginários?
Morrissey - Não mesmo. Acho que nunca mencionei "sexo" em nenhuma letra...

BIZZ - Mas está sempre implícito.
Morrissey - Ah, a implicação sempre existe (volta a gargalhar).

BIZZ - São, então, amores platônicos?
Morrissey - Ah, sim, quase todos eles. Todos, para ser sincero!

BIZZ - Então são reais, não imaginários?
Morrissey - Foi o que eu disse. São todos reais. Eu conheço algumas pessoas, você sabe...

BIZZ - Você costuma passar por maus bocados amando as pessoas apenas espiritualmente? Você teve muitas decepções amorosas?
Morrissey - Sim (cai na gargalhada). Tive uma vida tenebrosa, horrível do começo ao fim!... Bem, talvez isso já tenha sido excessivamente. Mas cOntinua presente, é inegável o que estava dizendo é que conheço pessoas, me encontro com elas e... Mas as relações costumam se revelar desastradas de uma maneira péssima.

BIZZ - É culpa sua?
Morrissey - É.

BIZZ - Porque você escolhe a pessoa errada ou porque não preservar uma relação?
Morrissey - (cai na gargalhada) O que você têm a ver com isso? Não, não é nenhuma dessas duas coisas. É uma outra.

BIZZ - Ooh!
Morrissey - Não... Para falar a verdade, acho que nunca tive um relacionamento gratificante com ninguém. O que eu não gostaria que fosse colocado como alguma revelação dramática. Mas, mesmo assim, é a pura verdade. O que isso me deu foi um ponto de vista bem particular sobre os relacionamentos humanos que deve ser raro, eu suponho.

BIZZ - Ainda assim, isso não parece ter transformado você em uma pessoa amarga.
Morrissey - Ah, mas transformou...

BIZZ - Sério?
Morrissey - Sério.

BIZZ - Quando se é conhecido como uma pessoa crítica, você sente que a ferida dói mais fundo quando é você quem recebe uma crítica? Como você aceita críticas?
Morrissey - Às vezes uma crítica pode ser muito útil. Só porque é negativa, não significa que esteja errada nem que venha de um ponto de vista ressentido ou neurótico. Muitas vezes eu dou boas-vindas às criticas pois posso me recostar e pensar: "De fato, eu realmente sou um..." Outras vezes, porém, quando sei que alguém que não gosta de mim por razões desconhecidas, não aceito, começo a telefonar para advogados, quebrar garrafas de leite...

BIZZ - E você não sente compaixão quando fala de alguém que não conhece? Por exemplo, naquela época em que você deu para ficar falando mal de Bob Geldof, você não se preocupou com a possibilidade de ele sair telefonando para seus advogados e quebrando garrafas? Não acha que o machucou?
Morrissey - Não pensei assim na época porque achava que ele estava ocupado demais com aquela coisa grandiosa do Live Aid para prestar atenção aos meus pontos de vista, que foram repetidos durante tanto tempo. Parecia até que eu estava organizando a1gum movimento contra ele, e não era exatamente o caso. Mais tarde, até ouvi dizer - por amigos comuns - que ele, andou perguntando, chateado: "Por que o Morrissey tem essa visão de mim" etc? Na época eu nunca desejei que isso se tornasse uma questão...bem, que se tornasse o palanque do meu discurso. Mas seguiu esta tendência e tornou-se um tema recorrente em muitas entrevistas minhas. Não me importava tanto assim com aquele evento...

BIZZ - Ate pessoas como as da Família Real podem se sentir machucadas ou você acha que estão muito acima disso ou então são estúpidas demais?
Morrissey - Com certeza, uma das duas coisas. Acho que já estão longe demais para prestar alguma atenção. Quando você considera o mundo em que nasceram, acho que não estão nem aí nem para as mais leves críticas. Não mesmo. A não ser, talvez, quando são sobre os traços faciais da pessoa (risos), aí pode ser que doa como uma ferroada. Não é o mundo em que eles vivem. Não acredito que seja.

BIZZ - E o quanto doeria em você se, digamos, hipoteticamente, o disco novo dos Smiths não fosse o sucesso que você esperava, especialmente quando você acha que atingiram a perfeição? Isso te devastaria emocionalmente ou continuaria tranqüilo, com a consciência de ter feito algo correto?
Morrissey - Me deixaria devastado, mas, ao mesmo tempo, sentiria tudo como uma má interpretação por parte das pessoas, pois eu sou um crítico rigoroso do trabalho dos Smiths. Mais crítico do que qualquer um. Não estou ali marretando nenhum discurso arrogante sobre nossa pretensa genialidade, implicando que o nosso é o único caminho e que qualquer outro é o caminho do inferno. Não sou nem um pouco assim. Em geral, sou o primeiro a dizer: "Peraí, não é tão bom assim, apesar do que dizemos". Porque é tão fácil para os grupos, assim que começam a fazer sucesso, serem levados em embriaguez por sua própria mística. De repente, passam a acreditar que tudo o que fazem e tudo o que tocam é certo, não importa o que, porque são eles. Mas nunca me senti assim, sempre dei um passo para trás para tentar olhar as coisas de um ângulo diferente, mais objetivo. Mas acho que ficaria bem perturbado se o público dissesse: "Não, chega!"

BIZZ - Qual é a importância que o dinheiro tem para você, e qual a importância que teve para você no passado?
Morrissey - Bem, foi muito importante no passado, pois eu realmente nunca tive nenhum e fui indescritivelmente pobre durante anos. Assim, uma quantia básica era criticamente importante para mim. Mas, agora que tenho... acesso, digamos... a muito dinheiro... Não sou muito materialista, não possuo vastas extensões de terra, nem maquinário, nada disso. Não sou proprietário de nada, com a exceção de uma casa. Não sou nem um pouco materialista. Desde que esteja confortável, não passe fome e possa ligar o aquecedor e coisas assim. Minhas necessidades básicas são pateticamente humildes. A maioria das pessoas acha que se você lança um compacto e ele chega ao vigésimo nono lugar das paradas, você instantaneamente recebe uma fortuna. Claro que não é assim. Nunca ganhamos dinheiro com nossos compactos, ganhamos com os LPs. Mesmo assim, não é nada fantástico. Se os Smiths acabassem hoje, em um ou dois anos eu teria de sair procurando meu diploma do colégio.

BIZZ - No que você se formou?
Morrissey - Consegui um O Level em carpintaria, o qual, tenho certeza, será de grande utilidade um dia.

BIZZ - Você e a Princesa Diana!
Morrissey - Bem, eu sabia que alguma coisa nós tínhamos em comum.

BIZZ - Você viaja muito?
Morrissey - Não muito.

BIZZ - Você não tem vontade?
Morrissey - Não. O que, obviamente, dificulta as coisas, já que qualquer grupo de sucesso costuma viajar muito, o tempo todo, em turnês, mundiais, coisas assim. Os Smiths nunca tocaram para valer na Europa, fomos só até certos países, uma ou duas vezes, dar um ou dois shows. Mas, em geral, não excursionamos por nenhum lugar, com exceção dos Estados Unidos...

BIZZ - Então você não tem curiosidade de conhecer outras culturas, outros países?
Morrissey - Para falar a verdade, eu tenho, sim. Mas com este trabalho, com o grupo, não dá para ver nada; termina-se dentro de um túnel de movimento, de um lugar para outro, de um ônibus para um avião. Não dá para absorver culturas. Não dá nem para conhecer pessoas. Alarmante!

BIZZ - Mas você nunca pensou em tirar um tempo para sair viajando por conta própria? Para onde você iria?
Morrissey - Bem... essas é que são as perguntas mais difícies: o que você quer fazer nas suas férias? Não tenho nenhum desejo louco, insano, de ver muitos países.

BIZZ - Será que não é pelo fato de ser uma pessoa insular?
Morrissey - Acho que sim. Também odeio andar de avião.

BIZZ - Mas será possível ter uma visão global do mundo sem sair por aí?
Morrissey - Talvez, mas uma visão muito fechada... Ops! Essa com certeza temos que apagar (pela fita, percebe-se que Morrisey pára o gravador).

BIZZ - Que tipo de perspectiva pode ter do mundo quando não se tem curiosidade? Você tem curiosidade, mas, simplesmente, não tem vontade de se deslocar fisicamente até lá? Você não sente curiosidade de saber como é ser um índio do Amazonas? Ou alguém vivendo no Tibet? Ou você não está nem aí?
Morrissey - Não sou tão curioso. Não tenho nenhuma curiosidade de investigar a vida dos índios do Amazonas! Mas eu sou assim, não dá para negar. Chegamos a um ponto em que as pessoas preocupadas com o meio-ambiente se tornam políticas. Para as pessoas que realmente se importam com os animais, bem, ser vegetariana é a afirmação política mais forte que se pode fazer hoje em dia. É muito interessante, eu acho, pois revela os rumos que o mundo está tomando. Todo aquele papo de tomar o poder e dominar o mundo, de repente já não parece impressionar mais ninguém.

BIZZ - Você lê muito?
Morrissey - Leio.

BIZZ - Que tipo de livro?
Morrissey - Tenho muitas coisas de quando era bem mais jovem e estou sempre relendo-as.

BIZZ - Como o que, por exemplo?
Morrissey - Muitas peças. Tenho uma queda por textos para teatro. E muitos livros feministas... até alguns machistas! Acho-os muito interessantes. Coisas que, de tempos em tempos, sinto o impulso de empurrar para cima de todo mundo. Mas não faço mais isso, por alguma razão eu parei. Não que eu tenha perdido a fé nesses livros, o que acontece é que as pessoas parecem morrer de tédio quando começo a entrar nessa onda.

BIZZ - Você já pensou em trabalhar como ator ou escritor!
Morrissey - Não tenho a menor vocação para ator.

BIZZ - E escrever algo que não seja acompanhado de música... um romance?
Morrissey - Isso sim.

BIZZ - Está nos seus planos?
Morrissey - Está.

BIZZ - Já está trabalhando nisso?
Morrissey - Estou. Fico imaginando a capa... Não, sério: estou trabalhando nisso.

BIZZ - Você tem idéia de quando vai ficar pronto?
Morrissey - Vai demorar muito, muito tempo. Mas nunca tive vontade de ser o tipo de pessoa que faz tudo num instante e é vista por todos os cantos fazendo milhões de coisas fascinantes. Acho que, quando os Smiths terminarem, será o tempo certo de começar a pensar nessas coisas. Por enquanto, não vou tentar. Enquanto os Smiths estiverem a todo vapor, é muito importante para mim estar concentrado no que fazemos juntos, dando o máximo que eu posso. É por isso que coisas como vídeos... nunca foram uma prioridade. Nunca tive tempo para ficar pensando em roteiros para vídeos.

BIZZ - Essa recusa dos Smiths de fazer vídeos com certeza já irritou a gravadora... Foi muito difícil entender seu ponto de vista!
Morrissey - Muito difícil e, depois de cinco anos gastando saliva, ainda não entenderam. Não aceitam.

BIZZ - E por que exatamente você odeia vídeos?
Morrissey - Simplesmente não gosto do jeito como as pessoas ficam (começa a rir). É simples assim! Sempre vejo clips e fico pensando: "Puxa, mas os caras ficaram ridículos! Que vexame! Por que foram fazer isto?" Nunca vi um videoclipe que me fizesse pensar: "Uau, que útil, que enriquecimento para a música!" O que acontece é justamente pessoas que não têm a menor vocação para ator fingindo que sabem interpretar. Pessoas que não têm talento para isso estão deixando implícito que têm. Só porque um cara grava um disco não significa que tem talento e recursos ilimitados em qualquer campo da expressão artística. Hoje em dia, porém, isso está valendo como uma premissa - popstar têm um talento tão elástico, que se espalha, eternidade adentro, por todas as áreas. Não acredito nisso.

BIZZ - Você não tem nenhum talento que poderia se manifestar através do vídeo?
Morrissey - Bem... não. Como já disse, não tenho a menor vocação para ator. Não conseguiria convencer ninguém. Deve ser moleza, eu imagino, sair andando por um bosque, jogar uma capa nos ombros e pular para cima de camelo, coisas desse tipo... mas não quero comprometer minha credibilidade tanto assim.

BIZZ - Mas você gosta do meio cinematográfico, longas-metragens...
Morrissey - É uma obsessão. Tenho uma coleção considerável, que revejo sem parar.

BIZZ - E isso nunca te deu a tentação de fazer um?
Morrissey - Diante das câmeras, não. Mas roteiros e diálogos me interessam muito. Mas nunca me interessei em fotografia e coisas do tipo... câmeras e química...

BIZZ - Sobre os fãs: a emoção que é para a garotada que vem de um meio pobre ter uma chance de tocar um star. Você está agora nessa posição. Como você acha que é essa sensação para eles?
Morrissey - Bem, posso compreender isso totalmente. Passei por toda a experiência de idolatrar e venerar as pessoas cujo trabalho eu gostava - gente como T. Rex, David Bowie e Roxy Music. Ia muito a shows, no começo dos anos 70 - 72, 73 - e sempre chegava cedo, ao meio-dia, e ficava na porta que dava para os bastidores esperando o ônibus chegar só para uma rápida olhada nos ídolos saindo do ônibus e entrando no teatro. Algo que ficou impresso em mim e não queria me deixar. Era uma emoção fortíssima poder vê-los de perto.

BIZZ - E não é estranho agora ser a pessoa que desce do ônibus e entra no teatro? Ou não, já que você compreende...
Morrissey - Nem um pouco estranho. Compreendo totalmente.

BIZZ - E agora que você está no ramo, já encontrou alguns de seus antigos ídolos?
Morrissey - Sim, conheci alguns. Mas não é uma coisa que eu recomendo. Hoje já acho mais legal manter a memória selada, ou pelo menos a visão que se tem das pessoas e dos discos que elas fizeram. Também quando começo a ouvir dúvidas sobre discos que amo - detalhes da produção, como certa pessoa não sabia nem tocar e como outra tinha de ser substituída para vocal. Gosto de cultivar minhas próprias memórias e preservá-las para mim.

BIZZ - Você acha que as pessoas ficariam decepcionadas conhecendo-o pessoalmente?
Morrissey - Bem... é difícil dizer, mas há sempre um grau de decepção para quem leva a música tão a sério a ponto de refletir horas e horas sobre a pessoa do artista. Acabam tendo uma visão realmente concreta da pessoa - como é e o que representa. Aí, quando você encontra a pessoa, descobre que não é totalmente verdadeira aquela visão, e sim que você formou sua própria imagem e que isso é uma coisa pessoal, até de grande utilidade para você, mas não necessariamente fiel à realidade. No meu caso, quando isso acontece, sinto uma retração: não posso me deixar levar pela imagem que a pessoa tem de mim só para agradá-la. Tenho de interrompê-la para dizer que não sou bem aquilo. É bem difícil lidar com isso, aliás.

BIZZ - Que tipo de pessoa é o fanático pelos Smiths hoje, em 1987?
Morrissey - É difícil avaliar. No começo, tínhamos um público perfeitamente identificável, em 83, com certeza. Era um tipo muito específico. Agora isso parece estar mais aberto...

BIZZ - Como era esse tipo específico?
Morrissey - Acho que um tipo específico de pessoas profundas. Pessoas que gostavam furiosamente de música pop, mas odiavam as paradas de sucesso, a imprensa e o rádio. Não aprovavam nada disso, mas, ao mesmo tempo, queriam que significasse algo para elas, que fizesse parte de suas vidas. Pessoas, de pensamentos profundos e sensibilidade profunda.

BIZZ - Se o público mudasse drasticamente, por exemplo se vocês começassem a atrair garotas que ficam o show inteiro gritando histericamente, sem ouvir uma nota da música, isso te perturbaria?
Morrissey - Perturbaria, mas não sinto a menor ameaça nesse sentido. Essa é a resposta mais fácil, claro. Mas quando vejo grupos que têm esse tipo de público, acho muito cansativo. É outro mundo, completamente diferente. Por exemplo, fui a um show do A-ha nos Estados Unidos e... (ambos começam a rir)... não, realmente gosto dos discos deles... mas quando os vi sob aquele contínuo e ensurdecedor ganido - nem uma gritaria respeitável era, mas um ganido indecente - percebi que sufocava os músicos e não lhes permitia nenhuma concentração. Pareciam, aliás, bem embaraçados diante daquela massa histérica. Posso dizer que eu não gostaria nem um pouco que acontecesse comigo.

BIZZ - Quanto tempo de vida você acha que os Smiths têm pela frente?
Morrissey - Difícil dizer. Não conseguiria responder a essa pergunta honestamente. Simplesmente não sei.

BIZZ - E você sente que ainda tem raízes em Manchester?
Morrissey - Sim, raízes muito fortes. E, embora não esteja mais lá todos os dias, é algo do qual não posso escapar.

BIZZ - E como é morar em um lugar como Londres, sentindo-se assim? Uma cidade muito mais difícil para se viver do que Manchester, eu imagino...
Morrissey - Para mim é fácil, porque moro bem. Mas não conseguiria me imaginar vivendo aqui se não tivesse uma casa legal. Seria insuportável. É um lugar horrível para quem não tem condições financeiras de sobrevivência. Me lembro quando tinha dezessete anos e tentei morar em Londres - praticamente todo mundo tentou - durou sete ou oito dias. Mas trouxe tudo o que eu possuía em malas enormes. Foi uma experiência tenebrosa. Hoje em dia, sobrevivo aqui evitando a indústria fonográfica e toda a roda-viva urbana, levando uma vida bem privada.

BIZZ - Com que freqüência você visita Manchester?
Morrissey - Mais ou menos uma vez por mês, para passar o fim de semana.

BIZZ - Você recarrega as baterias ou é uma emoção diferente?
Morrissey - Também não saio de casa em Manchester, então não sinto nada de especialmente gratificante. Apenas me desloco de minha casa em Londres para minha casa em Manchester, uma coisa bem mundana mesmo.

BIZZ - Se você não freqüenta casas noturnas e similares, o que faz você sair de casa?
Morrissey - Só saio de casa para comprar comida.

BIZZ - O que acontece dentro da sua casa, então?
Morrissey - O que acontece? (Ambos se estrebucham de rir) Nada!... Estou sentindo vontade de morrer! Geralmente não há ninguém além de mim...

BIZZ - E o que você faz?
Morrissey - Você vai me fazer parecer um velho tarado... (continuam às gargalhadas). Faço muitos telefonemas e coisas assim... não... Ora!

BIZZ - Aqui estamos em Bath, na reclusão do countryside inglês, conversando com Johnny Marr. Como vai Johnny?
J. Marr - Bem obrigado.

BIZZ - O que vocês estão fazendo aqui em Bath?
J. Marr - Estamos gravando o novo LP, já com meio caminho andado. Mais umas duas semanas de trabalho e deve estar pronto. Vai indo muito bem - estamos aqui há quatro semanas e trabalhando duro. Vai se chamar Strangeways, Here We Come. Em duas semanas deve estar pronto.

BIZZ - Ele sinaliza algumas mudanças para os Smiths, alguma nova direção?
J. Marr - Bem, acho que sim, yeah...

BIZZ - Em que sentido?
J. Marr - Em relação ao último LP, o clima é mais pesado e uso menos guitarras - mais definidas, porém - ao contrário daquele entrelaçamento de guitarras e violões que havia antes. A música que compus pedia isso, esse clima pesado a que me referi é muito mais direto. Não é uma mudança de estilo radical, nem um pouco intencional ,já que gostamos muito do nosso som, anyway. Já estamos juntos há alguns anos e nunca sentimos nenhuma pressão no sentido de mudar de estilo a cada LP. Gostamos muito do nosso som. Em termos de instrumentação, sim, é muito mais variado, estou tocando muito mais teclados, como pianos e órgãos. Mas as canções em si continuam canções de rock angustiadas, graças a Deus, é como eu gosto delas. Não há, tanto, nenhuma guinada brusca, nenhum papo bobo alegre. Continua sendo música séria.

BIZZ - Você é uma pessoa séria?
J. Marr - Eu? Oh, yeah! O que você acha?

BIZZ - De que modo você sentiu o amadurecimento do processo de composição nos últimos anos?
J. Marr - Bem, no passado eu gostava da idéia da descartabilidade da música pop - embora não tenhamos feito tantas canções leves assim. Por mim, no que diz respeito à música, gosto de canções pop curtas, que vão direto ao assunto. Me agrada quando uma música diz tudo o que ela tem a dizer em dois minutos e meio. Tenho dito isto, tentei compor pela emoção em vez de ficar procurando a grande canção pop extracondensada. Gosto muito de "This Charming Man". O que aconteceu foi que a música ficou mais séria... mas sem se tornar conceitual. Estou tentando compor com mais feeIing, em vez de me limitar a riffs e melodias, que são os componentes básicos do bom pop. Comecei a descartar coisas que pareciam, de alguma forma, estar perdendo a intensidade. Estou me distanciando de coisas que soam agradáveis ou melódicas... melódicas como no passado. Eu diria que estou abrindo mais para a dissonância - nas guitarras e nos teclados.

BIZZ - Parece que você está se tornando mais o ponto de foco dos Smiths, já que Morrissey parece ter se retraído, e se tornado mais recluso. Você se sente bem assumindo mais o papel de front-man?
J. Marr - Se isto realmente está acontecendo desconheço as razões e deve ser por acidente. Se você quiser mesmo saber, não me sinto à vontade nesse papel, acho que Morrissey é o front-man. Se as pessoas se interessarem pelo ângulo co-compositor e/ou do guitarrista, até aí tudo bem. Eu montei a banda mas não sou o front-man.

BIZZ - Vocês são muito prolíficos, não? É difícil duas, três semanas sem um lançamento dos Smiths...
J. Marr - Bem!!! Todo mundo fala isto da gente, mas me recuso a aceitar um julgamento feito a partir de parâmetros alheios. Não nossos. Se a maioria não compõe mais que dez canções por ano, é problema deles. Talvez esperem que a gente se conforme com o padrão geral - que é dez canções por ano, que dão um LP, e os compactos três ou quatro dessas músicas repetidas. Nunca trabalhamos assim e, conseqüentemente, não nos consideramos prolíficos pelos nossos próprios parâmetros. Eu simplesmente componho, não vejo nada de anormal nisso... em compor vinte e cinco músicas por ano. Aliás, desde o lançamento de The Quem Is Dead, não me parece que chegamos à cota de doze... Estamos para lançar o quarto LP, ainda. O fato de lançarmos canções inéditas dos dois lados dos compactos lançados entre um LP e outro, nos faz parecer prolíficos, mas não concordo.

BIZZ - Compor é fácil para você?
J. Marr - É. Por isso não nos considero prolíficos. É meu ritmo normal.

BIZZ - E você precisa estar se sentindo de determinada maneira para compor?
J. Marr - Não. Voltando ao que já disse antes, sempre estou descobrindo ângulos novos nas músicas, acrescentando-os a cada dia, mas neste novo LP - embora tenha sido tão natural compô-lo quanto os anteriores - tenho tentado preservar a emoção básica e original de cada música. Quero dizer que algumas canções saíram mais brutas - não no sentido de "Miserable Lie" ou "What She Said", que têm um peso rítmico bruto - mas no sentido das dissonâncias. Provavelmente porque, como ouvinte fã, tenho me entediado com o comercialismo... Numa palavra, comercialismo parece a tendência dominante no momento, uma cautela excessiva, nenhuma progressão, banalização geral. Quando começamos, gostávamos do pop comercial, era algo que nunca desprezávamos - poder dizer coisas interessantes e ter idéias interessantes dentro dos limites de um som acessível. Acho que já provamos que somos capazes disso. Mas estou ficando cada vez menos interessado nessa linha. Talvez baixe a venda de nossos discos, mas não vale a pena compor para as paradas. Prefiro vender menos e criar coisas mais interessantes. A maioria dos músicos diz a mesma coisa, mas se eles realmente cumprem suas palavras é totalmente discutível, eu acho.

BIZZ - Quando "Panic" saiu, muita gente que trabalha em rádio ficou extremamente chocada com o verso "Enforquem o DJ". Você gosta de perturbar as pessoas...
J. Marr - Gosto quando é um princípio que está em jogo, com o qual concordamos e as pessoas discordam. Não é controvérsia pela controvérsia em si. Qualquer um pode ver através disso, qualquer pessoa pode detectar um impostor a um quilômetro de distância. É por isso que podemos colocar uma afirmação radicaI como "Enforquem o DJ" num compacto e ele ter sucesso, porque, como em todas as nossas letras, vai além de uma simples questão polêmica levantada só para chamar a atenção. Para ser honesto, gravamos a canção com muita ingenuidade, achamos que daria um bom compacto e resolvemos lançá-lo. Só aí é que entraram os caras da gravadora, dizendo coisas do tipo: "Vocês realmente esperam ouvir isso tocando nas rádios?" Foi quando percebemos nossa ingenuidade. É só diversão, não passa de música, dá para entender?

BIZZ - Tocar ao vivo, para você, é uma diversão ou parte do trabalho?
J. Marr - É uma grande alegria que faz parte do trabalho. Outros momentos das viagens, altos e baixos quando excursionamos podem ser considerados ossos do oficio, mas tocar ao vivo não. É sempre uma grande alegria. Somos bem típicos nesse ponto: queremos cada turnê, cada show melhor que o anterior. E sempre tivemos um elo muito forte com nosso público, coisa da qual também a maioria dos músicos gosta de se vangloriar... Vou a muitos shows, gosto de ver bandas ao vivo, e é algo que tenho notado. O nosso público é tão quente quanto uma torcida de futebol, cai na farra, não fica ali de pé nos levando a sério. É como uma festa. Não somos os Faces, mas ali na frente do público é como uma festa.

BIZZ - Vocês passam o tempo todo enclausurados quando viajam ou conseguem sair para ver as coisas?
J. Marr - Acho que, no passado, ficávamos muito encasulados mesmo. Por opção nossa. Mas agora passei a viajar por conta própria. Faz muito tempo também que não tocamos na Europa. E a última vez que estivemos nos Estados Unidos foi cerca de um ano atrás. Lá ficamos bem encasulados, porque simplesmente não tínhamos tempo para fazer nada. O máximo que tivemos foi uma semana de folga. O que faço agora é tirar um tempo com minha mulher para sair viajando.

BIZZ - Vocês são muito populares na Europa, e é muito difícil para uma pessoa que não fala inglês apreciar as sutilezas das letras de Morrissey. Como você acha que eles se relacionam com a música?
J. Marr - É uma pergunta interessante já que as letras dos Smiths têm muito mais peso do que na maioria das bandas de rock. São meio que literárias. Mas isso é transcendido pela imagem e pelo appeall da banda. Os princípios éticos da banda. Há milhares de garotos que veneram os Smiths sem falarem uma palavra de inglês. Mesmo assim, tenho certeza de que sabem o que representamos. Obviamente, quando se tornam fãs, vão procurar saber o que as letras estão dizendo. Mas, naquela fase de atração inicial, qualquer prato europeu podia identificar-nos como bem diferentes das outras bandas - somos bem diferentes. 0utra filosofia, mas preservamos um feeling de rock´n´roll que os franceses, os italianos e os alemães adoram. São países que sempre vão ter público para um certo tipo de rock americano e inglês. Gente como Johnny Halliday, na França, está até hoje fazendo discos de funk e hi-energy. Todo o seu público é formado pelos próprios franceses, e é um público gigantesco. E sabem apreciar o tipo de rock que eu gosto - gente como Johnny Thunders, New York Dolls, os Stones, Iggy, todos esses veteranos do rock´n´roll são até hoje adorados por eles, e acho que identificam nos Smiths toda essa tradição filtrada por um ângulo novo. Temos de dar todo o crédito ao Morrissey por isso, essa é a contribuição - ele trouxe uma visão totalmente anti-rock para um grupo de rock´n´roll.

BIZZ - Você mencionou a palavra "filosofia". Existe um manifesto ou uma doutrina smithiana?
J. Marr - A palavra "doutrina" consegue englobar todas as mais ridículas e horrendas conseqüências do rock´n´roll. Tudo o que supostamente tem de ser aceito na músic business. Não queremos nos envolver com esse carrossel de limusines, Los Angeles, drogas, alta costura, solos de bateria, álbuns conceituais...coisas que já parecem elementos naturais do rock´n´roll. Horrendas. Remixes instrumentais nos lados B dos compactos, turnês babélicas, auditórios gigantescos e sem acústica. Não querem dizer nada para nenhum jovem de nenhum país nos anos 80. Leste ou oeste, as pessoas estão se lixando para quem usa ou não calças de couro - credo, claro, os velhos fãs do Velvet Underground, que nos dois últimos anos, pelo menos aqui na Inglaterra, acabaram banalizando seus ídolos de tanto os imitar só na fachada. Nós somos completamente diferentes.

BIZZ - Como você foi afetado pelo punk?
J. Marr - Oh! Infelizmente eu nasci um pouco tarde demais, aconteceu exatamente quando estava começando tentar tocar a sério, progressões de acordes complexas etc. Aí apareceu a molecada fazendo aquele barulho, pauleira pura - então, no princípio, não me bateu nem a relevância nem a beleza da coisa. Estava tentando tocar, e a filosofia geral era não precisar saber tocar. Depois de um ano ou dois é que comecei a me interessar pelo movimento punk - houve muita coisa boa, e a melhor continua sendo, para mim, Patti Smith. 0utra coisa: a redescoberta dos Stooges. Eu sou uma daquelas pessoas que não ligavam muito para os Stooges antes do punk. Não fico fingindo que era fã dos Stooges em 1973 - talvez porque só tivesse dez anos de idade então.

BIZZ - Com toda a popularidade dos Smiths na Europa, vocês esperam que este novo disco amplie o seu público fora do continente?
J. Marr - Conscientemente não, não com este disco. Esta era nossa intenção no primeiro LP, desde o começo da banda queríamos sucesso mundial e sempre tentamos fazer o que você falou: entrar nas paradas americanas, japonesas, australianas. Lugares onde estivemos muito ocupados para excursionar.

BIZZ - Do que você gosta nos Estados Unidos?
J. Marr - Gosto da música, das pessoas, da história - não importa se as pessoas não acham que exista muita história ou tradição. Sou fascinado pelos EUA. Não falo, claro, dos pontos negativos, visíveis a olho nu para qualquer um que visitar o país. Não há tanto autocontrole nas pessoas, o que me agrada muito - obviamente a situação política está um caos, provavelmente mais do que em qualquer outro país, numa escala muito maior, digamos assim. Mas, pelo menos, o sentimento positivo que há entre os músicos americanos é algo que me atrai muito - e que faz uma tremenda falta neste país. Obviamente, não me refiro à "Reaganomics" nem àquela ridícula propaganda de nacionalismo reacionário na linha Born in the USA. Não falo disso tudo que, obviamente, fede. O que quero dizer é que acho um lugar muito mais inspirado para se viver do que aqui na Inglaterra, nesse momento.

BIZZ - Qual é a importância da imagem dos Smiths para vocês mesmos? É importante?
J. Marr - Oh, yeah! Não no sentido das roupas nem dos cortes de cabelo. Quando falo em imagem, estou me referindo aquelas coisas que você chamou de ´´manifesto´´ e "doutrina" ... Nossa imagem é crucialmente importante. Basta dar uma olhada na capa de The World Won´t Listen, acho-a muito forte, muito boa, porque o fã vai comprar o disco e percebe que a capa está tentando retratar a ele. Não que achemos que todos os nossos fãs andam por aí de topete e jaqueta de couro. Vai muito mais fundo que isso: jovens vivendo nos anos 80. É por isso que não queremos nos parecer com nenhuma banda de rock´n´roll nem nos amarrar à tradição. É o que precisamos nos tempos de hoje. Imagino que, se eu não estivesse numa banda, não sairia de casa para ver o tradicional desfile de putaria sob o jogo de luzes multicoloridas. Tentamos projetar uma imagem que, no fundo, é a própria realidade das pessoas.

BIZZ - E quais os planos para assim que o disco estiver pronto?
J. Marr - As pessoas - a gravadora - obviamente desejam ouvir que vamos excursionar. Mas não vamos - no máximo alguns shows na Europa e nos EUA. Queremos gravar mais. Essa é a verdade.

BIZZ - Então você continua se divertindo com os Smiths?
J. Marr - Oh, yeah! Para falar a verdade, estou me divertindo mais agora do que nos últimos meses. É isso o que sempre quisemos fazer. Você me pegou num bom momento também. Adoro gravar, a banda toda se entrega de corpo e alma. E desta vez não teve nada de ficar procurando os possíveis compactos, gravamos num espírito bem anarquista. Tentamos fazer o mais anticomercial e inacessível possível para os Smiths. Obviamente, não somos o SPK, mas não queremos nos acomodar. Acho que nunca nos acomodaremos.

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Revista Bizz, Ed. 036, julho de 1988

MORRISSEY - O SOLITÁRIO, ENFIM SOLO

Com o lançamento de Viva Hate, seu primeiro LP após Smiths, o bardo abre um novo capítulo em sua polêmica trajetoria . Quem falou com ele foi outra dileto filho de Manchester, o jornalista Paul Morley, uma das principais figuras do Imprensa musical inglesa e um dos criadores do selo ZTT.

A primeira pergunta, quando finalmente nos encontramos, era excepcionalmente simples e óbvia. Enquanto eu a fazia graciosamente, senti um grande júbilo. Se a genialidade significa um sentido de inspiração ou fluxos de idéias vindas de fontes aparentemente sobrenaturais, ou de um desejo ardente e desordenado de conquistar alguma meta qualquer, esta felicidade estaria perigosamente próxima das vozes que os loucos ouvem ou de suas tendências delirantes e monomanias?
A resposta foi, claro, muito satisfatória.
"Oh, dear... Será que não podemos discutir o ressurgimento do glam rock?"

BIZZ - Lembro quem e o que você costumava ser: Você era o tipo "o idiota da aldeia", o deslocado, o garoto-problema.
Morrissey - Nada disso devia ter acontecido, não é mesmo?

BIZZ - O que aconteceu?
Morrissey - Seja lá o que for, foi um erro.

BIZZ - Um erro para o divertido solitáro obsessivo, o alienígena sonhador de Manchester se tornar tal expoente do sentimento da vida e da vida do sentimento. E tão popular!
Morrissey - O triste solitário obsessivo... Não, obviamente não foi um erro, colocado assim. Talvez já estivesse destinado. Mas é difícil descrever o quão insular eu era. Especialmente quando tinha 21,22,23... Estava totalmente só. A própria idéia de me tornar o que me tomei era impensável. Achava a vida insuportável, às vezes. É muito difícil quando saio se gosto muito das pessoas (solta uma risadinha). Devia haver algum tipo de entidade para nos proteger... Eu era um adolescente muito profundo - para dizer o mínimo...

BIZZ - O que você quer dizer com "profundo"?
Morrissey - Você sabe o que "profundo" quer dizer. O que está querendo é algo para colocar em letras grandes no topo da entrevista: "Oh, ´profundo´ para mim era não aceitar nada, fosse a parada de sucessos ou o fundamento da vida". Acho que significa que andava persistentemente perturbado.

BIZZ - Ninguém lhe dizia para sair dessa?
Morrissey - Sim, mas significava muito pouco. Eu era de um jeito particular e não passava disso.. Levava coisas triviais muito a sério e, talvez, as coisas sérias... muito a sério também.

BIZZ - Então, o que aconteceu? Como você passou de "o idiota da aldeia" a líder da turma?
Morrissey - Comecei a gravar discos...

BIZZ - Você culpa alguém ou alguma coisa por estar vivo?
Morrissey - Ninguém, nada, em absoluto. Mas não gostaria de infligir isso sobre mais ninguém... Não consigo entender como alguém pode ter filhos. Mesmo que a oportunidade surgisse, eu não toparia. Não, não culpo ninguém por me trazer ao mundo, mas realmente sinto que a vida é excessivamente superestimada.

BIZZ - Por que você se importa tanto com a música pop?
Morrissey - A resposta talvez seja bem mais simples do que ambos imaginamos. Se você se mantêm totalmente isolado dentro dela, tende a atacar a indústria fonográfica. Se você faz muitos amigos e é convidado a milhares de festas, talvez não queira pensar sobre esse vácuo cerebral, talvez se divirta com isso e não queira avaliar de uma maneira crítica. Até hoje me mantenho isolado, e assim odeio tudo que rola.

BIZZ - Sobre o que você se importa?
Morrissey - Acho que ambos sabemos por que nos importamos. Eu me importo porque sempre amei a música popular apaixonadamente. Acho até que, a cada dia que passa a música pop se torna cada vez mais insossa, sua própria história se torna cada vez mais importante. Não gosto de vê-la invadida, pisoteada... Significava tanto para mim.

BIZZ - Por que, depois de Patti Smith, Television, Roxy Music, New York Dolls, Joy Division, Eno, Byrne, Morrissey... a música pop chegou a este estado? Algo deu errado. Ninguém concorda com a gente!
Morrissey - Sim, algo deu errado. Mas, para mim, era totalmente importante e me afetava física e mentalmente. Depois de ouvir Horses, eu nunca mais fui o mesmo, e não estou dizendo isso de uma maneira leviana. Não é obviamente normal achar que este tipo de música - Velvet Underground etc. etc. - é a música importante, mas para mim era e isso é o que pesa. Não me faz mudar de idéia se as outras pessoas não concordam comigo, nem um pouco. De fato, algo horrendo aconteceu. Não consigo realmente explicar, a não ser dizendo o óbvio - o pop foi infiltrado por idiotas, O que me irrita é que não haja ódio suficiente, raiva suficiente. Se aparecem sinais de inteligência, cansam-se muito rapidamente e desistem da luta. Não são estimulados adequadamente. Suponho que a música pop seja atualmente dirigida por pessoas despreocupadas, que nunca tiveram imaginação para detectar ou desejar a verdadeira natureza pop e a razão pela qual ela pode ser tão especial. São as pessoas erradas, no que me diz respeito, que assumiram o controle. Advogados e contadores se tomaram importantes demais. O material certo não está sendo encorajado, e o material errado não está sendo condenado como deveria ser.

BLZZ - Você acha, seriamente, que a música popular anda tão abandonada e oca porque os otimistas, que assumiram o controle, compõem mal?
Morrissey - Não mal, mas de uma maneira insossa. Provavelmente até compõem bem, mas é essencialmente repetitivo, habitual e insosso. Acho que, quando se percebe a intensidade da vida, você instantaneamente se torna mais... excitante. Se é que essa intensidade é possível na música pop, bem, é de se pensar que não. Mas eu sempre achei que sim. E, no fim, não entendo as pessoas que não são tão sérias como eu...

BIZZ - Elas provavelmente não querem ficar deprimidas.
Morrissey - Não, sabemos que não é por aí. Elas têm as mesmas chances de ficarem deprimidas e de deixarem os outros deprimidos também, mas jamais admitiriam isso. Para mim é uma questão de seriedade, que considero indispensável e sempre veio a mim de forma natural. Fazer simples discos para dançar nunca foi a intenção. Seria, para mim, totalmente fútil. Tenho de fazer discos que transcendam a importância assumida ao pop.

BIZZ - Seria esse um conceito ridículo?
Morrissey - Talvez. Olhando por outro ângulo, talvez seja totalmente corajoso.

BIZZ - Você está afirmando, então, que o que faz é, nestas circunstâncias, heróico?
Morrissey - Sim. Muito heróico. Muito solitário. As pessoas estão sempre olhando de lado para mim e dizendo "bem, você realmente quer fazer isso, a sério?" Mas, por outro lado, sempre soube rir de mim mesmo, mesmo entre as pessoas que me consideram articulado, isto também parece ser um pecado. Sempre tive de rir de mim mesmo. Se não achasse minha posição social tão divertida, quando era adolescente, teria me estrangulado. O simples fato de estar fazendo isso agora, eu acho inacreditável.

BIZZ - O que está fazendo?
Morrissey - Não sou mau com as palavras...

BIZZ - A sério?
Morrissey - Acho que vejo seriedade em tudo. Até na música pop. As pessoas dizem que isso não pertence a ela, que nunca esteve lá... Mas aqui estamos nós. Aqui estou eu. Acho que devo ser totalmente único.

BIZZ - Por que você gosta de se sentir estranho?
Morrissey - Não sei se eu realmente gostava de ser estranho do jeito que você está insinuando... Me sentia estranho porque nunca me impressionei pelas coisas simples que os outros pareciam adorar.

BIZZ - Aí você se apaixonou por imagens?
Morrissey - Não foi realmente por culpa minha que foram imagens, em vez de pessoas, que começaram a me atrair. Havia bastante gente... Eu fui à escola e, por um breve período, ao trabalho. Eu via pessoas. Vivia num conjunto habitacional altamente populoso. Haviam pessoas por toda a volta. Mas ninguém se interessou em penetrar esta grande muralha que havia entre nós. Sim, eu era egoísta. Mas eu também era, e continuo sendo, o tipo de pessoa que a maioria das pessoas não quer conhecer. É difícil de acreditar!

BIZZ - Você foi forçado a construir sua própria realidade?
Morrissey - Sim. Isso me tomou um bom tempo. Mas, o que é mais importante, acho que quando alguém não é muito popular, sejam quais forem as razões, essa pessoa tende a desenvolver certas formas de sobrevivência. Uma sobrevivência que exclua amizades, que exclua atividades sociais. Foi neste sentido que organizei minha vida. Se você não consegue impressionar as pessoas simplesmente por fazer parte da grande e gorda raça humana, então tem de desenvolver outras habilidades. E se você não consegue impressionar as pessoas pela sua aparência, aí é que tem mesmo de desenvolver outras habilidades. E se agora você me perguntar se tudo que fiz foi para chamar atenção, não é de todo verdade. E até certo ponto, mas isso faz parte da própria natureza de estar vivo.

BIZZ - Você queria ser amado?
Morrissey - Visto, acima de tudo. Eu queria ser notado, e o modo como tenho vivido tem em si uma neurose desesperada por causa disso. Todo ser humano necessita de um certo grau de atenção. Algumas pessoas a obtêm na época certa, quando têm 13 ou 14 anos, são amadas na fase certa. Se isto não acontece, se não há amor, então você pode simplesmente sumir do mapa. Poderia facilmente ter acontecido comigo. Muitas vezes estive próximo de... sumir do mapa. Não me agrada muito falar sobre isso. Não quero reviver aquelas experiências. Mas cheguei perto... Em certo sentido, sempre achei que era normal ser um adolescente perturbado. Não tinha certeza de ser dramaticamente único. Conhecia outras pessoas que eram também, na época, desesperadas e com tendências suicidas. Desprezavam a vida e detestavam todas as outras pessoas. Isso me deu alguma segurança, pois pensei. "Bem, talvez não, seja tão intenso assim. É claro que eu era. Eu desprezava praticamente tudo na vida humana, o que acabava limitando as atividades do fim de semana.

BIZZ - O que mais havia?
Morrissey - Nada. Livros. Televisão. Discos. No geral, era um grande terreno baldio.

BIZZ - A memória desses anos foi destruída?
Morrissey - Não, nem um pouco. Lembro-me de tudo com detalhes. Lembro toda noite e vivencio o embaraço que sentia. Foi um horror. Toda a minha vida escolar, um horror que não pode ser por demais enfatizado. Todo dia era um pesadelo. De qualquer maneira que você possa imaginar. Pior... ódio total. O medo e a angústia de acordar, ter de se vestir, ter de descer à rua, ter de fazer as lições. Estou certo de que a maioria das pessoas fica deprimida na escola. E era o mais deprimido de todos. Eu percebia mais.

BIZZ - Diga, você já foi a algum psiquiatra?
Morrissey - Ha... Não para valer... Vi um ou dois psiquiatras. Eles apenas ficam sentados, balançando a cabeça e tomando notas. Talvez se eu fosse curado, por assim dizer, acabaria entrando de uma maneira cega e amigável em qualquer situação, isso não seria autêntico em mim. Talvez seja a infelicidade o meu combustível.

BIZZ - O que, em você, te deixa mais irritado?
Morrissey - Praticamente tudo. Sinto falta de não conseguir manter uma postura reta. Minha tendência é escorregar para dentro de um lugar e sentar na cadeira que fica atrás da porta.

BIZZ - Será tudo isso apenas uma tremenda autocomiseração?
Morrissey - Não, nem um pouco. Existe uma resposta para essa pergunta: não é tão simples assim.

BIZZ - E então, depois de tudo isso, como é que veio o "grande chamado"?
Morrissey - O grande chamado... isso soa bem. Num certo sentido, sempre esteve presente. Mas comecei a sentir, quando atingi os 21, 22, 23, que provavelmente não estava. Não conseguia enxergar como podia estar destinado à música pop. Para começar, estava paralisado. Não conseguia me mexer. Não conseguia me imaginar dançando e sentia que o movimento era praticamente a única coisa importante nesse ritual absurdo. Conseguia apenas me imaginar cantando, mas mesmo assim não tinha idéia do que fazer com o microfone e seu pedestal. Mas sentia esse "grande chamado" místico. Não precisa rir! Como também tinha uma visão intensa sobre o ato de tirar a própria vida, imaginava que esse talvez fosse o meu chamado, o suicídio, nada mais espetacular e interessante do que isso. Sentia que as pessoas que eventualmente tiravam suas próprias vidas tinham consciência disso não só nas últimas horas, semanas ou meses de suas vidas. Sabiam disso desde sempre. Tinham se resignado a isso muitos anos antes do ato propriamente dito. Em certo sentido, portanto, eu tive esse chamado.

BIZZ - E o que te impediu?
Morrissey - Gravei discos. Tive uma oportunidade para fazer discos e milagrosamente tudo deu certo.

BIZZ - Então ser o Morrissey acabou salvando sua vida?
Morrissey - Tem sido um fardo e uma benção. Salvou a minha vida e, ao mesmo tempo, me empurrou para um novo conjunto de problemas.

BIZZ - Problemas com os quais você parece se deleitar.
Morrissey - Não mesmo! Por que será que as pessoas insistem em que eu vasculho o mundo e a vida voluntariosamente atrás de atrocidades com as quais possa me punir?

BIZZ - Mas você parece sempre estar tirando prazer da ansiedade.
Morrissey - Sempre foi um prazer extremamente insular. Sempre foi uma questão de retroceder até o quarto, encontrar a máquina de escrever e talvez ouvir muito mais na música pop do que ela realmente contém. A questão é: eu sempre entretivera a idéia de fazer discos e justo quando a porta parecia estar se fechando e eu estava pensando nisso cada vez menos, veio a chance. De repente essas avenidas se abriram e eu as utilizei.

BIZZ - O que você achou que aconteceria?
Morrissey - Sentia que seria ou totalmente adorado ou universalmente desprezado. De certa forma, ambas as coisas aconteceram. Geralmente acho que as pessoas ou me levam na brincadeira de uma maneira insultante, ou me levam inconfortável, neurótica e obsessivamente a sério. Eu era obcecado pela fama e não conseguia enxergar, no passado, ninguém - fosse na música ou no cinema - que se parecesse comigo. Por isso era difícil enxergar um espaço que pudesse ser preenchido. Assim, quando comecei a gravar, pensei: bem, em vez de adotar as poses habituais, o melhor é ser o mais natural possível, o que, obviamente, não era nem um pouco natural. Para mim, chegar a fazer um disco era uma coisa tão antinatural que essa era realmente a única maneira como poderia me comportar. Antinatural. O que - em certo sentido - era a minha forma de repor, pois a rebelião em si já tinha se tomado uma tradição, com certeza depois do punk, sim. Não queria seguir aqueles modelos já estabelecidos de aparência e rebelião. E no momento em que comecei a gravar, já tinha 23 anos - era um velho pensativo de 23 anos - por isso sabia que havia certas coisas que eu queria fazer. Tinha muita certeza. E me sinto muito subestimado, em todos os sentidos, considerando-se o que conquistei.

BIZZ - Você acha que fez algo construtivo?
Morrissey - Se acho! Pelo menos, dadas as circunstâncias. Ha ha ha... por que será que estou rindo? Isto é muito sério. Acho que conquistei muitas coisas como ser humano.

BIZZ - Você é incrivelmente elogiado.
Morrissey - As pessoas podem te admirar e te acolher com simpatia, mas isto não significa que elas te entendam. As pessoas raramente te dão tapinhas nas costas da maneira que você realmente deseja. Às vezes sinto que o que faço pode passar batido, sem a atenção necessária.

BIZZ - Isto me parece uma tremenda ingratidão.
Morrissey - É claro que parece. E muito difícil reclamar quando se tem a aprovação das pessoas... mas eu consigo. Quando certas pessoas me criticam, entendo o que estão querendo dizer. Posso concordar e sorrir quando sou atacado, muito mais do que quando recebo resenhas maravilhosamente favoráveis. Não é necessariamente útil que alguém se entusiasme a ponto de te dar cinco estrelas numa crítica, sem entender o principal. Houve, já, algumas pessoas que não me suportam, cujas opiniões acho muito interessantes. Não é muito útil ter alguém ao teu lado concordando o tempo todo... você pode, de propósito, sugerir uma idéia péssima e ela continua a concordar, ou você inverte a visão que ela tem de você e ela continua a concordar. Mas a verdade é que, sim, acho que mereço um crédito maior. Fiz algumas coisas que, se outras pessoas as tivessem feito, teriam seu público reduzido consideravelmente. Joguei contra a empatia tradicional do público. E uma das coisas que me inspiraram, quando estava começando, foi não conseguir pensar em ninguém que fosse remotamente parecido comigo.

BIZZ - Em que altura você sentiu que ia dar certo?
Morrissey - Instantaneamente, para falar a verdade... porque aconteceu muito rapidamente, mesmo se falarmos sobre os primeiros shows dos Smiths. Era mais do que eu esperava. Havia muita gente pronta para se identificar com o que eu estava sentindo. Ódio! Odiando tudo, mas sem ser ofensivamente odioso (outra risadinha). Como ódio vindo de pessoas muito gentis.

BIZZ - Foi fácil?
Morrissey - O sucesso nunca é fácil. Podia ter dado tudo irreversivelmente errado para mim. A coisa só se consolidou mesmo com o quarto compacto.

BIZZ - Se não tivesse dado certo, você estaria morto agora?
Morrissey - Certamente estaria sob tratamento intensivo.

BIZZ - Você sente o poder de uma liderança, no comando dessas pessoas gentis e com ódio?
Morrissey - Sim, sinto... Não sinto a necessidade de sair e dar a mão a todos e juntar todo mundo, mas sei o que você quer dizer. Gosto de pensar que é possível gravar e ter um sucesso intenso e ao mesmo tempo permanecer essencialmente fechado em minha vida privada. Isso seria bem agradável. Talvez eu tenha influência. Muitos jovens estão muito sozinhos, e talvez ouvindo meus discos não se sintam tão sozinhos assim. E talvez haja também muitas pessoas como eu era, desesperadas e incapazes, mas com uma necessidade enorme de fazer alguma coisa. Gostaria que algum disco meu os fizesse sentir que se ele pode, eu também posso.

BIZZ - Você agradar apenas a um bando de adolescentes confusos é apenas um clichê desgastado?
Morrissey - Oh, sim. Já se expandiu muito além disso. Fiquei inicialmente muito confuso quando começaram a escrever que minhas canções eram adolescentes. Eu já tinha 24, 25 anos, por isso elas não eram adolescentes e sim algo totalmente novo, algo que nunca tinha sido exprimido antes. Não era adolescente. Nem tão fácil assim.

BIZZ - O que sua música faz com os seus fãs?
Morrissey - Bem, eles usam sobretudos pesados e ficam com o olhar fixo em lâmpadas quebradas. E assim que sempre foi comigo!

BIZZ - Você acha Viva Hate uma obra-prima?
Morrissey - Chega perto. Tenho uma visão bem nítida do que tenho de fazer para corresponder a todas as expectativas. Viva Hate é despreocupado, mas ainda não estou tão inclinado a descer a lenha. Ainda estou para atingir a perfeição... saberei quando a atingir, e acho que será totalmente encantador afetar a vida das outras pessoas com uma forma de perfeição. Será como casamento!

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Revista Bizz, Ed. 058 – maio de 1990

MORRISSEY

Tudo é tão arrumado e espartano no quarto de Morrissey que a presença, altamente decorativa, de um violão apoiado numa cadeira instantaneamente chama a atenção. Pergunto se agora ele está tocando. "Um pouquinho", responde, seu rosto de bigorna repentinamente franzido com a expressão familiar de "alegria dolorosa". Por que você não compõe suas próprias melodias,então? Te pouparia de muita infelicidáde... "Todo mundo fica me dizendo isso. Digamos apenas que eu tenho uma voz interior que me sussurra o tempo todo... ahmm... permaneça puro."

Ele ri e, então, se recosta. "Quer dizer, minha teoria é ´para que meter uma mão diletante no que já é uma obra-prima?´ Num sentido diluído, é exatamente isso que eu sinto sobre... ummm... as coisas."
Quatro horas depois, encerrada a entrevista, um desses jatos de intensa energia a esmo, que dão nele quando fica excitado, o estimula a agarrar o instrumento, aninhá-lo em seu colo meditativamente durante meio minuto, com a mesma rapidez que o atira fora de alcance, com uma expressão de horror zombeteiro espalhada em seu rosto. "Meu Deus, devo estar parecido com Johnny Marr!", ele cospe. A vítima da piada é o próprio Morrissey e ambos rimos. Mas Johnny Marr - ou, mais especificamente, sua ausência - não é motivo de riso para ele.
É nesse momento que Morrissey decide compartilhar comigo o título de seu novo álbum. Ele não diz nada, apenas rabisca, em largas e longas letras de fôrma, as palavras "Bona Drag" num pedaço de papel antes de se retrair em mais um de seus sorrisos enigmáticos. Por que, heim? "Bem", ele diz, melífluo. "Bona é ´boa´ em latim e drag é... drag! (palavra de múltiplo sentido, significa de qualquer máquina "de arrastar" a "obstáculo", "empecilho", a "coisa chata" e ao verbo "travestir").
Tudo isso aconteceu num fim de tarde em meados de novembro, no magnífico complexo mansão de campo/estúdio encravado num bosque nas cercanias de Reading, em parte propriedade de Clive Langer - o produtor de fala macia e cara de coruja mais conhecido por seu trabalho com o Madness -, que Morrissey havia contatado apenas cinco semanas antes, depois de seu último desentendimento com seu colaborador anterior, Stephen Street (Langer já tinha produzido um compacto para o cantor, o anestesiantemente ruim "Ouija Board, Ouija Board", cuja atroz recepção pela mídia deixa todo mundo com a cara um pouco amarrada neste final de tarde).
Enquanto o amigo mais próximo de Morrissey, o diretor de vídeos Tim Broad perambulava por perto, Langer desaparecia entre a casa e o estúdio, onde as seis canções que havia composto com Morrissey para o álbum encontravam-se em diferentes estágios de finalização.
Um tempo depois, tocaram para mim rascunhos de mixagem de três faixas: "November (Spawned A Monster)", uma peça tempestuosa e extravagante de esquisitice pop sobre uma garota aleijada, estrelando a cantora canadense Mary Margaret O´Hara, aparentemente submetida a uma sessão de exorcismo; "Piccadilly Palare", uma ode à prostituição masculina em Piccadilly (centro de Londres) dotada de mudanças de acorde astuciosas e um lustro beatlesco; e "The Girl Least Likely To", uma canção sobre "aquela amiga que você tem que realmente acredita na iminência de seu sucesso embora você, secretamente, saiba que nunca vai acontecer com ela", e que soa nitidamente a mais smithiana das três. O velho amigo de Langer, Elvis Costello (juntos escreveram "Shipbuilding"), referiu-se, no ano passado, ao Morrissey pós-Smiths como "alguém que aparece com os melhores títulos de canções no mundo, mas que em algum ponto se esquece de compor a canção", e há certamente mais do que um grão de verdade nessa afirmação. Pelo menos nestas novas letras, dá para sentir que ele está tentando consertar a situação, olhando mais para a frente, fazendo um esforço maior, tentando finalmente voltar a compor "substanciosamente".
Meses e meses se passaram desde então e não há nem Bona Drag nem outro sinal de um álbum de Morrissey com esse título a curto prazo. Em vez disso, as seis parcerias Langer/Morrissey estão sendo lançadas em compactos, uma após outra, começando com "November (Spawned A Monster)" em fevereiro, seguida de "Piccadilly Palare". Ambas são valorosas o suficiente, mas de pouco apelo comercial, merecendo o contexto de um LP para receberem a devida atenção (a segunda, por exemplo, tem mais de cinco minutos) e têm grandes chances de serem ignoradas ou mesmo boicotadas na programação das rádios.
Será que Morrissey finalmente perdeu qualquer "foco" são sobre sua própria carreira? Talvez uma questão mais pertinente seja: Será que uma profunda alienação pela vida automaticamente implique a alienação de quase todas as pessoas, com a exceçao de sua mãe e de um pequeno grupo de amigos?
Seja como for, embora não haja nenhuma informação oficial, parece que Langer está para se juntar a Stephen Street na gaveta onde Morrissey descarta suas coisas. Há mais de um ano, Street confidenciou à imprensa sua opinião de que o cantor continua totalmente obcecado pelos Smiths, incapaz de se convencer de que pode superar os padrões de excelência estabelecidos pelo grupo e que está apenas matando o tempo enquanto espera Johnny Marr recuperar os sentidos e retornar à parceria. Ainda assim, Johnny Marr - após um par de anos desastrosos fora dos Smiths - recentemente começou a restabelecer seu perfil, gravando e se apresentando com The The e se aliando a Bernard Sumner e Neil Tennant no supergrupo Electronic. O guitarrista também começou a contar sua versão sobre a dissolução dos Smiths a várias publicações, caracterizando seu relacionamento com Morrissey para a Rolling Stone como "não exatamente uma risada por minuto" e chegando ao ponto de declarar como fora de questão uma reunião dos Smiths, pois "só os tolos não sabem a hora certa de parar".
Enquanto isso, Morrissey - ainda vestido de viúva da herança dos Smiths, solitário e vacilante e se atormentando com a eterna questão "Será que mergulhei fundo demais?" - entra nos anos 90 andando para trás.

Bem, Mozz... (ele parece constrangido). Desculpe, você não gosta de ser chamado de Mozz?
Soa como se eu fosse um cavalo de corrida.

OK, Monissey. Amigos em comum me disseram recentemente: "Nós saímos para ver Morrissey e é terrível. Ele está totalmente sozinho, nunca quer sair, desesperadamente infeliz". Isso não é conversa fiada? Não é sendo assim que você se sente feliz?
Não, não estou nem um pouco feliz. Não sinto nenhum êxtase de felicidade, pelo menos.

Você não se sente aprisionado por esta interminável auto-absorção? Não deveria traçar uma fronteira entre sua arte e sua vida?
Mas não é esse o fardo de todo artista genuíno? Se você sente a vida com intensidade e enxerga tudo de um ponto de vista artístico, inevitavelmente isso dilui qualquer sentido de diversão e espontaneidade. Minha vida sempre foi roubada dessas duas coisas. Sempre pensei sobre os acontecimentos depois, aí descobria o que devia ter feito. Essa idéia nunca ocorria no momento.

Mas esta sua imagem de Sr. Isolamento Esplêndido... Você tem amigos? Sai de vez em quando?
Sim, tenho alguns amigos, poucos amigos íntimos de verdade, Tim (Broad) é um deles. Saímos bastante, vamos a bares e alguns clubes. Mas geralmente não são noites de grande sucesso. Só uma questão de mostrar o rosto e voltar para casa - diversão histérica e sem autocontrole... digamos que não seja fácil! (risos). Mas até aí, a vida não é fácil, é? Dito isto, sinto que mudei bastante nos últimos sete ou oito anos.

Você não sente que tem de, alguma forma, "vir à tona" para encarar os 9O?
Sim, e quero fazer isso. Acho o conceito de Morrissey de continuar cantando nos 90 repentinamente muito, muito interessante. Um grande desafio, muito excitante. Tendo chegado aos trinta anos e ultrapassado essa barreira, me sinto muito melhor sobre minha posição no contexto da música pop britânica. Embora eu morra de medo dos 90, acredito que minha posição nesta década seja, talvez, uma das coisas mais interessantes e desafiadoras que já aconteceram ao pop britânico.

Alguns dizem que seu "momento" está passando.
Não acredito nisso. Porque eu, mais do que qualquer outra pessoa, tinha uma visão muito clara da carreira dos Smiths e da minha. Quando diziam que eu era forte, às vezes eu não estava tão forte assim. Quando fiz discos que tiveram críticas extremamente elogiosas, eles não eram totalmente perfeitos. Por isso minha visão é na verdade... a verdadeira, a mais aguçada. E sei que está ficando cada vez melhor e mais forte, realmente acredito nisso. E quando chegar a minha vez de... "agarrar as oportunidades", para usar um clichê... acho que será bem... interessante (risos).

Como você vê hoje Viva Hate, seu disco solo?
Mais como um acontecimento do que uma grande conquista. Acho que o público ficou simplesmente aliviado por eu continuar vivo. Isso, em si, foi a celebração de Viva Hate! Sempre fui ferozmente autocrítico e... não é um disco perfeito. E não era melhor que Strangeways, Here We Come (último Lp dos Smiths)! Há pelo menos umas seis faixas nele que eu adoraria poder enterrar no pedaço de terra mais próximo. E colocar uma pedra enorme em cima. (risos).

Você poderia falar um pouco sobre seu relacionamento com Stephen Street?
Será preciso?

Bem, ele certamente te ajudou a sair de...
Eu não estava pendurado na beira de um precipício! Eu não estava num leito de hospital cheio de tubos! Não estava totalmente incapacitado, não importa o que ele diga.

Johnny Marr recentemente contou como os Smiths chegaram a um ponto em que se tinha de escolher entre os Herman´s Hermtis e Sly Stone, e foi então que os problemas começaram. Essa colocação tem alguma coisa a ver com o fato de você ter gravado "East West" dos Herman´s Hermits para o lado B de seu último compacto?
Não, não mesmo. Nunca li essa entrevista... Humm, é verdade que os Smiths estavam amarrados a certas influências, provavelmente restritivas.

Costuma ser insinuado que você teria um "problema" com a música negra.
Eu não sei realmente o que "música negra" quer dizer. Isto é, nunca tive problemas com as Marvelettes. Ou com Dionne Warwick. Ouço os discos delas sempre, continuo ouvindo até hoje. Por isso...

Por causa de "Bengali In Platforms" (faixa de Viva Hate) você foi chamado de racista...
Mas estão sempre me chamando de uma coisa ou outra. Não ligo para isso.

Falando em racismo, como você encara a repentina ascensão dos Guns N´Roses?
Acho assustadora, não pelo confronto criado, e sim porque simboliza o estado da música na América. Se você espiar quais são os dez discos mais vendidos no momento, encontrará os Rolling Stones, Bob Dylan, Neil Young, Eric Clapton, Grateful Dead e eu acho isso um horror. Há uma canção neste meu disco que tem os Rolling Stones em mente, pois fiquei tão enojado com o recente retorno deles que não acho mais triste nem inspirador de pena. Sinto apenas uma raiva imensa por eles simplesmente não saírem do caminho. Você abre o jornal neste país e todo dia há uma foto obrigatória de, você sabe, Mick com as malas no aeroporto, ou Keith dizendo que agora está completamente normal. Eles não querem sumir! A música se chama "Get Off The Stage" ("Saiam Do Palco").

Conte mais sobre as músicas novas.
Há uma canção chamada "Striptea-se With A Difference" sobre aquele jogo de cartas em que o perdedor de cada partida tem de tirar uma peça de roupa, sobre uma pessoa que deseja secretamente perder e manipula o jogo nesse sentido. Aí vem "November (Spawned A Monster)" que, de certa forma, é a minha versão de "Frankenstein" dos New York Dolls. É sobre uma pessoa confinada numa cadeira de rodas, que não vê muito sentido em sua vida e cuja ambição é poder andar pelas ruas vestindo roupas que ela mesma escolheu e comprou. Essa é a sua única ambição pessoal.

É a que tem Mary Margaret O´Hara no meio?..
Nas vocalizações? Sim. Fiquei absurdamente intrigado pelo disco dela. Achei-o tão belo que, de repente, percebi que há mais de uma década eu não ouvia alguém cantando por causa de uma profunda neurose pessoal, por absoluta necessidade e desespero. A sensação que se tem é a de que ela pode cair em pedaços a qualquer instante e se transformar numa pilha de trapos e ossos no palco. Pela primeira vez em quase dez anos eu fiquei "alto" - mentalmente "alto" para valer. O que me vinha à mente era Horses (primeiro LP de Patti Smith). Ela também canta em outra faixa, "He Knows I´d Love To See Him", junto com Suggs, que era do Madness. (Olhando para mim, pensativo) Uhmm... Você aprova o Madness? Não sentia essa conexão Kinks/zona norte de Londres?

Você tocou para mim "Piccadilly Palare"...
"Palare" é gíria cigana que foi adotada no meio teatral e, nos anos 70, eu a ouvi na boca de prostitutos (risos). Eles têm seu próprio código para avaliar as pessoas e conversar entre si. A canção é sobre a prostituição masculina em Piccadilly, algo que atingiu grandes proporções nos anos 70. Você ouviu falar em documentários como Johnny Go Home? No Norte do país, entre a maioria das pessoas que eu conheço, havia um romantismo meio esquisito em torno disso. O termo seria "liberdade". Pegar um ônibus e passar o dia em Piccadilly era ex-traordinário. Já não é o mesmo hoje, depois que limparam o Soho (bairro boêmio de Londres), mas na época era uma experiência... poderosa.

Você escreve bastante sobre a experiência homossexual...
Bem... não muito.

OK, você escreve bastante sobre o "desejo" homossexual.
Eu sempre disse que deixo tudo em aberto e canto sobre as pessoas em geral. Sem limitações. E não acho que isso faça de mim um homossexual.

Você sempre fica ofendido com essa palavra.
Porque ela é tão limitadora e restritiva.

Você se sente mais capacitado para se projetar sexualmente, agora?
Sim, eu sinto. Durante toda a carreira dos Smiths, eu estava completamente aleijado. Estava preso a uma cadeira de rodas, não tenho dúvidas. Um dia, de repente, acordei e senti: "Meu Deus!". Isso ocorreu recentemente, pouco mais de um ano atrás. Quer dizer, suponho que a "masculinidade adulta" eventualmente chegue para todos (explode em gargalhadas). Talvez eu esteja sendo excessivamente otimista.

E relacionamentos... sexuais?
Não tenho nenhum. Estão fora de questão.

Porquê?
Em parte porque sempre me senti atraído por homens e mulheres que nunca se sentiram atraídos por mim. E nunca me senti atraído por homens ou mulheres que se sentiram atraídos por mim. Aí está o problema. Nunca encontrei a pessoa certa.

Em minha favorita entre suas canções confessionais - "Half A Person" - você canta sobre estar totalmente encantado por uma garota que, quando você retorna tentando, impressioná-la como uma figura famosa, simplesmente diz: "Quando você era desesperadamente pobre, eu apenas gostava mais de você". É autobiográfica?
Sim, absolutamente verdadeira. Essa garota existe.

Mas você nunca sente vontade de, digamos, mergulhar de cabeça?
Eu gostaria, sim, mas não com qualquer pessoa. É o tipo de coisa que... uh... não surge naturalmente dentro de mim.

Você parece ter problemas com as outras pessoas.
E muito difícil para mim fazer amigos, provavelmente por minha visão do mundo ser um tanto excêntrica.

Você se considera paranóico?
Não me sinto realmente paranóico, mas pessoas rigorosamente normais me tornam paranóico. Porque elas, exercem tamanho poder. É difícil sair de casa, porque mesmo que as pessoas não gostem de você ou não queiram conversar, continuam olhando com uma curiosidade incontrolável. Ter uma pessoa com os olhos fixos em você constantemente é um fardo. Eu não sou uma pessoa incrivelmente glamourosa para ser observada. Não passeio em lojas de departamentos nem circulo por casas noturnas com uma entourage.

O que será que essa gente espera de você?
Quando me param, esperam que eu seja muito, muito poético. Começam a conversar sobre o assunto mais poético: a visão que têm do mundo.

Querem ler para você os poemas que escreveram?
Sim, o tempo todo.

Não é embaraçoso?
Sim, mas só porque a maior parte é muito pessoal.

Foi reportado que um número não especificado de jovens se matou quando os Smiths se dissolveram. O quanto isso te perturbou?
Me senti, perturbado, sim, mas tive de sentar e acreditar que, na verdade, o que puxou o gatilho na infelicidade desses indivíduos já havia ocorrido antes que entrassem em contato com os Smiths. Eu tenho de acreditar nisso.

Na mesma medida em que você é idolatrado, também é odiado, muitas vezes com a mesma intensidade, e muitas vezes por outros artistas proeminentes...
Há uma intolerância extrema. Para muitas pessoas, é inveja - muitos outros artistas têm muita, muita inveja de mim. Porque, embora eu não seja tolerado de nenhuma forma pela grande e gorda mídia, existem artitas que têm inveja exatamente disso! É tão difícil no final dos 80 ser um pouco que seja rebelde ou perigoso. Se um artista quer ser rebelde ou perigoso, veste sua jaqueta de couro e faz aquelas coisas "rock´n´roll" que já não são rebel-des. Mas é realmente difícil, um feito considerável, atingir o nervo com a música pop. E, mesmo sem querer, eu sempre faço isso. Todas as vezes. Nesse sentido, nada mudou.

Os Smiths não eram uma "banda de rock"?
Os Smiths sempre foram um grupo pop. Parte de nossa política geral era nunca usar a palavra "banda".

Os outros três não enxergavam, porém, como um empreendimento "rock"? .
Não acredito. Nos momentos realmente frustrantes, Johnny, sempre dizia: "Pelo amor de Deus! É apenas um grupo pop". Isso sempre fazia baixar a tensão nas discussões. É claro que, no dia seguinte, isso era esquecido e voltávamos a franzir as sobrancelhas.

Se Johnny telefonasse pedindo para voltar a trabalhar com você, o que Você diria?
Não é nenhum segredo que eu pegaria o primeiro ônibus para a casa dele. Eu não sinto, ao dizer isso, que não tenho segurança na minha posição atual de artista solo... Mas ele compunha grandes músicas e a união era absolutamente perfeita.

Johnny afirma agora que sentia a tua criatividade secando em Strangeways... Quais suas lembranças da gravação desse disco?
Foi um período muito feliz entre os quatro membros do grupo. À nossa volta, obviamente, rondavam lobos famintos...

Mas a criatividade estava ou não secando?
Nem um pouco. Nas últimas sessões dos Smiths em Streatham gravamos duas canções que apareceram em lados B de compactos: "Work Is A Four Letter Word" (cover de Cilla Black) e uma chamda "I Keep Mine Hidden", que foi a última música que o Johnny e eu fizemos juntos e a última que os Smiths gravaram. Hoje em dia, quando ouço os Smiths em casa algo que faço muito - essa é sempre a primeira canção que ponho para tocar. E é a que me faz sentir mais feliz.

Você ficou realmente chocado quando Johnny anunciou sua saída?
Muito, muito chocado. Muito, muito, muito chocado. Não conseguia acreditar.

Ele não tinha dado nenhum sinal?
Diretamente,não. Conversamos sobre isso, em determinado ponto, no apartamento dele em Chelsea, uma noite. Estávamos cansados, exaustos, mas foi uma conversa bem... unida e compreensiva.

Mas, em suas entrevistas, ele continua ressaltando o quanto doente e infeliz se sentia...
Estávamos ambos infelizes sobre muitas coisas, a principal delas a organização empresarial dos Smiths. Além do fato de estarmos trabalhando tão duro e nada poder ser utilizado de uma maneira positiva. Isso era esgotante. Já tínhamos passado por uma sucessão de empresários em potencial, nenhum dos quais era o certo, todos emocionalmente danosos, porque mesmo se afastar das pessoas era difícil. Estávamos apenas excessivamente vulneráveis. Na última tumê americana, houve períodos em que Johnny estava tão abatido que era simplesmente uma questão de dizer um ao outro: "Isso não está certo, não é jeito de viver".

O ano passado, em Wolverhampton pela primeira vez você tocou umas duas músicas dos Smiths sem Johnny.
Aquele show em Wolverhampton foi meu adeus. Eu sentia isso pela simples dissolução dos Smiths... aquelas canções também eram uma parte minha. Não sentia vontade de sair dizendo: "Oh não, chega disso, acabou. Vamos seguir em frente numa onda de criatividade em massa." Continuo sentindo aquelas canções como parte da minha pessoa, eu tinha o direito de cantá-las.

Como você se sente hoje sobre o relacionamento dos Smiths com a Rough Trade (selo independente, primeira gravadora do grupo)?
Era patético. O assunto de colocação de cartazes, por exemplo, não foi nem abordado até o nono compacto dos Smiths. Nada foi utilizado e a culpa era basicamente da Rough Trade. Apesar do fato de os Smiths não terem um empresário também ser um problema. Nada em torno dos Smiths foi positivamente explorado - uma palavra tão feia mas que, às vezes, pode ser útil (risos).

Os Smiths eram uma democracia?
Não, não eram. Nunca encontrei um empresário em potencial que pudesse lidar com a situação sem desejar uma participação criativa, sem dar opiniões. Nós só queríamos ser ajudados com as nossas próprias idéias. Os empresários são incapazes disso. Não conseguem resistir a querer meter a mão, acreditando que eles também estão fazendo o disco novo e projetando a capa. Você precisa entender que os Smiths eram uma sociedade totalmente fechada.

Eles eram, em certo sentido, a tua gangue?
Sim, totalmente. Porque as pessoas sempre tiveram medo de nós. Entrávamos numa sala, todo mundo ficava muito nervoso com este... "corpo organizado" de Manchester. Se as pessoas sentem que você, na verdade, não se importa com a opinião delas, aí sim ficam com medo.

Mas você precisa de uma gangue na casa dos trinta?
Não, me sinto uma pessoa muito forte. Só com o fim dos Smiths percebi que eu tinha meu sentido de poder pessoal muito bem resolvido. Este foi o grande desafio positivo.

Em que medida você anseia pela volta daquele tipo de parceria?
Não é uma questão de ansiar em "astúcia silenciosa", não podia ser de outra forma. É melhor ter uma relação de trabalho íntima com alguém que faz a música, porque pode-se, entre si, cometer alguns erros sem o mundo inteiro ficar sabendo. Agora, pelo fato de eu estar trabalhando com outras pessoas, ficou mais difícil fazer certas coisas ao acaso. Eu escrevo o tempo todo mas, obviamente, depois dos Smiths, só quando consigo arrumar uma melodia começo a cantarolar. Mas aquela música exuberante é rara e eventual agora.

Johnny Marr parece sentir que os Smiths eram superestimados. Você acha que o grupo pode ter sido arruinado pelas expectativas dos críticos, eu inclusive?
Não. Para mim, os Smiths sempre foram e continuam sendo terrivelmente subestimados. É tudo que posso dizer. Essa é a essência da minha frustração pessoal.

Mas você não se sente às vezes fazendo o papel de Yoko Ono, protegendo o legado dos Smiths,combatendo em litígios intermináveis, passando o tempo todo com advogados?
Pode parecer, assim, a maior parte do tempo, mas quando a questão é dinheiro, as pessoas ficam muito estranhas. Saem de si, ficam meio desvairadas.

E Craig Gannon? Ele só tocou com os Smiths durante alguns meses...
Craig... Bem... Não tenho certeza se posso falar sobre isso. É muito, muito sério. No fim das contas, é gente que tem muito tempo ocioso. Você entende? Pessoas que entraram em contato com os Smiths deram com uma situação em que havia bastante dinheiro no ar. Aí, de repente, elas se vêem fora dessa situação. Pensam e repensam.

Esses boatos de uma reunião dos Smiths, que volta e meia aparecem, não são um tremendo albatroz no seu pescoço?
Fico furioso com os boatos que cercam a mim e aos Smiths. Por exemplo, o NME publicou uma reportagem imensa sobre minha entrada para o 808 State e queriam fazer comigo uma entrevista sobre dance music! Como se a minha atitude em relação à dance music tivesse mudado! Eu não tenho o menor interesse em qualquer tipo de dance music!

Você sente algum tipo de filiação nos Happy Mondays e nos Stone Roses? Você gostaria de ter participado do Top Of The Pops (programa da TV) com eles?
Eu não os conheço pessoalmente. Fico contente por eles. Sempre acompanhei com interesse as bandas de Manchester, por isso um Top Of The Pops dominado pelas bandas da cidade seria muito interessante, sem dúvida (pausa). Mas o destino não quis...

Manchester não virou uma espécie de prisão para você?
Eu sinto isso, sim. Tento escapar, mas a cidade nunca me deixa. A quilometragem também não ajuda.

Os Stone Roses parecem ter abocanhado uma bela parcela do público Dos Smiths.
Acho que eles estão se saindo muito bem porque são organizados. Os Smiths nunca foram. Mas eles não me emocionam nem um pouco, e eu realmente gostaria que emocionassem. Eu desejo ardentemente sentir algum entusiasmo por eles.

E os Happy Mondays?
Gosto muito do primeiro LP deles.

Eles adoram fazer publicidade de seu deboche e dissipação, ao contrário dos Smiths...
É o dever de toda geração achatar a moral da geração anterior. E os Smiths, eu suponho, já fazem parte da geração anterior. O clima ficou bem amargo para mim aqui. Ninguém tocava Smiths na programação diurna das rádios. Nunca. Por isso as coisas estão muito mais fáceis para esta nova geração de grupos - os Smiths passaram como um arado.

Ambos os grupos têm muito respeito por você. Ambos me disseram que se sentem mais próximos dos Smiths do que do New Order.
Ouvir isso me surpreende.

O que você sente em relação ao New Order?
Eu nunca, nunca entendi o New Order. Não sinto ódio, raiva, inveja, nada por eles. Mas este é o problema! Eles simplesmente passaram por cima da minha cabeça. Ou por baixo.

E o Joy Divison, então?
Eu vi um show deles pouco antes de acontecer "a morte" e fiquei espantosamente imune. Assim como a platéia, devo acrescentar. Para mim, não passa de uma... lenda.

Você sente algum parentesco com os Pet Shop Boys?
Nenhum parentesco, em absoluto, nem este ano nem no ano passado. Eles não me deixam a mínima impressão.

Nenhum Interesse? Você andou "socializando" com Neil Tennant...
Bem, Neil Tennant me interessa, sim, no sentido em que um cérebro como o dele trabalhando com sucesso neste meio é muito mais interessante para mim do que... bem, preencha você mesmo o espaço em branco. Pelo menos é uma pessoa inteligente.

E esta "cultura do ecstasy" na Inglaterra? Este novo abandono nas platéias jovens?
Bem, obviamente, se estas platéias estão descobrindo a música pela primeira vez, não estão chegando para estabelecer padrões muito elevados. Mas, como não estão interessas no passado - nem no final dos 60/começo dos 70 - não estão julgando nada. Isso não me preocupa. Eu não tomo drogas, nunca tomei. Conheço pessoas que as drogas fazem muito felizes. E eu pessoalmente sei de muitos relacionamentos cuja única base é ecstasy. Pode parecer bom na superfície, mas com o tempo se desgasta. E fisicamente muita gente vai se dar muito, muito mal. Eu vejo tudo isso da seguinte,forma,as pessoas simplesmente quebrando a casca do ovo dizendo: "Chega de depressão, chega de repressão. Não vou mais ficar na fila do auxílio-desemprego. Quero sair, dançar, conhecer pessoas". É uma questão de agarrar o momento, viver agora e esquecer o futuro.

Os Smiths foram representados - uma interpretação equivocada, na minha opinião - como um fenômeno cultural que significaria ficar trancado no quarto...
Essa visão foi ficando cada vez mais errada conforme os anos foram passando. Eu vejo os fãs dos Smiths como basicamente pessoas inteligentes, nada mais, nada menos.

Você não sente a Inglaterra atual como um país condenado?
Sinto, e todo mundo também está sentindo isso. Até mesmo pessoas equilibradas e totalmente capazes de serem felizes estão sentindo este país despedaçadamente condenado. Sinto, porém, que tenho de ficar. Tenho de afundar com o navio, se isso tiver de acontecer. Qualquer outra atitude seria deserção. É tão difícil mudar qualquer coisa neste país. Não consigo enxergar por quê.

Este "anglicismo" com que você se embrulha...
É verdade.

Você nunca sente vontade de deixar todos os seus livros, discos e filmes antigos - todos os seus pontos de referência a culturas passadas - e sair para abraçar algo novo?
Não, nunca quis fazer isso. Por que deveria?

Então o ápice da felicidade, para você, continua sendo assistir a um bom filme a tarde na TV?
Sim, com certeza.

Na letra de "Paint A Vulgar Picture", você canta "Em meu quarto naquelas casas novas e feias / fico dançando até gastar as pernas até os joelhos". Você continua dançando bastante sozinho no quarto?
Sim. E uma ocorrência diária pois ouço música o tempo todo. Sou tão puramente transportado às vezes que parece aquele transe em que você supostamente deixa o corpo. E embora você não se veja, isso realmente acontece.

O que você acha de fazer alguns shows este ano?
Sim, eu quero me apresentar ao vivo. Fico feliz por ter estado razoavelmente silencioso e feito uma boa pausa. Eu precisava disso.

Você fala o tempo todo em eventos. O show em Wolverhampton certamente foi um "evento". Uma turnê diminuiria esse efeito?
Eu não acho. Veja, eu consigo parar à margem agora e dizer "deixa estar". As lembranças da última turnê dos Smiths são tão bonitas que talvez eu devesse apenas...

Você parecia terrivelmente abatido naqueles shows.
Não me lembro de nenhuma daquelas noites, para ser honesto com você (risos). Cada lembrança é para mim como me ver numa roda catarina, é até onde vai. Recordo algumas vezes em que tive de ser literalmente empurrado para cima do palco. Estava pálido,doente, precisava comer, dormir - todas essas circunstâncias naturais que se tornam desejáveis quando você passa a ser levado para cima e para baixo. Mas, para mim, foram noites de grande emoção. Não uma simples questão de sair e cantar um punhado de canções com grandes refrões e finais espertos.

Na Inglaterra, você parece poder controlar sua fama. Fora dela, obviamente, é outra questão. Não seria por esta razão ,que você é mais famoso no exterior, principalmente nos EUA?
Em certo sentido, sim. Sempre me segurei e retive minha privacidade. Prefiro ficar calmo. Nunca me deixei ser pisoteado pela própria carreira. Os Smiths não foram correndo para América. Nós hesitamos e isso nos ajudou muito.

Como você vê o fato de os leitores da Spin terem votado The Queen Is Dead o melhor LP de todos os tempos?
Um espanto completo! Mas, mais uma vez, é uma situação que não pode ser capitalizada utilmente. Essa é história da carreira dos Smiths. Nunca houve um merchandising em torno dos Smiths ou de mim. Até nos EUA, depois de duas surpreendentes turnês do grupo, era impossível achar os discos para comprar. Os shows eram todos para auditórios lotados, com capacidade para quinze mil pessoas, histeria coletiva, não dava para ouvir a música por causa da gritaria. Ainda assim era uma coisa abstrata, porque eu nunca tinha esperado por isso. O modo como me sinto agora em relação à América é que, se tivesse um corpo de pessoal forte e fosse para lá, seria uma figura sufocantemente enorme. Sei que isso aconteceria. Mas até achar esse pessoal não farei isso.

Você está realmente procurando esse "corpo de pessoal"?
Sim... (cautelosamente). Mas só com um dos olhos. Porque também quase acredito que eles simplesmente se apresentarão, se isso estiver mesmo para acontecer. Se não estiver, então estou sendo poupado de algo.

Você acredita em intervenção divina?
Em algum lugar, sim.

Há uma citação sobre a fama em uma peça de um de seus escritores favoritos, Heathcote Williams, que diz ser o jeito de Deus de punir as pessoas, de marcá-las e excluí-las. Você se identifica com isso?
Acho apenas que a vida humana é considerada tão insignificante nos dias de hoje que a única coisa que se pode tentar, para se fazer qualquer coisa, é se "tornar famoso". Esta obsessão atual pela fama assola todas as pessoas que eu conheço. Têm de conseguir, senão suas vidas serão totalmente inúteis. E não acredito que tenha sido sempre assim. Creio que há pressões levando a esta monstruosa ênfase na fama, em "fazer" e "ser visto". Nem tanto "fazer" mais. Basta "ser visto" fazendo alguma coisa e você é famoso. E um estrangulamento.

Você não sente que talvez seja o momento de se deslocar para outro campo criativo, como um romance ou um roteiro para cinema?
Eu poderia facilmente, mas simplesmente não quero. Acho que ainda há tempo. Minha posição no pop britânico, para pior ou para melhor, é única e não vou abandoná-la. Não quero. Vou çontinuar presente, fazer mais discos. É o que me excita. Há tempo para outras coisas... (pausa)... se eu quiser fazê-las. Não vou tomar essa direção apenas porque seria o "próximo passo adulto" ou um modo mais digno de andar por aí. Que, decididamente, é...mas... não estou pronto... não estou pronto para voltar para casa ainda.

Mary Margaret O´Hara lançou seu primeiro LP, Miss América, em novembro do ano passado. O álbum recebeu críticas favoráveis da Imprensa americana e britânica e foi rotulado de "uma intrigante mistura de folk minimallsta e jazz"

Os Herman´s Hermilts foram extremamente populares na década de 60. O grupo de Manchester - um dos protagonistas da "Invasão Britânica" que assolou os EUA -colocou vários hits, como "There´s A Kind Of Hush", nas paradas do mundo todo entre 64 e 67, vendendo mais de quarenta milhões de discos (entre LPs e compactos)

Os New York Dolls foram, no início dos anos 70, precursores do punk. Com uma espécie de paródia andrógina dos Rolling Stones, inspirada ainda no rock visceral de Stooges e Velvet Underground, abriram espaço para o surgimento da new wave nova-iorquina. É um dos grupos preferidos de Morrissey, que chegou a montar um fã-clube deles em Manchester

As Marvelette se distinguiram dos outros grupos vocais femininos da Motown pelo seu estilo único, mais próximo dos girl-groups de Phil Spector. Criado por Gladys Horton em 61, o seu compacto de estréia, "Please Mr. Postman", foi o primeiro "número um" da Motown nos EUA

Cronistas da fauna londrina,os Kinks estão entre os principais grupos mod surgidos na Inglaterra no início dos anos 60. Criadora de clássicos como "You Really Got Me" e "Lola", a banda, fundada em 62 pelos Irmãos Ray e Dave Davies, continua em atividade. No ano passado, excursionaram pela Europa e EUA, promovendo o lançamento do LP UK Jive

Uma das mais populares cantoras norte-americanas de todos os tempos, Dionne Warwick teve sua melhor fase entre 62 e 69, quando emplacou hits clássicos como "Walk On By", apoiadana dupla de produtores e compositores Burt Bacharach e Hal David

No início dos 70, escrevendo para o New Musical Express, Nick Kent era uma das raras vozes da crítica Inglesa que destoavam da exaltação ao rock progressivo, contra-atacando com sua adesão apaixonada ao protopunk de bandas como Velvet e New York Dolls. Não por acaso, chegou a ensaiar como guitarrista/vocalista dos Sex Pistols durante algumas semanas entre agosto e setembro de 75, antes da entrada de Johnny Rotten e do primeiro show da banda. Após um certo sumiço, reapareceu no Melody Maker como um dos mais fervorosos admiradores dos Smiths. Esta entrevista foi originalmente publicada na Face, revista na qual este ilustre escriba colabora atualmente

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SHOWBIZZ, Ed. 147 – outubro de 1997

MORRISSEY

Você está gostando de ficar mais velho?
A beleza de ter 17 anos é que você não tem idéia de quanto o tempo voa e de que logo, logo terá 38. Eu nunca esperei chegar nesta idade, mas sabe que é bem confortável? A maioria das pessoas na minha idade já estão terríveis. Eu diria que não estou mal...

Você se considera velho demais para alguma situação?
Sim, para o Britpop. Mas talvez eu não gostasse mesmo desse tipo de música... É só ver o Oasis. Num momento em que todos os holofotes do mundo estão em cima do grupo, eles deveriam ter feito o mais criativo e revolucionário dos álbuns. Oasis é muito sem-sal para mim.

Ainda falando de idade... É mais fácil ter afinidade com uma pessoa na sua faixa etária... Você não temeria sair com alguém multo mais velho? Ou muito mais novo?
Eu tremeria diante da proposta de sair com qualquer pessoa. Nunca saí com alguém. Ninguém neste mundo pode dizer que teve algo comigo. Isso seria mentira.

Mas você é um ser humano! Nunca se apaixonou?
Artistas não são pessoas normais, eu mesmo sou sou feito 40% de papel machê... Mas já me apaixonei, sim! E por pessoas reais. de carne e osso... O fato é que estou acostumado com a fantasia, com o rock´n´roll. Tudo foi sempre à distância. como um sonho. Entendo a vida dos livros, filmes e da música...

Quando foi a última vez que você passeou segurando a mão de alguém? E no escurinho do cinema, não rolaram uns amassos?
Nunca fiz isso. Você está me superestimando! Não tem jeito: não há nada para contar...

Apesar do sucesso incontestável, tanto no Smiths como em sua carreira solo, você não se sente um superstar, pelo contrário, continua fazendo parte do time dos alternativos...
Meus discos vendem, mas nada comparado com artistas que estão no topo das paradas. As pessoas sempre esperam o pior de mim. Nunca fui digerido na Inglaterra.

Essa situação deixa você chateado?
Pelo contrário! Eu odiaria ser o amigo da moçada, ser fotografado com alguém e aparecer toda semana na revista da moda. Eu sempre admirei artistas que permaneceram reservados e que, de alguma maneira, se sentiam superiores. Talvez a música que fiz durante toda a minha vida tenha passado uma certa simpatia. Prefiro o rancor fora de moda...

Mas você não tem afinidade com os artistas que fazem o Jogo da fama?
Não simpatizo com ninguém. É sentimento jogado fora. Prefiro guardar toda emoção para mim. Deus sabe que preciso disso.

Maladjusted (seu novo disco solo) tem uma canção de amor, "WideTo Receive" ("Aberto para receber") ...
É supostamente uma canção de amor. Mas na verdade é sobre Internet. Você, no computador, esperando ansiosamente para receber uma mensagem. É horrível estar aberto para receber e descobrir que não há razão para esperar...

Como você compara esse trabalho com o Smiths?
Maladjusted é o melhor de mim. Sei que as pessoas irão dizer: "mas, e o Smiths?´ . Acho isso um tédio. Nada contra o Smiths, mas faz uma década que estou fora!

É por isso que ao vivo você não canta nada de Smiths?
Ah, isso não é uma decisão consciente, entende? É claro que continuo achando que as músicas do grupo são maravilhosas! Sabe, ocasionalmente, quando estou enrolando pastel, me pego cantando "Death Of A Disco Dancer"... Mas sempre prefiro cantar as mais recentes que fiz.

Fonte: CD-Rom da Revista Bizz